Reforma – Ontem e
Hoje
Alderi Souza de Matos
Todo grupo humano possui em sua história eventos de grande
significado que estão intimamente associados com a sua identidade e
auto-compreensão. No caso dos protestantes, um evento dessa natureza
é o episódio que desencadeou a Reforma Religiosa do Século
Dezesseis. O monge agostiniano e professor de teologia Martinho Lutero afixou
à porta da igreja de Wittenberg, na Alemanha, as suas célebres
Noventa e Cinco Teses, convidando a comunidade acadêmica local para
um debate público sobre a venda das indulgências e outras
questões controvertidas. Desde então, o dia 31 de outubro de 1517
tem permanecido na consciência evangélica como um símbolo
fundamental do seu movimento.
Todavia, por decisivo e marcante que tenha sido, esse acontecimento
pertence ao passado e não pode mais ser repetido. Há muitos
evangélicos que sonham com uma volta aos tempos da Reforma, assim como
tantos gostariam de restaurar os dias heróicos da igreja primitiva. A
isto chamamos de "repristinação," ou seja, a tentativa de
restaurar alguma coisa a um estado ou condição original,
prístino. Porém, o fato é que os acontecimentos,
circunstâncias e personagens passam inexoravelmente; somente as
idéias e os ideais permanecem, e são eles, acima de tudo, que
devem ocupar a nossa atenção.
Ao comemorarmos mais um aniversário da Reforma, de que maneira
podemos celebrar a obra dos desbravadores evangélicos do século
dezesseis? De que modo podemos honrar o Deus dos reformadores, nós que
vivemos no limiar do século vinte e um? Uma das respostas é:
conhecendo e encarnando as convicções que nortearam as suas vidas
e os seus labores. Destacamos três delas, que reputamos essenciais para a
igreja contemporânea.
Primeiramente, é notável o lugar que os reformadores deram ao
Deus triúno em seu pensamento e ação. Apesar dos fatores
políticos, sociais e econômicos envolvidos na Reforma, o seu
ímpeto mais central veio da profunda experiência religiosa de
líderes como Lutero e Calvino. A sua visão da graça e da
glória de Deus, mediada pelas Escrituras, levou-os a colocá-lo no
centro de suas vidas e a rejeitar tudo aquilo que pudesse obscurecer a sua
majestade como Senhor do universo, da vida e da redenção. Em
segundo lugar, há que considerar o seu entendimento da igreja como
comunidade de adoração, comunhão e serviço. A igreja
não era para eles uma estrutura ou instituição, mas o
conjunto dos fiéis que se reúnem para exaltar a Deus, estudar a
sua Palavra e celebrar a sua salvação, e depois se dispersam para
testemunhar e servir. Finalmente, os reformadores nos inspiram em seu
entendimento da sociedade. Rompendo com a dicotomia entre sagrado e secular, os
líderes da Reforma e seus seguidores insistiram no fato de que toda a
vida pertence a Deus e deve refletir o seu senhorio. Com seu trabalho e exemplo,
o cristão deve esforçar-se para que os valores do Reino permeiem
todas as áreas da coletividade. Que sejam essas as nossas
preocupações ao lembrarmos novamente os eventos e personagens dos
quais somos herdeiros.