Reflexões sobre a
História da Igreja Presbiteriana do Brasil
Alderi Souza de Matos
Historicamente, duas datas têm sido propostas como mais adequadas
para o aniversário da nossa denominação. Uma delas é
a data oficial, 12 de agosto, que lembra o dia do distante ano de 1859 em que
chegou ao Brasil o nosso missionário fundador, o Rev. Ashbel Green
Simonton (1833-1867). Essa data sem dúvida é extremamente
significativa, pois devemos ao idealismo e abnegação de Simonton o
surgimento do presbiterianismo organizado em nosso país. A outra data,
defendida por vários estudiosos como mais apropriada para o
aniversário da IPB, é 12 de janeiro de 1862, o dia em que foi
formalmente estabelecida a primeira comunidade presbiteriana em solo brasileiro,
a Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro. Parece que o próprio Simonton
seria simpático a essa data, pois ele, após relatar em seu
Diário as primeiras profissões de fé e a primeira
celebração da Ceia do Senhor, ocorridas naquele dia, acrescentou:
"Organizamo-nos assim em igreja de Jesus Cristo no Brasil."
Obviamente, esta é uma questão secundária. O que
realmente devemos considerar é a trajetória da igreja nesse
período, com suas realizações, problemas e perspectivas
para o futuro. A história da IPB tem páginas gloriosas que falam
de grandes conquistas para o reino de Deus. É o caso, por exemplo, do
crescimento extraordinário das primeiras décadas. No final do
primeiro decênio (1859-1869) havia apenas um presbitério, seis
igrejas e uns poucos missionários. Quando da criação do
Sínodo, em 1888, existiam quatro presbitérios, 60 igrejas e 32
obreiros. Em 1910, ao organizar-se a Assembléia Geral, a igreja já
contava com dois sínodos, sete presbitérios, 150 igrejas locais e
10 mil membros comungantes, constituindo a maior denominação
evangélica brasileira.
Nas décadas seguintes, a IPB continuou a crescer, ainda que em ritmo
menos dramático, mas foi ultrapassada em termos numéricos por
outras denominações, notadamente os batistas e diversos grupos
pentecostais. Em 1959, ao comemorar-se o centenário da chegada de
Simonton, a igreja contava com 102 mil membros comungantes, 526 igrejas locais,
quase mil congregações e 414 pastores. Recentemente, em 1998, a
Secretaria Geral de Estatística informava os seguintes números: 53
sínodos, 204 presbitérios, 2140 pastores na ativa, 1874 igrejas,
1943 congregações, 288 mil membros comungantes e 120 mil membros
não comungantes. Tais números certamente impressionam – e
devemos ser gratos a Deus por esses progressos –, mas o fato é que
a igreja está muito aquém do seu potencial de
expansão.
O crescimento da IPB foi particularmente notável em algumas pontos
do país, especialmente no leste de Minas Gerais, até hoje a
região de maior dinamismo da igreja. A ocupação de vastas
regiões da Amazônia através dos esforços da Junta de
Missões Nacionais também foi um marco importante na caminhada da
denominação, assim como o trabalho da Junta de Missões
Estrangeiras em Portugal e outros países.
Outra área em que há muita coisa a comemorar é a da
educação. Ao longo desses 140 anos, os presbiterianos implantaram
um bom número de instituições que prestaram e ainda prestam
valiosos serviços à sociedade brasileira. Dentre elas destacamos o
complexo Escola Americana/ Mackenzie (1870-1890), o Colégio Internacional
(1873), a Escola Americana de Curitiba (1892), o Instituto Gammon (1893), o
Colégio Americano de Natal (1895), o Colégio Agnes Erskine (1904),
o Colégio 15 de Novembro (1908) e muitos outros. A igreja também
investiu na preparação dos seus obreiros através do
Seminário Presbiteriano, iniciado em 1892, do Seminário do Norte
(1899), do Instituto Bíblico Eduardo Lane (1933) e de outras
instituições mais recentes. Em todas essas iniciativas, houve
sempre o concurso valioso dos missionários e das igrejas-mães
norte-americanas.
Ao lado dessas realizações, a caminhada da IPB também
apresentou percalços, como as diversas crises de maior ou menor gravidade
vividas pela instituição. Na última década do
século XIX a igreja ainda infante defrontou-se com as tremendas lutas
entre o grupo de liderado pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira e os elementos
ligados ao Mackenzie. Divergências crescentes sobre o lugar dos
missionários, o papel da educação e a maçonaria
produziram o triste cisma de 1903 e a criação de uma nova
denominação presbiteriana. Alguns anos mais tarde, a
fundação do Seminário Unido no Rio de Janeiro (1917-1932)
também provocou sérias tensões entre os seus defensores e
os partidários do Seminário Presbiteriano, cuja
sobrevivência parecia ameaçada. No final da década de 1930 e
início dos anos 40, algumas tentativas de reforma da
Constituição da Igreja provocaram protestos veementes por parte
dos presbitérios do Nordeste. Porém, nenhum desses conflitos
equiparou-se aos eventos ocorridos nas décadas de 60 e 70, quando a
polarização político-ideológica do país e
alguns fenômenos novos na área religiosa (ecumenismo,
renovação carismática) convulsionaram fortemente a vida da
IPB.
E assim tem sido a caminhada dessa grande igreja. Avanços
extraordinários em algumas áreas e lamentáveis reveses em
outras. Por um lado, grandes realizações com a
bênção de Deus e, por outro lado, desarmonias que
comprometem a vitalidade e o testemunho da igreja. As lições da
história nos mostram que a IPB precisa trabalhar com carinho e
determinação certos aspectos da sua vida e obra. Sugerimos algumas
áreas prioritárias:
- Missões: para que a igreja cresça fisicamente e se
fortaleça espiritualmente é preciso investir na obra
missionária. Essa é a principal razão do grande progresso
da maior denominação histórica do Brasil, a Igreja Batista.
Dificilmente há um culto batista em que não se fale de
missões ou em que não se levante uma coleta para esse fim. E os
resultados aí estão: os batistas brasileiros somam hoje
aproximadamente um milhão e meio de membros, três vezes mais que os
presbiterianos.
- Finanças: uma área estreitamente ligada à
anterior é a da contribuição. Ao longo de sua
história, a IPB tem perdido oportunidades missionárias e outras
por causa da crônica falta de recursos. Um bom exemplo foi a promissora
obra missionária em Portugal, que teve de ser interrompida por duas vezes
na primeira metade do século XX em virtude do estado de penúria em
que viviam os missionários e suas famílias (Revs. João da
Mota Sobrinho e Paschoal Luiz Pitta). É preciso despertar as nossas
comunidades para a importância bíblica da mordomia cristã.
- Cooperação: nas décadas de 1920 e 1930, a IPB
participou de um belíssimo esforço cooperativo junto às
outras igrejas evangélicas do Brasil, sob a liderança do Rev.
Erasmo Braga. Desse esforço resultaram iniciativas como a Missão
Evangélica Caiuá, a Associação Evangélica
Beneficente, o Instituto José Manuel da Conceição e a
Confederação Evangélica do Brasil. Sem minimizar os
aspectos teológicos e litúrgicos que nos distinguem de outros
grupos, devemos dialogar com os mesmos e participar de projetos comuns para
darmos à sociedade brasileira um melhor testemunho da fé
evangélica.
- Ação social: a atuação histórica
dos reformados nas áreas social e política deve ser conhecida e
resgatada pelos presbiterianos atuais. Podemos ter uma presença mais
nítida e uma voz mais audível na vida pública de nosso
país sem abrir mão de nenhum só de nossos princípios
e valores reformados. Numa sociedade marcada por tantos sofrimentos e
injustiças, é inaceitável que a igreja se mantenha omissa.
- Contextualização: depois de quase um século e
meio no Brasil, é necessário que a IPB seja realmente uma igreja
brasileira. Ao lado de preservarmos a nossa herança histórica,
devemos inserir-nos sem receios na cultura nacional, nos aspectos em que
não haja conflitos irremediáveis com o evangelho de Cristo. Isso
se faz necessário especialmente na esfera litúrgica. Nossos cultos
muitas vezes são excessivamente formais e ainda marcados por uma forte
mentalidade anglo-saxônica. Podemos desenvolver formas de
adoração mais adaptadas à nossa índole e
peculiaridades culturais, sem comprometer os princípios essenciais da
liturgia reformada.
- Espiritualidade: acima de tudo, a nossa igreja precisa de uma vida
espiritual mais intensa e transbordante, com redobrada valorização
da oração, do estudo das Escrituras, da comunhão
cristã e de um cristianismo prático, de uma fé relacionada
com a vida de cada dia. O medo das influências carismáticas tem
feito a igreja retrair-se, ver com suspeitas toda manifestação de
vibração espiritual, e isso nos emprobrece espiritualmente.
- Teologia: finalmente, a IPB precisa refletir de modo mais aprofundado
a respeito da sua fé, identidade e missão, sempre à luz das
Escrituras e da herança reformada. É essa reflexão
bíblico-teológica que irá conduzi-la a uma vida mais
dinâmica e a um testemunho mais eficaz, livrando-a ao mesmo tempo de
distorções e das inovações meramente humanas e
passageiras.