História das Missões na
Igreja Brasileira do Século XX
Alderi Souza de Matos
Introdução
Por muito tempo, o Brasil foi apenas um campo missionário de
organizações estrangeiras. As igrejas brasileiras demoraram a
despertar para a sua responsabilidade missionária junto a outras culturas
e povos. Algumas razões para isso são as seguintes:
- A maioria dos missionários estrangeiros não ensinou aos
membros das igrejas brasileiras o imperativo da Grande Comissão.
- As missões transculturais eram vistas – a continuam sendo para
muitos – como um trabalho para estrangeiros, pessoas com mais dinheiro ou
líderes de missões em outros países.
- A idéia de "destino" ou de que Deus vai dar uma solução
para os povos que não conhecem o evangelho, tem levado as igrejas
brasileiras a se acomodarem quanto ao trabalho missionário no
próprio Brasil e no restante do mundo.
- Muitos acham que não se deve "sacrificar" os obreiros brasileiros,
enviando-o a outras terras. O Brasil precisa deles, pois ainda não
está evangelizado.
- Finalmente, muitos argumentam que não temos condições
nem preparo.
Para este estudo, é importante traçar
as distinções entre alguns tipos de missões. Primeiramente,
existem as missões nacionais e estrangeiras. Em segundo lugar, existem
missões monoculturais e transculturais. Estas últimas são
as que visam transpor barreiras culturais para evangelizar e plantar igrejas.
É o caso dos que trabalham com grupos étnicos no Brasil, como os
indígenas, ou com os povos de outros países. Há
também aqueles que se especializam no trabalho com subgrupos ou
subculturas, como viciados em drogas, presidiários, homossexuais,
prostitutas (exemplo de jovens que evangelizam "garotas de programa" em
São Paulo). Por outro lado, é possível fazer missão
monocultural em outros países, como junto aos brasileiros que residem nos
Estados Unidos.
As igrejas evangélicas do Brasil são fruto do trabalho de
igrejas e organizações missionárias norte-americanas e
européias. Na primeira metade do século XIX, surgiram as igrejas
protestantes compostas de imigrantes (anglicanos e luteranos). Em seguida, na
segunda metade do século, as principais denominações
históricas iniciaram suas atividades entre os brasileiros
(congregacionais, presbiterianos, metodistas, batistas e episcopais). No
início do século XX, o pentecostalismo também
começou a implantar-se firmemente em solo brasileiro. Alguns
missionários de destaque foram: Daniel P. Kidder, Robert e Sarah Kalley,
Ashbel G. Simonton, Anna e William Bagby, e Gunnar Vingren e Daniel
Berg.
Foi somente no início do século XX que as igrejas
evangélicas brasileiras começaram a envolver-se em missões
transculturais, no Brasil e em outras terras.
Alguns exemplos pioneiros foram os seguintes:
I. Missões Denominacionais:
1. Presbiterianos: desde 1910, o Rev. Álvaro Reis, cujo pai
era português, vinha expressando o desejo de criar uma missão
presbiteriana em Portugal. Dez anos depois, quando foi organizada a
Assembléia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil, e o Rev.
Álvaro foi eleito seu primeiro moderador, a IPB enviou àquele
país o seu primeiro missionário. Tratava-se do Rev. João
Marques da Mota Sobrinho, um português que viera para o Brasil aos treze
anos, converteu-se através do testemunho de um sapateiro, tornou-se
pastor presbiteriano e casou-se com uma filha do Rev. Belmiro de Araújo
César. O casal trabalhou em Portugal de 1911 a 1922. Muito ousado e
dinâmico, Mota Sobrinho fez conferências, fundou
congregações em Santo Amaro e Figueira da Foz e criou dois
periódicos. Teve de voltar ao Brasil por absoluta falta de recursos. Por
mais de quarenta anos foi pastor, educador, homem de imprensa, pioneiro na
evangelização pelo rádio e poeta. Escreveu o hino do
Instituto JMC e 24 hinos do Hinário Evangélico.
Em 1924, a Assembléia Geral decidiu encerrar o trabalho em Portugal,
mas o Rev. Erasmo Braga, seu pai, Rev. Carvalho Braga, Álvaro Reis e
outros amigos formaram a Sociedade Missionária Brasileira de
Evangelização em Portugal. Convidaram o Rev. Paschoal Luiz Pita e
sua esposa Odete para continuarem o trabalho de Mota Sobrinho. O dinâmico
casal trabalhou em Portugal de 1925 a 1940, muitas vezes sofrendo grandes
privações financeiras (história da sopa de pão velho
com cabeça de peixe). O Rev. Pita caracterizava-se pela presença
de espírito e bom humor (história do homem que disse que a igreja
estava cheia de hipócritas). O casal retornou ao Brasil por três
razões: as limitações impostas aos evangélicos pela
nova constituição portuguesa, problemas de saúde e, mais
uma vez, a crônica falta de recursos.
Em 1940, foi organizada a Junta Mista de Missões Nacionais, com
representantes da IPB e das missões americanas. De 1940 a 1958, a Junta
ocupou 15 regiões, com cerca de 150 locais de pregação em
todo o Brasil. Em 1950 foi criada a Missão Presbiteriana da
Amazônia. Em 1944, o Supremo Concílio encampou a Sociedade
Brasileira de Evangelização e autorizou a criação da
Junta de Missões Estrangeiras. A Junta enviou a Portugal três
outros missionários: Natanael Emerique (1944), Aureliano Lino Pires
(1946) e Natanael Beuttenmuller (1947). Foi formado o Presbitério de
Lisboa, com dez pastores e cinco igrejas, e um seminário
teológico. Outro obreiro foi o Rev. Teófilo Carnier. Mais tarde a
IPB também atuou no Chile, com os Revs. Rubem Alberto de Souza e
João Emerique de Souza, no Paraguai e na Bolívia, entre outros
países.
A obra presbiteriana no Paraguai foi iniciada em 1970 pelo Rev. Evandro
Luiz da Silva e sua esposa Maria de Lourdes. Como resultado desse
esforço, foi fundada uma igreja em Concepción e mais duas
congregações em outros locais. Dois paraguaios vieram estudar no
Seminário de Campinas, um deles o Rev. Buenaventura Gimenez.
2. Batistas: em 1907, organizou-se a Convenção Batista
Brasileira, inspirada por uma visão missionária. Na primeira
reunião da Convenção, a Junta de Missões
Estrangeiras declarou: "Cremos que o tempo já chegou para os crentes
batistas do Brasil iniciarem o movimento para auxiliar a pregar Cristo
além das fronteiras nacionais e em todas as partes do mundo." Em 1908, o
Pr. Salomão L. Ginsburg, secretário executivo da Junta de
Missões Estrangeiras, visitou o Chile, que já tinha algumas
igrejas batistas. Como conseqüência, de 1908 a 1917 a CBB apoiou
financeiramente um missionário americano e um obreiro chileno que
trabalhavam naquele país, até que os batistas do sul dos Estados
Unidos assumiram a responsabilidade pelo trabalho.
Também em 1908, Zachary Taylor foi para Portugal, onde organizou a
primeira igreja batista na cidade do Porto. Três anos depois, João
Jorge de Oliveira, um português que veio para o Brasil com onze anos, e
sua esposa, filha de portugueses residentes em Pernambuco, foram para Portugal
como missionários. João assumiu o pastorado da igreja batista do
Porto, construiu o templo da igreja, treinou obreiros leigos, fundou um
colégio, um jornal e uma editora, e abriu novas igrejas. Em 1930,
João saiu de Portugal devido a problemas econômicos nos Estados
Unidos (de onde vinha seu sustento desde 1922) e foi para esse país, onde
trabalhou entre pessoas de língua portuguesa.
Outros missionários enviados a Portugal pela Junta de Missões
Estrangeiras da CBB foram Achiles e Djanira Barbosa (1927), Helena e W. Hatcher
(1933) e Eduardo e Herodias Gobira (1937). Em 1983, os batistas brasileiros
tinham 83 missionários (com os casais representando uma unidade) em 17
campos estrangeiros.
Uma importante missionária enviada pela CBB foi Valnice Milhomens,
que mais tarde desligou-se da Convenção. Valnice nasceu em 1947,
converteu-se em 1963 e no ano seguinte, com o falecimento de uma professora que
muito admirava, tomou o propósito de ocupar o seu lugar servindo ao
Senhor onde ele a mandasse. Em 1971, foi para Lourenço Marques (hoje
Maputo), em Moçambique, trabalhando entre igrejas de imigrantes
portugueses. Em seguida, foi para Beira, a fim de trabalhar com os
próprios africanos. Foi tão grande a sua
identificação com o povo que em 1975, época da
revolução comunista, todos os estrangeiros, missionários e
pastores nacionais foram expulsos ou aprisionados, e somente ele
permaneceu.
Hoje, a Junta de Missões Mundiais da Convenção Batista
Brasileira tem 525 missionários em 52 campos na América, Europa,
África e Ásia.
3. Outros: outras denominações evangélicas
têm sido bastante atuantes no esforço missionário
transcultural, como é o caso das Assembléias de Deus. Sua grande
organização missionária, a SENAMI, é formada
basicamente por um movimento de missões a partir das igrejas locais (ou
dos ministérios) e ela apenas credencia os missionários que as
igrejas enviam. Outra igreja com forte ímpeto missionário
transcultural é a Igreja Universal do Reino de Deus, que tem iniciado
trabalhos em muitos países ao redor do mundo. É de se lamentar, no
entanto, que a teologia dessa igreja não seja das mais
equilibradas.
II. Missões Interdenominacionais:
O Congresso de Ação Cristã na América Latina
(Panamá, 1916), a Comissão Brasileira de Cooperação
(Rio de Janeiro, 1917) e a liderança do Rev. Erasmo Braga
contribuíram para o surgimento de algumas importante iniciativas
missionárias cooperativas. A mais importante foi a:
1. Missão Evangélica Caiuá: foi idealizada pelo
Rev. Albert S. Maxwell e sua esposa Mabel, da Missão do Leste do Brasil.
Em 1928, foi organizada em São Paulo a Associação
Evangélica de Catequese dos Índios, mais tarde conhecida como
Missão Evangélica Caiuá. Foi um esforço cooperativo
da Missão Leste (PCUS), IPB, IPI, Igreja Metodista e Igreja Episcopal.
Mais tarde, os Maxwell foram substituídos pelo Rev. Orlando Andrade e D.
Loide Bonfim Andrade. Loide Andrade nasceu na Bahia e veio para São Paulo
com os pais, que pouco depois faleceram. Foi morar no lar de um casal
missionário, os Cooper, em Suzano. Ali conheceu muitos
missionários que trabalhavam entre os índios do Mato Grosso. Loide
trabalhou por algum tempo como professora no Mato Grosso, cursou o Instituto
Bíblico Eduardo Lane (Patrocínio) e em 1938 foi trabalhar na
Missão Caiuá. Mais tarde, cursou enfermagem em Anápolis,
Goiás. Nos anos 70, fez o curso de Direito. Orlando era natural de
Lavras, Minas. Estudou no Instituto JMC e conheceu Loide quando participava de
trabalhos evangelísticos em Suzano. Formou-se no Seminário de
Campinas. Em novembro de 1942 casaram-se e foram juntos para a Missão
Caiuá. Loide, irrequieta e dinâmica, foi ao Texas em 1954
(junho-dezembro) e fez uma campanha bem-sucedida em favor da Missão. Em
1963, foi inaugurado o Hospital e Maternidade Porta da Esperança. Em 1985
foi concluída a tradução do Novo Testamento para a
língua caiuá pelo Instituto Linguística de
Verão.
2. Outras missões:
- Missão Evangélica da Amazônia (MEVA): foi
organizada em 1948. Um dos seus principais líderes foi Nilo Hawkins, que
chegou ao Brasil com sua esposa Mary em 1942. Por muitos anos, o casal trabalhou
entre os índios de Roraima. No período 1959-1961, foram acusados
pelo governo de estar roubando minérios valiosos da selva. O caso foi
levado até o Conselho de Segurança Nacional. Foram absolvidos e
puderam retornar à tribo, mas perceberam que o trabalho
missionário entre os índios tinha de ser feito por brasileiros. Em
1963, Nilo começou a visitar as igrejas do sul para mobilizar as igrejas.
Passou a lecionar missões no Instituto Palavra da Vida e outras escolas.
Nilo faleceu em 1982.
- Mocidade Para Cristo (MPC, 1952)
- Missão Novas Tribos do Brasil (1953)
- Organização Palavra da Vida (1957)
- Aliança Bíblica Universitária (ABU, 1963)
- A Missão de Evangelização Mundial (AMEM, 1963): essa
missão começou a enviar brasileiros para o exterior em 1975. Com
sede em Belo Horizonte, a missão tem trabalhado pelo despertamento de
igrejas, bem como o preparo e envio de obreiros para a África e a Europa.
- Asas de Socorro (1964)
- Missão Evangélica Betânia (1964)
- Missão Evangélica aos Índios do Brasil (1967)
- Missão Antioquia (1975): criada em Cianorte, no Paraná, por um
grupo de professores do Instituto Bíblico Presbiteriano. Seu principal
fundador foi o Pr. Jonathan dos Santos. A primeira missionária, Maria
Pires da Luz, foi preparada e enviada para Portugal em 1976, tendo implantado
duas igrejas no norte daquele país. Depois ela foi para Angola. Outros
missionários foram para Israel, Portugal, África e Àsia.
- Jovens Com Uma Missão (JOCUM, 1976)
- Aliança Batista Missionária da Amazônia (ALBAMA, 1976):
tinha sede em Belém; começou com 15 casais e um missionário
solteiro.
- Associação Lingüística Evangélica
Missionária (ALEM, 1983): foi formada em Brasília por iniciativa
da Associação Wycliffe de Tradutores da Bíblia.
- Projeto América do Sul (PAS, 1984): resultou da visão
missionária de Edison Queiroz de Oliveira, pastor da Igreja Batista de
Santo André, em São Paulo. Ele impressionou-se com o fato de que
havia cinco países na América Latina com um reduzido número
de evangélicos. No mesmo ano, 14 obreiros foram treinados e enviados para
o Uruguai e o Paraguai. No primeiro país, foram fundadas duas igrejas e
reativadas outras duas. No Paraguai foi fundada uma igreja, apesar de forte
oposição. Em 1985, mais um grupo saiu para o Peru, a
Colômbia e a Venezuela.
III. Cooperação
Missionária:
O movimento missionário evangélico brasileiro adquiriu maior
ímpeto a partir de 1970 e alguns acontecimentos contribuíram para
isso.
1. Congressos missionários: além dos grandes
congressos internacionais como a Conferência Mundial de
Evangelização (Lausanne, 1974), ocorreram congressos similares no
Brasil. Um deles foi o Congresso Missionário de Curitiba, promovido pela
ABUB em 1976.
2. Associação de Missões Transculturais
Brasileiras: é uma entidade que agrega missões brasileiras,
isto é, organizações que tenham sede no Brasil e enviem
missionários brasileiros para campos transculturais. Seu primeiro
encontro foi realizado no Rio de Janeiro em 1976, sob o patrocínio da
Missão Informadora do Brasil (MIB). Esta organização, por
sua vez, foi formada em 1964 por iniciativa da União Evangélica
Sul-Americana (UESA) com o objetivo de diminuir a competição
inconsciente e pouco sábia entre as sociedades missionárias
estrangeiras no Brasil e promover a cooperação entre elas. A AMTB
foi organizada oficialmente em 1982, quando o Pr. Jonathan dos Santos foi eleito
seu primeiro presidente. Membros: organizações missionárias
para-eclesiásticas e juntas missionárias denominacionais
(Convenção Batista Independente, IPB, IPI, Convenção
Batista Brasileira, Assembléia de Deus, Igreja Luterana, Igreja Metodista
Wesleyana, etc.).
3. Líderes missionários: alguns nomes têm se
destacado na liderança das iniciativas missionárias cooperativas
no Brasil. Alguns deles são: Jonathan dos Santos, Bárbara Burns,
Gilberto Pickering, Achiles Barbosa Jr., Edison Queiroz, Elben Lenz
César, Bertil Ekström e outros.
4. Associação de Professores de Missões (APMB):
organizada oficialmente em 1992, sendo seu primeiro presidente o Dr.
Timóteo Carriker e secretária geral a Dra. Barbara
Burns.
IV. O Trabalho Missionário Atual na IPB:
A Junta de Missões Nacionais da IPB tem 170 campos espalhados pelo
território nacional, nos quais atuam mais de 200 missionários.
Em 1998, a Junta de Missões Estrangeiras mantinha 74
missionários em 25 países. Os campos dos últimos seis anos
são os seguintes:
Paraguai (Concepción, Santa Rita, San Lorenzo e
Asunción)
Bolívia (Cochabamba, Quillacollo, Puerto Suarez, Villa
Galindo)
Áustria (e países Comunidade de Estados
Independentes)
Portugal (Barreiro, Carnaxide, Marco dos Canaveses, Lisboa)
Espanha (Huelva, Barcelona, Extremadura, La Línea)
Inglaterra
Nova Zelândia (Hill Wanganui)
Estados Unidos (Massachusetts, Mineola, Mercedes, Marlboro,
Texas)
Moçambique (Maputo, Beira, Nampula) – Rev. Labieno Moura P.
Filho
Peru (Huancayo)
Turquia (Bursa)
Japão (Osaka, Minakuchi, Toyohashi-Shi)
Índia
Gana (Akra) – Rev. Ronaldo Lidório e Rossana
Filipinas (Cebu City)
Oriente Médio
África do Sul (Benoni)
Angola (Lubango)
Escócia (Edinburgh)
Senegal (Dakar)
Itália
Norte da África
Austrália
Canadá (Mississauga, Quebec)
Romênia (Bucaresti)
Guiné-Bissau
Argentina
O presidente da JME-IPB, Pb. Azor Ferreira, certamente trará
informações mais atualizadas sobre o trabalho dessa
organização da nossa igreja.
Fontes:
- Júlio Andrade Ferreira, História da Igreja Presbiteriana do
Brasil, 2 vols., 2ª ed. (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,
1992).
- Bárbara Burns, "Missões Brasileiras: O Gigante Começa a
Despertar...", em Ruth A. Tucker, "... Até aos Confins da Terra": Uma
História Biográfica das Missões Cristãs, 2ª
ed. (São Paulo: Vida Nova, 1996), 499-531.
- Bertil Ekström, "Uma Análise Histórica dos Objetivos da
AMTB e seu Cumprimento." Dissertação.
- Boletins da Junta de Missões Estrangeiras da IPB.