Quatro Princípios Bíblicos para se Entender a Batalha Espiritual
Augustus Nicodemus Lopes
(Esse material é parte do livro Misticismo e Fé Cristã, Cultura Cristã, 2000)

Introdução

As igrejas históricas do mundo todo têm sido desafiadas nestas últimas três décadas a dar respostas às ênfases de um movimento dentro das suas fileiras que ficou conhecido como "movimento de ‘batalha espiritual’". O nome em si já sugere do que se trata: é um movimento cuja ênfase maior é na luta da Igreja de Cristo contra Satanás e seus demônios, conflito este de natureza espiritual, quanto aos métodos, armas, estratégias e objetivos.
Esse crescente interesse em círculos evangélicos por Satanás, demônios, espíritos malignos, e o misterioso mundo dos anjos, corresponde ao surto de misticismo atual, um interesse crescente no mundo nos dias de hoje pelos anjos maus e bons, e pelo oculto. Mas não somente no mundo, dentro da própria igreja cristã assistimos o crescimento vertiginoso da busca pelo miraculoso e sobrenatural, na esteira do neopentecostalismo. Por neopentecostalismo quero dizer aqueles movimentos surgidos em décadas recentes, que são desdobramentos do pentecostalismo clássico do início do século, mas que abandonaram algumas de suas ênfases características e adquiriram marcas próprias, como ênfase em revelações diretas, curas, batalha espiritual, e particularmente uma maneira de encarar a realidade espiritual.
Esse movimento é caracterizado por uma leitura das Escrituras e da realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus é percebido somente em termos de sua ação extraordinária. Assim, para o neopentecostal típico, Deus o guia na vida diária através de impulsos, sonhos, visões, palavras proféticas, e dá soluções aos seus problemas sempre de forma miraculosa, como libertações, livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que caracteriza, mais que qualquer outra, as igrejas evangélicas no Brasil hoje, é a crença em milagres. É claro que não estou dizendo que crer em milagres seja errado. O que estou dizendo é que, na hora em que a crença em milagres contemporâneos e diários passa a ser a característica maior da igreja evangélica, algo está errado.
A hermenêutica sobrenaturalista do neopentecostalismo representa um desafio para a uma das doutrinas típicas da tradição reformada, que é a providência de Deus. Partindo das Escrituras, os reformados usam o termo providência para se referir à ação de Deus, pelo seu Espírito, agindo no mundo através de pessoas e circunstâncias da vida para atingir seus propósitos. Esses meios não são intervenções miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida humana, mas simplesmente meios naturais secundários. Os calvinistas reconhecem que Deus intervém miraculosamente neste mundo, mas sempre em regime de exceção. Normalmente, ele age através dos meios naturais.
O neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e miraculosa de Deus no mundo (a qual não negamos, diga-se), acaba por negligenciar a importância da operação do Espírito Santo através de meios secundários e naturais. Essa negligência torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o Espírito normalmente trabalha através de meios secundários e naturais para salvar os pecadores. Acredito não ser difícil de provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram salvos através de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da Bíblia, a pregação da Palavra – e não através de intervenções miraculosas e extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas por ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de considerar o tomar remédios como falta de fé por parte do crente adoentado. Um outro resultado é a diminuição da pregação do Evangelho como meio de salvação dos pecadores, e a ênfase na realização de como meio evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no mundo através dos meios naturais secundários é negligenciada, com graves e perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam a cosmovisão neopentecostal.
As conseqüências desta maneira de ver a realidade espiritual são sérias para a área do conflito da igreja contra as hostes das trevas, pois a concebe apenas em termos do sobrenatural, negligenciando o ensino bíblico de que Satanás procura atingir a Igreja de Cristo através da carne e do mundo – meios que não são necessariamente sobrenaturais.
Conquanto devamos dar as boas vindas a todo e qualquer movimento na Igreja que venha nos ajudar a melhor nos preparar para enfrentar os ataques das hostes malignas contra a Igreja, este movimento polêmico tem trazido algumas preocupações sérias a pastores, estudiosos e líderes evangélicos no mundo todo, não somente das igrejas evangélicas históricas, como até mesmo de igrejas pentecostais clássicas.(1) Mesmo organizações internacionais, como o Comitê de Lausanne para Evangelização Mundial, têm expressado suas preocupações com os ensinos deste movimento, numa declaração do seu Grupo de Trabalho feita em 1993, em Londres.(2)
Existem várias razões para essa preocupação. Uma delas é que o movimento, onde tem ganhado a adesão de pastores e comunidades, tem produzido um tipo de cristianismo em que a atividade satânica se tornou o centro e mesmo a razão de ser da existência destes ministérios e igrejas. Nestes casos, embora geralmente as doutrinas fundamentais da fé cristã não tenham sido negadas (há exceções), elas são, via de regra, relegadas a plano secundário, desaparecendo do ensino e da liturgia. O que resulta é um cristianismo distorcido, deformado, onde doutrinas como a salvação pela fé somente, mediante o sacrifício redentor, único e expiatório de Cristo. A doutrina da pessoa de Cristo, sua mediação e ofícios, e doutrinas como a da queda, da depravação do homem, da santificação progressiva mediante os meios de graça, são negligenciadas. Não é que estas igrejas e os proponentes do movimento neguem necessariamente estes pontos; mas certamente não lhes dão a ênfase necessária e devidas, que recebem nas próprias Escrituras.
O fato é que o movimento de "batalha espiritual" tem produzido o surgimento de novas igrejas (e mesmo denominações) cujo ministério principal é a expulsão de demônios e a "libertação" de crentes e descrentes da opressão demoníaca a todos os níveis (espiritual, moral e física, bem como geográfica, estrutural e social). Mas não somente isto — as idéias e práticas difundidas pelo movimento tem se infiltrado nas igrejas históricas, cativando muitos dos seus pastores, oficiais e membros.
O objetivo desse capítulo é apresentar alguns princípios bíblicos pelos quais os evangélicos em geral, e presbiterianos em particular, poderão orientar sua compreensão acerca de tema tão atual e polêmico.(3)

A necessidade de princípios bíblicos

A melhor maneira de abordarmos assuntos polêmicos é colocá-los dentro de seus contextos maiores. Se tivermos a visão do todo, poderemos com mais exatidão entender suas partes. Por exemplo, uma pessoa que tenta achar um endereço numa cidade simplesmente procurando as placas com o nome das ruas pode acabar desorientada e perdida. Se ela porém tiver um mapa, que lhe dá uma visão mais ampla da área onde ela se encontra, e mostra as ligações entre as ruas, poderá mais facilmente encontrar seu destino. Da mesma forma, quando colocamos o tema do confronto da Igreja com as hostes das trevas dentro de um contexto maior, e percebemos as ligações com outras áreas teológicas, podemos melhor entendê-lo.
Em termos do conhecimento teológico global, o assunto não pertence a uma área somente. Quando falamos da polêmica entre salvação pela fé e/ou pelas obras, facilmente identificamos que o assunto pertence à área de soteriologia, ou seja, o estudo da salvação, uma área da enciclopédia teológica. Se tivermos uma boa compreensão dos princípios e fundamentos que orientam a soteriologia, poderemos mais facilmente entender tudo o que está envolvido nessa polêmica. Mas a luta entre a Igreja e Satanás não se enquadra em uma área somente, muito embora a demonologia bíblica, que por sua vez é um departamento da angelologia, (o estudo dos anjos bons e maus) certamente seja a principal área afim. O fato é que os ensinos e práticas da "batalha espiritual" levantam questões sérias relacionadas com diversas áreas do nosso conhecimento de Deus.
Quando, por exemplo, alguns dos defensores do movimento falam de Satanás como se fosse um poder independente, autônomo e livre para fazer o mal neste mundo, está indiretamente entrando na área que trata dos decretos de Deus e da sua maneira de governar o mundo. Ainda, quando alguns revelam possuir informações extra bíblicas sobre o mundo invisível dos anjos e demônios – como por exemplo, o nome de determinados demônios e os locais geográficos onde supostamente habitam – está entrando na epistemologia, ou teoria do conhecimento. Essa área trata do modo pelo qual conhecemos as coisas ao nosso redor, inclusive o acesso humano ao conhecimento do mundo espiritual invisível, onde habitam e atuam os seres espirituais como anjos e demônios. Semelhantemente, quando todo tipo de mal que existe no mundo, quer moral ou circunstancial (como doença, dor, desemprego, etc.) é atribuído aos demônios, levanta-se a antiga discussão acerca da origem dos males e sofrimentos neste mundo presente. E quando é dito que os cristãos podem ser possuídos por um espírito maligno (ou ficar demonizados, para usar um termo mais em voga), estamos de volta à soteriologia – ou seja, qual a situação dos salvos diante dos ataques de demônios – e entramos também na cristologia, indagando qual a relação entre a obra vitoriosa e consumada de Cristo e a atividade satânica no presente.
Quando procuramos entender os conceitos da "batalha espiritual" a partir de princípios gerais que controlam as diversas áreas abrangidas pelo tema, poderemos ter alguns trilhos sobre os quais poderemos conduzir o assunto. No que se segue, procuro analisar quatro desses princípios que têm importância fundamental para ele: a soberania de Deus, a suficiência as Escrituras, a queda da raça humana e a suficiência da obra de Cristo. Acredito que se forem compreendidos adequadamente pelos leitores, funcionarão como balizadores seguros pelos quais poderão prosseguir com maior certeza no conflito diário que enfrentamos contra as hostes espirituais da maldade.

Quatro princípios fundamentais

1. Deus é soberano absoluto do seu universo

O título acima expressa um dos ensinamentos mais relevantes das Escrituras para o tema desse ensaio. Um soberano é alguém que está revestido da autoridade suprema, que governa com absoluto poderio, que exerce um poder supremo sem restrição nem neutralização. Quando dizemos que Deus é soberano, significa que ele tem poder ilimitado para fazer o que quiser com o mundo e as criaturas que criou, e que nenhuma delas pode, ao final, frustrar seus planos. Podemos fazer algumas afirmações quanto a essa doutrina.
A soberania absoluta de Deus sobre sua criação percebe-se claramente nas Escrituras. No Pentateuco Deus revela-se como o Criador do mundo visível e invisível, e da raça humana. Ele é o Libertador dos seus e o Legislador que soberanamente passa leis que refletem sua santidade e exigem obediência plena de suas criaturas. Ele exerce total controle sobre a natureza que criou, intervindo em suas leis naturais, suspendendo-as (milagres). Assim, em contraste com os deuses das nações, ele é o supremo soberano do universo, acima de todos os deuses, que os julga e castiga, bem como aos que os adoram. Nos livros Históricos, lemos como Deus cumpre soberanamente suas promessas feitas a Abraão de dar uma terra aos seus descendentes, introduzindo-os e estabelecendo-os em Canaã, e ali mantendo-os até que os expulsasse por causa da desobediência deles. Os Salmos e os Profetas celebram a soberania de Deus sobre sua criação e sobre seu povo. É ele quem reina acima das nações e de seus deuses falsos, quem controla o curso desse mundo. Nele seu povo sempre pode confiar e depender.
O mesmo reconhecimento encontramos nas Escrituras do Novo Testamento. Na plenitude dos tempos Deus envia soberanamente seu filho, e dá testemunho dele através de milagres poderosos, ressuscitando-o de entre os mortos. Esses eventos, bem como os que se seguiram na vida dos apóstolos e da Igreja nascente, ocorreram como o cumprimento da vontade de Deus. Esse ponto vemos claramente nos Evangelhos e no livro de Atos: a morte e a ressurreição de Jesus (At 2.23), bem como a oposição contra a Igreja (At 4.27-29) são simplesmente o cumprimento da soberana vontade divina, acontecendo como cumprimento das Escrituras. Para os apóstolos, "as profecias feitas no Antigo Testamento governavam o decurso da história da Igreja"(4). Assim, o derramamento do Espírito (2.17-21), a missão aos gentios (13.47), a entrada dos gentios na Igreja (15.16-18), a rejeição de Cristo por parte dos judeus (28.25-27) – todos esses eventos e outros mais são vistos pelos autores do Novo Testamento como atos redentores de Deus na história. No livro de Atos encontramos claramente o conceito de que a vida da Igreja foi dirigida por Deus. A cada etapa do progresso missionários, Deus intervém para guiá-la, através da atuação do Espírito (At 13.2; 15.28; 16.16), anjos (At 5.19-20; 8.26; 27.23), profetas (At 11.28; 20.11-12), e às vezes o próprio Senhor (At 18.9; 23.11). A presença dos sinais e prodígios realizados em nome de Jesus através dos apóstolos e de pessoas associadas aos apóstolos (At 3.16; 14.3; 19.11) atestava que era o próprio Deus que levava avante a história da Igreja (15.4).
A soberania de Deus é ensinada no conceito de Reino de Deus. Mas, é o conceito bíblico do Reino de Deus que melhor expressa a soberania de Deus sobre o universo que formou. Tal conceito está presente em toda a Bíblia e mesmo estudiosos renomados têm insistido em que é o conceito central das Escrituras, do qual se derivam todos os demais.(5) Para colocá-lo de maneira simples e sucinta, significa o domínio supremo de Deus sobre suas criaturas, mesmo as que se encontram em estado de rebelião aberta contra ele; embora na época presente Deus permita que essa rebelião permaneça, já tem determinado o dia em que será conquistada e quando então reinará tendo tudo e todos sujeitos debaixo do domínio de seu Filho (1 Co 15.23-28). O domínio de Deus se estende no presente sobre as ações e vidas de suas criaturas, sem que isso represente uma intrusão na liberdade delas em escolher e decidir moralmente. Ao final, porém, a vontade do Rei prevalecerá sobre todas elas, sem que nenhuma delas possa acusá-lo de determinista.
A Igreja sempre reconheceu o ensino bíblico sobre esse ponto. Os autores da Confissão de Fé de Westminster exprimiram o conceito da soberania de Deus de forma muito adequada. Eles escreveram que existe apenas um Deus vivo e verdadeiro, que é um espírito puríssimo, infinito em seu ser e em seus atributos, invisível, imutável, amoroso, misericordioso, gracioso, paciente, imenso, incompreensível, Todo-Poderoso, santíssimo, livre e totalmente absoluto, fazendo todas as coisas de acordo com sua santíssima vontade e de acordo com o seu querer justo e imutável (Capítulo 2, § 1). Eles ainda acrescentaram que Deus possui em si mesmo toda vida, glória, bem-aventurança, e que é suficiente em si mesmo, e que não precisa de nenhuma das criaturas que fez, que ele exerce o mais soberano domínio sobre elas, para através delas, para elas e sobre elas, fazer o que lhe agradar. A ele é devido, da parte de anjos e homens, ou qualquer outra criatura, a adoração, o serviço e a obediência que ele assim requerer (Capítulo 2, § 2). Uma das evidências bíblicas que citam é que foi do agrado desse Deus soberano escolher os que quis para salvação, e destinar os rebeldes para o castigo eterno (Capítulo 3, § 7; cf. Mt 11.25,26; Rm 9.17,18,21,22; 2 Tm 2.19,20; Jd 4; 1 Pe 2.8).
A tradição reformada – seguindo o ensino de Agostinho – entende o ensino bíblico sobre a soberania de Deus em termos absolutos. Agostinho considerava que os planos de Deus não podiam ser obliterados, nem sua vontade obstruída ao final. Calvino, similarmente, concebia a soberania de Deus como o poder determinante do universo (ao mesmo tempo em que insistia que a responsabilidade dos seres morais não era aniquilada). Veja, por exemplo, o que ele escreveu nas Institutas, no capítulo "O Resumo da Vida Cristã":
Nós não somos de nós mesmos, nós somos de Deus. Para ele, então, vivamos ou morramos. Nós somos de Deus. Para ele, então, dirijamos cada parte de nossas vidas. Nós não somos de nós mesmos; então, até onde possível, esqueçamo-nos de nós mesmos e das coisas que são nossas. Nós somos de Deus; então, vivamos e morramos para ele (Rm 14.8) e deixemos a sua sabedoria presidir todas nossas ações.(6)
Não quero com isso dizer que outras linhas teológicas não reconheçam o ensino bíblico sobre a soberania de Deus. Na verdade, creio que teólogos em geral, de qualquer orientação doutrinária, estão prontos a reconhecer o ensino bíblico sobre esse assunto. Apenas destaco que, na minha opinião, foram os reformadores e os puritanos que mais coerentemente entenderam e enfatizaram a soberania de Deus sem com isso detrair da responsabilidade das criaturas moralmente responsáveis, como os homens e os anjos, bons e maus, e Satanás, entre esses últimos.
O próprio Satanás está debaixo da soberania divina. Embora não esteja muito claro na Bíblia, a Igreja cristã sempre entendeu que Satanás foi originalmente um dos anjos criados por Deus, talvez um querubim de grande beleza e poder, que desviou-se do seu estado original de pureza e motivado pela vaidade e pela soberba, rebelou-se contra Deus, desejando ele mesmo ocupar o lugar da divindade (Isaías 14 e Ezequiel 28). Punido por Deus com a destruição eterna, o anjo rebelde tem entretanto a permissão divina para agir por um tempo na humanidade, a qual, através de seu representante Adão, acabou por seguir o mesmo caminho do querubim soberbo. Pela permissão divina, Satanás e os demais anjos que aliciou dos exércitos celestiais, cumprem nesse mundo propósitos misteriosos, que pertencem a Deus apenas. Alguns deles transparecem das Escrituras, que é o de servir como teste para os filhos de Deus e agente de punição contra os homens rebeldes.
O ensino bíblico é claro. Satanás, mesmo sendo um ser moral responsável e retendo ainda poderes inerentes aos anjos, nada mais é que uma das criaturas de Deus, e portanto, infinitamente inferior a ele em glória, poder e domínio. Mesmo que a Bíblia fale do reino de Satanás e de seu domínio nesse mundo (Ef 6.12; Lc 4.6; Jo 14.30) e advirta os crentes a que estejam alertas contra suas ciladas (Ef 6.11; 1 Pe 5.8; Tg 4.7), jamais lhe atribui um poder independente de Deus, ou liberdade plena para cumprir planos próprios, ou capacidade para frustrar os desígnios do Senhor.
Assim, a Bíblia nos ensina que Satanás não pode atacar os filhos de Deus sem a permissão dele. Foi somente assim que pode atacar o fiel Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7), incitar Davi a contar o número dos israelitas (1 Cr 21.1 com 2 Sm 24.1) e peneirar Pedro e demais discípulos (Lc 22.31-32). Os crentes têm a promessa divina de que ele só permitirá a tentação prosseguir até o limite individual de cada um (1 Co 10.13), o que só faz sentido se o Senhor tiver pleno controle sobre a atividade satânica. Os autores bíblicos não viam esse controle do Deus santo e puro sobre a atividade satânica como uma insinuação potencial de que Deus era o autor do mal ou mesmo pactuasse com ele. Num universo em estado de rebelião contra o seu santo e soberano criador, onde habitavam seres morais responsáveis, decaídos espiritual e moralmente, era perfeitamente concebível que Deus, em seu plano de redenção, interagisse com homens e anjos decaídos, usando-os conforme seu querer soberano.
Em nossos dias, percebe-se claramente que a doutrina da soberania de Deus, como entendida pelos reformados, não é muito popular. Algumas dificuldades têm sido levantadas contra ela.
Homens e anjos podem frustrar os planos de Deus. Essa estranha idéia predomina em alguns arraiais evangélicos. Um exemplo é o artigo escrito por Marrs, onde afirma que as pessoas estão sempre arruinando o bom plano de Deus, e que Deus sempre está pronto para começar outra vez.(7) Estou bem consciente de que a doutrina de que há um Deus que reina supremo não é recebida favoravelmente entre os incrédulos. O salmista menciona que os príncipes desse mundo se uniram para tomar conselho contra Deus e seu Ungido (Sl 2.2-3). Nietzsche anunciou a morte de Deus, e os secularistas e ateus resolveram ignorar Deus como uma realidade. Essa resistência está presente até mesmo entre cristãos. Para alguns deles, Deus é um ser divino afável, como eles mesmos. Devemos reconhecer que até mesmo os crentes mais fiéis lutam com o conceito da plena soberania de Deus quando estão passando por sofrimentos. Contudo, o conceito bíblico da soberania do Senhor Deus permanece claramente expressa nas Escrituras.
Não há uma determinação última de Deus quanto ao universo. Teólogos famosos como Clark Pinnock têm defendido em nossos dias uma compreensão mais "moderada" da soberania de Deus do que a compreensão de Agostinho e de Calvino. Pinnock afirma que um controle soberano da parte de Deus nega a habilidade e a liberdade das pessoas em escolher obedecer a Deus ou voltar-se contra seu propósito. Ele sugere que Deus criou o mundo com uma certa medida de autodeterminação, e que governa um mundo livre e dinâmico, onde não há nada determinado de forma fixa ou definitiva. A soberania de Deus, ele sugere, é algo aberto e flexível.(8) Pinnock tem recebido muitas críticas de teólogos reformados hoje. Sua idéia de soberania de Deus não faz justiça ao ensino da Bíblia acerca do reino de Deus nesse mundo.
A soberania de Deus o torna autor do pecado e do mal. Muitas pessoas não conseguem entender como Deus pode ser soberano e ao mesmo tempo permitir que o mal impere. James Long, preocupado com essa questão, escreveu:
Eu me importo com paradoxos. Deus reina. O mal também parece reinar. Eu quero ver como as Escrituras relacionam os dois. Quase 20% dos 6 bilhões de pessoas desse planeta vivem em absoluta pobreza e sofrimento. A fé cristã deve ter uma boa explicação para isso, se é que vai fazer sentido para eles.(9)
Sem querer fazer de Deus o autor do mal, e sem querer menosprezar o sofrimento desses milhões de pessoas, ouso dizer que a Bíblia tem, de fato, uma solução para esse problema. Possivelmente, a melhor maneira de entender como os autores bíblicos – em especial do Novo Testamento – abordaram esse ponto, é tomarmos conhecimento do que eles ensinaram acerca das duas eras.
Enquanto que os gregos tinha uma idéia da história como se movendo em círculos, uma repetição sem fim dos eventos — e portanto, algo sem sentido, sem controle, sujeito ao acaso e ao capricho dos deuses — os Judeus tinham um conceito linear da história. A história, para eles, se dividia em duas partes, o olam hazé, a era presente, em que Israel estava sofrendo debaixo do domínio de seus inimigos, e o olam habá, a era vindoura, o mundo por vir, quando Israel seria libertado pelo Messias de seus inimigos, se tornaria o centro do mundo, e Deus seria adorado e reconhecido por todas as nações pagãs. Esta nova era seria introduzida pelo Messias, quando viesse em glória e poder, para destruir os opressores do povo de Deus.
Segundo o Novo Testamento, vivemos hoje no período em que as duas eras se sobrepõem. A coexistência das duas eras traz tensões que o Novo Testamento expõe de forma clara: Cristo já reina, mas ainda não liquidou literalmente todos os seus inimigos, como Satanás e a morte (1 Co 15.20-28; Hb 2.8). O Reino de Deus já está entre nós, mas ainda temos de orar "venha o Teu Reino". Já estamos salvos da condenação do pecado, mas ainda não da sua presença e da morte que ele acarreta. Já temos as primícias do Espírito, já experimentamos os poderes do mundo vindouro, mas ainda não em sua plenitude (1 Co 13.9-13). Já estamos ressuscitados com Cristo, mas ainda não fisicamente. É à luz desta tensão que podemos entender que o diabo já foi vencido, despojado, limitado, e amarrado, mas ainda não aniquilado (cf. 1 Co 15.24).(10)
Procuremos entender claramente este ponto. Nos Evangelhos Satanás é representado como sendo um inimigo vencido. Os demônios são expulsos inexoravelmente. Eles se aproximam de Jesus, não como negociadores em pé de igualdade, mas como suplicantes (Mc 1.23-28; 5.1-20). O Senhor Jesus declara que Satanás está amarrado (Mc 3.27; Mt 12.29; Lc 11.21-22). Por outro lado, a destruição final de Satanás é vista como ainda no futuro (Mt 25.41). Esta tensão faz parte do ensino de Jesus acerca do Reino de Deus, que já é presente, mas ainda vindouro.(11)
Temos que manter os dois pontos desta tensão em perfeito equilíbrio. O problema com muitos defensores da "batalha espiritual" é que não dão ênfase suficiente no aspecto já realizado da obra de Cristo, da sua vitória sobre Satanás. Igualmente perigosa é a falta de ênfase no "ainda não" da tensão.
O reconhecimento da soberania de Deus tem profundas implicações na vida do cristão. Em meio às dificuldades, provações, sofrimento e adversidades da época presente, ele encontrará profundo conforto em confiar no Deus que está em perfeito controle da situação, e que a seu tempo e ao seu modo haverá de prover o que for necessário para o bem de seu filho. A Bíblia está repleta de exemplos de heróis e heroínas da fé que repetidamente afirmaram sua confiança no poder de Deus para fazer tudo certo. Segundo Jay Adams, "a soberania de Deus é a verdade última e definitiva que satisfaz as necessidades humanas".
Quando essa doutrina não é corretamente entendida e aplicada, duas conseqüências igualmente perniciosas se seguem. Uma é a frustração em vez de resignação humilde. Os que aplicam a doutrina da soberania de Deus inconsistentemente e de forma superficial acabam caindo no "louvar a Deus apesar de tudo..." Em vez de uma submissão voluntária e paciente à vontade do soberano e amoroso Senhor do universo desenvolvem um espírito de rebeldia e ingratidão. E a outra tendência é esquecer a responsabilidade pessoal. Essa última tendência ataca especialmente os calvinistas.(12)
Mas o entendimento correto da soberania de Deus pode trazer ao aflito e deprimido muita paz e esperança, pois lhe assegura que existe ordem e propósito para todas as coisas.(13) Um bom exemplo disso é o famoso batista calvinista Charles Spurgeon. Ele padeceu durante toda sua vida no ministério de gota e artrite, e a profunda depressão causada por essas doenças. Segundo John Piper, o segredo de sua perseverança foi entender a depressão como parte do plano de Deus para sua vida. Sua confiança inabalável na soberania divina evitou que ficasse amargurado com Deus, e habilitou-o a perceber que Deus estava usando o sofrimento para derramar ainda mais abundantemente o poder de Cristo através de seu ministério, e prepará-lo para ser ainda mais frutífero.(14)
Quando as pessoas perdem a soberania de Deus de vista, acabam por exagerar os poderes de Satanás e a sua liberdade para fustigar e afligir os crentes. Acabam por perder a paz, a alegria e a liberdade para servir ao Senhor livremente. Portanto, reconhecer que Deus é soberano absoluto do universo que criou, nos permite entender o ensino bíblico sobre a batalha espiritual da perspectiva correta.

2. As coisas de Deus só podem ser conhecidas pelas Escrituras

Esse segundo ponto é de importância crucial para nosso entendimento da batalha espiritual. Ele trata da suficiência das Escrituras quanto ao conhecimento que precisamos ter acerca de Deus, da sua vontade, suas promessas, e do misterioso mundo celestial, onde invisivelmente se movimentam os anjos e os demônios. Há dois aspectos que precisamos destacar aqui.
A exclusividade da Escritura. A Bíblia é a única fonte adequada e autorizada por Deus pela qual obter informações acerca das coisas espirituais e que pertencem à salvação. Portanto, ela exclui qualquer outra fonte. Muito embora Deus se revele através da sua imagem em nós (consciência, Rm 2.14-15) e das coisas criadas (Rm 1.19-20), entretanto é através de sua revelação especial nas Escrituras que nos faz saber acerca do mundo invisível e espiritual que nos cerca. Assim, muito embora possamos depreender alguma coisa acerca de Deus pelo conhecimento de nós mesmos e do mundo criado, é exclusivamente nas Escrituras que encontraremos a revelação clara e plena de Deus para a humanidade.
A suficiência da Escritura. A Bíblia traz todo o conhecimento que precisamos ter nesse mundo, para servirmos a Deus de forma agradável a ele, e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo presente. Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino celestial, a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos informa a esse respeito.
Aplicando ao tema do nosso ensaio, isso implica duas coisas:
1) A única fonte autorizada que temos para conhecer o misterioso mundo angélico onde se movem anjos e demônios é a Bíblia. Mesmo que existam muitos conceitos e idéias acerca dos demônios, advindas da superstição popular, da crendice e de experiências pelas quais as pessoas passam, é somente nas Escrituras que encontramos conhecimento seguro acerca de Satanás e de sua atividade nesse mundo. Ela é singular e exclusiva.
2) A Bíblia contém tudo o que Deus desejava que conhecêssemos a respeito de Satanás. O ensino que ela nos oferece sobre os demônios e suas atividades é suficiente para que possamos estar sempre prontos para resistir às suas investidas e para ajudar as pessoas que se encontram cativas por eles. Ou seja, tudo que precisamos saber para travarmos uma guerra espiritual contra as hostes espirituais da maldade está revelado nas páginas da Escritura, e isso inclui conhecimento das ciladas astutas do diabo e a maneira correta de procedermos diante delas. A Bíblia é nosso manual de combate espiritual. Ela nos revela o caráter de nosso inimigo, suas intenções e artimanhas, e de que modo podemos ficar firmes contra suas ciladas.
Assim, os estudiosos costumavam escrever "demonologias bíblicas" que nada mais eram que uma sistematização do ensino das Escrituras acerca de Satanás, seus anjos, e sua atividade nesse mundo.(15) Os puritanos, por exemplo, escreveram muitas obras acerca do conflito entre os cristãos e o diabo, que no geral sempre eram baseadas no que a Bíblia dizia sobre os demônios e suas atividades.(16) Contudo, em nossos dias, assistimos com perplexidade o crescimento espantoso de uma demonologia que se utiliza de outras fontes de conhecimento acerca do reino das trevas além das Escrituras, ao ponto de afinal contradizerem o ensino da mesma, ou de a complementarem. Tanto a exclusividade quanto a singularidade da Escritura nesses assuntos foram deixados para trás. O resultado tem sido um ensino acerca de batalha espiritual e de métodos de evangelização bem distorcido e diferente daquele ensinado pelas Escrituras. Em geral são usadas quatro fontes de onde se extraem conhecimento extrabíblico sobre a atividade demoníaca.
Experiências pessoais. Alguns exemplos deverão bastar para que possamos entender o que estou dizendo. Uma das mais sérias deficiências do livro "A Igreja e a Batalha Espiritual", escrito por Neuza Itioka, diz respeito às suas fontes. É surpreendente encontrar nas notas bibliográficas fontes como "fatos constatados e verificados nas ministrações pessoais", depoimentos pessoais, e testemunhos de ex-pais de santos. É destas últimas "fontes" que a autora tira o fundamento para grande parte do seu livro. Por exemplo, a sua convicção de que crentes verdadeiros podem ficar endemoninhados baseia-se, não em exegese das Escrituras, mas na narrativa de várias experiências que teve.(17) Itioka freqüentemente menciona experiências pessoais para provar suas convicções. Ela afirma, com base na sua experiência de aconselhamento, que certos demônios "adquirem" o direito de se sentarem no pescoço das pessoas. Com base em testemunhos, ela afirma que as orações da Igreja diminuem o índice de criminalidade, roubo e violência, que as entidades de uma rua podem ser atadas, etc. Uma de suas crenças mais curiosas, a de que determinadas igrejas tem entidades malignas que se alimentam dos pecados não resolvidos da comunidade e seus pastores, é defendida principalmente com base em vários testemunhos. O que é ainda mais preocupante, Itioka faz várias especulações sobre os demônios que dominam o Brasil baseada na doutrina da Umbanda sobre estas entidades.(18)
Um outro exemplo é o artigo seminal de Peter Wagner sobre "Espíritos Territoriais e Missões Mundiais" publicado em 1989.(19) Neste artigo, Wagner admite que seu conhecimento sobre "espíritos territoriais" baseia-se principalmente na sabedoria popular sobre o assunto.(20) Mas não pára ai. Ele tenta um cálculo do número de demônios que existem baseado nas informações de um ex-pai de santo da Nigéria, a quem Satanás teria designado autoridade sobre um determinado número de demônios, que por sua vez tinham controle sobre outro número.(21) Wagner defende a tese de "casas mal assombradas" com base na experiência de missionários em Serra Leoa.(22) A maior parte do artigo é empregado por Wagner para amontoar experiências após experiências de campos missionários, que supostamente provam a existência de demônios que são autoridades locais.(23) Wakely observa que as experiências citadas por Wagner para defender a existência e atuação de "espíritos territoriais" são muito limitadas e cuidadosamente selecionadas.(24) Ele mostra, por exemplo, que a maioria das ilustrações que Wagner usa em seu livro Warfare Prayer são tiradas da Argentina, especialmente do ministério do evangelista argentino Carlos Annacondia, que se utiliza das tática da "batalha espiritual". Wakely nota, porém, que Wagner não menciona os casos em que estes métodos foram empregados sem qualquer resultado, e nem os casos em que houve conversões em massa, implantação de novas igrejas, e crescimento genuíno de igrejas sem que estes métodos tivessem sido utilizados. Por deixar de mencionar que outras igrejas e missões, que não a de Annacondia, estão tendo o mesmo resultado, Wagner deixa de fornecer uma informação importante para que o leitor julgue os métodos de Annacondia dentro do contexto argentino global.(25)
Revelações dos próprios demônios. A uma certa altura do seu artigo já mencionado, Wagner menciona seis potestades mundiais que estão imediatamente abaixo de Satanás na hierarquia satânica, cujos nomes são Damião, Asmodeo, Menguelesh, Arios, Beelezebub, e Nosferatus. Estes demônios e seus nomes, segundo Wagner, foram descobertos por Rita Cabezas, que fez pesquisas extensas sobre a hierarquia satânica, usando métodos que Wagner prefere não citar, mas que estão relacionados com o ministério de psicologia e libertação de Cabezas, e com revelações divinas que ela recebeu através de "palavras de conhecimento".(26) Não é difícil, para quem lê as obras de Rita Cabezas, perceber qual o método que ela usa para "descobrir" os mistérios da hierarquia satânica. Em seu último livro (Desmascarado [São Paulo: Renascer, 1996]) Cabezas narra longos diálogos que teve com demônios (falando através de pessoas endemoninhadas), os quais não somente lhe revelaram seus nomes, como também lhe deram informações sobre outros demônios. Ela afirma que não é correto basear sua teologia no que demônios dizem, mas acrescenta "...tenho a impressão que aquele demônio dizia a verdade..." (p.216). Esse é apenas um exemplo. Nos ensinos e práticas do movimento há muitas outras informações sobre os demônios adquiridas pelo mesmo método.
Pesquisas psicológicas. Uma outra fonte extra-bíblica utilizada para se obter conhecimento sobre o mundo espiritual são as pesquisas científicas. Mais conhecimento sobre os sintomas da possessão demoníaca em contraste a distúrbios mentais tem sido buscado através desse método. Estudiosos na área de psicologia pastoral têm publicado relatórios onde procuram distinguir a possessão demoníaca de doenças mentais pela observação e análise em seus consultórios médicos.(27) A Bíblia narra diversos casos de possessão demoníaca mas nos oferece pouca informação acerca dos seus sintomas. No geral, os autores bíblicos não estão interessados na psicologia desses casos, e os narram apenas do ponto de vista teológico, para mostrar o poder libertador de Deus através de Cristo, e sua soberania sobre o reino das trevas.
Devemos obter toda a ajuda que pudermos para diagnosticar as verdadeiras causas do sofrimento das pessoas. Nesse sentido, pesquisas assim são bem-vindas. Mas, não é fácil distinguir entre possessão demoníaca e distúrbios mentais. O Senhor Jesus e os apóstolos não tinham qualquer dificuldade em saber quem era o que, mas gozavam de uma posição especial que não nos parece ser a mesma dos cristãos em geral. Muito embora os cristãos tenham discernimento espiritual, é patente que muitos erros e abusos têm ocorrido nessa área, por parte de pastores, conselheiros e obreiros em geral, especialmente nos chamados "ministérios de libertação". Num recente artigo acerca do tratamento dos distúrbios da "múltipla personalidade" (um estado psiquiátrico doentio em que as pessoas apresentam várias diferentes personalidades), Christopher Rosik adverte que os pastores devem ter cuidado para não diagnosticar DMP (distúrbios de múltipla personalidade) como sendo possessão demoníaca. Usar exorcismo num paciente de DMP é uma atitude inaceitável, e muitos terapeutas a consideram como sendo extremamente prejudicial ao paciente.(28)
A necessidade de cautela fica ainda mais patente quando descobrimos, para nosso desânimo, que os pesquisadores nessa área não conseguem chegar a um acordo quanto aos sintomas que claramente distinguem possessão demoníaca de desordens mentais. Alguns estudiosos, como Isaacs, afirmam que a perda do auto controle, ouvir vozes ou ter visões, a presença de outras personalidades dentro da pessoa, rejeição de itens religiosos, flutuações entre personalidades, comportamento suicida e destrutivo, ocorrências paranormais ou parapsicológicas, são sintomas claros de possessão demoníaca.(29) Geralmente apontam para abuso sexual na infância como sendo uma das portas de entrada dos demônios. Rosik, por outro lado, identifica um passado de abuso sexual, ouvir vozes dentro da cabeça, comportamento anormal do qual o paciente não se lembra, tratamentos anteriores que não funcionaram, comportamento auto destrutivo, depressão e dor de cabeça severa, como sintomas de DMP. Afirma ainda que o doente típico de DMP pode ter até mesmo 14 personalidades distintas.(30) Não é meu objetivo nessa parte do estudo entrar no assunto da possessão demoníaca, apenas quero mostrar que andamos em terreno escorregadio quando tentamos obter conhecimento acerca do mundo espiritual usando outras fontes que não a revelação divina.
Conceitos pagãos sobre demônios. Muita coisa ensinada pela "batalha espiritual" assemelha-se à sabedoria pagã sobre os espíritos maus, como os conceitos de "casa mau assombrada", quebra de maldições, etc. Gary Greenwald afirma num artigo que é possível que espíritos malignos sejam transferidos para crentes de 6 maneiras: viver numa cidade onde os espíritos dominantes seduzem os crentes; viver em associação com descrentes; assistir fitas de cinema ou vídeo que expõem pornografia e violência; transferência de espíritos de antepassados ímpios; imposição de mãos por parte de pessoas erradas; líderes espirituais que não são realmente homens de Deus.(31) Podemos concordar que algumas dessas coisas mencionadas acima são perniciosas para o crente e que ele deve evitá-las. Mas daí a aceitarmos a idéia de que elas transferem maus espíritos aos crentes, vai uma grande distância. Essa conclusão não é corretamente inferida das Escrituras, muito embora o autor tente fazer referência a algumas passagens que julga que provam seu ponto. O conceito de transferência de espíritos malignos para crentes parece muito mais um conceito pagão do que bíblico. Soa como o conceito de "mau olhado" da umbanda.(32)
Já outro autor, escrevendo sobre como uma família crente deve consagrar ao Senhor a casa onde moram, defende que pode haver demônios morando nela, se os moradores anteriores foram ímpios, e recomenda que os crentes façam uma operação de limpeza, removendo todos os traços de pecado, e expulsando os demônios daquele lugar. O mesmo deve ser feito em quartos de hotéis, e escritórios.(33) Evidentemente todos os cristãos desejam morar num lugar onde Deus seja o Senhor, mas as Escrituras não nos ensinam a fazer rituais de purificação de casas ou outros locais para que isso ocorra. Deus habita em nós, e se habitamos numa casa, nossa presença santifica aquele local. A idéia parece ter sido importada das religiões pagãs, especialmente da umbanda e do baixo espiritismo.
Os perigos que correm os cristãos que adotam uma demonologia ou uma visão de batalha espiritual que vai além dos padrões da Palavra de Deus são devastadores. Via de regra, os que têm ido além das Escrituras acabam caindo numa demonologia semi-pagã. Defensores dessa nova teologia mesmo apresentando as vezes bom material bíblico são tendentes a especulações fantásticas e imaginações espetaculares. Os que vêem a dor, o sofrimento, as doenças, a depressão, o desemprego, os conflitos pessoais e o pecado — enfim, toda a miséria que existe no mundo ao seu redor — sempre em termos de batalha espiritual, correm diversos riscos quanto à sua fé. Enumero em seguida três deles:
Falsa compreensão. Quando aceitamos a idéia de que vivemos num mundo onde todo mal se origina na atuação direta de Satanás ou alguns de seus demônios, perdemos de perspectiva o ensino bíblico de que somos responsáveis pelos nossos pecados e pelas conseqüências dos mesmos, que geralmente nos trazem dor e sofrimento. E podemos até mesmo começar a questionar se a disciplina espiritual é de algum valor para quebrarmos o poder dos hábitos pecaminosos em nossas vidas, já que acreditamos que estes se resolvem pela expulsão de entidades espirituais responsáveis pelos mesmos.
Temor doentio. Pessoas que percebem a vida cristã exclusivamente em termos de batalha espiritual, logo começam a ver conexões sinistras e macabras entre os eventos do dia a dia e a atividades de demônios, o que pode levá-las ao pânico ou a um comportamento paranóico.
Ilusão. Pessoas que experimentam umas poucas vezes a "vitória" sobre o inimigo podem adquirir uma falsa sensação de superioridade, de orgulho ou a ilusão de terem "poder". Entretanto, a vitória pertence a Deus. Devemos nos lembrar que a maioria dos problemas que os cristãos experimentam procedem de suas próprias faltas, defeitos, incoerências, idiossincrasias e enfermidades espirituais. Não estou negando que Satanás usa essas coisas para prejudicar nossas vidas, apenas destacando que elas tem origem em nossa natureza decaída.
Se porém permanecermos confiantes na exclusividade e na suficiência do ensino da Escritura e permanecermos firmes no que ela nos ensina, poderemos entrar no combate espiritual perfeitamente equipados e tendo a perspectiva correta do que está acontecendo. Esse é um princípio fundamental que devemos manter a todo custo quanto ao tema da batalha espiritual.

 3. O homem é um ser decaído e debaixo do justo juízo de Deus

Um terceiro princípio fundamental para colocarmos o assunto de "batalha espiritual" na perspectiva correta é lembrarmos do verdadeiro estado da humanidade diante de Deus. Creio que na raiz de uma demonologia defeituosa e inadequada, como a abraçada pelo moderno movimento de "batalha espiritual", encontra-se uma visão incorreta acerca da extensão dos efeitos do pecado na natureza humana e do estado do homem diante de Deus. Em outras palavras, falta o conceito bíblico de que o homem é um ser decaído moral e espiritualmente e debaixo do justo juízo divino.
Uma das grandes disputas durante a Reforma protestante versou sobre a natureza e a extensão do pecado original. Ele afetou Adão somente, ou todo o gênero humano? A vontade do homem decaído é ainda livre ou escravizada ao pecado? No século V Pelágio havia debatido ferozmente com Agostinho sobre este assunto. Agostinho mantinha que o pecado original de Adão foi herdado por toda a humanidade e que, mesmo que o homem caído retenha a habilidade para escolher, ele está escravizado ao pecado e "não pode não pecar". Por outro lado, Pelágio insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão, e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas perfeitas, Ele também dá a habilidade moral para que elas possam fazer assim. Ele reivindicou mais adiante que a graça divina era desnecessária para salvação, embora facilitasse a obediência.
Agostinho teve sucesso refutando Pelágio, mas o pelagianismo não morreu. Várias formas de pelagianismo recorreram periodicamente através dos séculos. Lutero escreveu um livro "A Escravidão da Vontade" em resposta a uma diatribe de Erasmo, onde o mesmo defendia conceitos pelagianos. Lutero acreditava que Erasmo era "um inimigo de Deus e da religião Cristã" por causa do ensino dele sobre o pecado original.(34)
Embora nem sempre houvesse total concordância entre os cristãos, o ensino defendido por Agostinho, Calvino, Lutero, puritanos e teólogos reformados mais modernos, representou durante muito tempo o pensamento da maioria dos evangélicos. Atualmente, conceitos bastante similares aos de Pelágio parece terem conseguido prevalecer entre os protestantes de maneira geral. Mas, a teologia reformada continuando afirmando que o pecado de Adão trouxe gravíssimas conseqüências aos seus descendentes. As duas principais são essas, como se segue:
A corrupção da natureza humana. Com esse termo se queria indicar a degeneração, perversão, depravação ou decadência espiritual e moral à qual a raça humana ficou sujeita após o pecado de seus primeiros pais, Adão e Eva. O pecado maculou a personalidade humana de tal maneira, que o homem é mais inclinado a praticar o mal que o bem. O primeiro casal, criado puro e inocente, após experimentar o pecado, já exibia sinais da corrupção interior: cada um tentou justificar seu erro colocando a culpa no outro e afinal em Deus (Gn 3.10-13). Depois disso, a história de seus descendentes é uma triste história de violência (Gn 4.8), poligamia (Gn 4.19), soberba e vingança (Gn 4.23) e imoralidade (Gn 13.13; 18.20-21). Apesar de ainda existir algum bem nesse mundo (e isso somente pela graça de Deus), as pessoas sempre estão pensando em fazer coisas erradas (Gn 6.5). A descrição dada pelo salmista é estarrecedora:
Todos se tornaram imorais e fazem coisas horríveis; não há uma só pessoa que faça o bem... todos se desviaram do caminho certo e são igualmente maus. Não há mais ninguém que faça o que é direito, não há ninguém mesmo (Sl 14.1-3, BLH).
O Senhor Jesus, ao explicar de que forma o homem se torna verdadeiramente impuro, apontou para o coração do homem como a fonte de toda sorte de impureza moral e espiritual:
É do coração que vêm os maus pensamentos que levam ao crime, ao adultério e às outras coisas imorais. São os maus pensamentos que levam também a pessoa a roubar, mentir e caluniar. São essas coisas que fazem alguém ficar impuro (Mt 15.19-20, BLH).
Semelhantemente, o apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos, e desejando mostrar que todos, sem exceção, são naturalmente corrompidos e inclinados ao mal, cita em série várias passagens do Antigo Testamento como prova da depravação total do homem:
Não há ninguém justo, ninguém que tenha juízo;
não há quem adore a Deus. Todos se desviaram do caminho certo,
todos se perderam. Não há mais ninguém que faça o bem,
não há ninguém mesmo. Mentem e enganam sem parar.
Mentiras perversas saem de suas línguas, e palavras de morte,
como veneno de cobra, saem de seus lábios.
As suas bocas estão cheias de terríveis maldições.
Eles têm pressa de ferir e de matar.
Por onde passam, deixam a destruição e a desgraça.
Não conhecem o caminho da paz e não aprenderam a temer a Deus (Rm 3.10-18, BLH).(35)
Essas passagens da Bíblia são suficientes para demonstrar o nosso ponto (ainda outras poderiam ser acrescentadas). Basta uma consulta sincera à nossa consciência, aliada a um exame da história humana e a uma olhada ao nosso redor para verificarmos que a Bíblia diagnostica de forma exata a situação da raça humana. Mesmo quem não abraça o ensino bíblico sobre a corrupção inata ao ser humano, não pode deixar de perceber como ela macula todas as instituições sociais. Escreveu Shakespeare:
Ah, se as propriedades, títulos e cargos
Não fossem fruto da corrupção! e se as altas honrarias
Se adquirissem só pelo mérito de quem as detém!
Quantos, então, não estariam hoje melhor do que estão?
Quantos, que comandam, não estariam entre os comandados?(36)
Existem algumas ressalvas importantes a serem feitas para evitarmos uma falsa compreensão desse ensinamento. Segue-se quatro delas.
A queda do homem não contradiz a presença do bem nele. Quando dizemos que a depravação é total não estamos com isso querendo dizer que nunca ninguém tem pensamentos bons ou faz coisas certas. "Não há depravação, por absoluta que seja, que não traga, em seu aspecto exterior, algum traço de virtude".(37) O termo total aponta para o fato de que o pecado penetrou em todas as faculdades do homem e as contaminou, como pensamentos, emoções, vontade. Também indica que essa contaminação é de tal forma que, se deixado entregue à si mesmo, o homem seguirá naturalmente caminhos que o desviam de Deus e o levam cada vez mais ao pecado.
A queda do homem não contradiz a presença do bem no mundo. É preciso ressalvar que o ensino reformado da total depravação do homem não ignora a realidade óbvia de que há pessoas nesse mundo que fazem obras de caridade, que demonstram sentimentos de misericórdia e compaixão, e que são capazes de sacrifícios os mais heróicos e altruístas por causas humanitárias e nobres. Apenas atribui tais atos, não à natureza do homem em si, mas ao que denomina de a graça comum de Deus. Com isso os reformados designam aquelas operações graciosas e soberanas da providência de Deus, pelo Seu Espírito, na humanidade em geral, restringindo as corrupções e as tendências malignas dos corações e promovendo atitudes de misericórdia, independentemente das crenças religiosas das pessoas, com o objetivo de preservar por mais um tempo o convívio humano, a existência da sociedade e a sobrevivência da raça humana. Dessa forma, se por um lado a humanidade é totalmente inclinada a fazer coisas erradas, por outro, é levada (na maioria das vezes de forma inconsciente) por Deus a realizar atos de misericórdia e bondade, pelos quais a sua sobrevivência em sociedade é preservada. Caso Deus deixasse de atuar assim, a humanidade já teria se destruído há muito tempo (veja Gn 20.6; Sl 33.5; 104.13-15; Mt 5.45).
A queda do homem não exclui sua responsabilidade. O ensino reformado da depravação total também não exclui o reconhecimento de que as Escrituras ensinam que o homem, mesmo nesse estado decaído, é responsável pelos seus malfeitos. Alguns estudiosos alegam que o homem não pode ser responsabilizado pelos seus atos pecaminosos desde que é irresistivelmente inclinado a praticá-los. Porém, entendemos que a queda do homem de um estado de pureza e inocência para o de depravação moral e espiritual não anulou a sua responsabilidade diante de Deus. As Escrituras, mesmo afirmando a depravação moral e espiritual das pessoas, avisa-as que são responsabilizadas por Deus pelos seus atos, e que sofrem as conseqüências dos mesmos (cf. Jz 9.56; Pv 5.22; 22.8; Jr 21.14; Rm 6.21,23; 2 Co 5.10; Gl 6.8-9). Não é difícil constatar que freqüentemente sofremos com os resultados de decisões, palavras e atitudes erradas que tomamos. A preguiça tem trazido pobreza a muitos. Uma vida desregrada traz doenças. A falta de domínio próprio tem provocado reações que levam ao homicídio. A embriagues e o uso de drogas tem trazido sofrimentos indizíveis aos seus usuários e familiares. O amor ao dinheiro, a cobiça e a inveja têm traspassado a muitos com muitas dores. Nas palavras do escritor Jules Romains (1885-1972), "Se nossa época, se nossa civilização correm a uma catástrofe, isto se dá menos por cegueira, do que por preguiça e por falta de mérito".(38)
Esse é o ponto que desejamos enfocar nessa parte do nosso ensaio: grande parte da miséria espiritual, moral, social, individual, financeira e estrutural que sempre aflige a humanidade é fruto, em primeiro lugar, dos pecados que ela comete. A humanidade em geral é responsável, em grande medida, pela sofrimento moral, espiritual e físico que suporta durante sua existência. É verdade que há muitos e muitos casos em que pessoas sofrem como conseqüência, não de seus erros, mas dos erros de outros — como por exemplo, os pais que perdem um filho atropelado por um motorista bêbado, ou os civis que sofrem durante uma guerra. Negar isso seria cruel. Mas não é esse o nosso ponto. O que estamos querendo dizer é que, ou por nossa culpa ou pela de outros humanos, grande parte da miséria que nos acomete tem como raiz última esse estado de depravação e corrupção a que a desobediência dos nossos primeiros pais nos lançou, desobediência essa na qual incorremos por nós mesmos; pois até mesmo as catástrofes naturais — como terremotos, ciclones, secas e dilúvios — são atribuídos na Bíblia à desordem cósmica gerada pela queda do homem no jardim do Éden (cf. Gn 3.17-18; Rm 8.20-22).
A condenação e o castigo de Deus. Essa é a segunda conseqüência da queda que desejo enfatizar. A humanidade não somente vive num estado lastimável de depravação espiritual, provocando muitas dores em si mesma — ela está debaixo do mais severo juízo de Deus por causa do estado de rebelião em que vive, atraindo sobre si castigos temporais impostos por Ele. As Escrituras declaram abertamente que Deus, mesmo tendo reservado para o futuro as penas eternas merecidas pelos pecadores impenitentes, aqui e agora já impõe castigos temporais aos mesmos.. As Escrituras nos dão inúmeros exemplos dos castigos temporais de Deus sobre o pecado do homem. A começar com os castigos impostos ao primeiro casal no Éden (Gn 3), passando pelo dilúvio (Gênesis 6-8), a confusão das línguas (Gn 10) e a destruição de Sodoma e Gomorra (Gn 13-17), a Bíblia nos deixa muito claro que, aqui e agora, no presente tempo em que vivemos, Deus está executando, mesmo que parcialmente, juízos sobre os homens pecadores. Esses juízos por vezes tomam a forma de flagelos físicos. Deus disse por intermédio de Moisés que castigaria os israelitas com toda sorte de misérias temporais em caso de desobediência. O catálogo de sofrimentos em Deuteronômio 28 é impressionante: diminuição do patrimônio (v.18), doenças contagiosas, infecções, inflamações e febres (v. 21-22), pragas (v. 22b), secas (v. 23), tumores, chagas, úlceras e coceiras (v. 27), cegueira (v. 28-29), fracasso financeiro e escravidão (v. 29) — a lista é infindável (cf. o restante dela nos vv. 30-44; ver também Levítico 26.14-46).
Não pretendo fechar os olhos ao fato de que as Escrituras ensinam que Deus é paciente, complacente e misericordioso para com a humanidade rebelde, e que apesar da desobediência e rebelião das pessoas, Ele graciosamente lhes dá a vida, saúde, bens, e até longevidade. Mesmo as pessoas mais ímpias por vezes experimentam nessa vida privilégios materiais que excedem em muito a porção magra com que freqüentemente os justos são agraciados. A constatação dessa realidade levou muitos santos antigos a inquirir acerca da justiça de Deus (ver Salmo 72; o livro de Jó; o livro de Eclesiastes). A resposta é que Deus, em sua muita misericórdia e seguindo propósitos freqüentemente ocultos aos nossos olhos, nem sempre nesta vida castiga o pecado imediatamente e na proporção que o mesmo merece. O juízo e a condenação final dos ímpios é certa e Deus tem reservado a punição deles para aquela ocasião. Aqui no presente Ele os castigue por vezes com flagelos e aflições temporais, como prenúncios daquela condenação eterna que os aguarda.
A idéia de que todo mal — quer sob a forma de sofrimento e misérias, quer sob a forma de pecado — provém da atuação direta de demônios é bastante difundida pelo movimento de batalha espiritual. Na verdade, acredito que o conceito de que "todo mal é demoníaco" é a mais fundamental doutrina desse movimento. A esses espíritos malignos é atribuída a responsabilidade, não somente de doenças, desastres, fracassos, divórcios, desemprego e coisas semelhantes, mas também de atitudes pecaminosas, como o uso de drogas, a prostituição, o homossexualismo, o consumo de pornografia e todos distúrbios morais de comportamento. Segundo o entendimento de muitos proponentes da "batalha espiritual", essas entidades maléficas se instalam na vida das pessoas (crentes e descrentes) e nas estruturas sociais, políticas e econômicas de determinadas regiões geográficas. Resta à Igreja somente o método de expelir essas entidades dos locais estratégicos onde se instalaram, como meio eficaz de combatê-las e libertar as pessoas debaixo de seu controle.
O ponto que desejo frisar é que esse ensino do movimento de "batalha espiritual" é uma perspectiva limitada e reducionista do ensino bíblico acerca do sofrimento humano bem como uma avaliação distorcida da realidade que nos cerca. Os diferentes sofrimentos experimentados nessa vida pelos homens têm como origem, muitas vezes, não somente a desobediência humana, como também o castigo divino. Evidentemente, não sabemos ao certo dizer quando um termina e o outro começa. E é preciso reconhecer que, em casos como o de Jó, Satanás pode servir como instrumento dentro dos propósitos divinos. Provavelmente os efeitos do pecado, os juízos divinos e a atuação dos demônios estão tão interligados em alguns casos que a separação na prática é impossível. De qualquer forma, creio ter ficado claro que o conceito defendido pelo movimento de batalha espiritual, de que todo sofrimento, toda miséria e todo mal circunstancial que sobrevêm às pessoas hoje, tem origem demoníaca, não tem qualquer sustentáculo bíblico.
Não estou dizendo que os espíritos malignos não atuam na promoção da miséria e da dor, bem como na disseminação do pecado. Negar isso seria negar o ensino da Bíblia. Ela afirma que o diabo veio para matar, roubar e destruir (João 10.10). Afirma também que ele é o pai da mentira (Jo 8.44). Sabemos que Satanás se utiliza da nossa natureza depravada como instrumento de tentação, como se fosse um aliado interno, para nos levar ao pecado.(39) O que estou questionando é a ênfase do movimento de batalha espiritual de que toda forma de mal (circunstancial e moral) provém diretamente de Satanás, e que ele é, em última análise, o responsável pela nossa escravidão a determinados pecados.
Reconheço que muitos cristãos acham extremamente difícil romper com determinados comportamentos compulsivos que sabem ser pecaminoso, como ver pornografia, comer em excesso, sentir autopiedade ou mentir. Estou também pronto a admitir que Satanás procura levar as pessoas a permanecer escravas desses hábitos e padrões pecaminosos. Questiono, porém, a idéia de que tais crentes não conseguem se livrar porque estão debaixo do poder de um determinado espírito maligno que os levam a pecar sempre que esses demônios assim o desejem. Questiono essa idéia porque creio estar claro nas Escrituras que o homem é corrompido o suficiente para atrair sobre si sofrimentos e aflições decorrentes de seus próprios atos (sem que nenhum demônio esteja necessariamente envolvido). A idéia de que todo comportamento compulsivo é decorrente de demonização é um diagnóstico inadequado e abre portas para soluções inadequadas.
A Bíblia também ensina, como vimos, que Deus é o autor de males e sofrimentos que envia sobre os ímpios (e mesmo, sobre seus filhos, para corrigi-los). Com isso não estou, nem por um segundo, sugerindo que Deus é o autor do pecado, ou que seja, no mínimo, cúmplice do mesmo. Quando começamos a ir além da Escritura, e responsabilizamos o diabo por todo o mal que ocorre nesse mundo, corremos alguns riscos:
Perdermos de vista o ensino bíblico acerca da queda e depravação do homem. Num artigo crítico contra os ensinos de Peter Wagner e demais proponentes do movimento de batalha espiritual, Mike Wakely acusa a teologia do movimento de ser pobre, descuidada e inferior, pois apresenta uma perspectiva inadequada do ensino bíblico acerca da queda do homem. Satanás, continua Wakely, é visto como operando primariamente através de instituições políticas, econômicas e religiosas. Uma vez que seu poder sobre esses sistemas é quebrado, as pessoas prontamente se converterão a Cristo.(40) Mas esse ensino, diz Wakely, está em completo desacordo com o ensino bíblico de que o coração do homem é endurecido, teimoso e rebelde. Esse ensino de Wagner e de outros tende a justificar os pecados dessas pessoas e sua recusa em submeter-se a Cristo.(41)
Perdermos de vista o ensino bíblico acerca da responsabilidade pessoal de cada indivíduo pelos atos que comete. Num artigo sobre como os cristãos podem se libertar de comportamentos compulsivos — outra maneira de se referir a prática costumeira de determinados pecados —, o autor Lester Sumrall corretamente menciona que o diabo ilude as pessoas com conceitos errados acerca do pecado e de Deus, para mantê-las escravizadas a determinados hábitos pecaminosos; mas responsabiliza tais indivíduos por não serem capazes de romper com tais hábitos: (1) muitos não desejam realmente renunciar ao prazer que o pecado lhes traz; (2) outros são orgulhosos demais para buscar ajuda; (3) outros se concentram em assuntos secundários em vez de irem à raiz do problema; (4) ainda outros são inconstantes: desejam mudar, mas não ao ponto de renunciar àqueles hábitos e sentimentos familiares. Ele conclui dizendo que é somente através de um esforço espiritual constante que poderemos nos libertar de padrões rotineiros de pecado.(42) O que desejo destacar nesse artigo de Sumrall é a combinação equilibrada entre o reconhecimento de que Satanás pode iludir as pessoas ao pecado e a responsabilidade última que cada pessoa tem diante de Deus por se deixar iludir e praticar a iniquidade. Infelizmente, essa última ênfase tem faltado em muitas das publicações defendendo a "batalha espiritual". A tendência geralmente é resolver o problema da escravidão ao pecado em termos de expulsão de demônios supostamente responsáveis pelos mesmos, em vez do emprego dos meios bíblicos como a disciplina espiritual,, como mencionado no artigo de Sumrall.
Perdermos de vista o ensino bíblico de que devemos resistir ao pecado. É importante observar que nem sempre é fácil distinguir entre os problemas comuns da vida e ataques de espíritos malignos. A dificuldade aumenta quando descobrimos que a Bíblia menciona que, além de Satanás, somos ainda tentados pela carne, pelo mundo e pelas circunstâncias adversas dessa vida. O que muitos defensores da "batalha espiritual" parecem não perceber é que a maioria dos nossos problemas, dificuldades e sofrimentos diários se originam da combinação entre nossa "bagagem de miséria humana básica" (predisposições genéticas, ambiente familiar, deficiências pessoais) e nossas tendências pecaminosas (amargura, ira, raiva, egoísmo). O mundo e o diabo completam o quadro, interagindo entre si para criar situações de conflito, que são por vezes tão complexas, que não conseguimos classificá-las claramente. O que é mais interessante em tudo isso, é que as Escrituras oferecem aos crentes uma maneira padrão de agir nessas circunstâncias, seja qual for a origem — ou origens — do conflito: submeter-se a Deus, arrepender-se dos pecados, e resistir ao diabo — e ele fugirá (Tg 4.7-10).(43) Entendendo a batalha espiritual somente em termos de ataques de espíritos malignos, muitos hoje têm negligenciado o ensino bíblico acerca da necessidade de santificação, disciplina espiritual e resistência moral contra as tentações — sejam elas da carne, do mundo ou do diabo.
Portanto, é extremamente importante que mantenhamos firmes em nossas mentes o ensino bíblico de que o homem é um ser decaído e que está debaixo do justo juízo de Deus. É importante, não por que desejamos enfatizar morbidamente essas tristes verdades. Mas, porque precisamos compreender claramente a natureza das misérias e dos males que acometem as pessoas, a responsabilidade que têm nelas, e de que forma devem reagir.

4. Se alguém está em Cristo é uma nova criação

O leitor deverá ter percebido que o título acima é na verdade uma parte das palavras de Paulo em 2 Coríntios 5.17, "E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram nova" (ARA). Preferi traduzir a palavra ktisis como "criação" e não como "criatura" pelos seguintes motivos: (1) Das 19 vezes que a palavra ktisis ocorre no Novo Testamento, a grande maioria é traduzida por "criação" (cf. Mc 10.6; 13.19; Rm 1.20; 8.19-22; Cl 1.15, entre outros), embora em alguns casos a tradução "criatura" seja possível. (2) Algumas das traduções mais respeitadas internacionalmente preferem também "criação" em vez de "criatura", como a RSV e a NVI. (3) "Criação" expressa melhor o sentido do que Paulo deseja dizer em 2 Co 5.17. Seu ponto não é a transformação psicológica e espiritual que acontece com uma pessoa que está em Cristo (como na tradução da BLH, "é uma nova pessoa"), mas sua participação na nova criação que já foi iniciada por Deus em Cristo. O contraste coisas "antigas" e "novas" não é um contraste entre o tempo antes e depois da conversão da pessoa a Cristo, mas entre o período antes e depois da vinda de Cristo, entre a velha era e a nova. As palavras de Paulo devem ser entendidas, não psicologicamente, mas escatologicamente, em termos do seu ensino sobre o raiar da nova era em Cristo, do início da nova criação em Cristo, da qual ele é o primogênito.(44) Já tratamos acima acerca do ensino paulino sobre as duas eras. Evidentemente esse conceito abrange o outro, de que a pessoa se torna uma nova pessoa interiormente, mas aponta para ainda outras características da obra de Cristo em favor da Sua igreja.
Entendido dessa perspectiva o verso está dizendo que se alguém está em Cristo ele faz parte da nova criação, da nova humanidade cujo cabeça é Cristo, e desfruta de todos os privilégios desse novo status. Outras passagens do Novo Testamento nos completam o quadro: quem está em Cristo goza aqui e agora da presença do Espírito Santo como penhor do que ainda há por vir (Ef 1.14); experimenta o gozo e os poderes do mundo vindouro (Hb 6.4-5); compartilha da natureza de Cristo como primícia da ressurreição ainda por ocorrer; já tem a vida eterna que significa conhecer a Deus e ao Seu Filho Jesus Cristo (Jo 17.1-3); desfruta de um novo coração (Sl 51.10; Ez 11.19; 36.26; Jo 3.3; Gl 6.15); foi liberto do domínio do pecado e da lei (Rm 6.1-14; 7.1-6); é guiado pelo Espírito de Deus (Rm 8.1-17).
As Escrituras enfatizam especialmente a nova relação que aquele que está em Cristo mantém com Deus. Antigamente era filho da ira, dominado pelo mundo, pela carne e pelo diabo e debaixo do juízo de Deus (Ef 2.1-3); agora, foi perdoado e aceito por Deus, adotado como filho em Cristo; já nenhuma condenação existe contra ele (Rm 8.1). Ele não mais pertence a esse mundo que se desfaz, mas à época vindoura que já raiou no presente. Assim, Satanás já não tem mais qualquer autoridade ou direito sobre ele, apesar de ainda tentá-lo ao pecado. Nas palavras do apóstolo João, "o maligno não lhe toca" (1 Jo 5.18). Basta um estudo simples nas Escrituras, da linguagem usada para descrever nossa redenção, para que não fique qualquer dúvida de que o crente, à semelhança de um escravo exposto à venda na praça, foi comprado por preço, e que, agora, passa a pertencer totalmente ao novo dono. O antigo patrão não tem mais qualquer direito sobre ele, como rezava a legislação romana da época. Assim, Paulo diz que fomos comprados por preço (1 Co 6.20; agorazo, "comprar, redimir, pagar um resgate para libertá-lo"), e que sendo agora livres, não devemos nos deixar outra vez escravizar (1 Co 7.23). Fomos resgatados (lutrow) pelo precioso sangue de Cristo (1 Pe 1.18; cf. Ap 5.9).
O ensino bíblico acerca da relação que o crente desfruta com Deus precisa ser enfatizado em nossos dias, particularmente as suas implicações. A julgar por muito do que é dito por defensores do movimento de "batalha espiritual" quanto à atuação e ao poder dos espíritos malignos na vida dos crentes, falta-lhes uma visão e uma compreensão mais exata quanto ao ensino do Novo Testamento sobre o ser nova criatura, ou melhor, nova criação bem como quanto às implicações desse ensino para a "batalha espiritual". Há pelo menos dois ensinamentos da "batalha espiritual" que acabam por minimizar a eficácia da obra de Cristo, que são: a demonização de crentes verdadeiros e a necessidade de quebrar maldições.
Primeiro, vejamos o conceito de que crentes verdadeiros podem ser demonizados. Ela tem se tornado tão popular, que muitos artigos de revistas teológicas especializadas em aconselhamento, ao tratar das características da demonização, não fazem qualquer distinção entre crentes e descrentes.(45)
Mas, o que é "demonização"? É importante entendermos bem o que querem dizer quando empregam esse termo. Há quatro coisas que definem bem esse conceito:
Demonização é diferente de possessão demoníaca. Frank Peretti, pastor licenciado da Assembléia de Deus e autor do best seller de 1998 Esse Mundo Tenebroso, um cristão não pode ficar possuído por um demônio, mas pode ser "demonizado".(46) Não somente Peretti, mas muitos líderes do movimento de "batalha espiritual" seguem a mesma distinção, como por exemplo, no Brasil, Gilberto Pickering. Em seu livro Guerra Espiritual ele acusa os tradutores da versão King James de terem colocado a Igreja na direção errada ao traduzir o termo grego daimonizomai e seus cognatos por "possessão demoníaca", tradução também adotada pela Almeida.(47) A expressão "possessão demoníaca" e mesmo "endemoninhamento", segundo Pickering, implica na posse por parte de Satanás da vida e do destino de uma pessoa.(48) Nesse caso, só há duas opções: ou alguém está possuído por um espírito maligno, ou não está.
Demonização é um fenômeno parcial. O ponto defendido é que existem graus diferentes em que uma pessoa — mesmo um crente — está debaixo do controle e influência de Satanás. Daí a preferência pela tradução "demonizado" ou "endemoninhado", pois expressa a idéia de que uma pessoa, mesmo um crente, pode ter alguma área de sua vida debaixo do controle parcial de um ou mais demônios, sem necessariamente estar "possesso" por eles. Powlison, em sua crítica à "batalha espiritual", descreve este conceito fazendo um paralelo entre a personalidade humana infestada em diversas áreas por demônios e o disco rígido de um computador, onde determinadas áreas estão infectadas com um ou mais vírus.(49)
Portanto, muitos defensores da "batalha espiritual" negariam que um crente pode ficar possesso de um espírito imundo, mas afirmam que ele pode ficar "demonizado", isto é, com alguma área de sua vida debaixo do controle de um ou mais demônios.(50) Na verdade, vão ao ponto de dizer que não existe "possessão demoníaca" nem mesmo de incrédulos — o que há é "demonização".(51) Portanto, a explicação que dão para um comportamento moral ilícito é de que os demônios do pecado estão entrincheirados no coração humano.
A demonização ocorre por causas bem definidas. Aparentemente, eles entendem que a "demonização" é uma influência maligna na vida de uma pessoa, superior à daquela da tentação, em que um ou mais demônios vêm habitar na pessoa, fazendo-a ficar confusa, incrédula, e especialmente escravizada a determinados hábitos pecaminosos. A pessoa cai vítima desta opressão demoníaca por causa de seus pecados, ou por causa dos pecados de outros contra ela, como por exemplo, a molestação sexual durante a infância.(52) A "demonização" de um crente verdadeiro pode ocorrer ainda por vários outros motivos: o pecado de seus antepassados, ódio, amargura e rebelião durante a infância, pecados sexuais, maldições e pragas rogadas por outros, e envolvimento com o ocultismo.(53)
Tais coisas dão autoridade aos demônios para invadi-las. O mesmo ocorre por causa de maldições hereditárias. Qualquer que seja a causa, os demônios invadem a vida das pessoas e nelas habitam. No caso dos crentes, eles permanecem em constante conflito com o Espírito Santo, que também habita nos crentes.(54) Segundo alguns, estes demônios invasores podem ficar habitando no corpo ou na alma do crente.(55)
Demonização e vida em pecado andam juntas. O efeito da demonização de crentes ou descrentes, segundo Murphy, é uma vida em pecado, geralmente nas áreas de práticas sexuais ilícitas, ódio, mágoa, rancor, rebelião, sensação de culpa, rejeição e vergonha, atração ao ocultismo e ao mundo dos espíritos.(56) Segundo Murphy, o processo de demonização de um crente é geralmente o seguinte: o primeiro demônio invade a sua vida, e abre as portas para que outros venham. Se não forem detectados e expulsos, permanecerão lá, habitando no crente, e gradativamente ganharão controle sobre as sua emoções, até finalmente atingirem o centro de sua personalidade. Crentes demonizados não poderão prosseguir sozinhos na vida cristã; precisam de ajuda de alguém que expulse estas entidades de suas vidas.(57)
Embora o conceito de "demonização" seja uma ótima explicação para os hábitos pecaminosos que escravizam muitos crentes, ele esbarra em algumas dificuldades exegéticas e teológicas. Há pelo menos quatro delas que podemos mencionar.
O problema é mais que uma questão de tradução. Mudar a tradução de daimonizomai ("possessão demoníaca") para "demonização" não resolve o problema levantado pela sugestão de que crentes verdadeiros podem se tornar escravos de demônios, mesmo que seja em apenas algumas áreas morais da sua vida. Embora o último termo traduza de forma mais literal a expressão bíblica, o primeiro expressa melhor o seu sentido. Alguém "demonizado" está debaixo do controle de um demônio. Existe alguma área de sua vida — ou sua vida toda — que está possuída por aquela entidade. É este o sentido da expressão.
Nos casos mencionados nos Evangelhos e Atos, os endemoninhados estavam afligidos por distúrbios, quer mentais ou físicos (paralisia, cegueira, surdez, epilepsia, loucura, cf. Mt 4.24; 8.28; 9.23; 12.22; 15.22). Seus corpos e mentes haviam sido invadidos por demônios. A causa nunca é citada no Novo Testamento. O efeito é que tais pessoas estavam debaixo do controle destes seres, que não somente as afligiam, mas as haviam privado da razão, às vezes da saúde e do controle físico.
Nos Evangelhos, as atitudes e reações das pessoas "demonizadas" são atribuídas aos demônios que as invadiram, ver Mc 3.11; Mt 8.31; Mc 1.26; Lc 4.35; At 5.16; et al. Portanto, não é de se admirar que os tradutores, quase que universalmente, tem traduzido o verbo daimonizomai indicando possessão demoníaca. É que se trata da invasão de demônios na vida, no corpo, na mente e na personalidade das pessoas, chegando ao ponto de escravizá-lo a certos pecados e atitudes. Admitir que um crente esteja "demonizado" é admitir que ele está debaixo do controle de Satanás, cativo à sua vontade, impelido a estas atitudes compulsivas. E portanto, mesmo que a terminologia foi trocada, permanece a questão se um crente pode ter demônios habitando em seu corpo, o qual é igualmente habitado pelo Espírito Santo.(58)
O conceito agride textos claros quanto aos privilégios dos crentes. A questão é realmente aguda, pois a Escritura ensina que o crente está assentado com Cristo nos lugares celestiais, acima de todos os principados e potestades (Ef 1.21-22). O crente está em Cristo, e Cristo nada tem a ver com o maligno (Jo 14.30). E, naturalmente, o diabo não toca os que são de Cristo (1 Jo 5.18), pois o que está no crente (o Espírito Santo) é maior que os espíritos malignos que habitam neste mundo (1 Jo 4.4).
O pecado é atribuído à natureza decaída do homem. Os demônios denominados pela "batalha espiritual" como sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não aparecem no Novo Testamento. Estas coisas são, na verdade, as obras da carne mencionadas por Paulo em Gálatas 5.19-21. A solução para estes pecados não é expulsar demônios que supostamente os produzem, mas arrependimento, confissão, e santificação. O conceito de "crente demonizado", na realidade, em vez de produzir a mortificação da nossa natureza pecaminosa como as Escrituras determinam (Cl 3.8; Rm 8.13), fornece uma desculpa e uma racionalização para o pecado, as quais a nossa natureza pecaminosa sempre é rápida em usar.
Falta comprovação bíblica da demonização de crentes. Além disto, falta a necessária comprovação bíblica de que podemos e devemos expulsar demônios da vida de crentes verdadeiros. Jesus nunca expulsou demônios de quem era seu discípulo — Maria Madalena, de quem Jesus expulsou sete espíritos malignos, certamente se converteu naquela ocasião (Lc 8.2). Os apóstolos, igualmente, nunca expulsaram demônios de crentes das igrejas locais. O Novo Testamento é absolutamente silencioso a este respeito; silencia igualmente quanto às causas que levaram determinadas pessoas a ficarem endemoninhadas. O Novo Testamento apenas descreve o encontro de Jesus e dos apóstolos com pessoas endemoninhadas, mas em nenhum caso revela como o endemoninhamento aconteceu, se foi por causa de pecados pessoais, pelos pecados de outros, por maldições hereditárias, ou qualquer outros dos motivos alegados pelos proponentes da "batalha espiritual". Não devemos tentar satisfazer a nossa curiosidade baseados em especulações e experiências pessoais.
Segundo, a quebra de maldições. Esse ensinamento característico da "batalha espiritual" tende igualmente a minimizar a perfeição e a eficácia da obra de Cristo na vida do crente. Podemos resumir esse conceito em quatro pontos.
Os filhos pagam pelos erros dos pais. Os pecados, vícios, e pactos demoníacos feitos pelos antepassados de um crente afetam negativamente a sua existência presente. Maldições hereditárias são aquelas que herdamos dos nossos pais e antepassados em decorrência desses erros que eles cometeram. Este conceito procura basear-se em Êxodo 20.5, onde Deus afirma que castiga a maldade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração.
A transmissão genética de demônios. Autores como Rodovalho chegam a sugerir que os espíritos "familiares" passam dos pais para os filhos através dos genes.(59) Dessa forma, eles se perpetuam na família geração após geração. Isso explicaria porque determinadas famílias sofrem de pecados ou tragédias características em suas linhagens. Por exemplo, famílias que através dos séculos são marcadas por casos e mais casos de suicídios são vítimas de um "espírito familiar" de suicídio, que entrou na linhagem por algum motivo e só sairá com a quebra da maldição e a reparação do pecado que lhe deu a oportunidade.
O poder abençoador e amaldiçoador das palavras. As pragas, maldições ou palavras más proferidas diretamente contra nós no presente também têm o poder de nos tornar infelizes, de perturbar nossas vidas. Maldições podem incluir frases dos nossos pais como "menino, vai para o diabo que te carregue!". Através delas, os demônios recebem autoridade para entrar em nossas vidas e torná-las em miséria, dor e sofrimento.
A necessidade de quebrar essas maldições. Mesmo um verdadeiro crente pode deixar de alcançar a plena felicidade nesse mundo caso esteja "amaldiçoado", isso é, debaixo de alguma maldição. Caso não as quebre, padecerá nas mãos dos demônios, que recebem poder para atormentá-lo através delas. O processo consiste em localizar e identificar estas maldições, e anulá-las "em nome de Jesus". A "quebra" destas maldições o caminho para a libertação.(60) No caso de maldições hereditárias, alguns aconselham que se trace a árvore genealógica da nossa família, procurando identificar as pragas, maldições, pecados e pactos com demônios feitos por eles no passado, para depois anulá-los, quebrando-os e rejeitando-os em nome de Jesus.(61)
É verdade que podemos experimentar as conseqüências dos erros da nossa família. Também é verdade que as palavras podem ser usadas para destruir vidas. É igualmente verdadeiro que devemos rejeitar todas as obras das trevas, cuidar das nossas palavras e não sermos coniventes com os pecados de nossos antepassados e parentes ao nosso redor. Contudo, o ensino de "quebra de maldições" vai muito além disso. Existem quatro críticas que podemos fazer a ele.
Uso parcial da evidência bíblica. Geralmente o texto usado para defender o conceito de que os filhos pagam pelos erros dos pais é Êxodo 20.5, onde Deus ameaça visitar a maldade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração dos que o aborrecem.
Entretanto, ensinar que Deus faz cair sobre os filhos as conseqüências dos pecados dos pais, é só metade da verdade. A Escritura nos diz igualmente que se um filho de pai idólatra e adúltero vir as obras más de seu pai, temer a Deus, e andar em Seus caminhos, nada do que o pai fez virá cair sobre ele. A conversão e o arrependimento individuais "quebram", na existência das pessoas, a "maldição hereditária" (um efeito somente possível por causa da obra de Cristo).
Este foi o ponto enfatizado pelo profeta Ezequiel em sua pregação ao povo de Israel da época (leia cuidadosamente Ezequiel 18). A nação de Israel havia sido levada em cativeiro para a Babilônia, e os judeus cativos se queixavam de Deus dizendo "Os pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram. . ." (Ez 18.2b) — ou seja, "nossos pais pecaram, e nós é que sofremos as conseqüências". Eles estavam transferindo para seus pais a responsabilidade pelo castigo divino que lhes sobreveio, que foi o desterro para a terra dos caldeus. Achavam que era injusto que estivessem pagando pelo pecado de idolatria dos seus pais. Usavam um provérbio da época, que nos nossos dias seria mais ou menos assim: "Nossos pais comeram a feijoada, mas nós é que tivemos a dor de barriga. . ."
Através do profeta Ezequiel, Deus os repreendeu, afirmando que a responsabilidade moral é pessoal e individual diante dele: "A pessoa que pecar, é ela quem morrerá — não o seu pai ou a sua mãe" (Ez 18.4b, 20). E que pela conversão e por uma vida reta, o indivíduo está livre da "maldição" dos pecados de seus antepassados, ver 18.14-19. Esta passagem é muito importante, pois nos mostra de que maneira o próprio Deus interpreta (através de Ezequiel) o significado de Êxodo 20.5. Aplicando aos nossos dias, fica evidente que o crente verdadeiro já rompeu com seu passado, e com as implicações espirituais dos pecados dos seus antepassados, quando, arrependido, veio a Cristo em fé.
Minimizaçao dos efeitos da obra de Cristo. Esse é a nossa maior preocupação. O apóstolo Paulo nos esclarece que o escrito de dívida que nos era contrário, a maldição da lei, foi tornado sem qualquer efeito sobre nós: Jesus o anulou na cruz (Cl 2.13-15; Gl 3.13). Ou seja, toda e qualquer condenação que pesava sobre nós foi removida completamente quando Cristo pagou, de forma suficiente e eficaz, nossa culpa diante de Deus. Ora, se a obra de Cristo no Calvário em nosso favor foi poderosa o suficiente para remover de sobre nós a própria maldição da santa lei de Deus, quanto mais qualquer coisa que poderia ser usada por Satanás para reivindicar direitos sobre nós, inclusive pactos feitos com entidades malignas, por nós, ou por nossos pais, na nossa ignorância.
Basta um estudo simples nas Escrituras, da linguagem usada para descrever nossa redenção, para que não fique qualquer dúvida de que o crente, à semelhança de um escravo exposto à venda na praça, foi comprado por preço, e que, agora, passa a pertencer totalmente ao seu novo senhor. O antigo patrão não tem mais qualquer direito sobre ele, como rezava a legislação romana da época. Assim, Paulo diz que fomos comprados por preço (1 Co 6.20; agorazw, comprar, redimir, pagar um resgate — termo usado para o ato de comprar um escravo na praça, ou pagar seu resgate para libertá-lo), e que sendo agora livres, não devemos nos deixar outra vez escravizar (1 Co 7.23). Fomos resgatados (lutrow) pelo precioso sangue de Cristo (1 Pe 1.18; cf. Ap 5.9).
Quando vivemos à luz da gloriosa verdade de que "se alguém está em Cristo é nova criação" não tememos pragas, maldições, encostos, mau-olhado, "olho gordo", despachos, trabalhos. Igualmente vivemos seguros de que não somos "amaldiçoados" por qualquer dos pecados de nossos pais: tudo foi anulado na cruz. Não estou dizendo que os verdadeiros cristãos gozam de uma imunidade automática quanto à influência de espíritos malignos. É preciso revestir-se da força do Senhor e de toda armadura de Deus para que possam resistir às astutas ciladas do diabo.(62) Meu objetivo foi deixar clara a importância de abraçarmos o ensino correto sobre a situação daquele que está em Cristo. Saber o que isso significa nos dará o parâmetros corretos para avaliarmos os freqüentes relatos de experiências estranhas que ouvimos de evangélicos ao nosso redor, que parecem minimizar ou diminuir a suficiência da obra de Cristo em favor dos que são seus.

Conclusão

Meu alvo nesse artigo foi abordar alguns dos principais ensinos do movimento de "batalha espiritual" partindo do contexto doutrinário maior onde o mesmo se encaixa. Analisando os temas maiores que controlam a área de demonologia bíblica procurei mostrar que muitas das distorções apresentadas pela demonologia do movimento se devem ao fato que ele enfoca determinados ensinos fora dos contextos a que pertencem. Quando analisamos a atuação demoníaca da perspectiva do ensino bíblico sobre a soberania de Deus, a suficiência das Escrituras, a queda do homem e a plena redenção em Cristo, verificamos que "batalha espiritual" não pode se tornar a porta de entrada ou o tema dominante de uma teologia ou de uma estratégia missionária adequados para a Igreja de Cristo. Seria reduzir e distorcer o ensino mais completo das Escrituras.
Embora reconheçamos que existe um conflito se desenrolando no presente entre a Igreja e as hostes das trevas, temos dúvidas de que o mesmo deva ser o ponto focal da reflexão e da praxis da igreja de Cristo em nossos dias, visto que está subordinado a muitos outros pontos mais abrangentes e fundamentais.
A Igreja deve guiar-se pelos pontos mais centrais do ensinamento bíblico. Através deles colocará na perspectiva correta qualquer novo assunto que surja. Nesse capítulo enumerei quatro desses pontos que controlam, ao meu ver, a compreensão adequada dos ensinamentos da "batalha espiritual: a soberania de Deus, a suficiência das Escrituras, a decadência da raça humana e a suficiência da obra de Cristo. Uma vez que esses pontos sejam firmemente defendidos e ensinados haverá pouco espaço para que os erros da "batalha espiritual" penetrem.

Notas

1 Por exemplo, veja-se o livro de Paulo Romeiro, da Assembléia de Deus, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995), onde ele faz severas críticas ao movimento.
2 Veja extratos desta declaração em Mike Wakely, "A critical look at a new ‘key’ to evangelization", em Evangelical Missions Quarterly, (Abril, 1995) 156-57.
3 Boa parte do material aqui apresentado apareceu na minha obra, O que Você Precisa Saber sobre Batalha Espiritual (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1997), e é reproduzido aqui com permissão.
4 I. H. Marshall, Atos: Introdução e Comentário, em Série Cultura Bíblica (São Paulo, Vida Nova: 1985).
5 Cf. por exemplo, G. Van Groningen, O. Palmer Robertson, e outros.
6 Institutas, III, 7, 1. O reconhecimento da soberania de Deus era uma das principais características da doutrina de Calvino, cf. Ken Myers, "Calvin and culture", em Tabletalk, 19/10 (1995) 58-59.
7 Ross W.Marrs, "God's nest egg", em Clergy Journal, Maio/Junho de 1989, pp. 30-34. Outros autores falam de Deus como soberano, mas não no sentido de pleno domínio sobre suas criaturas morais. Cf. por exemplo Quetin Schultze, "Culture watch: the crossover music question", em Moody, Out. 1992, pp. 30-32; Spiros Zodhiates, "Signs — why God gives them or refuses them", em Pulpit Helps, Maio de 1990, pp. 1-5.
8 Clark Pinnock, "God's sovereignty in today's world", em Theology Today, 53/1 (1996) 15-21.
9 J. Long, em Discipleship Journal, Março/Abril de 1992.
10 Para maiores detalhes sobre esta abordagem histórica, redentiva-escatológica dos ensinos do Novo Testamento, veja George Ladd, Teologia do Novo Testamento, 2a. edição (Rio: JUERP, 1985) 24-32; Herman Ridderbos, Paulus: Ontwerp van zijn theologie (Kampen: Uitgeversmaatschappij, 1966) 40-55; The Coming of the Kingdom (Filadélfia, PA: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1976) 104-115; Geerhardus Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation (Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1980).
11 Guelich, Spiritual Warfare, 39.
12 Ver o excelente livro de F. Solano Portela Neto, "Cinco Pecados que Ameaçam os Calvinistas" (São Paulo, PES, 1997).
13 Jay Adams, "Counseling and the sovereignty of God", em Journal of Biblical Counseling, Inverno de 1993, pp. 4-9.
14 John Piper, "Charles Spurgeon: preaching through adversity", em Founders Journal, 23 (1996) pp. 5-21.
15 Cf. por exemplo Merrill Unger, Biblical Demonoly, entre outros.
16 Exemplos de obras assim são aquelas de Thomas Brooks (Precious Remedies Against Satan´s Devices), John Bunyan (O Peregrino) e William Gurnall (The Christian in Complete Armour).
17 Neuza Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual: Você Está em Guerra!" em Série Batalha Espiritual (São Paulo: Editora SEPAL, 1994) 29-30; 61-64.
18 Ibid., 30, 52-53; 67-69; 49.
19 C. Peter Wagner, "Territorial Spirits and World Missions", em Evangelical Missions Quarterly 25 (1989).
20 Ibid., 278.
21 Ibid., 279.
22 Ibid., 278.
23 Ibid., 282-284.
24 Wakely, "A critical look", 158.
25 Ibid., 159.
26 Wagner, "Territorial Spirits"., 284.
27 Veja por exemplo Samuel Southard e Donna Southard, "Demonizing and mental illness (III): explanations and treatment, Seoul", em Pastoral Psychology, (Inverno de 1986) pp. 132-151; T. Craig Isaacs, "The possessive states disorder: the diagnosis of demonic possession", em Pastoral Psychology, (Verão de 1987) pp. 263-273.
28 Christopher Rosik, "Multiple personality disorder: an introduction for pastoral counselors", em Journal of Pastoral Care, (Outono de 1992) pp. 291-298
29 Cf. Isaacs, "The possessive states", 263-73.
30 Rosik, "Multiple personality", 291-298.
31 Gary Greenwald, "The dangerous transference of spirits", em Charisma & Christian Life, (Outubro de 1990) pp. 110-120.
32 Entretanto, o conceito de transferência (sem entrar no mérito de que espírito) ocorre em várias passagens bíblicas; Nm 11.17; 2 Re 2.9,15; 15.27; 1 Co 2.12., o que exigirá uma atenção do leitor na interpretação dessas passagens.
33 Thomas White, "Establishing your home as a spiritual refuge", em Equipping the Saints, (Inverno de 1993) pp. 14-16.
34 É bom notar que o Catolicismo medieval, sob a influência de Aquino, adotara um semi-pelagianismo, mesmo que na antigüidade houvesse rejeitado o pelagianismo puro. Neste sistema, acreditava-se que o homem cooperava com a graça de Deus para a salvação.
35 É interessante que Paulo escreveu essas palavras aos cristãos de Roma, cidade conhecida pela degradação moral já em sua época. Deste mesmo período são as palavras Romae omnia venalia esse ("Em Roma tudo está à venda"), usadas por jovens aristocratas romanos na tentativa de descrever a Jugurta, jovem príncipe númida, a corrupção reinante em sua pátria.
36 Shakespeare, O Mercador de Veneza, Ato II (palavras de Aragão).
37 Ibid. (palavras de Bassânio).
38 Jules Romains, Ascensão dos Perigos.
39 Cf. Curtis C. Mitchell, "Tactics against Temptations", em Moody (Junho de 1989) 30-35.
40 Veja a resenha de Magnus Fialho do livro Espíritos Territoriais editado por Peter Wagner, em Fides Reformata 1/2 (1996) p. 133ss.
41 Wakely, "A Critical look", 160ss.
42 Lester Sumrall, "Breaking compulsive behavior", em Carisma & Christian Life (Outubro de 1990) 68-72.
43 Veja esse ponto em detalhes em Tom White, "Is this really warfare?" em Discipleship Journal, 81 (Maio/Junho de 1994) 32-37.
44 Veja a excelente exposição dessa passagem por Herman Ridderbos em Paulus (1966).
45 Isso não quer dizer que os autores não reconheçam que há uma distinção, mas sim que, em termos práticos de aconselhamento, a filiação religiosa do paciente não faz diferença, cf. T. Carig Isaacs, "The possessive states disorder: the diagnosis of demon possession"; Christopher Rosik, "Multiple personality disorder".
46 Veja a resenha desse livro feita por Dan O’Neil, "The supernatural world of Frank Peretti" em Charisma & Christian Life (Maio de 1989) 48-52.
47 Gilberto Pickering, Guerra Espiritual:Estratégias Missionárias de Cristo (Rio de Janeiro: CPAD, 1987) 116.
48 Ibid., 116-7.
49 Powlison, Power Encounters, 30.
50 Cf. Murphy, Handbook, 50-51; Cabezas, Desmascarado, 216-19.
51 Murphy, Handbook, 51.
52 Murphy defende veementemente este ponto, cf. Ibid., 449-462.
53 Ibid., 437-48. Cf. Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual", 61-63.
54 Murphy, Handbook, 429-3050 .
55 Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual", 65.
56 Murphy, Handbook, 433-44.
57 Ibid., 434.
58 Pickering, na tentativa de evitar o problema criado pela palavra do apóstolo João que o diabo não toca o que é nascido de Deus (1 Jo 5.18), chega ao ponto de dizer que esta passagem se refere apenas à nova natureza dentro do crente, enquanto que a velha natureza é sujeita à invasões demoníacas! (cf. Guerra Espiritual, 118-20) É um exemplo claro de uma exegese a serviço de conceitos teológicos pré-concebidos.
59 O uso do termo "espírito familiar" para se referir a demônios que seguem famílias se baseia numa interpretação grosseira da tradução da King James.
60 Um dos livros que mais tem servido para difundir estas idéias no Brasil é o da pentecostal Marilyn Hickey traduzido no Brasil com o título Quebre a Cadeia da Maldição Hereditária (Adhonep, 1988). Representantes brasileiros seriam, por exemplo, Valnice Milhomens, Robson Rodovalho (Quebrando as Maldições Hereditárias, [Brasília: Koinonia, 1992] 5a. edição, 1995), Jorge Linhares (Bênção e Maldição, [Belo Horizonte, MG: Betânia, 1991] 2a. edição, 1992), entre outros.
61 Esse é o tema do livro de Rodovalho, Quebrando as Maldições Hereditárias.
62 Cf. Clinton Arnold, "Giving the devil his due", em Christianity Today (Agosto de 1990) 16-19.