Quatro Princípios Bíblicos
para se Entender a Batalha Espiritual
Augustus
Nicodemus Lopes
(Esse material é parte do livro Misticismo e
Fé Cristã, Cultura Cristã, 2000)
Introdução
As igrejas históricas do mundo todo têm sido desafiadas nestas
últimas três décadas a dar respostas às ênfases
de um movimento dentro das suas fileiras que ficou conhecido como "movimento de
‘batalha espiritual’". O nome em si já sugere do que se
trata: é um movimento cuja ênfase maior é na luta da Igreja
de Cristo contra Satanás e seus demônios, conflito este de natureza
espiritual, quanto aos métodos, armas, estratégias e
objetivos.
Esse crescente interesse em círculos evangélicos por
Satanás, demônios, espíritos malignos, e o misterioso mundo
dos anjos, corresponde ao surto de misticismo atual, um interesse crescente no
mundo nos dias de hoje pelos anjos maus e bons, e pelo oculto. Mas não
somente no mundo, dentro da própria igreja cristã assistimos o
crescimento vertiginoso da busca pelo miraculoso e sobrenatural, na esteira do
neopentecostalismo. Por neopentecostalismo quero dizer aqueles movimentos
surgidos em décadas recentes, que são desdobramentos do
pentecostalismo clássico do início do século, mas que
abandonaram algumas de suas ênfases características e adquiriram
marcas próprias, como ênfase em revelações diretas,
curas, batalha espiritual, e particularmente uma maneira de encarar a realidade
espiritual.
Esse movimento é caracterizado por uma leitura das Escrituras e da
realidade sempre em termos da ação sobrenatural de Deus. Deus
é percebido somente em termos de sua ação
extraordinária. Assim, para o neopentecostal típico, Deus o guia
na vida diária através de impulsos, sonhos, visões,
palavras proféticas, e dá soluções aos seus
problemas sempre de forma miraculosa, como libertações,
livramentos, exorcismos e curas. A doutrina que caracteriza, mais que qualquer
outra, as igrejas evangélicas no Brasil hoje, é a crença em
milagres. É claro que não estou dizendo que crer em milagres seja
errado. O que estou dizendo é que, na hora em que a crença em
milagres contemporâneos e diários passa a ser a
característica maior da igreja evangélica, algo está
errado.
A hermenêutica sobrenaturalista do neopentecostalismo representa um
desafio para a uma das doutrinas típicas da tradição
reformada, que é a providência de Deus. Partindo das
Escrituras, os reformados usam o termo providência para se referir
à ação de Deus, pelo seu Espírito, agindo no mundo
através de pessoas e circunstâncias da vida para atingir seus
propósitos. Esses meios não são intervenções
miraculosas ou extraordinárias de Deus na vida humana, mas simplesmente
meios naturais secundários. Os calvinistas reconhecem que Deus
intervém miraculosamente neste mundo, mas sempre em regime de
exceção. Normalmente, ele age através dos meios
naturais.
O neopentecostalismo, por enfatizar a ação sobrenatural e
miraculosa de Deus no mundo (a qual não negamos, diga-se), acaba por
negligenciar a importância da operação do Espírito
Santo através de meios secundários e naturais. Essa
negligência torna-se mais séria quando nos conscientizamos que o
Espírito normalmente trabalha através de meios secundários
e naturais para salvar os pecadores. Acredito não ser difícil de
provar que a esmagadora maioria dos cristãos foram salvos através
de meios naturais – como o testemunho de alguém, a leitura da
Bíblia, a pregação da Palavra – e não
através de intervenções miraculosas e
extraordinárias, como foi a conversão de Paulo.
Como resultado do sobrenaturalismo neopentecostal, as igrejas reformadas
por ele afetadas tendem a considerar os meios naturais como sendo
espiritualmente inferiores. Um bom exemplo é a tendência de
considerar o tomar remédios como falta de fé por parte do crente
adoentado. Um outro resultado é a diminuição da
pregação do Evangelho como meio de salvação dos
pecadores, e a ênfase na realização de como meio
evangelístico. Assim, a obra do Espírito na Igreja e no mundo
através dos meios naturais secundários é negligenciada, com
graves e perniciosos efeitos nas vidas dos que abraçam a
cosmovisão neopentecostal.
As conseqüências desta maneira de ver a realidade espiritual
são sérias para a área do conflito da igreja contra as
hostes das trevas, pois a concebe apenas em termos do sobrenatural,
negligenciando o ensino bíblico de que Satanás procura atingir a
Igreja de Cristo através da carne e do mundo – meios
que não são necessariamente sobrenaturais.
Conquanto devamos dar as boas vindas a todo e qualquer movimento na Igreja
que venha nos ajudar a melhor nos preparar para enfrentar os ataques das hostes
malignas contra a Igreja, este movimento polêmico tem trazido algumas
preocupações sérias a pastores, estudiosos e líderes
evangélicos no mundo todo, não somente das igrejas
evangélicas históricas, como até mesmo de igrejas
pentecostais clássicas.(1) Mesmo organizações
internacionais, como o Comitê de Lausanne para
Evangelização Mundial, têm expressado suas
preocupações com os ensinos deste movimento, numa
declaração do seu Grupo de Trabalho feita em 1993, em
Londres.(2)
Existem várias razões para essa preocupação.
Uma delas é que o movimento, onde tem ganhado a adesão de pastores
e comunidades, tem produzido um tipo de cristianismo em que a atividade
satânica se tornou o centro e mesmo a razão de ser da
existência destes ministérios e igrejas. Nestes casos, embora
geralmente as doutrinas fundamentais da fé cristã não
tenham sido negadas (há exceções), elas são, via de
regra, relegadas a plano secundário, desaparecendo do ensino e da
liturgia. O que resulta é um cristianismo distorcido, deformado, onde
doutrinas como a salvação pela fé somente, mediante o
sacrifício redentor, único e expiatório de Cristo. A
doutrina da pessoa de Cristo, sua mediação e ofícios, e
doutrinas como a da queda, da depravação do homem, da
santificação progressiva mediante os meios de graça,
são negligenciadas. Não é que estas igrejas e os
proponentes do movimento neguem necessariamente estes pontos; mas certamente
não lhes dão a ênfase necessária e devidas, que
recebem nas próprias Escrituras.
O fato é que o movimento de "batalha espiritual" tem produzido o
surgimento de novas igrejas (e mesmo denominações) cujo
ministério principal é a expulsão de demônios e a
"libertação" de crentes e descrentes da opressão
demoníaca a todos os níveis (espiritual, moral e física,
bem como geográfica, estrutural e social). Mas não somente isto
— as idéias e práticas difundidas pelo movimento tem se
infiltrado nas igrejas históricas, cativando muitos dos seus pastores,
oficiais e membros.
O objetivo desse capítulo é apresentar alguns
princípios bíblicos pelos quais os evangélicos em geral, e
presbiterianos em particular, poderão orientar sua compreensão
acerca de tema tão atual e polêmico.(3)
A necessidade de princípios
bíblicos
A melhor maneira de abordarmos assuntos polêmicos é
colocá-los dentro de seus contextos maiores. Se tivermos a visão
do todo, poderemos com mais exatidão entender suas partes. Por exemplo,
uma pessoa que tenta achar um endereço numa cidade simplesmente
procurando as placas com o nome das ruas pode acabar desorientada e perdida. Se
ela porém tiver um mapa, que lhe dá uma visão mais ampla da
área onde ela se encontra, e mostra as ligações entre as
ruas, poderá mais facilmente encontrar seu destino. Da mesma forma,
quando colocamos o tema do confronto da Igreja com as hostes das trevas dentro
de um contexto maior, e percebemos as ligações com outras
áreas teológicas, podemos melhor entendê-lo.
Em termos do conhecimento teológico global, o assunto não
pertence a uma área somente. Quando falamos da polêmica entre
salvação pela fé e/ou pelas obras, facilmente identificamos
que o assunto pertence à área de soteriologia, ou seja, o
estudo da salvação, uma área da enciclopédia
teológica. Se tivermos uma boa compreensão dos princípios e
fundamentos que orientam a soteriologia, poderemos mais facilmente entender tudo
o que está envolvido nessa polêmica. Mas a luta entre a Igreja e
Satanás não se enquadra em uma área somente, muito embora a
demonologia bíblica, que por sua vez é um departamento da
angelologia, (o estudo dos anjos bons e maus) certamente seja a principal
área afim. O fato é que os ensinos e práticas da "batalha
espiritual" levantam questões sérias relacionadas com diversas
áreas do nosso conhecimento de Deus.
Quando, por exemplo, alguns dos defensores do movimento falam de
Satanás como se fosse um poder independente, autônomo e livre para
fazer o mal neste mundo, está indiretamente entrando na área que
trata dos decretos de Deus e da sua maneira de governar o mundo. Ainda, quando
alguns revelam possuir informações extra bíblicas sobre o
mundo invisível dos anjos e demônios – como por exemplo, o
nome de determinados demônios e os locais geográficos onde
supostamente habitam – está entrando na epistemologia, ou
teoria do conhecimento. Essa área trata do modo pelo qual conhecemos as
coisas ao nosso redor, inclusive o acesso humano ao conhecimento do mundo
espiritual invisível, onde habitam e atuam os seres espirituais como
anjos e demônios. Semelhantemente, quando todo tipo de mal que existe no
mundo, quer moral ou circunstancial (como doença, dor, desemprego, etc.)
é atribuído aos demônios, levanta-se a antiga
discussão acerca da origem dos males e sofrimentos neste mundo presente.
E quando é dito que os cristãos podem ser possuídos por um
espírito maligno (ou ficar demonizados, para usar um termo mais em
voga), estamos de volta à soteriologia – ou seja, qual a
situação dos salvos diante dos ataques de demônios – e
entramos também na cristologia, indagando qual a
relação entre a obra vitoriosa e consumada de Cristo e a atividade
satânica no presente.
Quando procuramos entender os conceitos da "batalha espiritual" a partir de
princípios gerais que controlam as diversas áreas abrangidas pelo
tema, poderemos ter alguns trilhos sobre os quais poderemos conduzir o assunto.
No que se segue, procuro analisar quatro desses princípios que têm
importância fundamental para ele: a soberania de Deus, a suficiência
as Escrituras, a queda da raça humana e a suficiência da obra de
Cristo. Acredito que se forem compreendidos adequadamente pelos leitores,
funcionarão como balizadores seguros pelos quais poderão
prosseguir com maior certeza no conflito diário que enfrentamos contra as
hostes espirituais da maldade.
Quatro princípios
fundamentais
1. Deus é soberano absoluto do
seu universo
O título acima expressa um dos ensinamentos mais relevantes das
Escrituras para o tema desse ensaio. Um soberano é alguém
que está revestido da autoridade suprema, que governa com absoluto
poderio, que exerce um poder supremo sem restrição nem
neutralização. Quando dizemos que Deus é soberano,
significa que ele tem poder ilimitado para fazer o que quiser com o mundo e as
criaturas que criou, e que nenhuma delas pode, ao final, frustrar seus planos.
Podemos fazer algumas afirmações quanto a essa doutrina.
A soberania absoluta de Deus sobre sua criação percebe-se
claramente nas Escrituras. No Pentateuco Deus revela-se como o
Criador do mundo visível e invisível, e da raça humana. Ele
é o Libertador dos seus e o Legislador que soberanamente passa leis que
refletem sua santidade e exigem obediência plena de suas criaturas. Ele
exerce total controle sobre a natureza que criou, intervindo em suas leis
naturais, suspendendo-as (milagres). Assim, em contraste com os deuses das
nações, ele é o supremo soberano do universo, acima de
todos os deuses, que os julga e castiga, bem como aos que os adoram. Nos livros
Históricos, lemos como Deus cumpre soberanamente suas promessas
feitas a Abraão de dar uma terra aos seus descendentes, introduzindo-os e
estabelecendo-os em Canaã, e ali mantendo-os até que os expulsasse
por causa da desobediência deles. Os Salmos e os Profetas
celebram a soberania de Deus sobre sua criação e sobre seu povo.
É ele quem reina acima das nações e de seus deuses falsos,
quem controla o curso desse mundo. Nele seu povo sempre pode confiar e
depender.
O mesmo reconhecimento encontramos nas Escrituras do Novo Testamento. Na
plenitude dos tempos Deus envia soberanamente seu filho, e dá testemunho
dele através de milagres poderosos, ressuscitando-o de entre os mortos.
Esses eventos, bem como os que se seguiram na vida dos apóstolos e da
Igreja nascente, ocorreram como o cumprimento da vontade de Deus. Esse
ponto vemos claramente nos Evangelhos e no livro de Atos: a morte e a
ressurreição de Jesus (At 2.23), bem como a oposição
contra a Igreja (At 4.27-29) são simplesmente o cumprimento da soberana
vontade divina, acontecendo como cumprimento das Escrituras. Para os
apóstolos, "as profecias feitas no Antigo Testamento governavam o decurso
da história da Igreja"(4). Assim, o derramamento do Espírito
(2.17-21), a missão aos gentios (13.47), a entrada dos gentios na Igreja
(15.16-18), a rejeição de Cristo por parte dos judeus (28.25-27)
– todos esses eventos e outros mais são vistos pelos autores do
Novo Testamento como atos redentores de Deus na história. No livro de
Atos encontramos claramente o conceito de que a vida da Igreja foi dirigida
por Deus. A cada etapa do progresso missionários, Deus
intervém para guiá-la, através da atuação do
Espírito (At 13.2; 15.28; 16.16), anjos (At 5.19-20; 8.26; 27.23),
profetas (At 11.28; 20.11-12), e às vezes o próprio Senhor (At
18.9; 23.11). A presença dos sinais e prodígios realizados em nome
de Jesus através dos apóstolos e de pessoas associadas aos
apóstolos (At 3.16; 14.3; 19.11) atestava que era o próprio Deus
que levava avante a história da Igreja (15.4).
A soberania de Deus é ensinada no conceito de Reino de
Deus. Mas, é o conceito bíblico do Reino de Deus
que melhor expressa a soberania de Deus sobre o universo que formou. Tal
conceito está presente em toda a Bíblia e mesmo estudiosos
renomados têm insistido em que é o conceito central das Escrituras,
do qual se derivam todos os demais.(5) Para colocá-lo de
maneira simples e sucinta, significa o domínio supremo de Deus sobre suas
criaturas, mesmo as que se encontram em estado de rebelião aberta contra
ele; embora na época presente Deus permita que essa rebelião
permaneça, já tem determinado o dia em que será conquistada
e quando então reinará tendo tudo e todos sujeitos debaixo do
domínio de seu Filho (1 Co 15.23-28). O domínio de Deus se estende
no presente sobre as ações e vidas de suas criaturas, sem que isso
represente uma intrusão na liberdade delas em escolher e decidir
moralmente. Ao final, porém, a vontade do Rei prevalecerá sobre
todas elas, sem que nenhuma delas possa acusá-lo de
determinista.
A Igreja sempre reconheceu o ensino bíblico sobre esse ponto.
Os autores da Confissão de Fé de Westminster exprimiram o conceito
da soberania de Deus de forma muito adequada. Eles escreveram que existe apenas
um Deus vivo e verdadeiro, que é um espírito puríssimo,
infinito em seu ser e em seus atributos, invisível, imutável,
amoroso, misericordioso, gracioso, paciente, imenso, incompreensível,
Todo-Poderoso, santíssimo, livre e totalmente absoluto, fazendo todas
as coisas de acordo com sua santíssima vontade e de acordo com o seu
querer justo e imutável (Capítulo 2, § 1). Eles ainda
acrescentaram que Deus possui em si mesmo toda vida, glória,
bem-aventurança, e que é suficiente em si mesmo, e que não
precisa de nenhuma das criaturas que fez, que ele exerce o mais soberano
domínio sobre elas, para através delas, para elas e sobre elas,
fazer o que lhe agradar. A ele é devido, da parte de anjos e homens, ou
qualquer outra criatura, a adoração, o serviço e a
obediência que ele assim requerer (Capítulo 2, § 2). Uma das
evidências bíblicas que citam é que foi do agrado desse Deus
soberano escolher os que quis para salvação, e destinar os
rebeldes para o castigo eterno (Capítulo 3, § 7; cf. Mt 11.25,26; Rm
9.17,18,21,22; 2 Tm 2.19,20; Jd 4; 1 Pe 2.8).
A tradição reformada – seguindo o ensino de Agostinho
– entende o ensino bíblico sobre a soberania de Deus em termos
absolutos. Agostinho considerava que os planos de Deus não podiam ser
obliterados, nem sua vontade obstruída ao final. Calvino, similarmente,
concebia a soberania de Deus como o poder determinante do universo (ao mesmo
tempo em que insistia que a responsabilidade dos seres morais não era
aniquilada). Veja, por exemplo, o que ele escreveu nas Institutas, no
capítulo "O Resumo da Vida Cristã":
Nós não somos de nós mesmos, nós somos de Deus.
Para ele, então, vivamos ou morramos. Nós somos de Deus. Para ele,
então, dirijamos cada parte de nossas vidas. Nós não somos
de nós mesmos; então, até onde possível,
esqueçamo-nos de nós mesmos e das coisas que são nossas.
Nós somos de Deus; então, vivamos e morramos para ele (Rm 14.8) e
deixemos a sua sabedoria presidir todas nossas ações.(6)
Não quero com isso dizer que outras linhas teológicas
não reconheçam o ensino bíblico sobre a soberania de Deus.
Na verdade, creio que teólogos em geral, de qualquer
orientação doutrinária, estão prontos a reconhecer o
ensino bíblico sobre esse assunto. Apenas destaco que, na minha
opinião, foram os reformadores e os puritanos que mais coerentemente
entenderam e enfatizaram a soberania de Deus sem com isso detrair da
responsabilidade das criaturas moralmente responsáveis, como os homens e
os anjos, bons e maus, e Satanás, entre esses últimos.
O próprio Satanás está debaixo da soberania
divina. Embora não esteja muito claro na Bíblia, a
Igreja cristã sempre entendeu que Satanás foi originalmente um dos
anjos criados por Deus, talvez um querubim de grande beleza e poder, que
desviou-se do seu estado original de pureza e motivado pela vaidade e pela
soberba, rebelou-se contra Deus, desejando ele mesmo ocupar o lugar da divindade
(Isaías 14 e Ezequiel 28). Punido por Deus com a destruição
eterna, o anjo rebelde tem entretanto a permissão divina para agir por um
tempo na humanidade, a qual, através de seu representante Adão,
acabou por seguir o mesmo caminho do querubim soberbo. Pela permissão
divina, Satanás e os demais anjos que aliciou dos exércitos
celestiais, cumprem nesse mundo propósitos misteriosos, que pertencem a
Deus apenas. Alguns deles transparecem das Escrituras, que é o de servir
como teste para os filhos de Deus e agente de punição contra os
homens rebeldes.
O ensino bíblico é claro. Satanás, mesmo sendo um ser
moral responsável e retendo ainda poderes inerentes aos anjos, nada mais
é que uma das criaturas de Deus, e portanto, infinitamente inferior a ele
em glória, poder e domínio. Mesmo que a Bíblia fale do
reino de Satanás e de seu domínio nesse mundo (Ef 6.12; Lc 4.6; Jo
14.30) e advirta os crentes a que estejam alertas contra suas ciladas (Ef 6.11;
1 Pe 5.8; Tg 4.7), jamais lhe atribui um poder independente de Deus, ou
liberdade plena para cumprir planos próprios, ou capacidade para frustrar
os desígnios do Senhor.
Assim, a Bíblia nos ensina que Satanás não pode atacar
os filhos de Deus sem a permissão dele. Foi somente assim que pode atacar
o fiel Jó (Jó 1.6-12; 2.1-7), incitar Davi a contar o
número dos israelitas (1 Cr 21.1 com 2 Sm 24.1) e peneirar Pedro e demais
discípulos (Lc 22.31-32). Os crentes têm a promessa divina de que
ele só permitirá a tentação prosseguir até o
limite individual de cada um (1 Co 10.13), o que só faz sentido se o
Senhor tiver pleno controle sobre a atividade satânica. Os autores
bíblicos não viam esse controle do Deus santo e puro sobre a
atividade satânica como uma insinuação potencial de que Deus
era o autor do mal ou mesmo pactuasse com ele. Num universo em estado de
rebelião contra o seu santo e soberano criador, onde habitavam seres
morais responsáveis, decaídos espiritual e moralmente, era
perfeitamente concebível que Deus, em seu plano de
redenção, interagisse com homens e anjos decaídos,
usando-os conforme seu querer soberano.
Em nossos dias, percebe-se claramente que a doutrina da soberania de Deus,
como entendida pelos reformados, não é muito popular. Algumas
dificuldades têm sido levantadas contra ela.
Homens e anjos podem frustrar os planos de Deus. Essa estranha
idéia predomina em alguns arraiais evangélicos. Um exemplo
é o artigo escrito por Marrs, onde afirma que as pessoas estão
sempre arruinando o bom plano de Deus, e que Deus sempre está pronto para
começar outra vez.(7) Estou bem consciente de que a doutrina de que
há um Deus que reina supremo não é recebida favoravelmente
entre os incrédulos. O salmista menciona que os príncipes desse
mundo se uniram para tomar conselho contra Deus e seu Ungido (Sl 2.2-3).
Nietzsche anunciou a morte de Deus, e os secularistas e ateus resolveram ignorar
Deus como uma realidade. Essa resistência está presente até
mesmo entre cristãos. Para alguns deles, Deus é um ser divino
afável, como eles mesmos. Devemos reconhecer que até mesmo os
crentes mais fiéis lutam com o conceito da plena soberania de Deus quando
estão passando por sofrimentos. Contudo, o conceito bíblico da
soberania do Senhor Deus permanece claramente expressa nas Escrituras.
Não há uma determinação última de
Deus quanto ao universo. Teólogos famosos como Clark Pinnock
têm defendido em nossos dias uma compreensão mais "moderada" da
soberania de Deus do que a compreensão de Agostinho e de Calvino. Pinnock
afirma que um controle soberano da parte de Deus nega a habilidade e a liberdade
das pessoas em escolher obedecer a Deus ou voltar-se contra seu
propósito. Ele sugere que Deus criou o mundo com uma certa medida de
autodeterminação, e que governa um mundo livre e dinâmico,
onde não há nada determinado de forma fixa ou definitiva. A
soberania de Deus, ele sugere, é algo aberto e flexível.(8)
Pinnock tem recebido muitas críticas de teólogos reformados hoje.
Sua idéia de soberania de Deus não faz justiça ao ensino da
Bíblia acerca do reino de Deus nesse mundo.
A soberania de Deus o torna autor do pecado e do mal. Muitas pessoas
não conseguem entender como Deus pode ser soberano e ao mesmo tempo
permitir que o mal impere. James Long, preocupado com essa questão,
escreveu:
Eu me importo com paradoxos. Deus reina. O mal também parece reinar.
Eu quero ver como as Escrituras relacionam os dois. Quase 20% dos 6
bilhões de pessoas desse planeta vivem em absoluta pobreza e sofrimento.
A fé cristã deve ter uma boa explicação para isso,
se é que vai fazer sentido para eles.(9)
Sem querer fazer de Deus o autor do mal, e sem querer menosprezar o
sofrimento desses milhões de pessoas, ouso dizer que a Bíblia tem,
de fato, uma solução para esse problema. Possivelmente, a melhor
maneira de entender como os autores bíblicos – em especial do Novo
Testamento – abordaram esse ponto, é tomarmos conhecimento do que
eles ensinaram acerca das duas eras.
Enquanto que os gregos tinha uma idéia da história como se
movendo em círculos, uma repetição sem fim dos eventos
— e portanto, algo sem sentido, sem controle, sujeito ao acaso e ao
capricho dos deuses — os Judeus tinham um conceito linear da
história. A história, para eles, se dividia em duas partes, o
olam hazé, a era presente, em que Israel estava sofrendo
debaixo do domínio de seus inimigos, e o olam habá, a
era vindoura, o mundo por vir, quando Israel seria libertado pelo Messias
de seus inimigos, se tornaria o centro do mundo, e Deus seria adorado e
reconhecido por todas as nações pagãs. Esta nova era seria
introduzida pelo Messias, quando viesse em glória e poder, para destruir
os opressores do povo de Deus.
Segundo o Novo Testamento, vivemos hoje no período em que as duas
eras se sobrepõem. A coexistência das duas eras traz tensões
que o Novo Testamento expõe de forma clara: Cristo já reina, mas
ainda não liquidou literalmente todos os seus inimigos, como
Satanás e a morte (1 Co 15.20-28; Hb 2.8). O Reino de Deus já
está entre nós, mas ainda temos de orar "venha o Teu Reino".
Já estamos salvos da condenação do pecado, mas ainda
não da sua presença e da morte que ele acarreta. Já temos
as primícias do Espírito, já experimentamos os poderes do
mundo vindouro, mas ainda não em sua plenitude (1 Co 13.9-13). Já
estamos ressuscitados com Cristo, mas ainda não fisicamente. É
à luz desta tensão que podemos entender que o diabo já foi
vencido, despojado, limitado, e amarrado, mas ainda não aniquilado (cf. 1
Co 15.24).(10)
Procuremos entender claramente este ponto. Nos Evangelhos Satanás
é representado como sendo um inimigo vencido. Os demônios
são expulsos inexoravelmente. Eles se aproximam de Jesus, não como
negociadores em pé de igualdade, mas como suplicantes (Mc 1.23-28;
5.1-20). O Senhor Jesus declara que Satanás está amarrado (Mc
3.27; Mt 12.29; Lc 11.21-22). Por outro lado, a destruição final
de Satanás é vista como ainda no futuro (Mt 25.41). Esta
tensão faz parte do ensino de Jesus acerca do Reino de Deus, que
já é presente, mas ainda vindouro.(11)
Temos que manter os dois pontos desta tensão em perfeito
equilíbrio. O problema com muitos defensores da "batalha espiritual"
é que não dão ênfase suficiente no aspecto
já realizado da obra de Cristo, da sua vitória sobre
Satanás. Igualmente perigosa é a falta de ênfase no "ainda
não" da tensão.
O reconhecimento da soberania de Deus tem profundas
implicações na vida do cristão. Em meio às
dificuldades, provações, sofrimento e adversidades da época
presente, ele encontrará profundo conforto em confiar no Deus que
está em perfeito controle da situação, e que a seu tempo e
ao seu modo haverá de prover o que for necessário para o bem de
seu filho. A Bíblia está repleta de exemplos de heróis e
heroínas da fé que repetidamente afirmaram sua confiança no
poder de Deus para fazer tudo certo. Segundo Jay Adams, "a soberania de Deus
é a verdade última e definitiva que satisfaz as necessidades
humanas".
Quando essa doutrina não é corretamente entendida e aplicada,
duas conseqüências igualmente perniciosas se seguem. Uma é a
frustração em vez de resignação humilde. Os que
aplicam a doutrina da soberania de Deus inconsistentemente e de forma
superficial acabam caindo no "louvar a Deus apesar de tudo..." Em vez de uma
submissão voluntária e paciente à vontade do soberano e
amoroso Senhor do universo desenvolvem um espírito de rebeldia e
ingratidão. E a outra tendência é esquecer a
responsabilidade pessoal. Essa última tendência ataca especialmente
os calvinistas.(12)
Mas o entendimento correto da soberania de Deus pode trazer ao aflito e
deprimido muita paz e esperança, pois lhe assegura que existe ordem e
propósito para todas as coisas.(13) Um bom exemplo disso é o
famoso batista calvinista Charles Spurgeon. Ele padeceu durante toda sua vida no
ministério de gota e artrite, e a profunda depressão causada por
essas doenças. Segundo John Piper, o segredo de sua perseverança
foi entender a depressão como parte do plano de Deus para sua vida. Sua
confiança inabalável na soberania divina evitou que ficasse
amargurado com Deus, e habilitou-o a perceber que Deus estava usando o
sofrimento para derramar ainda mais abundantemente o poder de Cristo
através de seu ministério, e prepará-lo para ser ainda mais
frutífero.(14)
Quando as pessoas perdem a soberania de Deus de vista, acabam por exagerar
os poderes de Satanás e a sua liberdade para fustigar e afligir os
crentes. Acabam por perder a paz, a alegria e a liberdade para servir ao Senhor
livremente. Portanto, reconhecer que Deus é soberano absoluto do universo
que criou, nos permite entender o ensino bíblico sobre a batalha
espiritual da perspectiva correta.
2. As coisas de Deus só podem
ser conhecidas pelas Escrituras
Esse segundo ponto é de importância crucial para nosso
entendimento da batalha espiritual. Ele trata da suficiência das
Escrituras quanto ao conhecimento que precisamos ter acerca de Deus, da sua
vontade, suas promessas, e do misterioso mundo celestial, onde invisivelmente se
movimentam os anjos e os demônios. Há dois aspectos que precisamos
destacar aqui.
A exclusividade da Escritura. A Bíblia é a
única fonte adequada e autorizada por Deus pela qual obter
informações acerca das coisas espirituais e que pertencem à
salvação. Portanto, ela exclui qualquer outra fonte. Muito
embora Deus se revele através da sua imagem em nós
(consciência, Rm 2.14-15) e das coisas criadas (Rm 1.19-20), entretanto
é através de sua revelação especial nas Escrituras
que nos faz saber acerca do mundo invisível e espiritual que nos cerca.
Assim, muito embora possamos depreender alguma coisa acerca de Deus pelo
conhecimento de nós mesmos e do mundo criado, é exclusivamente
nas Escrituras que encontraremos a revelação clara e plena de
Deus para a humanidade.
A suficiência da Escritura. A Bíblia traz todo o
conhecimento que precisamos ter nesse mundo, para servirmos a Deus de forma
agradável a ele, e para vivermos alegres e satisfeitos no mundo presente.
Mesmo não sendo uma revelação exaustiva de Deus e do reino
celestial, a Escritura entretanto é suficiente naquilo que nos
informa a esse respeito.
Aplicando ao tema do nosso ensaio, isso implica duas coisas:
1) A única fonte autorizada que temos para conhecer o misterioso
mundo angélico onde se movem anjos e demônios é a
Bíblia. Mesmo que existam muitos conceitos e idéias acerca dos
demônios, advindas da superstição popular, da crendice e de
experiências pelas quais as pessoas passam, é somente nas
Escrituras que encontramos conhecimento seguro acerca de Satanás e de sua
atividade nesse mundo. Ela é singular e exclusiva.
2) A Bíblia contém tudo o que Deus desejava que
conhecêssemos a respeito de Satanás. O ensino que ela nos oferece
sobre os demônios e suas atividades é suficiente para que
possamos estar sempre prontos para resistir às suas investidas e para
ajudar as pessoas que se encontram cativas por eles. Ou seja, tudo que
precisamos saber para travarmos uma guerra espiritual contra as hostes
espirituais da maldade está revelado nas páginas da Escritura, e
isso inclui conhecimento das ciladas astutas do diabo e a maneira correta de
procedermos diante delas. A Bíblia é nosso manual de combate
espiritual. Ela nos revela o caráter de nosso inimigo, suas
intenções e artimanhas, e de que modo podemos ficar firmes contra
suas ciladas.
Assim, os estudiosos costumavam escrever "demonologias bíblicas" que
nada mais eram que uma sistematização do ensino das Escrituras
acerca de Satanás, seus anjos, e sua atividade nesse mundo.(15) Os
puritanos, por exemplo, escreveram muitas obras acerca do conflito entre os
cristãos e o diabo, que no geral sempre eram baseadas no que a
Bíblia dizia sobre os demônios e suas atividades.(16) Contudo, em
nossos dias, assistimos com perplexidade o crescimento espantoso de uma
demonologia que se utiliza de outras fontes de conhecimento acerca do reino das
trevas além das Escrituras, ao ponto de afinal contradizerem o ensino da
mesma, ou de a complementarem. Tanto a exclusividade quanto a
singularidade da Escritura nesses assuntos foram deixados para
trás. O resultado tem sido um ensino acerca de batalha espiritual e de
métodos de evangelização bem distorcido e diferente daquele
ensinado pelas Escrituras. Em geral são usadas quatro fontes de onde se
extraem conhecimento extrabíblico sobre a atividade
demoníaca.
Experiências pessoais. Alguns exemplos deverão
bastar para que possamos entender o que estou dizendo. Uma das mais
sérias deficiências do livro "A Igreja e a Batalha Espiritual",
escrito por Neuza Itioka, diz respeito às suas fontes. É
surpreendente encontrar nas notas bibliográficas fontes como "fatos
constatados e verificados nas ministrações pessoais", depoimentos
pessoais, e testemunhos de ex-pais de santos. É destas últimas
"fontes" que a autora tira o fundamento para grande parte do seu livro. Por
exemplo, a sua convicção de que crentes verdadeiros podem ficar
endemoninhados baseia-se, não em exegese das Escrituras, mas na narrativa
de várias experiências que teve.(17) Itioka freqüentemente
menciona experiências pessoais para provar suas convicções.
Ela afirma, com base na sua experiência de aconselhamento, que certos
demônios "adquirem" o direito de se sentarem no pescoço das
pessoas. Com base em testemunhos, ela afirma que as orações da
Igreja diminuem o índice de criminalidade, roubo e violência, que
as entidades de uma rua podem ser atadas, etc. Uma de suas crenças mais
curiosas, a de que determinadas igrejas tem entidades malignas que se alimentam
dos pecados não resolvidos da comunidade e seus pastores, é
defendida principalmente com base em vários testemunhos. O que é
ainda mais preocupante, Itioka faz várias especulações
sobre os demônios que dominam o Brasil baseada na doutrina da Umbanda
sobre estas entidades.(18)
Um outro exemplo é o artigo seminal de Peter Wagner sobre
"Espíritos Territoriais e Missões Mundiais" publicado em 1989.(19)
Neste artigo, Wagner admite que seu conhecimento sobre "espíritos
territoriais" baseia-se principalmente na sabedoria popular sobre o assunto.(20)
Mas não pára ai. Ele tenta um cálculo do número de
demônios que existem baseado nas informações de um ex-pai de
santo da Nigéria, a quem Satanás teria designado autoridade sobre
um determinado número de demônios, que por sua vez tinham controle
sobre outro número.(21) Wagner defende a tese de "casas mal assombradas"
com base na experiência de missionários em Serra Leoa.(22) A maior
parte do artigo é empregado por Wagner para amontoar experiências
após experiências de campos missionários, que supostamente
provam a existência de demônios que são autoridades
locais.(23) Wakely observa que as experiências citadas por Wagner para
defender a existência e atuação de "espíritos
territoriais" são muito limitadas e cuidadosamente selecionadas.(24) Ele
mostra, por exemplo, que a maioria das ilustrações que Wagner usa
em seu livro Warfare Prayer são tiradas da Argentina,
especialmente do ministério do evangelista argentino Carlos Annacondia,
que se utiliza das tática da "batalha espiritual". Wakely nota,
porém, que Wagner não menciona os casos em que estes
métodos foram empregados sem qualquer resultado, e nem os casos em que
houve conversões em massa, implantação de novas igrejas, e
crescimento genuíno de igrejas sem que estes métodos tivessem sido
utilizados. Por deixar de mencionar que outras igrejas e missões, que
não a de Annacondia, estão tendo o mesmo resultado, Wagner deixa
de fornecer uma informação importante para que o leitor julgue os
métodos de Annacondia dentro do contexto argentino global.(25)
Revelações dos próprios demônios.
A uma certa altura do seu artigo já mencionado, Wagner menciona seis
potestades mundiais que estão imediatamente abaixo de Satanás na
hierarquia satânica, cujos nomes são Damião, Asmodeo,
Menguelesh, Arios, Beelezebub, e Nosferatus. Estes demônios e seus nomes,
segundo Wagner, foram descobertos por Rita Cabezas, que fez pesquisas extensas
sobre a hierarquia satânica, usando métodos que Wagner prefere
não citar, mas que estão relacionados com o ministério de
psicologia e libertação de Cabezas, e com revelações
divinas que ela recebeu através de "palavras de conhecimento".(26)
Não é difícil, para quem lê as obras de Rita Cabezas,
perceber qual o método que ela usa para "descobrir" os mistérios
da hierarquia satânica. Em seu último livro (Desmascarado
[São Paulo: Renascer, 1996]) Cabezas narra longos diálogos que
teve com demônios (falando através de pessoas endemoninhadas), os
quais não somente lhe revelaram seus nomes, como também lhe deram
informações sobre outros demônios. Ela afirma que não
é correto basear sua teologia no que demônios dizem, mas acrescenta
"...tenho a impressão que aquele demônio dizia a verdade..."
(p.216). Esse é apenas um exemplo. Nos ensinos e práticas do
movimento há muitas outras informações sobre os
demônios adquiridas pelo mesmo método.
Pesquisas psicológicas. Uma outra fonte extra-bíblica
utilizada para se obter conhecimento sobre o mundo espiritual são as
pesquisas científicas. Mais conhecimento sobre os sintomas da
possessão demoníaca em contraste a distúrbios mentais tem
sido buscado através desse método. Estudiosos na área de
psicologia pastoral têm publicado relatórios onde procuram
distinguir a possessão demoníaca de doenças mentais pela
observação e análise em seus consultórios
médicos.(27) A Bíblia narra diversos casos de possessão
demoníaca mas nos oferece pouca informação acerca dos seus
sintomas. No geral, os autores bíblicos não estão
interessados na psicologia desses casos, e os narram apenas do ponto de vista
teológico, para mostrar o poder libertador de Deus através de
Cristo, e sua soberania sobre o reino das trevas.
Devemos obter toda a ajuda que pudermos para diagnosticar as verdadeiras
causas do sofrimento das pessoas. Nesse sentido, pesquisas assim são
bem-vindas. Mas, não é fácil distinguir entre
possessão demoníaca e distúrbios mentais. O Senhor Jesus e
os apóstolos não tinham qualquer dificuldade em saber quem era o
que, mas gozavam de uma posição especial que não nos parece
ser a mesma dos cristãos em geral. Muito embora os cristãos tenham
discernimento espiritual, é patente que muitos erros e abusos têm
ocorrido nessa área, por parte de pastores, conselheiros e obreiros em
geral, especialmente nos chamados "ministérios de
libertação". Num recente artigo acerca do tratamento dos
distúrbios da "múltipla personalidade" (um estado
psiquiátrico doentio em que as pessoas apresentam várias
diferentes personalidades), Christopher Rosik adverte que os pastores devem ter
cuidado para não diagnosticar DMP (distúrbios de múltipla
personalidade) como sendo possessão demoníaca. Usar exorcismo num
paciente de DMP é uma atitude inaceitável, e muitos terapeutas a
consideram como sendo extremamente prejudicial ao paciente.(28)
A necessidade de cautela fica ainda mais patente quando descobrimos, para
nosso desânimo, que os pesquisadores nessa área não
conseguem chegar a um acordo quanto aos sintomas que claramente distinguem
possessão demoníaca de desordens mentais. Alguns estudiosos, como
Isaacs, afirmam que a perda do auto controle, ouvir vozes ou ter visões,
a presença de outras personalidades dentro da pessoa,
rejeição de itens religiosos, flutuações entre
personalidades, comportamento suicida e destrutivo, ocorrências
paranormais ou parapsicológicas, são sintomas claros de
possessão demoníaca.(29) Geralmente apontam para abuso sexual na
infância como sendo uma das portas de entrada dos demônios. Rosik,
por outro lado, identifica um passado de abuso sexual, ouvir vozes dentro da
cabeça, comportamento anormal do qual o paciente não se lembra,
tratamentos anteriores que não funcionaram, comportamento auto
destrutivo, depressão e dor de cabeça severa, como sintomas de
DMP. Afirma ainda que o doente típico de DMP pode ter até mesmo 14
personalidades distintas.(30) Não é meu objetivo nessa parte do
estudo entrar no assunto da possessão demoníaca, apenas quero
mostrar que andamos em terreno escorregadio quando tentamos obter conhecimento
acerca do mundo espiritual usando outras fontes que não a
revelação divina.
Conceitos pagãos sobre demônios. Muita coisa ensinada
pela "batalha espiritual" assemelha-se à sabedoria pagã sobre os
espíritos maus, como os conceitos de "casa mau assombrada", quebra de
maldições, etc. Gary Greenwald afirma num artigo que
é possível que espíritos malignos sejam transferidos para
crentes de 6 maneiras: viver numa cidade onde os espíritos dominantes
seduzem os crentes; viver em associação com descrentes; assistir
fitas de cinema ou vídeo que expõem pornografia e violência;
transferência de espíritos de antepassados ímpios;
imposição de mãos por parte de pessoas erradas;
líderes espirituais que não são realmente homens de
Deus.(31) Podemos concordar que algumas dessas coisas mencionadas acima
são perniciosas para o crente e que ele deve evitá-las. Mas
daí a aceitarmos a idéia de que elas transferem maus
espíritos aos crentes, vai uma grande distância. Essa
conclusão não é corretamente inferida das Escrituras, muito
embora o autor tente fazer referência a algumas passagens que julga que
provam seu ponto. O conceito de transferência de espíritos malignos
para crentes parece muito mais um conceito pagão do que bíblico.
Soa como o conceito de "mau olhado" da umbanda.(32)
Já outro autor, escrevendo sobre como uma família crente deve
consagrar ao Senhor a casa onde moram, defende que pode haver demônios
morando nela, se os moradores anteriores foram ímpios, e recomenda que os
crentes façam uma operação de limpeza, removendo todos os
traços de pecado, e expulsando os demônios daquele lugar. O mesmo
deve ser feito em quartos de hotéis, e escritórios.(33)
Evidentemente todos os cristãos desejam morar num lugar onde Deus seja o
Senhor, mas as Escrituras não nos ensinam a fazer rituais de
purificação de casas ou outros locais para que isso ocorra. Deus
habita em nós, e se habitamos numa casa, nossa presença santifica
aquele local. A idéia parece ter sido importada das religiões
pagãs, especialmente da umbanda e do baixo espiritismo.
Os perigos que correm os cristãos que adotam uma demonologia ou uma
visão de batalha espiritual que vai além dos padrões da
Palavra de Deus são devastadores. Via de regra, os que têm ido
além das Escrituras acabam caindo numa demonologia semi-pagã.
Defensores dessa nova teologia mesmo apresentando as vezes bom material
bíblico são tendentes a especulações
fantásticas e imaginações espetaculares. Os que vêem
a dor, o sofrimento, as doenças, a depressão, o desemprego, os
conflitos pessoais e o pecado — enfim, toda a miséria que existe no
mundo ao seu redor — sempre em termos de batalha espiritual, correm
diversos riscos quanto à sua fé. Enumero em seguida três
deles:
Falsa compreensão. Quando aceitamos a idéia de que
vivemos num mundo onde todo mal se origina na atuação direta de
Satanás ou alguns de seus demônios, perdemos de perspectiva o
ensino bíblico de que somos responsáveis pelos nossos pecados e
pelas conseqüências dos mesmos, que geralmente nos trazem dor e
sofrimento. E podemos até mesmo começar a questionar se a
disciplina espiritual é de algum valor para quebrarmos o poder dos
hábitos pecaminosos em nossas vidas, já que acreditamos que estes
se resolvem pela expulsão de entidades espirituais responsáveis
pelos mesmos.
Temor doentio. Pessoas que percebem a vida cristã
exclusivamente em termos de batalha espiritual, logo começam a ver
conexões sinistras e macabras entre os eventos do dia a dia e a
atividades de demônios, o que pode levá-las ao pânico ou a um
comportamento paranóico.
Ilusão. Pessoas que experimentam umas poucas vezes a
"vitória" sobre o inimigo podem adquirir uma falsa sensação
de superioridade, de orgulho ou a ilusão de terem "poder". Entretanto, a
vitória pertence a Deus. Devemos nos lembrar que a maioria dos problemas
que os cristãos experimentam procedem de suas próprias faltas,
defeitos, incoerências, idiossincrasias e enfermidades espirituais.
Não estou negando que Satanás usa essas coisas para prejudicar
nossas vidas, apenas destacando que elas tem origem em nossa natureza
decaída.
Se porém permanecermos confiantes na exclusividade e na
suficiência do ensino da Escritura e permanecermos firmes no que
ela nos ensina, poderemos entrar no combate espiritual perfeitamente equipados e
tendo a perspectiva correta do que está acontecendo. Esse é um
princípio fundamental que devemos manter a todo custo quanto ao tema da
batalha espiritual.
3. O homem é um ser
decaído e debaixo do justo juízo de Deus
Um terceiro princípio fundamental para colocarmos o assunto de
"batalha espiritual" na perspectiva correta é lembrarmos do verdadeiro
estado da humanidade diante de Deus. Creio que na raiz de uma demonologia
defeituosa e inadequada, como a abraçada pelo moderno movimento de
"batalha espiritual", encontra-se uma visão incorreta acerca da
extensão dos efeitos do pecado na natureza humana e do estado do homem
diante de Deus. Em outras palavras, falta o conceito bíblico de que o
homem é um ser decaído moral e espiritualmente e debaixo do justo
juízo divino.
Uma das grandes disputas durante a Reforma protestante versou sobre a
natureza e a extensão do pecado original. Ele afetou Adão somente,
ou todo o gênero humano? A vontade do homem decaído é ainda
livre ou escravizada ao pecado? No século V Pelágio havia debatido
ferozmente com Agostinho sobre este assunto. Agostinho mantinha que o pecado
original de Adão foi herdado por toda a humanidade e que, mesmo que o
homem caído retenha a habilidade para escolher, ele está
escravizado ao pecado e "não pode não pecar". Por outro lado,
Pelágio insistia que a queda de Adão afetara apenas a Adão,
e que se Deus exige das pessoas que vivam vidas perfeitas, Ele também
dá a habilidade moral para que elas possam fazer assim. Ele reivindicou
mais adiante que a graça divina era desnecessária para
salvação, embora facilitasse a obediência.
Agostinho teve sucesso refutando Pelágio, mas o pelagianismo
não morreu. Várias formas de pelagianismo recorreram
periodicamente através dos séculos. Lutero escreveu um livro "A
Escravidão da Vontade" em resposta a uma diatribe de Erasmo, onde o mesmo
defendia conceitos pelagianos. Lutero acreditava que Erasmo era "um inimigo de
Deus e da religião Cristã" por causa do ensino dele sobre o pecado
original.(34)
Embora nem sempre houvesse total concordância entre os
cristãos, o ensino defendido por Agostinho, Calvino, Lutero, puritanos e
teólogos reformados mais modernos, representou durante muito tempo o
pensamento da maioria dos evangélicos. Atualmente, conceitos bastante
similares aos de Pelágio parece terem conseguido prevalecer entre os
protestantes de maneira geral. Mas, a teologia reformada continuando afirmando
que o pecado de Adão trouxe gravíssimas conseqüências
aos seus descendentes. As duas principais são essas, como se
segue:
A corrupção da natureza humana. Com esse termo se
queria indicar a degeneração, perversão,
depravação ou decadência espiritual e moral à qual a
raça humana ficou sujeita após o pecado de seus primeiros pais,
Adão e Eva. O pecado maculou a personalidade humana de tal maneira, que o
homem é mais inclinado a praticar o mal que o bem. O primeiro casal,
criado puro e inocente, após experimentar o pecado, já exibia
sinais da corrupção interior: cada um tentou justificar seu erro
colocando a culpa no outro e afinal em Deus (Gn 3.10-13). Depois disso, a
história de seus descendentes é uma triste história de
violência (Gn 4.8), poligamia (Gn 4.19), soberba e vingança (Gn
4.23) e imoralidade (Gn 13.13; 18.20-21). Apesar de ainda existir algum bem
nesse mundo (e isso somente pela graça de Deus), as pessoas sempre
estão pensando em fazer coisas erradas (Gn 6.5). A
descrição dada pelo salmista é estarrecedora:
Todos se tornaram imorais e fazem coisas horríveis; não
há uma só pessoa que faça o bem... todos se desviaram do
caminho certo e são igualmente maus. Não há mais
ninguém que faça o que é direito, não há
ninguém mesmo (Sl 14.1-3, BLH).
O Senhor Jesus, ao explicar de que forma o homem se torna verdadeiramente
impuro, apontou para o coração do homem como a fonte de toda sorte
de impureza moral e espiritual:
É do coração que vêm os maus pensamentos que
levam ao crime, ao adultério e às outras coisas imorais.
São os maus pensamentos que levam também a pessoa a roubar, mentir
e caluniar. São essas coisas que fazem alguém ficar impuro (Mt
15.19-20, BLH).
Semelhantemente, o apóstolo Paulo escrevendo aos Romanos, e
desejando mostrar que todos, sem exceção, são naturalmente
corrompidos e inclinados ao mal, cita em série várias passagens do
Antigo Testamento como prova da depravação total do
homem:
Não há ninguém justo, ninguém que tenha
juízo;
não há quem adore a Deus. Todos se desviaram do
caminho certo,
todos se perderam. Não há mais ninguém
que faça o bem,
não há ninguém mesmo. Mentem e
enganam sem parar.
Mentiras perversas saem de suas línguas, e
palavras de morte,
como veneno de cobra, saem de seus lábios.
As
suas bocas estão cheias de terríveis maldições.
Eles têm pressa de ferir e de matar.
Por onde passam, deixam a
destruição e a desgraça.
Não conhecem o caminho
da paz e não aprenderam a temer a Deus (Rm 3.10-18, BLH).(35)
Essas passagens da Bíblia são suficientes para demonstrar o
nosso ponto (ainda outras poderiam ser acrescentadas). Basta uma consulta
sincera à nossa consciência, aliada a um exame da história
humana e a uma olhada ao nosso redor para verificarmos que a Bíblia
diagnostica de forma exata a situação da raça humana. Mesmo
quem não abraça o ensino bíblico sobre a
corrupção inata ao ser humano, não pode deixar de perceber
como ela macula todas as instituições sociais. Escreveu
Shakespeare:
Ah, se as propriedades, títulos e cargos
Não fossem fruto
da corrupção! e se as altas honrarias
Se adquirissem só
pelo mérito de quem as detém!
Quantos, então, não
estariam hoje melhor do que estão?
Quantos, que comandam, não
estariam entre os comandados?(36)
Existem algumas ressalvas importantes a serem feitas para evitarmos uma
falsa compreensão desse ensinamento. Segue-se quatro delas.
A queda do homem não contradiz a presença do bem
nele. Quando dizemos que a depravação é
total não estamos com isso querendo dizer que nunca ninguém
tem pensamentos bons ou faz coisas certas. "Não há
depravação, por absoluta que seja, que não traga, em seu
aspecto exterior, algum traço de virtude".(37) O termo total
aponta para o fato de que o pecado penetrou em todas as faculdades do
homem e as contaminou, como pensamentos, emoções, vontade.
Também indica que essa contaminação é de tal forma
que, se deixado entregue à si mesmo, o homem seguirá naturalmente
caminhos que o desviam de Deus e o levam cada vez mais ao pecado.
A queda do homem não contradiz a presença do bem no
mundo. É preciso ressalvar que o ensino reformado da total
depravação do homem não ignora a realidade óbvia de
que há pessoas nesse mundo que fazem obras de caridade, que demonstram
sentimentos de misericórdia e compaixão, e que são capazes
de sacrifícios os mais heróicos e altruístas por causas
humanitárias e nobres. Apenas atribui tais atos, não à
natureza do homem em si, mas ao que denomina de a graça comum
de Deus. Com isso os reformados designam aquelas operações
graciosas e soberanas da providência de Deus, pelo Seu Espírito, na
humanidade em geral, restringindo as corrupções e as
tendências malignas dos corações e promovendo atitudes de
misericórdia, independentemente das crenças religiosas das
pessoas, com o objetivo de preservar por mais um tempo o convívio humano,
a existência da sociedade e a sobrevivência da raça humana.
Dessa forma, se por um lado a humanidade é totalmente inclinada a fazer
coisas erradas, por outro, é levada (na maioria das vezes de forma
inconsciente) por Deus a realizar atos de misericórdia e bondade, pelos
quais a sua sobrevivência em sociedade é preservada. Caso Deus
deixasse de atuar assim, a humanidade já teria se destruído
há muito tempo (veja Gn 20.6; Sl 33.5; 104.13-15; Mt 5.45).
A queda do homem não exclui sua responsabilidade. O
ensino reformado da depravação total também não
exclui o reconhecimento de que as Escrituras ensinam que o homem, mesmo nesse
estado decaído, é responsável pelos seus malfeitos. Alguns
estudiosos alegam que o homem não pode ser responsabilizado pelos seus
atos pecaminosos desde que é irresistivelmente inclinado a
praticá-los. Porém, entendemos que a queda do homem de um estado
de pureza e inocência para o de depravação moral e
espiritual não anulou a sua responsabilidade diante de Deus. As
Escrituras, mesmo afirmando a depravação moral e espiritual das
pessoas, avisa-as que são responsabilizadas por Deus pelos seus atos, e
que sofrem as conseqüências dos mesmos (cf. Jz 9.56; Pv 5.22; 22.8;
Jr 21.14; Rm 6.21,23; 2 Co 5.10; Gl 6.8-9). Não é difícil
constatar que freqüentemente sofremos com os resultados de decisões,
palavras e atitudes erradas que tomamos. A preguiça tem trazido pobreza a
muitos. Uma vida desregrada traz doenças. A falta de domínio
próprio tem provocado reações que levam ao
homicídio. A embriagues e o uso de drogas tem trazido sofrimentos
indizíveis aos seus usuários e familiares. O amor ao dinheiro, a
cobiça e a inveja têm traspassado a muitos com muitas dores. Nas
palavras do escritor Jules Romains (1885-1972), "Se nossa época, se nossa
civilização correm a uma catástrofe, isto se dá
menos por cegueira, do que por preguiça e por falta de
mérito".(38)
Esse é o ponto que desejamos enfocar nessa parte do nosso ensaio:
grande parte da miséria espiritual, moral, social, individual, financeira
e estrutural que sempre aflige a humanidade é fruto, em primeiro lugar,
dos pecados que ela comete. A humanidade em geral é responsável,
em grande medida, pela sofrimento moral, espiritual e físico que suporta
durante sua existência. É verdade que há muitos e muitos
casos em que pessoas sofrem como conseqüência, não de seus
erros, mas dos erros de outros — como por exemplo, os pais que perdem um
filho atropelado por um motorista bêbado, ou os civis que sofrem durante
uma guerra. Negar isso seria cruel. Mas não é esse o nosso ponto.
O que estamos querendo dizer é que, ou por nossa culpa ou pela de outros
humanos, grande parte da miséria que nos acomete tem como raiz
última esse estado de depravação e corrupção
a que a desobediência dos nossos primeiros pais nos lançou,
desobediência essa na qual incorremos por nós mesmos; pois
até mesmo as catástrofes naturais — como terremotos,
ciclones, secas e dilúvios — são atribuídos na
Bíblia à desordem cósmica gerada pela queda do homem no
jardim do Éden (cf. Gn 3.17-18; Rm 8.20-22).
A condenação e o castigo de Deus. Essa é a
segunda conseqüência da queda que desejo enfatizar. A humanidade
não somente vive num estado lastimável de depravação
espiritual, provocando muitas dores em si mesma — ela está debaixo
do mais severo juízo de Deus por causa do estado de rebelião em
que vive, atraindo sobre si castigos temporais impostos por Ele. As Escrituras
declaram abertamente que Deus, mesmo tendo reservado para o futuro as penas
eternas merecidas pelos pecadores impenitentes, aqui e agora já
impõe castigos temporais aos mesmos.. As Escrituras nos dão
inúmeros exemplos dos castigos temporais de Deus sobre o pecado do homem.
A começar com os castigos impostos ao primeiro casal no Éden (Gn
3), passando pelo dilúvio (Gênesis 6-8), a confusão das
línguas (Gn 10) e a destruição de Sodoma e Gomorra (Gn
13-17), a Bíblia nos deixa muito claro que, aqui e agora, no presente
tempo em que vivemos, Deus está executando, mesmo que parcialmente,
juízos sobre os homens pecadores. Esses juízos por vezes tomam a
forma de flagelos físicos. Deus disse por intermédio de
Moisés que castigaria os israelitas com toda sorte de misérias
temporais em caso de desobediência. O catálogo de sofrimentos em
Deuteronômio 28 é impressionante: diminuição do
patrimônio (v.18), doenças contagiosas, infecções,
inflamações e febres (v. 21-22), pragas (v. 22b), secas (v. 23),
tumores, chagas, úlceras e coceiras (v. 27), cegueira (v. 28-29),
fracasso financeiro e escravidão (v. 29) — a lista é
infindável (cf. o restante dela nos vv. 30-44; ver também
Levítico 26.14-46).
Não pretendo fechar os olhos ao fato de que as Escrituras ensinam
que Deus é paciente, complacente e misericordioso para com a humanidade
rebelde, e que apesar da desobediência e rebelião das pessoas, Ele
graciosamente lhes dá a vida, saúde, bens, e até
longevidade. Mesmo as pessoas mais ímpias por vezes experimentam nessa
vida privilégios materiais que excedem em muito a porção
magra com que freqüentemente os justos são agraciados. A
constatação dessa realidade levou muitos santos antigos a inquirir
acerca da justiça de Deus (ver Salmo 72; o livro de Jó; o livro de
Eclesiastes). A resposta é que Deus, em sua muita misericórdia e
seguindo propósitos freqüentemente ocultos aos nossos olhos, nem
sempre nesta vida castiga o pecado imediatamente e na proporção
que o mesmo merece. O juízo e a condenação final dos
ímpios é certa e Deus tem reservado a punição deles
para aquela ocasião. Aqui no presente Ele os castigue por vezes com
flagelos e aflições temporais, como prenúncios daquela
condenação eterna que os aguarda.
A idéia de que todo mal — quer sob a forma de sofrimento e
misérias, quer sob a forma de pecado — provém da
atuação direta de demônios é bastante difundida pelo
movimento de batalha espiritual. Na verdade, acredito que o conceito de que
"todo mal é demoníaco" é a mais fundamental doutrina desse
movimento. A esses espíritos malignos é atribuída a
responsabilidade, não somente de doenças, desastres, fracassos,
divórcios, desemprego e coisas semelhantes, mas também de atitudes
pecaminosas, como o uso de drogas, a prostituição, o
homossexualismo, o consumo de pornografia e todos distúrbios morais de
comportamento. Segundo o entendimento de muitos proponentes da "batalha
espiritual", essas entidades maléficas se instalam na vida das pessoas
(crentes e descrentes) e nas estruturas sociais, políticas e
econômicas de determinadas regiões geográficas. Resta
à Igreja somente o método de expelir essas entidades dos
locais estratégicos onde se instalaram, como meio eficaz de
combatê-las e libertar as pessoas debaixo de seu controle.
O ponto que desejo frisar é que esse ensino do movimento de "batalha
espiritual" é uma perspectiva limitada e reducionista do ensino
bíblico acerca do sofrimento humano bem como uma avaliação
distorcida da realidade que nos cerca. Os diferentes sofrimentos experimentados
nessa vida pelos homens têm como origem, muitas vezes, não somente
a desobediência humana, como também o castigo divino.
Evidentemente, não sabemos ao certo dizer quando um termina e o outro
começa. E é preciso reconhecer que, em casos como o de Jó,
Satanás pode servir como instrumento dentro dos propósitos
divinos. Provavelmente os efeitos do pecado, os juízos divinos e a
atuação dos demônios estão tão interligados em
alguns casos que a separação na prática é
impossível. De qualquer forma, creio ter ficado claro que o conceito
defendido pelo movimento de batalha espiritual, de que todo sofrimento, toda
miséria e todo mal circunstancial que sobrevêm às pessoas
hoje, tem origem demoníaca, não tem qualquer sustentáculo
bíblico.
Não estou dizendo que os espíritos malignos não atuam
na promoção da miséria e da dor, bem como na
disseminação do pecado. Negar isso seria negar o ensino da
Bíblia. Ela afirma que o diabo veio para matar, roubar e destruir
(João 10.10). Afirma também que ele é o pai da mentira (Jo
8.44). Sabemos que Satanás se utiliza da nossa natureza depravada como
instrumento de tentação, como se fosse um aliado interno, para nos
levar ao pecado.(39) O que estou questionando é a ênfase do
movimento de batalha espiritual de que toda forma de mal (circunstancial
e moral) provém diretamente de Satanás, e que ele é, em
última análise, o responsável pela nossa escravidão
a determinados pecados.
Reconheço que muitos cristãos acham extremamente
difícil romper com determinados comportamentos compulsivos que sabem ser
pecaminoso, como ver pornografia, comer em excesso, sentir autopiedade ou
mentir. Estou também pronto a admitir que Satanás procura levar as
pessoas a permanecer escravas desses hábitos e padrões
pecaminosos. Questiono, porém, a idéia de que tais crentes
não conseguem se livrar porque estão debaixo do poder de um
determinado espírito maligno que os levam a pecar sempre que esses
demônios assim o desejem. Questiono essa idéia porque creio estar
claro nas Escrituras que o homem é corrompido o suficiente para atrair
sobre si sofrimentos e aflições decorrentes de seus
próprios atos (sem que nenhum demônio esteja necessariamente
envolvido). A idéia de que todo comportamento compulsivo é
decorrente de demonização é um diagnóstico
inadequado e abre portas para soluções inadequadas.
A Bíblia também ensina, como vimos, que Deus é o autor
de males e sofrimentos que envia sobre os ímpios (e mesmo, sobre seus
filhos, para corrigi-los). Com isso não estou, nem por um segundo,
sugerindo que Deus é o autor do pecado, ou que seja, no mínimo,
cúmplice do mesmo. Quando começamos a ir além da Escritura,
e responsabilizamos o diabo por todo o mal que ocorre nesse mundo, corremos
alguns riscos:
Perdermos de vista o ensino bíblico acerca da queda e
depravação do homem. Num artigo crítico contra os
ensinos de Peter Wagner e demais proponentes do movimento de batalha espiritual,
Mike Wakely acusa a teologia do movimento de ser pobre, descuidada e inferior,
pois apresenta uma perspectiva inadequada do ensino bíblico acerca da
queda do homem. Satanás, continua Wakely, é visto como operando
primariamente através de instituições políticas,
econômicas e religiosas. Uma vez que seu poder sobre esses sistemas
é quebrado, as pessoas prontamente se converterão a Cristo.(40)
Mas esse ensino, diz Wakely, está em completo desacordo com o ensino
bíblico de que o coração do homem é endurecido,
teimoso e rebelde. Esse ensino de Wagner e de outros tende a justificar os
pecados dessas pessoas e sua recusa em submeter-se a Cristo.(41)
Perdermos de vista o ensino bíblico acerca da responsabilidade
pessoal de cada indivíduo pelos atos que comete. Num artigo sobre
como os cristãos podem se libertar de comportamentos compulsivos —
outra maneira de se referir a prática costumeira de determinados pecados
—, o autor Lester Sumrall corretamente menciona que o diabo ilude as
pessoas com conceitos errados acerca do pecado e de Deus, para mantê-las
escravizadas a determinados hábitos pecaminosos; mas responsabiliza tais
indivíduos por não serem capazes de romper com tais
hábitos: (1) muitos não desejam realmente renunciar ao prazer que
o pecado lhes traz; (2) outros são orgulhosos demais para buscar ajuda;
(3) outros se concentram em assuntos secundários em vez de irem à
raiz do problema; (4) ainda outros são inconstantes: desejam mudar, mas
não ao ponto de renunciar àqueles hábitos e sentimentos
familiares. Ele conclui dizendo que é somente através de um
esforço espiritual constante que poderemos nos libertar de padrões
rotineiros de pecado.(42) O que desejo destacar nesse artigo de Sumrall é
a combinação equilibrada entre o reconhecimento de que
Satanás pode iludir as pessoas ao pecado e a responsabilidade
última que cada pessoa tem diante de Deus por se deixar iludir e praticar
a iniquidade. Infelizmente, essa última ênfase tem faltado em
muitas das publicações defendendo a "batalha espiritual". A
tendência geralmente é resolver o problema da escravidão ao
pecado em termos de expulsão de demônios supostamente
responsáveis pelos mesmos, em vez do emprego dos meios bíblicos
como a disciplina espiritual,, como mencionado no artigo de Sumrall.
Perdermos de vista o ensino bíblico de que devemos resistir ao
pecado. É importante observar que nem sempre é fácil
distinguir entre os problemas comuns da vida e ataques de espíritos
malignos. A dificuldade aumenta quando descobrimos que a Bíblia menciona
que, além de Satanás, somos ainda tentados pela carne, pelo mundo
e pelas circunstâncias adversas dessa vida. O que muitos defensores da
"batalha espiritual" parecem não perceber é que a maioria dos
nossos problemas, dificuldades e sofrimentos diários se originam da
combinação entre nossa "bagagem de miséria humana
básica" (predisposições genéticas, ambiente
familiar, deficiências pessoais) e nossas tendências pecaminosas
(amargura, ira, raiva, egoísmo). O mundo e o diabo completam o quadro,
interagindo entre si para criar situações de conflito, que
são por vezes tão complexas, que não conseguimos
classificá-las claramente. O que é mais interessante em tudo isso,
é que as Escrituras oferecem aos crentes uma maneira padrão de
agir nessas circunstâncias, seja qual for a origem — ou origens
— do conflito: submeter-se a Deus, arrepender-se dos pecados, e resistir
ao diabo — e ele fugirá (Tg 4.7-10).(43) Entendendo a batalha
espiritual somente em termos de ataques de espíritos malignos, muitos
hoje têm negligenciado o ensino bíblico acerca da necessidade de
santificação, disciplina espiritual e resistência moral
contra as tentações — sejam elas da carne, do mundo ou do
diabo.
Portanto, é extremamente importante que mantenhamos firmes em nossas
mentes o ensino bíblico de que o homem é um ser decaído e
que está debaixo do justo juízo de Deus. É importante,
não por que desejamos enfatizar morbidamente essas tristes verdades. Mas,
porque precisamos compreender claramente a natureza das misérias e dos
males que acometem as pessoas, a responsabilidade que têm nelas, e de que
forma devem reagir.
4. Se alguém está em
Cristo é uma nova criação
O leitor deverá ter percebido que o título acima é na
verdade uma parte das palavras de Paulo em 2 Coríntios 5.17, "E, assim,
se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas
antigas já passaram; eis que se fizeram nova" (ARA). Preferi traduzir a
palavra ktisis como "criação" e não como "criatura"
pelos seguintes motivos: (1) Das 19 vezes que a palavra ktisis ocorre no
Novo Testamento, a grande maioria é traduzida por "criação"
(cf. Mc 10.6; 13.19; Rm 1.20; 8.19-22; Cl 1.15, entre outros), embora em alguns
casos a tradução "criatura" seja possível. (2) Algumas das
traduções mais respeitadas internacionalmente preferem
também "criação" em vez de "criatura", como a RSV e a NVI.
(3) "Criação" expressa melhor o sentido do que Paulo deseja dizer
em 2 Co 5.17. Seu ponto não é a transformação
psicológica e espiritual que acontece com uma pessoa que está em
Cristo (como na tradução da BLH, "é uma nova pessoa"), mas
sua participação na nova criação que já foi
iniciada por Deus em Cristo. O contraste coisas "antigas" e "novas" não
é um contraste entre o tempo antes e depois da conversão da pessoa
a Cristo, mas entre o período antes e depois da vinda de Cristo, entre a
velha era e a nova. As palavras de Paulo devem ser entendidas, não
psicologicamente, mas escatologicamente, em termos do seu ensino sobre o raiar
da nova era em Cristo, do início da nova criação em Cristo,
da qual ele é o primogênito.(44) Já tratamos acima acerca do
ensino paulino sobre as duas eras. Evidentemente esse conceito abrange o
outro, de que a pessoa se torna uma nova pessoa interiormente, mas aponta para
ainda outras características da obra de Cristo em favor da Sua
igreja.
Entendido dessa perspectiva o verso está dizendo que se
alguém está em Cristo ele faz parte da nova criação,
da nova humanidade cujo cabeça é Cristo, e desfruta de todos os
privilégios desse novo status. Outras passagens do Novo Testamento
nos completam o quadro: quem está em Cristo goza aqui e agora da
presença do Espírito Santo como penhor do que ainda há por
vir (Ef 1.14); experimenta o gozo e os poderes do mundo vindouro (Hb 6.4-5);
compartilha da natureza de Cristo como primícia da
ressurreição ainda por ocorrer; já tem a vida eterna que
significa conhecer a Deus e ao Seu Filho Jesus Cristo (Jo 17.1-3); desfruta de
um novo coração (Sl 51.10; Ez 11.19; 36.26; Jo 3.3; Gl 6.15); foi
liberto do domínio do pecado e da lei (Rm 6.1-14; 7.1-6); é guiado
pelo Espírito de Deus (Rm 8.1-17).
As Escrituras enfatizam especialmente a nova relação que
aquele que está em Cristo mantém com Deus. Antigamente era filho
da ira, dominado pelo mundo, pela carne e pelo diabo e debaixo do juízo
de Deus (Ef 2.1-3); agora, foi perdoado e aceito por Deus, adotado como filho em
Cristo; já nenhuma condenação existe contra ele (Rm 8.1).
Ele não mais pertence a esse mundo que se desfaz, mas à
época vindoura que já raiou no presente. Assim, Satanás
já não tem mais qualquer autoridade ou direito sobre ele, apesar
de ainda tentá-lo ao pecado. Nas palavras do apóstolo João,
"o maligno não lhe toca" (1 Jo 5.18). Basta um estudo simples nas
Escrituras, da linguagem usada para descrever nossa redenção, para
que não fique qualquer dúvida de que o crente, à
semelhança de um escravo exposto à venda na praça, foi
comprado por preço, e que, agora, passa a pertencer totalmente ao novo
dono. O antigo patrão não tem mais qualquer direito sobre ele,
como rezava a legislação romana da época. Assim, Paulo diz
que fomos comprados por preço (1 Co 6.20; agorazo,
"comprar, redimir, pagar um resgate para libertá-lo"), e que sendo agora
livres, não devemos nos deixar outra vez escravizar (1 Co 7.23). Fomos
resgatados (lutrow) pelo precioso sangue de Cristo (1 Pe 1.18; cf.
Ap 5.9).
O ensino bíblico acerca da relação que o crente
desfruta com Deus precisa ser enfatizado em nossos dias, particularmente as suas
implicações. A julgar por muito do que é dito por
defensores do movimento de "batalha espiritual" quanto à
atuação e ao poder dos espíritos malignos na vida dos
crentes, falta-lhes uma visão e uma compreensão mais exata quanto
ao ensino do Novo Testamento sobre o ser nova criatura, ou melhor, nova
criação bem como quanto às implicações desse
ensino para a "batalha espiritual". Há pelo menos dois ensinamentos da
"batalha espiritual" que acabam por minimizar a eficácia da obra de
Cristo, que são: a demonização de crentes verdadeiros e a
necessidade de quebrar maldições.
Primeiro, vejamos o conceito de que crentes verdadeiros podem ser
demonizados. Ela tem se tornado tão popular, que muitos artigos de
revistas teológicas especializadas em aconselhamento, ao tratar das
características da demonização, não fazem qualquer
distinção entre crentes e descrentes.(45)
Mas, o que é "demonização"? É importante
entendermos bem o que querem dizer quando empregam esse termo. Há quatro
coisas que definem bem esse conceito:
Demonização é diferente de possessão
demoníaca. Frank Peretti, pastor licenciado da Assembléia de
Deus e autor do best seller de 1998 Esse Mundo Tenebroso, um
cristão não pode ficar possuído por um demônio, mas
pode ser "demonizado".(46) Não somente Peretti, mas muitos líderes
do movimento de "batalha espiritual" seguem a mesma distinção,
como por exemplo, no Brasil, Gilberto Pickering. Em seu livro Guerra
Espiritual ele acusa os tradutores da versão King James de terem
colocado a Igreja na direção errada ao traduzir o termo grego
daimonizomai e seus cognatos por "possessão demoníaca",
tradução também adotada pela Almeida.(47) A
expressão "possessão demoníaca" e mesmo "endemoninhamento",
segundo Pickering, implica na posse por parte de Satanás da vida e do
destino de uma pessoa.(48) Nesse caso, só há duas
opções: ou alguém está possuído por um
espírito maligno, ou não está.
Demonização é um fenômeno parcial. O
ponto defendido é que existem graus diferentes em que uma pessoa
— mesmo um crente — está debaixo do controle e
influência de Satanás. Daí a preferência pela
tradução "demonizado" ou "endemoninhado", pois expressa a
idéia de que uma pessoa, mesmo um crente, pode ter alguma área de
sua vida debaixo do controle parcial de um ou mais demônios, sem
necessariamente estar "possesso" por eles. Powlison, em sua crítica
à "batalha espiritual", descreve este conceito fazendo um paralelo entre
a personalidade humana infestada em diversas áreas por demônios e o
disco rígido de um computador, onde determinadas áreas
estão infectadas com um ou mais vírus.(49)
Portanto, muitos defensores da "batalha espiritual" negariam que um crente
pode ficar possesso de um espírito imundo, mas afirmam que ele pode ficar
"demonizado", isto é, com alguma área de sua vida debaixo do
controle de um ou mais demônios.(50) Na verdade, vão ao ponto de
dizer que não existe "possessão demoníaca" nem mesmo de
incrédulos — o que há é
"demonização".(51) Portanto, a explicação que
dão para um comportamento moral ilícito é de que os
demônios do pecado estão entrincheirados no coração
humano.
A demonização ocorre por causas bem definidas.
Aparentemente, eles entendem que a "demonização" é uma
influência maligna na vida de uma pessoa, superior à daquela da
tentação, em que um ou mais demônios vêm habitar na
pessoa, fazendo-a ficar confusa, incrédula, e especialmente escravizada a
determinados hábitos pecaminosos. A pessoa cai vítima desta
opressão demoníaca por causa de seus pecados, ou por causa dos
pecados de outros contra ela, como por exemplo, a molestação
sexual durante a infância.(52) A "demonização" de um crente
verdadeiro pode ocorrer ainda por vários outros motivos: o pecado de seus
antepassados, ódio, amargura e rebelião durante a infância,
pecados sexuais, maldições e pragas rogadas por outros, e
envolvimento com o ocultismo.(53)
Tais coisas dão autoridade aos demônios para invadi-las. O
mesmo ocorre por causa de maldições hereditárias. Qualquer
que seja a causa, os demônios invadem a vida das pessoas e nelas habitam.
No caso dos crentes, eles permanecem em constante conflito com o Espírito
Santo, que também habita nos crentes.(54) Segundo alguns, estes
demônios invasores podem ficar habitando no corpo ou na alma do
crente.(55)
Demonização e vida em pecado andam juntas. O
efeito da demonização de crentes ou descrentes, segundo Murphy,
é uma vida em pecado, geralmente nas áreas de práticas
sexuais ilícitas, ódio, mágoa, rancor, rebelião,
sensação de culpa, rejeição e vergonha,
atração ao ocultismo e ao mundo dos espíritos.(56) Segundo
Murphy, o processo de demonização de um crente é geralmente
o seguinte: o primeiro demônio invade a sua vida, e abre as portas para
que outros venham. Se não forem detectados e expulsos,
permanecerão lá, habitando no crente, e gradativamente
ganharão controle sobre as sua emoções, até
finalmente atingirem o centro de sua personalidade. Crentes demonizados
não poderão prosseguir sozinhos na vida cristã; precisam de
ajuda de alguém que expulse estas entidades de suas vidas.(57)
Embora o conceito de "demonização" seja uma ótima
explicação para os hábitos pecaminosos que escravizam
muitos crentes, ele esbarra em algumas dificuldades exegéticas e
teológicas. Há pelo menos quatro delas que podemos
mencionar.
O problema é mais que uma questão de
tradução. Mudar a tradução de
daimonizomai ("possessão demoníaca") para
"demonização" não resolve o problema levantado pela
sugestão de que crentes verdadeiros podem se tornar escravos de
demônios, mesmo que seja em apenas algumas áreas morais da sua
vida. Embora o último termo traduza de forma mais literal a
expressão bíblica, o primeiro expressa melhor o seu sentido.
Alguém "demonizado" está debaixo do controle de um demônio.
Existe alguma área de sua vida — ou sua vida toda — que
está possuída por aquela entidade. É este o sentido
da expressão.
Nos casos mencionados nos Evangelhos e Atos, os endemoninhados estavam
afligidos por distúrbios, quer mentais ou físicos (paralisia,
cegueira, surdez, epilepsia, loucura, cf. Mt 4.24; 8.28; 9.23; 12.22; 15.22).
Seus corpos e mentes haviam sido invadidos por demônios. A causa nunca
é citada no Novo Testamento. O efeito é que tais pessoas estavam
debaixo do controle destes seres, que não somente as afligiam, mas as
haviam privado da razão, às vezes da saúde e do controle
físico.
Nos Evangelhos, as atitudes e reações das pessoas
"demonizadas" são atribuídas aos demônios que as invadiram,
ver Mc 3.11; Mt 8.31; Mc 1.26; Lc 4.35; At 5.16; et al. Portanto,
não é de se admirar que os tradutores, quase que universalmente,
tem traduzido o verbo daimonizomai indicando possessão
demoníaca. É que se trata da invasão de demônios na
vida, no corpo, na mente e na personalidade das pessoas, chegando ao ponto de
escravizá-lo a certos pecados e atitudes. Admitir que um crente esteja
"demonizado" é admitir que ele está debaixo do controle de
Satanás, cativo à sua vontade, impelido a estas atitudes
compulsivas. E portanto, mesmo que a terminologia foi trocada, permanece a
questão se um crente pode ter demônios habitando em seu corpo, o
qual é igualmente habitado pelo Espírito Santo.(58)
O conceito agride textos claros quanto aos privilégios dos
crentes. A questão é realmente aguda, pois a Escritura
ensina que o crente está assentado com Cristo nos lugares celestiais,
acima de todos os principados e potestades (Ef 1.21-22). O crente está em
Cristo, e Cristo nada tem a ver com o maligno (Jo 14.30). E, naturalmente, o
diabo não toca os que são de Cristo (1 Jo 5.18), pois o que
está no crente (o Espírito Santo) é maior que os
espíritos malignos que habitam neste mundo (1 Jo 4.4).
O pecado é atribuído à natureza decaída do
homem. Os demônios denominados pela "batalha espiritual" como
sendo demônios da lascívia, do ódio, da ira, da
vingança, da embriagues, da inveja, e assim por diante, não
aparecem no Novo Testamento. Estas coisas são, na verdade, as obras da
carne mencionadas por Paulo em Gálatas 5.19-21. A solução
para estes pecados não é expulsar demônios que supostamente
os produzem, mas arrependimento, confissão, e santificação.
O conceito de "crente demonizado", na realidade, em vez de produzir a
mortificação da nossa natureza pecaminosa como as Escrituras
determinam (Cl 3.8; Rm 8.13), fornece uma desculpa e uma
racionalização para o pecado, as quais a nossa natureza pecaminosa
sempre é rápida em usar.
Falta comprovação bíblica da
demonização de crentes. Além disto, falta a
necessária comprovação bíblica de que podemos e
devemos expulsar demônios da vida de crentes verdadeiros. Jesus nunca
expulsou demônios de quem era seu discípulo — Maria Madalena,
de quem Jesus expulsou sete espíritos malignos, certamente se converteu
naquela ocasião (Lc 8.2). Os apóstolos, igualmente, nunca
expulsaram demônios de crentes das igrejas locais. O Novo Testamento
é absolutamente silencioso a este respeito; silencia igualmente quanto
às causas que levaram determinadas pessoas a ficarem endemoninhadas. O
Novo Testamento apenas descreve o encontro de Jesus e dos apóstolos com
pessoas endemoninhadas, mas em nenhum caso revela como o endemoninhamento
aconteceu, se foi por causa de pecados pessoais, pelos pecados de outros, por
maldições hereditárias, ou qualquer outros dos motivos
alegados pelos proponentes da "batalha espiritual". Não devemos tentar
satisfazer a nossa curiosidade baseados em especulações e
experiências pessoais.
Segundo, a quebra de maldições. Esse ensinamento
característico da "batalha espiritual" tende igualmente a minimizar a
perfeição e a eficácia da obra de Cristo na vida do crente.
Podemos resumir esse conceito em quatro pontos.
Os filhos pagam pelos erros dos pais. Os pecados,
vícios, e pactos demoníacos feitos pelos antepassados de um crente
afetam negativamente a sua existência presente. Maldições
hereditárias são aquelas que herdamos dos nossos pais e
antepassados em decorrência desses erros que eles cometeram. Este conceito
procura basear-se em Êxodo 20.5, onde Deus afirma que castiga a maldade
dos pais nos filhos até a terceira e quarta
geração.
A transmissão genética de demônios. Autores como
Rodovalho chegam a sugerir que os espíritos "familiares" passam dos pais
para os filhos através dos genes.(59) Dessa forma, eles se perpetuam na
família geração após geração. Isso
explicaria porque determinadas famílias sofrem de pecados ou
tragédias características em suas linhagens. Por exemplo,
famílias que através dos séculos são marcadas por
casos e mais casos de suicídios são vítimas de um
"espírito familiar" de suicídio, que entrou na linhagem por algum
motivo e só sairá com a quebra da maldição e a
reparação do pecado que lhe deu a oportunidade.
O poder abençoador e amaldiçoador das palavras. As
pragas, maldições ou palavras más proferidas diretamente
contra nós no presente também têm o poder de nos tornar
infelizes, de perturbar nossas vidas. Maldições podem incluir
frases dos nossos pais como "menino, vai para o diabo que te carregue!".
Através delas, os demônios recebem autoridade para entrar em nossas
vidas e torná-las em miséria, dor e sofrimento.
A necessidade de quebrar essas maldições. Mesmo um
verdadeiro crente pode deixar de alcançar a plena felicidade nesse mundo
caso esteja "amaldiçoado", isso é, debaixo de alguma
maldição. Caso não as quebre, padecerá nas
mãos dos demônios, que recebem poder para atormentá-lo
através delas. O processo consiste em localizar e identificar estas
maldições, e anulá-las "em nome de Jesus". A "quebra"
destas maldições o caminho para a libertação.(60) No
caso de maldições hereditárias, alguns aconselham que se
trace a árvore genealógica da nossa família, procurando
identificar as pragas, maldições, pecados e pactos com
demônios feitos por eles no passado, para depois anulá-los,
quebrando-os e rejeitando-os em nome de Jesus.(61)
É verdade que podemos experimentar as conseqüências dos
erros da nossa família. Também é verdade que as palavras
podem ser usadas para destruir vidas. É igualmente verdadeiro que devemos
rejeitar todas as obras das trevas, cuidar das nossas palavras e não
sermos coniventes com os pecados de nossos antepassados e parentes ao nosso
redor. Contudo, o ensino de "quebra de maldições" vai muito
além disso. Existem quatro críticas que podemos fazer a
ele.
Uso parcial da evidência bíblica. Geralmente o texto
usado para defender o conceito de que os filhos pagam pelos erros dos pais
é Êxodo 20.5, onde Deus ameaça visitar a maldade dos pais
nos filhos, até a terceira e quarta geração dos que o
aborrecem.
Entretanto, ensinar que Deus faz cair sobre os filhos as
conseqüências dos pecados dos pais, é só metade da
verdade. A Escritura nos diz igualmente que se um filho de pai idólatra e
adúltero vir as obras más de seu pai, temer a Deus, e andar em
Seus caminhos, nada do que o pai fez virá cair sobre ele. A
conversão e o arrependimento individuais "quebram", na existência
das pessoas, a "maldição hereditária" (um efeito somente
possível por causa da obra de Cristo).
Este foi o ponto enfatizado pelo profeta Ezequiel em sua
pregação ao povo de Israel da época (leia cuidadosamente
Ezequiel 18). A nação de Israel havia sido levada em cativeiro
para a Babilônia, e os judeus cativos se queixavam de Deus dizendo "Os
pais comeram uvas verdes, e os dentes dos filhos é que se embotaram. . ."
(Ez 18.2b) — ou seja, "nossos pais pecaram, e nós é que
sofremos as conseqüências". Eles estavam transferindo para seus pais
a responsabilidade pelo castigo divino que lhes sobreveio, que foi o desterro
para a terra dos caldeus. Achavam que era injusto que estivessem pagando pelo
pecado de idolatria dos seus pais. Usavam um provérbio da época,
que nos nossos dias seria mais ou menos assim: "Nossos pais comeram a feijoada,
mas nós é que tivemos a dor de barriga. . ."
Através do profeta Ezequiel, Deus os repreendeu, afirmando que a
responsabilidade moral é pessoal e individual diante dele: "A pessoa que
pecar, é ela quem morrerá — não o seu pai ou a sua
mãe" (Ez 18.4b, 20). E que pela conversão e por uma vida reta, o
indivíduo está livre da "maldição" dos pecados de
seus antepassados, ver 18.14-19. Esta passagem é muito importante, pois
nos mostra de que maneira o próprio Deus interpreta (através de
Ezequiel) o significado de Êxodo 20.5. Aplicando aos nossos dias, fica
evidente que o crente verdadeiro já rompeu com seu passado, e com as
implicações espirituais dos pecados dos seus antepassados, quando,
arrependido, veio a Cristo em fé.
Minimizaçao dos efeitos da obra de Cristo. Esse é a
nossa maior preocupação. O apóstolo Paulo nos esclarece que
o escrito de dívida que nos era contrário, a
maldição da lei, foi tornado sem qualquer efeito sobre nós:
Jesus o anulou na cruz (Cl 2.13-15; Gl 3.13). Ou seja, toda e qualquer
condenação que pesava sobre nós foi removida completamente
quando Cristo pagou, de forma suficiente e eficaz, nossa culpa diante de Deus.
Ora, se a obra de Cristo no Calvário em nosso favor foi poderosa o
suficiente para remover de sobre nós a própria
maldição da santa lei de Deus, quanto mais qualquer coisa que
poderia ser usada por Satanás para reivindicar direitos sobre nós,
inclusive pactos feitos com entidades malignas, por nós, ou por nossos
pais, na nossa ignorância.
Basta um estudo simples nas Escrituras, da linguagem usada para descrever
nossa redenção, para que não fique qualquer dúvida
de que o crente, à semelhança de um escravo exposto à venda
na praça, foi comprado por preço, e que, agora, passa a pertencer
totalmente ao seu novo senhor. O antigo patrão não tem mais
qualquer direito sobre ele, como rezava a legislação romana da
época. Assim, Paulo diz que fomos comprados por preço (1 Co
6.20; agorazw, comprar, redimir, pagar um resgate — termo usado
para o ato de comprar um escravo na praça, ou pagar seu resgate para
libertá-lo), e que sendo agora livres, não devemos nos deixar
outra vez escravizar (1 Co 7.23). Fomos resgatados (lutrow) pelo
precioso sangue de Cristo (1 Pe 1.18; cf. Ap 5.9).
Quando vivemos à luz da gloriosa verdade de que "se alguém
está em Cristo é nova criação" não tememos
pragas, maldições, encostos, mau-olhado, "olho gordo", despachos,
trabalhos. Igualmente vivemos seguros de que não somos
"amaldiçoados" por qualquer dos pecados de nossos pais: tudo foi anulado
na cruz. Não estou dizendo que os verdadeiros cristãos gozam de
uma imunidade automática quanto à influência de
espíritos malignos. É preciso revestir-se da força do
Senhor e de toda armadura de Deus para que possam resistir às astutas
ciladas do diabo.(62) Meu objetivo foi deixar clara a importância de
abraçarmos o ensino correto sobre a situação daquele que
está em Cristo. Saber o que isso significa nos dará o
parâmetros corretos para avaliarmos os freqüentes relatos de
experiências estranhas que ouvimos de evangélicos ao nosso redor,
que parecem minimizar ou diminuir a suficiência da obra de Cristo em favor
dos que são seus.
Conclusão
Meu alvo nesse artigo foi abordar alguns dos principais ensinos do
movimento de "batalha espiritual" partindo do contexto doutrinário maior
onde o mesmo se encaixa. Analisando os temas maiores que controlam a área
de demonologia bíblica procurei mostrar que muitas das
distorções apresentadas pela demonologia do movimento se devem ao
fato que ele enfoca determinados ensinos fora dos contextos a que pertencem.
Quando analisamos a atuação demoníaca da perspectiva do
ensino bíblico sobre a soberania de Deus, a suficiência das
Escrituras, a queda do homem e a plena redenção em Cristo,
verificamos que "batalha espiritual" não pode se tornar a porta de
entrada ou o tema dominante de uma teologia ou de uma estratégia
missionária adequados para a Igreja de Cristo. Seria reduzir e distorcer
o ensino mais completo das Escrituras.
Embora reconheçamos que existe um conflito se desenrolando no
presente entre a Igreja e as hostes das trevas, temos dúvidas de que o
mesmo deva ser o ponto focal da reflexão e da praxis da igreja de
Cristo em nossos dias, visto que está subordinado a muitos outros pontos
mais abrangentes e fundamentais.
A Igreja deve guiar-se pelos pontos mais centrais do ensinamento
bíblico. Através deles colocará na perspectiva correta
qualquer novo assunto que surja. Nesse capítulo enumerei quatro desses
pontos que controlam, ao meu ver, a compreensão adequada dos ensinamentos
da "batalha espiritual: a soberania de Deus, a suficiência das Escrituras,
a decadência da raça humana e a suficiência da obra de
Cristo. Uma vez que esses pontos sejam firmemente defendidos e ensinados
haverá pouco espaço para que os erros da "batalha espiritual"
penetrem.
Notas
1 Por exemplo, veja-se o livro de Paulo Romeiro, da Assembléia de
Deus, Evangélicos em Crise: Decadência Doutrinária na
Igreja Brasileira (São Paulo: Mundo Cristão, 1995), onde ele
faz severas críticas ao movimento.
2 Veja extratos desta declaração em Mike Wakely, "A critical
look at a new ‘key’ to evangelization", em Evangelical Missions
Quarterly, (Abril, 1995) 156-57.
3 Boa parte do material aqui apresentado apareceu na minha obra, O que
Você Precisa Saber sobre Batalha Espiritual (São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana, 1997), e é reproduzido aqui com
permissão.
4 I. H. Marshall, Atos: Introdução e
Comentário, em Série Cultura Bíblica (São Paulo,
Vida Nova: 1985).
5 Cf. por exemplo, G. Van Groningen, O. Palmer Robertson, e
outros.
6 Institutas, III, 7, 1. O reconhecimento da soberania de Deus era
uma das principais características da doutrina de Calvino, cf. Ken Myers,
"Calvin and culture", em Tabletalk, 19/10 (1995) 58-59.
7 Ross W.Marrs, "God's nest egg", em Clergy Journal, Maio/Junho de
1989, pp. 30-34. Outros autores falam de Deus como soberano, mas não no
sentido de pleno domínio sobre suas criaturas morais. Cf. por exemplo
Quetin Schultze, "Culture watch: the crossover music question", em Moody,
Out. 1992, pp. 30-32; Spiros Zodhiates, "Signs — why God gives them or
refuses them", em Pulpit Helps, Maio de 1990, pp. 1-5.
8 Clark Pinnock, "God's sovereignty in today's world", em Theology
Today, 53/1 (1996) 15-21.
9 J. Long, em Discipleship Journal, Março/Abril de
1992.
10 Para maiores detalhes sobre esta abordagem histórica,
redentiva-escatológica dos ensinos do Novo Testamento, veja George Ladd,
Teologia do Novo Testamento, 2a. edição (Rio: JUERP, 1985)
24-32; Herman Ridderbos, Paulus: Ontwerp van zijn theologie (Kampen:
Uitgeversmaatschappij, 1966) 40-55; The Coming of the Kingdom
(Filadélfia, PA: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1976) 104-115;
Geerhardus Vos, Redemptive History and Biblical Interpretation
(Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Publishing Co.,
1980).
11 Guelich, Spiritual Warfare, 39.
12 Ver o excelente livro de F. Solano Portela Neto, "Cinco Pecados que
Ameaçam os Calvinistas" (São Paulo, PES, 1997).
13 Jay Adams, "Counseling and the sovereignty of God", em Journal of
Biblical Counseling, Inverno de 1993, pp. 4-9.
14 John Piper, "Charles Spurgeon: preaching through adversity", em
Founders Journal, 23 (1996) pp. 5-21.
15 Cf. por exemplo Merrill Unger, Biblical Demonoly, entre
outros.
16 Exemplos de obras assim são aquelas de Thomas Brooks (Precious
Remedies Against Satan´s Devices), John Bunyan (O Peregrino) e
William Gurnall (The Christian in Complete Armour).
17 Neuza Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual: Você Está
em Guerra!" em Série Batalha Espiritual (São Paulo: Editora
SEPAL, 1994) 29-30; 61-64.
18 Ibid., 30, 52-53; 67-69; 49.
19 C. Peter Wagner, "Territorial Spirits and World Missions", em
Evangelical Missions Quarterly 25 (1989).
20 Ibid., 278.
21 Ibid., 279.
22 Ibid., 278.
23 Ibid., 282-284.
24 Wakely, "A critical look", 158.
25 Ibid., 159.
26 Wagner, "Territorial Spirits"., 284.
27 Veja por exemplo Samuel Southard e Donna Southard, "Demonizing and
mental illness (III): explanations and treatment, Seoul", em Pastoral
Psychology, (Inverno de 1986) pp. 132-151; T. Craig Isaacs, "The possessive
states disorder: the diagnosis of demonic possession", em Pastoral
Psychology, (Verão de 1987) pp. 263-273.
28 Christopher Rosik, "Multiple personality disorder: an introduction for
pastoral counselors", em Journal of Pastoral Care, (Outono de 1992) pp.
291-298
29 Cf. Isaacs, "The possessive states", 263-73.
30 Rosik, "Multiple personality", 291-298.
31 Gary Greenwald, "The dangerous transference of spirits", em Charisma
& Christian Life, (Outubro de 1990) pp. 110-120.
32 Entretanto, o conceito de transferência (sem entrar no
mérito de que espírito) ocorre em várias passagens
bíblicas; Nm 11.17; 2 Re 2.9,15; 15.27; 1 Co 2.12., o que exigirá
uma atenção do leitor na interpretação dessas
passagens.
33 Thomas White, "Establishing your home as a spiritual refuge", em
Equipping the Saints, (Inverno de 1993) pp. 14-16.
34 É bom notar que o Catolicismo medieval, sob a influência de
Aquino, adotara um semi-pelagianismo, mesmo que na antigüidade houvesse
rejeitado o pelagianismo puro. Neste sistema, acreditava-se que o homem
cooperava com a graça de Deus para a salvação.
35 É interessante que Paulo escreveu essas palavras aos
cristãos de Roma, cidade conhecida pela degradação moral
já em sua época. Deste mesmo período são as palavras
Romae omnia venalia esse ("Em Roma tudo está à venda"),
usadas por jovens aristocratas romanos na tentativa de descrever a Jugurta,
jovem príncipe númida, a corrupção reinante em sua
pátria.
36 Shakespeare, O Mercador de Veneza, Ato II (palavras de
Aragão).
37 Ibid. (palavras de Bassânio).
38 Jules Romains, Ascensão dos Perigos.
39 Cf. Curtis C. Mitchell, "Tactics against Temptations", em Moody
(Junho de 1989) 30-35.
40 Veja a resenha de Magnus Fialho do livro Espíritos
Territoriais editado por Peter Wagner, em Fides Reformata 1/2 (1996)
p. 133ss.
41 Wakely, "A Critical look", 160ss.
42 Lester Sumrall, "Breaking compulsive behavior", em Carisma &
Christian Life (Outubro de 1990) 68-72.
43 Veja esse ponto em detalhes em Tom White, "Is this really warfare?" em
Discipleship Journal, 81 (Maio/Junho de 1994) 32-37.
44 Veja a excelente exposição dessa passagem por Herman
Ridderbos em Paulus (1966).
45 Isso não quer dizer que os autores não reconheçam
que há uma distinção, mas sim que, em termos
práticos de aconselhamento, a filiação religiosa do
paciente não faz diferença, cf. T. Carig Isaacs, "The possessive
states disorder: the diagnosis of demon possession"; Christopher Rosik,
"Multiple personality disorder".
46 Veja a resenha desse livro feita por Dan O’Neil, "The supernatural
world of Frank Peretti" em Charisma & Christian Life (Maio de 1989)
48-52.
47 Gilberto Pickering, Guerra Espiritual:Estratégias
Missionárias de Cristo (Rio de Janeiro: CPAD, 1987) 116.
48 Ibid., 116-7.
49 Powlison, Power Encounters, 30.
50 Cf. Murphy, Handbook, 50-51; Cabezas, Desmascarado,
216-19.
51 Murphy, Handbook, 51.
52 Murphy defende veementemente este ponto, cf. Ibid., 449-462.
53 Ibid., 437-48. Cf. Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual",
61-63.
54 Murphy, Handbook, 429-3050 .
55 Itioka, "A Igreja e a Batalha Espiritual", 65.
56 Murphy, Handbook, 433-44.
57 Ibid., 434.
58 Pickering, na tentativa de evitar o problema criado pela palavra do
apóstolo João que o diabo não toca o que é nascido
de Deus (1 Jo 5.18), chega ao ponto de dizer que esta passagem se refere apenas
à nova natureza dentro do crente, enquanto que a velha natureza é
sujeita à invasões demoníacas! (cf. Guerra
Espiritual, 118-20) É um exemplo claro de uma exegese a
serviço de conceitos teológicos pré-concebidos.
59 O uso do termo "espírito familiar" para se referir a
demônios que seguem famílias se baseia numa
interpretação grosseira da tradução da King
James.
60 Um dos livros que mais tem servido para difundir estas idéias no
Brasil é o da pentecostal Marilyn Hickey traduzido no Brasil com o
título Quebre a Cadeia da Maldição
Hereditária (Adhonep, 1988). Representantes brasileiros seriam, por
exemplo, Valnice Milhomens, Robson Rodovalho (Quebrando as
Maldições Hereditárias, [Brasília: Koinonia,
1992] 5a. edição, 1995), Jorge Linhares
(Bênção e Maldição, [Belo Horizonte,
MG: Betânia, 1991] 2a. edição, 1992), entre
outros.
61 Esse é o tema do livro de Rodovalho, Quebrando as
Maldições Hereditárias.
62 Cf. Clinton Arnold, "Giving the devil his due", em Christianity
Today (Agosto de 1990) 16-19.