ASPECTOS ESSENCIAIS DA IDENTIDADE
REFORMADA
Alderi Souza de Matos
Introdução.
- A difícil situação da Igreja Presbiteriana dos
Estados Unidos – P.C. (USA). Declínio numérico
acentuado: perda de 25% dos membros nos últimos trinta anos (de 4
milhões para pouco menos de 3 milhões). Polarização
em torno de inúmeras questões éticas e sociais.
Causas: falta de clara identidade teológica, ênfase ao
pluralismo, mudança nas prioridades, especialmente no que diz respeito
à missão da igreja na sociedade e no mundo.
- A Igreja Presbiteriana do Brasil corre o mesmo perigo, ainda que em
circunstâncias muito diversas. Muitos pastores e igrejas desconhecem a
fé reformada, aquilo que nos caracteriza como uma
denominação e nos distingue de outros grupos evangélicos.
Não se trata de nos retrairmos no isolacionismo e no exclusivismo, de
acharmos que somos melhores que outros grupos evangélicos. Trata-se sim
de conhecermos e afirmarmos os nossos valores, que enriquecem a família
evangélica e chamam a atenção de outras igrejas para
ênfases bíblicas e teológicas que julgamos importantes e
necessárias para o nosso testemunho no mundo atual. Ao mesmo tempo, sem
perder a nossa identidade, podemos ter comunhão com outros grupos e
aprender dos nossos irmãos coisas úteis que tenham a nos ensinar.
- Definição de termos: (a) Presbiterianos: igrejas
que adotam a forma de governo presbiterial; (b) Calvinistas:
partidários das formulações de Calvino, o maior
teológo dentre os reformadores (inclui presbiterianos, congregacionais,
batistas e outros grupos); (c) Reformados: conceito mais amplo – os
herdeiros dos movimentos liderados por Zuínglio, Calvino, John Knox e
seus sucessores, que adotaram em questões de fé e governo uma
posição intermediária entre luteranos e anglicanos, de um
lado, e dos anabatistas e entusiastas, do outro. No seu sentido mais amplo, a
tradição reformada inclui aspectos teológicos,
éticos, filosóficos, sociais e políticos. Vejamos algumas
peculiaridades reformadas que cumpre-nos conhecer e transmitir a outros:
- História:
- Assim como a fé bíblica é profundamente
histórica, porque fundamentada em atos redentores realizados no tempo e
no espaço, a fé reformada valoriza extraordinariamente a
história da igreja. O nosso senso da história nos lembra
que a igreja cristã não começou com a reforma protestante
do século dezesseis. Foi por isso que reformadores como Lutero e Calvino
não quiseram romper com tudo o que dizia respeito à igreja antiga
e medieval. Por exemplo, eles fizeram questão de reconhecer a validade
dos antigos concílios ecumênicos da igreja (séculos
quarto e quinto) e das extraordinárias formulações
teológicas produzidas pelos mesmos – os credos,
especialmente o niceno e o de Calcedônia. Os reformadores magisteriais,
Calvino entre eles, também tinham grande apreço pelos antigos
mestres cristãos, os pais da igreja, e os citaram abundantemente
em seus escritos. É por isso que devemos recitar esses credos, utilizar
as antigas liturgias, cantar hinos de séculos passados. Não
é questão de tradicionalismo: tudo isto nos coloca em contato com
a igreja do passado, da qual somos herdeiros e continuadores.
- Por outro lado, os próprios reformados tem uma rica
história que precisa ser conhecida, valorizada e transmitida
às novas gerações. São fontes de
inspiração e reflexão proveitosa, entre outros, os
seguintes exemplos:
- A vida e obra de João Calvino: em nossos dias a visão
de muitas pessoas sobre o grande reformador é tremendamente deturpada e
parcial. Para muitos, inclusive presbiterianos, Calvino é visto como o
autor da doutrina da predestinação, o tirano de Genebra, o
responsável pela morte de Serveto e assim por diante. Ignoram a sua
profunda experiência religiosa, sua riquíssima
produção teológica, sua defesa apaixonada dos
evangélicos europeus perseguidos por sua fé, seu gênio
organizador, suas contribuições para o mundo moderno, seus
esforços para que a igreja refletisse a preocupação de Deus
com todas as áreas da vida, individual e comunitária. (Ver
Fides Reformata II/2, "Amando a Deus e ao Próximo: João
Calvino e o Diaconato em Genebra").
- A marcha do movimento reformado: a maioria dos presbiterianos precisa
conhecer como a fé reformada difundiu-se a partir de Genebra e outros
centros para influenciar poderosamente a vida de nações inteiras
como a Suíça, a Escócia, a Holanda e os Estados Unidos
(além da França, Alemanha, Hungria, Boêmia e Polônia).
Poucos conhecem a trajetória sacrificial e inspiradora dos reformados
franceses, os huguenotes, que por vários séculos sofreram
provações tremendas por causa da sua fé. A
propósito, este ano está sendo comemorado o 4º
centenário do Edito de Nantes, que concedeu aos huguenotes certa
tolerância religiosa, e cuja revogação posterior produziu a
famosa "igreja no deserto." Também merece destaque especial o papel da
fé reformada na história da nação holandesa, em sua
luta pela independência contra a tirania espanhola, em sua ênfase na
liberdade religiosa, em sua atuação no Brasil colonial.
- Líderes reformados: poucos conhecem a
participação dos reformados na história dos Estados Unidos
ou que o grande líder presbiteriano John Witherspoon (1723-1794)
foi o único pastor a assinar a declaração de
independência daquele país. Poucos conhecem a história do
calvinista Jonathan Edwards (1703-1758), o mais notável
teólogo e filósofo da história dos Estados Unidos, e a do
seu contemporâneo George Whitefield (1714-1770), o maior
evangelista do seu tempo e o principal pregador do célebre Primeiro
Grande Despertamento. Mais recentemente, a Holanda teve um grande líder
calvinista na pessoa de Abraão Kuyper (1837-1920), fundador da
Universidade Livre de Amsterdã e primeiro-ministro daquele país
(1901-1905).
- Outros destaques: as missões presbiterianas ao redor do mundo;
as igrejas reformadas florescentes de países como a Coréia e
Formosa; a atuação corajosa das comunidades reformadas do leste
europeu, especialmente na Hungria e na Romênia, e sua
participação na luta contra o regime comunista. Destaque-se ainda
a participação direta dos reformados nos grandes reavivamentos dos
séculos dezoito e dezenove, dos dois lados do Atlântico.
- Não se trata de glorificar o movimento reformado, de cair no
triunfalismo fácil que criticamos em outros grupos. Sabemos que
também existem páginas tristes na nossa história. Todavia,
sem esquecer dos elementos negativos que nos servem de solenes
advertências, devemos também conhecer os personagens e eventos que
contribuíram para a glória de Deus em nosso movimento.
- Teologia:
- Os reformados entendem ser herdeiros de uma teologia que passa por Paulo,
Agostinho, Lutero, Calvino e Westminster, entre outros. A teologia reformada
é em primeiro lugar a teologia da reforma, sintetizada nos cinco
princípios cardeais defendidos pelos reformadores magisteriais:
- Sola Scriptura
- Solo Christo
- Sola gratia
- Sola fide
- Sacerdócio universal dos fiéis
- A ênfase central da fé reformada está na teologia
propriamente dita, a doutrina de Deus, acentuando a plena soberania de
Deus em todas as coisas – na criação, na
providência e acima de tudo na redenção. B.B. Warfield e C.
Van Til referem-se a isso como uma atitude religiosa específica que se
expressa numa profunda apreensão de Deus em sua majestade. Essa
ênfase pode ser vista de maneira admirável nos escritos de Jonathan
Edwards (ver meu artigo "Jonathan Edwards: Teólogo do
Coração e do Intelecto," Fides Reformata III/1). O tema
central da sua teologia é a celebração da majestade,
graça e glória de Deus.
- Alguns textos bíblicos:
- Jó 42.2: "Bem sei que tudo podes e nenhum dos teus planos pode
ser frustrado."
- Sl 90.2: "Antes que os montes nascessem e se formassem a terra e o
mundo, de eternidade a eternidade tu és Deus."
- Is 46.9-10: "Eu sou Deus, e não há outro semelhante a
mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a
antigüidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu
conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade."
- Rm 11.36: "Porque dele e por meio dele e para ele são todas as
coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém."
- Dessa convicção primordial, decorre todo o arcabouço da
teologia reformada, a começar da sua antropologia. Diante de um
Deus tão grandioso e santo, o ser humano só pode ter uma profunda
consciência da sua própria pecaminosidade e total dependência
em relação ao Deus triúno e soberano. Daí
também decorre a soteriologia, expressa pelo Sínodo de Dort
nos chamados "cinco pontos do calvinismo":
-
Depravação total
- Eleição incondicional
- Expiação limitada
- Graça irresistível (vocação eficaz)
- Perseverança dos santos
- Ainda que haja muita controvérsia a respeito desses pontos,
até mesmo entre os calvinistas, todo reformado consciente não pode
deixar de afirmar a plena dependência do pecador, morto em sua
desobediência e alienação. Isto é, sua plena
dependência da iniciativa e da atuação soberana de Deus no
que diz respeito à salvação. A salvação do
pecador é, do início ao fim, uma obra de Deus, através do
Espírito Santo (monergismo). Portanto, qualquer teologia ou
prática que relativiza ou limita a soberania de Deus, dando ênfase
maior ou menor à iniciativa humana na salvação, afasta-se
das convicções reformadas. Qualquer prática
evangelística, litúrgica ou pastoral que dá ênfase ao
indivíduo, sua capacidade de escolha, suas preferências e seus
interesses, em detrimento da soberania, glória e majestade de Deus,
conflita com essa ênfase central das Escrituras e da fé reformada.
- Alguns textos:
- Jo 6.37-39: "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a
mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora. Porque eu desci
do céu não para fazer a minha própria vontade, e, sim, a
vontade daquele que me enviou. E a vontade de quem me enviou é esta: que
nenhum se perca de todos os que me deu."
- Jo 17.9: "É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo,
mas por aqueles que me deste, porque são teus."
- Atos 13.48: "Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam
a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida
eterna."
- Ef 1.4-5: [Deus] nos escolheu [em Cristo] antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de
filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito da sua vontade."
- Ef 2.8-9: "Porque pela graça sois salvos, mediante a
fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não
de obras, para que ninguém se glorie."
- 2 Ts 2.13: "Entretanto, devemos dar sempre graças a Deus por
vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o
princípio para a salvação, pela santificação
do Espírito e fé na verdade."
- 2 Tm 1.9: "[Deus] nos salvou e nos chamou com santa
vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua
própria determinação e graça, que nos foi dada em
Cristo Jesus antes dos tempos eternos."
- 2 Tm 2.19: "Entretanto, o firme fundamento de Deus permanece, tendo
este selo: o Senhor conhece aqueles que lhe pertencem."
- Na eclesiologia, o calvinismo insiste nas marcas da verdadeira igreja
de Cristo como sendo a fiel pregação da Palavra e a correta
ministração dos sacramentos. Na controvertida área da
pneumatologia, Calvino lutou em duas frentes: contra a teologia
católica romana, que na prática tornava a atuação do
Espírito dependente do sacerdócio e dos sacramentos, e contra os
entusiastas, que relativizavam as Escrituras e a autoridade da igreja ao
apelarem para supostas revelações diretas e especiais de Deus.
Calvino propôs princípios sobre a relação entre o
Espírito e a Palavra que são extremamente salutares e relevantes
para os nossos dias: (a) o Espírito se reconhece pela Palavra; (b) o
Espírito fala somente pela Palavra; (c) a Palavra é tornada eficaz
pelo Espírito.
- Jo 16.13-14: "... quando vier, porém, o Espírito da
verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará
por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as
coisas que hão de vir. Ele me glorificará, porque há de
receber do que é meu e vo-lo há de anunciar."
- 2 Pe 1.20: "... nenhuma profecia da Escritura provém de
particular elucidação; porque nunca jamais qualquer profecia foi
dada por vontade humana; entretanto, homens [santos] falaram da parte de Deus,
movidos pelo Espírito Santo."
- Para estes e outros temas recomenda-se a leitura de bons autores
reformados, a começar do próprio Calvino (Institutas,
comentários); os grandes documentos confessionais do calvinismo; os
puritanos, Jonathan Edwards; autores modernos como Lloyd-Jones, Michael Horton,
R.C. Sproul; e periódicos como Fides Reformata.
- Hermenêutica:
- Grande parte dos problemas doutrinários enfrentados pelas igrejas
evangélicas atuais decorre da sua interpretação
bíblica falha: hermenêutica alegórica, intuitiva,
experiencial (a Bíblia como um depositário de experiências a
serem imitadas).
- Pressuposto principal da hermenêutica reformada: sola
Scriptura (e tota Scriptura). Abordagem hermenêutica: as
Escrituras como livro divino e humano. Quanto ao aspecto divino,
colocam-se princípios como inspiração, clareza e
necessidade de iluminação do Espírito. Quanto ao aspecto
humano, os reformados valorizam o estudo sério das Escrituras em suas
línguas originais, levando em conta o contexto histórico-cultural
em que foram produzidas e, de modo especial, a intenção do autor
humano como o único sentido verdadeiro do texto. O método mais
equilibrado e saudável de interpretação bíblica
é o histórico-gramatical, como corretivo contra as
hermenêuticas subjetivas e tendenciosas tão comuns em nossos dias,
à esquerda e à direita.
- Por causa desse duplo caráter das Escrituras, a sua
interpretação exige oração e estudo. Paulo Anglada:
"Orare et labutare foram palavras empregadas por Calvino para resumir a
sua concepção hermenêutica. Com estes termos ele expressou a
necessidade de súplica pela ação iluminadora do
Espírito Santo e do estudo diligente do texto e do contexto
histórico, como requisitos indispensáveis à
interpretação das Escrituras. Com o mesmo propósito, Lutero
empregou uma figura: um barco com dois remos, o remo da oração e o
remo do estudo. Com um só destes remos, navega-se em círculo,
perde-se o rumo, e corre-se o risco de não chegar a lugar algum" ("Orare
et Labutare: A Hermenêutica Reformada das Escrituras," Fides Reformata
II:1).
- Augustus N. Lopes: "Em nossos dias, os evangélicos todos
afirmam amar as Escrituras e crer nelas como inspiradas por Deus. Mas a pergunta
é se amam a verdade, e se desejam conhecê-la e submeter-se a ela.
Neste época pluralista, não são muitos os que buscam a
verdade a qualquer preço. Os reformados interpretavam as Escrituras para
encontrar a verdade de Deus nelas, e reformar a Igreja e suas vidas
– hoje os evangélicos parecem estar mais preocupados com os
sentimentos correto do que com a verdade" (palestra: "Teologia Reformada,
Reformada para os Dias de Hoje").
- Culto:
- Os reformados deram ênfase ao chamado princípio
regulador – o culto cristão deve se reger pelo que é
clara e explicitamente revelado no Novo Testamento. Em contraste, luteranos e
anglicanos entendiam que o que não é proibido, é permitido.
Daí o culto reformado caracterizar-se por maior austeridade e
simplicidade que as liturgias dessas outras confissões protestantes.
- Os princípios básicos que regem o culto reformado
são, entre outros: precedente bíblico, simplicidade formal,
música congregacional com conteúdo doutrinário e a
centralidade da pregação. Quanto à música,
nunca é demais acentuar que a teologia de uma igreja é
influenciada pela música que ela canta. Pastores podem pregar
sermões doutrinariamente corretos, mas se a sua igreja cantar hinos e
cânticos heterodoxos, esses últimos influenciarão mais que
as palavras do pastor.
- A prática crescente de substituir-se os antigos hinos
utilizados por gerações de crentes por corinhos com ritmos mais
contemporâneos corre dois sérios riscos: primeiro, a perda do
sentido da história que já mencionamos, a ruptura da nossa
ligação com a igreja do passado; em segundo lugar, há o
fato de que muitos desses cânticos, além de sua pobreza
melódica, poética e gramatical, padecem de sérias
distorções teológicas ("coroamos a ti ó Rei Jesus")
ou são simplórios e repetitivos, trazendo muito pouca
instrução para o povo de Deus, ao contrário dos hinos
tradicionais da igreja, com todo o seu rico conteúdo bíblico e
doutrinário.
- Pregação:
- Outra ênfase primordial da fé reformada e do culto reformado
é a centralidade da pregação. Sem minimizar os outros
aspectos do culto, a pregação é o grande meio escolhido por
Deus para proclamar o evangelho aos perdidos e nutrir na fé os filhos e
filhas de Deus. Como disse o apóstolo dos gentios: "Todo aquele que
invocar o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão
aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada
ouviram? E como ouvirão se não há quem pregue? E como
pregarão se não forem enviados?... E, assim, a fé vem pela
pregação, e a pregação pela palavra de Cristo" (Rm
10.14-15,17).
- A pregação reformada é essencialmente expositiva e
doutrinária, visando ensinar a Palavra de Deus de maneira profunda e
sistemática. Mas deve ser também uma pregação
experimental e prática, estando ligada à experiência do
pregador e contendo instruções para a vida diária dos
ouvintes. É, portanto, ao mesmo tempo um exercício intelectual e
espiritual. Requer preparo, estudo sério, e também
oração, comunhão com Deus. Isso lembra outra ênfase
reformada histórica, que é o sólido treinamento dos
ministros da Palavra, através de uma educação
teológica consistente.
- Nos dias atuais, a pregação tem perdido, nos cultos de
muitas igrejas, o prestígio de que antes gozava. Tem sido
substituída por filmes, cantatas, dramatizações,
testemunhos, programas musicais e muitas outras coisas que visam atrair
multidões para as igrejas. Pode-se compreender o que gerou essa
reação contra a pregação: sermões carentes de
unção, conteúdo bíblico e aplicação
prática; estilo e linguagem divorciados da vida diária das
pessoas; sermões repletos de experiências pessoais,
referências a livros que o pregador leu, piadas, ilustrações
sem fim, mas pouca exposição bíblica.
- Mais especificamente, nota-se uma grande despreocupação
dos púlpitos com as doutrinas fundamentais da Reforma. Os presbiterianos
raramente ouvem sermões sobre a soberania de Deus, a pecaminosidade
humana, a eleição, a graça eficaz, a escravidão do
arbítrio humano, a aliança e outros temas reformados. Tudo isso
aponta para a necessidade de uma renovada ênfase na pregação
com vistas à revitalização da igreja, ao genuíno
aprofundamento da vida espiritual pelo qual todos ansiamos. É
interessante notar que a igreja de Jonathan Edwards foi alcançada por um
poderoso avivamento enquanto ele pregava uma série de sermões
sobre a justificação pela fé.
- Ética:
- Uma outra ênfase reformada tremendamente crucial para os nossos dias
está no campo da ética cristã. Esse é um dos maiores
calcanhares de Aquiles da igreja evangélica brasileira, numa época
em que multiplicam-se os casos de comportamentos questionáveis por parte
de muitos líderes e membros de igrejas. Problemas nas áreas do
sexo, dinheiro e poder como sempre são os mais comuns. Além disso,
a maioria das comunidades revela grande insensibilidade em relação
aos problemas sociais enfrentados pelo país.
- A doutrina reformada resulta inevitavelmente em uma ética
individual e social de contornos bem definidos. Porque Jesus Cristo é
o Senhor, todas as áreas da vida devem refletir o seu senhorio e a sua
vontade. Em conexão com a sua ética, os reformados também
tem uma visão missionária própria, que visa não
somente anunciar as boas novas, mas fazer discípulos e reformar a
sociedade, como aconteceu em Genebra e entre os puritanos.
- Um ponto interessante nesse aspecto é a diferença de abordagem
entre Lutero e Calvino em relação à lei. Enquanto
que o reformador alemão tinha uma atitude um tanto negativa, vendo a lei
apenas como algo que ressalta a pecaminosidade do ser humano e o impele em
direção a Cristo, Calvino também reservava à lei um
papel importante na vida dos redimidos, pois pela obediência à
mesma o crente expressa a sua gratidão e consagração a
Deus. Daí a centralidade da ética no pensamento reformado, como se
vê, por exemplo, no Catecismo de Heidelberg, onde o ensino acerca dos Dez
Mandamentos vem após a exposição do Credo
Apostólico.
- Nessas questões, Jonathan Edwards mais uma vez nos fornece uma
grande contribuição, ao traçar a profunda
ligação que existe entre ética e espiritualidade. Edwards
não esconde a sua apreciação por uma espiritualidade
fervorosa e intensa. Como Lloyd-Jones destaca, ele é o teólogo do
avivamento, da experiência, do coração. Mas isso não
significa que a experiência seja o critério da verdade. Significa
apenas que o cristianismo tem de ser experimental e prático, não
apenas racional e cognitivo. A norma suprema de fé e o critério
pelo qual se deve aquilatar toda e qualquer experiência religiosa é
sempre a Escritura. Seu critério básico para definir a
questão é o mesmo que deve ser observado pela igreja
contemporânea: verificar até que ponto Deus ocupa o lugar central
da vida, do culto, das práticas e do testemunho. Além de advertir
contra o mero emocionalismo, que excita as emoções mas não
produz transformações duradouras, Edwards também combate o
erro de se dar ênfase não a Deus, mas às respostas humanas a
Deus, algo tão comum nos nossos dias com toda a celebração
do eu, a empolgação religiosa e os testemunhos
auto-congratulatórios. Em última análise, o que determina
se a conversão e a vida espiritual são genuínas ou
não, são os seus frutos visíveis: convicção
de pecado, seriedade nas coisas espirituais, preocupação com a
glória de Deus, apego às Escrituras, mudança no
comportamento ético, relações pessoais transformadas e
influência regeneradora na comunidade (Fides Reformata III/1, 86).
- Desvios da fé reformada encontrados em muitas igrejas:
- Arminianismo (semi-pelagianismo): a eleição é
com base na presciência de Deus; a obra do Espírito Santo pode ser
resistida; o crente pode cair da graça. Linha histórica:
Pelágio, Trento, Armínio, Wesley, Finney. As
pregações evangelísticas de cunho arminiano põem
toda a ênfase no ser humano, a importância da sua decisão, a
eleição divina ficando totalmente em segundo plano. Daí os
apelos insistentes, carregados de emocionalismo, como se tudo dependesse da
pessoa, e não de Deus.
- Pragmatismo: ênfase no que funciona, no que produz resultados,
independente de considerações teológicas. Um bom exemplo
disso é o movimento do crescimento da igreja. A preocupação
em atrair as pessoas afeta todas as áreas, a começar do culto, que
tem de ser agradável e atraente, para que as pessoas se sintam bem. A
teologia reformada insiste em que o culto deve ser agradável a Deus,
não necessariamente às pessoas. Muitas vezes é até
preciso falar de coisas desagradáveis que as Escrituras ensinam e que as
pessoas precisam ouvir.
- Carismatismo: preocupação com
manifestações e dons espetaculares, em detrimento de outros dons
igualmente importantes para a saúde do corpo de Cristo. Pouca
ênfase ao fruto do Espírito, justamente o conteúdo
prático e ético da vida cristã. Tendência a assimilar
sem avaliação crítica os modismos neo-pentecostais, tais
como a teologia da prosperidade, batalha espiritual, confissão positiva,
assim como uma linguagem inteiramente estranha às Escrituras e à
nossa teologia: "eu repreendo isso ou aquilo", "está amarrado em nome de
Jesus", "tal e tal bênção é direito nosso" (como se
Deus fosse nosso servo e tivesse de obedecer as nossas ordens).
Conclusão.
- A maioria dos presbiterianos deseja uma espiritualidade mais profunda, um
evangelismo mais incisivo, um culto mais vibrante. Podemos obter tudo isso sem
abrirmos mão das nossas convicções reformadas, pois esses
elementos estão explícitos nelas. Nestes dias conturbados, em que
a nossa cultura assume formas cada vez mais distanciadas dos valores do reino de
Deus, necessitamos pedir ao Senhor sabedoria e discernimento para dar testemunho
da sua verdade com firmeza e convicção, não nos conformando
com o presente século, mas transformando-nos pela renovação
das nossas mentes.