Jean
Crespin
>
A
TRAGEDIA DE
GUANABARA
ou
Historia
dos Protomartyres do Christianismo no
Brasil
TRADUZIDA DO
FRANCEZ
POR
DOMINGOS
RIBEIRO
E
Um
APPENDICE contendo as Actas dos Synodos e Classes do
Brasil,
no seculo XVII, durante o dominio
hollandez,
traduzidas pelo dr. Pedro Souto Maior,
socio effectivo do
Instituto Histórico e
Geographico
Brasileiro
≈
H
Rio de Janeiro
H
Typo-Lith,
Pimenta de Mello & C. – Rua Sachet, 34
1917
PREFÁCIO
Traduzindo do francez o capitulo em que Jean
Crespin, na sua obra- Histoire des Martyres, tomo II, pags.
448-465 e 506-519, se occupa da perseguição dos Calvinistas
no Brasil, fazemol-o por desejarmos concorrer, de algum modo, á
commemoração que, aos 31 de outubro do corrente anno, o
Catholicismo Evangelico fará do 4.° centenario da Reforma, bem assim
por ser geralmente desconhecida a historia dos primeiros fieis que, a 9 de
fevereiro de 1558, soffreram o baptismo de sangue em Coligny, hoje fortaleza
de Villegaignon, na bahia de Guanabara - Rio de
Janeiro.
Das annotações
feitas a esse capitulo por Matthieu Lelièvre, na edição de
1887, vertêmos as que nos pareceram de real valor e addicionámos
outras sobre pontos que cumpria elucidar.
O dr.
Erasmo Braga, membro da Academia de Letras de S. Paulo e deão do
Seminário Theologico Presbyteriano em Campinas, havendo, em 1907,
traduzido a Confissão de Fé que determinou a
execução dos martyres Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e
Pierre Bourdon, para que constasse do Relatório da Egreja
Presbyteriana, desta Capital, apresentado pelo dr. Alvaro Reis, seu pastor
collado, e relativo ao mesmo anno, precedeu-a de alguns conceitos que, com a
devida vênia, passamos a transcrever, por constituírem excellente
Prefacio ao nosso trabalho:
«Vae-se
alargando o martyrologio da Egreja de Christo no Brasil:
-
Ainda rubra corre a torrente, quando o
céo chora sobre o sangue do ultimo martyr, e a memória dos
primeiros não tem um monumento, no coração siquer de seus
confrades.
E' tempo de se levantarem as campas.
Tirem-se as relíquias, e alcemol-as! São os nossos
trophéos.
Não ha no mundo quem tenha
mais vivo monumento dos seus martyres que nós. Nem o Colyseu com as suas
arcarias soturnas: o rugido das feras ha muito que
emmudeceu.
Ali, porém, naquella bellissima
bahia de Guanabara, está a ilha, onde primeiro, em terras da America, os
fíeis commemoraram a morte do Salvador.
Ao
cimo da collina, uma fortaleza, como
então.
Seu nome perpetúa a
memória execranda do carrasco.
Lá,
a rebentar dos arrecifes, as mesmas ondas que sorveram os corpos dos martyres,
vêm cobrir de branca espuma a rocha que servio de
cadafalso.
E o mar ainda ruge como no dia do
martyrio.
Templo, cadafalso e
jazigo.
Jean de Lery, o historiador da
expedição de Villegaignon, por que no dia das
retribuições não se lhe leve em conta o olvido, emprehendeu
narrar os martyrios de seus irmãos na terra do
Brasil.
Quebraram-se uma por uma as promessas do
ambicioso almirante; Richier é injuriado em plena
congregação; os sermões são criticados com
vehemencia pelo intimo do chefe da expedição ; por fim, violenta,
estoura a apostasia.
Disputava-se sobre a doutrina
dos Sacramentos, e Chartier, o outro pastor que Calvino enviára, voltou
á Europa, levando appello ás
egrejas-mães.
Sósinho, a luctar
contra a violencia, Richier e os fieis foram obrigados a deixar o forte e ir
para o continente.
Depois de muito soffrer,
puderam, um dia, ver-se à bordo de um navio que os devia repatriar. No
alto mar, porém, o velho barco fazia água, e tão
desgraçadamente , que o deposito de viveres inundara. Era
necessário diminuir os de bordo; e tocou a cinco delles voltarem numa .
chalupa para a terra, onde tanto
soffreram.
Villegaignon os recebeu com toda a
bondade. Os remorsos, porém, que lhe torturavam a alma, levantavam a cada
canto um phantasma, e como Caim, o apostata e assassino, temia que um
braço vingador viesse, de um golpe, cercear-lhe a ambição.
E os pobres homens, tornaram-se suspeitos de traição e
espionagem.
Resolvido a eliminal-os, buscava ainda
o vil perseguidor um véo para encobrir o
crime.
Sabia bem o mesquinho que a mesma fé
ardente no coração dos confessores reduzidos a cinzas lá na
pátria, mais ardente que as brazas das fogueiras, também
inflammava o coração das suas victimas: lembrou-se que era ali o
representante de Henrique II.
Era direito dos
governadores, em nome do rei, exigir dos subditos uma confissão de sua
fé. O almirante ordenou, portanto, que em doze horas respondessem aos
artigos de fé que lhes enviára.
O
mais velho, distinto entre elles, porque velava pela piedade de seus
irmãos e porque em letras possuía conhecimentos da língua
latina, foi eleito para redigir a resposta. Sem livros, só
possuíam a Bíblia, simples crentes que talvez não tivessem
aos pés de Calvino um , curso de divindades, afflictos, cansados, em um
dia, foram obrigados a responder a difficeis
questões.
Jean du Bourdel escreveu; os
outros assignaram a sua Confissão de Fé.
Recebido o documento, o tyranno o fez vir à
sua presença.
Jean du Bourdel, Matthieu
Verneuil e André la Fon vieram; Pierre Bourdon, afflicto por
moléstia, ficara no continente.
Estavam
promptos, disseram, a sustentar a Confissão. Enraivecido, ordenou
Villegaignon que os mettessem no carcere a
ferros.
Durante a noite, todas as horas ia revistar
as algemas, a porta do cárcere, rondar as
sentinellas.
Os servos de Deus, entretanto, oravam,
cantavam psalmos e se consolavam mutuamente.
Na
manhã de sexta-feira 9 de fevereiro de 1558, desceu Villegaignon, bem
armado, com um pagem, a uma sala. Mandou apresentar du Bourdel, e mandou-lhe
explicar o 5.° artigo da sua confissão. Ao responder du Bourdel, uma
bofetada, do apostata fez-lhe jorrar sangue da face, e Villegaignon
mofára das suas lagrimas de
dôr.
Conduzido ao supplicio, ao passar pela
prisão, bradava aos seus cornpanheiros que tivessem bom animo, pois breve
seriam livres desta triste vida.
Cantando psalmos,
subiu á rocha; orou, e, atado de pés e mãos, o algoz o
arrojou ás ondas.
Seguiu-o Matthieu
Verneuil.
A's suas supplicas que o poupasse,
tivesse-o como escravo, respondia o verdugo, menos valor tinha qui o lixo do
caminho: Tendo orado, exclamando: - «Senhor Jesus, tem piedade de
'mim» - desappareceu no mar.
Pierre Bourdon,
fraco, debilitado pela molestia foi obrigado a levantar-se, e levado para a
ilha.
Lá percebeu o que o esperava, Ao
presentir o logar onde soffreram seus irmãos não se entristeceu,
pois tinham ali obtido a victoria. Cruzou os braços, elevou os olhos ao
céo ; orou.
Antes de morrer, quiz saber a
causa de sua morte. Respondeu-se-lhe que era a sua assignatura de uma
Confissão heretica e escandalosa.
O rugido
do mar não permittiu mais ouvir a sua voz clamar pelo soccorro e favor de
Deus, e o seu corpo desappareceu no abysmo das
aguas.
E foi assim naquelles tempos que os nossos
irmãos pagaram com a vida a audacia de confessar a sua fé ; e,
hoje, muita gente balbucia, hesita, ante o sorriso mofador, de qualquer
insolente.» -
* * *
Mas o Protestantismo no Brasil, em especial, grande
e relevantissimo serviço deve ao dr. Pedro Souto
Maior: referimo-nos á traducção pelo mesmo feita das
Actas dos Synodos e Classes do Brasil, no século XVII, durante o
dominio hollandez, as quaes, em Appendice, juntamos a este trabalho,
autorizados pelo conspicuo traductor e insigne mestre, a quem hypothecamos
eviterna gratidão.
E, por certo, injusto
fôra que deixassemos tambem de render, aqui, homenagem á maior
autoridade, no Catholicismo Protestante Brasileiro, em materia de historia geral
e ecclesiastica - o notavel tribuno e emérito publicista dr.
Alvaro Reis, autor de obras de reconhecido valor, das quaes, dada
a sua intima relação com o «martyrio dos huguenotes»,
recommendamos aos estudiosos a que tem por titulo - O Martyr le
Balleur.
Não encerraremos, todavia, este
Proemio sem assignalar a alta conveniencia, ou antes, á imperiosa
necessidade da creação de uma Biblioteca do Protestantismo
Brasileiro, como as que existem em outros paizes. As vantagens de um tal
Departamento seriam incalculáveis. Attente-se, por exemplo, ao enorme
auxilio que a Bibliotheca do Protestantismo Francez prestou a Matthieu
Leliévre, annotador da obra de Crespin, como se vê destas suas
palavras : « L'accès aux grandes Bibliothèques de Paris nous
a permis de remonter aux sources de plusieurs chapitres du Martyrologe. Nous
avons notamment trouvé à la Bibliothèque Nationale les
ouvrages qui ont foumi à Crespin et à ses continuateurs les
notices sur Ange Le Merle, l'lnquisition d'Espagne et la grande
persécution de l'Eglise de Paris, et à la Bibliothéque. De
l'Arsenal, le livre sur l'expédition de Villegaignon, qui a passé
tout entier dans l'Histoire des Martyres. Nous ne devons pas oublier de
mentionner la Biblíothèque dii . Protestantisme Français,
qui occupe une place déjà distinguée parmi les grands
dépòts des richesses liitéraires de la France. Son
bibliothécaire, M. N. Weiss, nous a foumi, à diversej reprises,
des indications utiles, et nous n'avons jamais fait appel en vain à son
obligeante érudition».
Quem, pois, se
disporá a estudar este magno assumpto?
Quem
tomará a iniciativa de tão utilitario
emprehendimento?
Endereçamos, em particular,
taes questões aos ministros e professores de maior prestigio do
Catholicismo Protestante no Brasil.
* *
*
Oxalá que as presentes
traduções, a par de outros benefícios, produzam, em nosso
meio religioso, um maior interesse pelos assumptos históricos,
notadamente pelos que se prendem á Egreja Evangélica - esse ramo
orthodoxo do Christianismo, embora assim não seja reconhecido pelos
Papistas obcecados !
Rio, Agosto - 1917,
Domingos Ribeiro
[1]
DAS AFFLICÇÕES E DISPERSÃO DA PRIMEIRA EGREJA
REFORMADA
ESTABELECIDA NA AMERICA – BRASIL
(1557 -
1558)
Jesus Christo, alçando em
tantos logares, na actual Dispensação da Graça, a
flammula sacrosanta de seu Evangelho, revela-se, mesmo, aos povos
desconhecidos e barbaros e chama a si, por este meio, todos os habitantes do
mundo, antes de executar sobre elles o ultimo julgamento. Porém os
falsos christãos e, sobretudo, os apostatas, pela sua
ingratidão e maldade crescentes, procuram impedir, mais do que os
proprios tyrannos, a difusão da verdade, como resaltará da
narrativa que vamos fazer e que nos deve estimular a seguirmos o
Evangelho, embora com o sacrifício de nossas commodidades;
a supportarmos, resignados, a fome, a sede, a nudez e todas
as tripulações que Deus permittir nos sobrevenham para
exercício, prova e aperfeiçoamento de nossa
paciencia.
Como preparo indispensavel
á boa intelligencia da historia dos primeiros crentes evangelicos que,
por causa da sua fé intemerata na doutrina do Filho de Deus, regaram o
solo brasileiro com o seu sangue, não nos occuparemos já de nosso
principal assumpto e, sim, de seus preliminares – o inicio e o motivo da
existencia de uma Egreja Reformada, segundo as Santas Escripturas, em paragem
tão distante e apartada das
nações.
[1]Crespin
1564, pag. 837 ; 1570, pag. 442 ; 1597, pag. 190 ; 1619, pag. 410. Na
edição de 1564 esta narrativa vem subordinada ao título:
Sobre a igreja dos Fieis no paiz do Brasil, parte da America Austral : sua
afflicçãoe
dispersão,
A
rememoração de tão notaveis acontecimentos, desenrolados
por esse tempo, deve mover-nos a uma meditação continua sobre as
maravilhas do Senhor, tanto mais quanto cremos que aquelles a quem cabe o dever
de proclamal-as sentirão, no futuro, remordimentos de consciencia, si
deixarem de cumpril-o ; e taes considerações, aliás,
levaram uma personagem digna de toda a fé a publicar, por escripto, tudo
o que vira em referencia aos factos de que nos occupamos e a quem tornaremos,
por emprestimo, as palavras e a narração que se seguem
(2)
:
“ Posto que a verdade, por si mesma, sem
qualquer artificio, prevaleça contra a mentira, e não nos seja
permittido accrescentar-lhe coisa alguma, todavia, quando opprimida durante
certo tempo pelo esforço maligno dos adversarios, póde ella estar
como enterrada.
Mas um dia far-se-á, luz e
aquillo que estivera profundamente occulto apparecerá em plena evidencia,
afim de que no scenario do mundo se descubram os hypocritas e os cynicos.”
_______________________
Quanto
ao fracasso da tentativa de colonização huguenote, Jean de Lery,
um dos membros da expedição, deixou-nos interessantíssimo
trabalho, intitulado : Histoire d'un voyage fait en la terre du
Brésil, – livro este que teve já oito
edições em francez, das quaes a mais recente se deve a Paul
Gaffarel, Paris, 1880, e cinco em latim. Mas esta obra, tendo apparecido
pela primeira vez em 1578,é claro que da mesma não se poderia ter
soccorrido Crespin para a presente noticia, que figurava já na
edição de 1564. O martyrologio é a
reproducção pura e simples de um pequeno volume, in-16, de 48
fls., que em parte alguma vimos mencionado, mas do qual ha um exemplar na
Bibliotheca do Arsenal (H 12102), e intitula-se : Histoire des choses
mémorables survenues en la terre du Brésil, partie de
l’Amérique Australe, sous le gouvernement de N. de Villegaignon,
depuis l’an,1555 jusqu’á l’an 1558 (1561, S I).
Quem é, todavia, o autor deste escripto? Qual é essa personagem
digna de fé á qual Crespin declara pertencerem as «palavras e
a narração» deste capítulo de seu livro ? A
hesitação não e possível sinão entre os nomes
de doas testemunhas presenciaes dos factos, ambas as quaes se teem occupado
delles por escripto. Um é Pierre Richier, que fôra, como ministro,
enviado por Calvino ao Brasil, e que, em 1561, publicou uma
Refutação ás loucas fantasias, ás execraveis
blasphemias, aos erros e ás mentiras de Nicolas Durand de Villegaignon
(in-16, S I, 176 fls. – Bibliotheca do Protestantismo Francez), obra
seguida nesse mesmo armo de pamphletos energicos sobre o mesmo assumpto e,
provavelmente, do mesmo autor. Mas um exame attento leva-nos a crer que Richier
não póde ter sido o autor da narrativa reproduzida por Crespin
– tamanha é a differença entre o fundo e a fórma
deste relato. e a maneira peculiar por que Richier descreve os mesmos
acontecimentos ; diversidade tanto mais estranhavel si elle houvesse feito duas
vezes, no mesmo armo, a alludida narração. Resta-nos, pois, Jean
de Lery, autor da obra acima indicada. Verdade é que, referindo, no
prefacio de seu livro, as vicissitudes do respectivo manuscrito, elle não
allude a esta publicação de 1561; mas, quasi no fim da obra,
declara haver collaborado no Livro dos Martyres (vide adiante, no
martyrio de Jean du Bourdel, a nota correspondente). Facilmente se concebe que
Crespin, não podendo logo inserir a narrativa em seu Martyrologio,
o qual só em 1564 appareceu, deliberou fazer da mesma uma
edição distinta : e tal a origem do pequeno volume de 1561,
destinado a refutar a versão que dos factos espalharam Villegaignon e os
seus
amigos.
(2)
Trata-se, evidentemente, de Jean de Lery, ao qual, posto que lhe não
decline o nome, Crespin se reconhece devedor da narração que passa
a fazer. Esta é a reproducçâo do opusculo publicado em 1561
– Histoire des choses mémorables survenues en la terre de
Brésil, de que falámos em a nota
precedente,
_____________
Fructo e utilidade desta
historia
Por esta razão, e porque seja louvavel
reconduzir ao caminho direito os que delle se desviaram, urge tambem se torne
conhecida a verdade quanto á tragedia de que o Brasil foi theatro ; e,
para consecução satisfatória de tal objectivo, importa
comecemos pelo relato de tudo o que se convencionou, de tudo o que se fez e de
tudo o que occorreu. Servira isto de aviso, para que d’ora em diante
não se creia facilmente em coisas sobre que se não estiver
bastante! intelligenciado e para que a respeito dellas não se
exerça, com precipitação, um juízo
definitivo.
O exposto seria motivo sufficiente
para traçar-mes esta narrativa. Duas outras razões, porém,
de não menos peso e valor, dão á tarefa o caracter de
indeclinavel : a grandeza do facto e a circunstancia dos
logares.
Sim, onde o historiador que haja
registrado que nessa terra recentemente descoberta alguem tenha sido sacrificado
e morto, porque ousára espalhar, ali, o conhecimento da Palavra de Deus?
Os selvagens teem assassinado e devorado alguns Portuguezes e Francezes. Mas
– qual a razão? Unicamente porque as victimas, pela sua propria
avareza e ambição desmesuradas, os haviam ultrajado e offendido.
Todos sabem perfeitamente que os Portuguezes e mesmo os Francezes que teem
estado nessas regiões jámais falaram aos selvicolas uma palavra,
siquer, no concernente a Christo Jesus Senhor
nosso.
E porque os tres fieis cuja morte
descreveremos mais adiante foram os primeiros que, no Brasil, experimentaram o
martyrio por causa do Evangelho, segue-se que seria indecoroso, importaria uma
injustiça clamorosa, e de más consequencias, si deixasse-mos a sua
memorial no olvido e completamente extinta entre os homens, pois que, nesse
caso, o seu sangue bradaria ao Céo por vingança contra semelhante
indignidade.
Taes reflexões determinaram
nas testemunhas oculares dos acontecimentos que vão ser aqui narrados e
por cujos mãos transitou esta compilação o forte desejo de
que a mesma fosse transmittida ao leitor, afim de prevenil-o contra as calumnias
(3) que obscurecessem e deturpassem a verdade sobre as causas da empreza, meios,
execução, protestos, revoltas e o mais que se
segue.
Disputa de Villegaignon
em França
Nicolas de Villegaignon, nomeado vice-almirante em
Bretanha, desaviera-se com o capitão da cidadella de Brest, principal
fortaleza de todo o paiz, e isso por questões technicas da
fortificação da mesma. Originou-se dahi um descontentamento e, um
odio mortal entre ambos, de modo que, para se defrontarem, buscavam só o
momento propicio.
O caso chegára aos
ouvidos de Henrique II. Este, porém, favorecia muito mais ao
capitão da cidadela do que ao vice-almirante, circunstancia que tirava a
Villegaignon toda a esperança de successo na disputa. Sem embargo,
pensava elle que, pelo menos, poderia arruinar ou tornar odioso o seu
adversário. Mas, neste sentido, ia conseguindo pouco, pelo que
começou a aborrecer-se em França, accusando-a de enorme
ingratidão, visto que ao serviço delia consummira toda a sua
juventude na carreira militar. Accrescentava, ainda, que, em face do resultado
quasi nullo que obtivera .de seus trabalhos passados, não podia mais ali
permanecer por muito tempo.
Ora, na cidade de
Brest, residia então um preposto do thezoureiro da Marinha, o qual era
íntimo de Villegaignon. Um dia, quando se achavam á meza,
referio-se aquelle a uma viagem que fizera ás Indias Meridionaes e,
alludindo ao Brasil, louvou elle extraordinariamente a sua temperatura, a
belleza e a serenidade do céo, a fertilidade da terra, a abundância
de viveres, as riquezas naturais e coisas outras de todo desconhecidas dos
antigos.
(3) Allusão
á obra deThevet, cosmographo de Henrique II e companheiro de Villegaignon
: Les singularités de la France Antarctique (1558), onde o autor
defende o almirante das accusações dos Protestantes, a quem
calumnia mas aos quaes Jean de Lery faz justiça em seu livro –
Histoire d'un
voyage fait dans le pays du
Brésil.
Villegaignon sonha a
fundação de uma
monarchia
no Novo
Mundo
A descripção agradára immenso a
Villegaignon e de tal modo lhe aguçou a cobiça que elle
constrangia o seu informante a repetir-lhe freqüentemente as mesmas
palavras, sonhando o dominio de toda essa terra. Seu desejo de ir até
lá augmentava dia a dia.
Faltavam-lhe,
porém, os meios, tanto mais quanto, em deixando a França, queria
fazel-o com honra e boa reputação, o que lhe acarretaria grande
despesa, para a qual não estava apparelhado. De, resto, Henrique II
julgaria muito mau que elle se exilasse voluntariamente entre gente a mais
deshumana que existia debaixo do
céo.
Entretanto, por subtis meios,
esforçava-se Villegaignon por captar as sympathias daquelles que lhe
podiam dar apoio efficiente para a feliz prosecução de seu
projecto, aos quaes affirmava que seu vehemente desejo e mais forte empenho era
procurar um sitio de repouso e tranquïllidade, onde pudesse estabelecer os
perseguidos em França por causa do Evangelho; e que, havendo longamente
pensado sobre o melhor logar para fugir á crueldade e tyrannia dos
homens, elle se lembrára da terra do Brasil, da qual todos os
navegántes se manifestavam encantados, enaltecendo a sua temperatura e a
sua fertilidade, e onde se poderia commodamente
viver.
Aquelles a quem elle se dirigira creram
facilmente em suas palavras, applaudindo esta empreza, mais digna de um principe
do que de um simples fidalgo; e desde logo lhe prometteram a sua interferencia
junto do rei, afim de que Villegaignon conseguisse todas as coisas necessarias
á navegação
(4).
(4)
Crespin omitte a parte tomada por Coligny nesta empreza, decerto por
considerar-se desobrigado, em I56I, de inserir-lhe o nome na narrativa de uma
expedição tristemente celebre e que foi um verdadeiro fracasso.
Mas, Jean de Lery, publicando o seu livro aipis a morte de Coligny, completa
neste particular, a narração de I56I : «De facto, sob tal
pretexto e porque revelasse as mais bellas intenções, Villegaignon
conquistou a sympathia dos mais influentes da Religião Reformada, os
quaes, inspirados pelo mesmo motivo affectado por aquelle, desejavam retirar-se
para um tal refugio : no numero destes estava Gaspard de Coligny, almirante de
França, de abençoada memória, o qual, gosando do favor de
Henrique II, que então reinava, fez-lhe sentir que Villegaignon poderia
descobrir muitas riquezas e conquistar grandes vantagens para o reino, caso
fizesse a projectada viagem. Assim, Coligny obteve que a Villegaignon fossem
dados dois bellos navios equipados e munidos de artilharia, bem como dez mil
francos para a viagem» (Lery, edição Gaffarel 1, 40. Vide
tambem Bèze, Historia Ecclesiastica, 1, 59; Aubigné, Historia
Universal, tomo I, livro I, cap. XVI e livro II, cap. VIII; Delaborde, Gaspard
de Coligny, 1, I45; II, 431).
Entendiam,
até, que o emprehendimento seria agradável ao monarcha, pois
resultaria em sua propria gloria e honra e em proveito da sua
nação. Assim, foi o negocio solicitado com a maxima diligencia,
logrando despacho favorável, tanto que em breve obtinha Villegaignon dois
bellos e grandes navios e dez mil francos para os gastos com os homens que lhe
seria preciso levar comsigo, assim como grande quantidade de artilharia,
polvora, balas e armas para a construcção e defesa de um forte.
Isto alcançado, entendeu-se elle com os capitães e pilotos para
guiarem as caravellas e fazerem, em Brest, o carregamento de madeiras e outros
accessorios. Para collimar o seu fim, só lhe restava encontrar gente
fiel, de boa vida e educação, afim de habitar com elle no Brasil;
e eis porque fez publicar por toda parte que precisava de pessoas tementes a
Deus, pacificas e boas, pois bem sabia que lhe seriam mais úteis do que
quaes-quer outras, em virtude da esperança que tinham de formar uma
congregação cujos membros fossem votados ao serviço
divino.
Algumas personagens de toda a
honorabilidade, sem ligarem a menor importância á longa viagem, .
nem á grandeza dos perigos que podiam sobrevir, nem á subita
mudança de clima, nem á diversa maneira de viver, deixam-se
persuadir pelas bellas e doces promessas de Villegaignon e decidiram-se a
acompanhai-o. Era-lhe tambem indispensavel assalariar trabalhadores e operarios
de todas as profissões ; mas com muita difficuldade e mediante grande
remuneração poude encontrai-os, e isto mesmo entre gente rustica,
sem a mais leve noção de honestidade e civilidade, impudica,
dissoluta e dada a toda a sorte de vícios
(5).
[5]Claude
Haton, em suas Memorias (edição Bourquelot, pag. 17) diz :
«Com permissão do rei, Villegaignon visitou as prisões de
Paris para ver os prisioneiros que lhe podiam ser
úteis,»
Emquanto
aguardava o dia da partida, Villegaignon parlamentava com aquellas personagens
que, como elle, seguiam de boa vontade, fazendo-lhes sentir que esperava fazer,
no Brasil, optima administração com os seus conselhos, pois era
seu proposito, segundo accentuava, subordinar tudo á
deliberação dos mais notaveis ; e que, 'no concernente á
religião, seu desejo era que a Egreja a ser ali fundada fosse Reformada
como a de Genebra.
Era isto o que elle promettia em
todas as reuniões, pelo que todos, de coração, lhe
desejavam êxito completo no seu emprehendimento, si bem
que
alguns suspeitassem de tal empreza, dados os
precedentes do almirante e o modo tyrannico por que se houvera, quando
commandante de galeras na sua mocidade
(6).
(6)
Villegaignon commandára as quatro galeras que levaram soccorros a rainha
d’Escocia, Maria de Lorena, e a sua conducta, nesta
expedição, valeu-lhe o título de vice-almirante de
Bretanha.
A
viagem
Sob esta boa impressão, todos os da comitiva
se alojaram com Villegaignon nos navios, que logo em seguida levantaram ferros,
deixando o Havre aos 15 de julho de 1555. E, depois de haverem
passado, por grandes perigos, difficuldades e accidentes penosos durante a
viagem, como: estacionamentos, falta d’agua potável, pestilencias,
calor excessivo, ventos contrarios, tempestades, intemperies da zona torrida e
outras coisas que seria fastidioso enumerar, – chegaram finalmente ao
Brasil, terra da America, onde o polo Antartico se eleva 23o. sobre o horizonte,
mais ou
menos.[7]
Por
occasião do desembarque dos Francezes, os habitantes do paiz sahiram ao
seu encontro e dispensaram-lhes franco acolhimento, presenteando-os com viveres
e diversas coisas curiosas, no intuito de fazerem com elles uma alliança
perpetua.
(7)Villegaignon
entrou na Guanabara no dia 10 de novembro de 1555.
Servidão egypcia
Partindo do Havre, os passageiros não
inquiriram si Villegaignon se premunira de viveres para aquelles que ficassem em
terra, como fôra de suppor. Por isso, ao ser-lhes constatado que
absolutamente não os havia para a sua subsistencia, acharam elles muito
estranho tal procedimento e em grande maneira se aborreceram por terem que se
conformar com os alimentos desta nova terra, os quaes consistiam de fructos e
raízes, em logar de pão, e de agua em vez de vinho, e isto em
quantidade tão miseravel que para um só homem não era
bastante o que se distribuía para quatro.
Em
conseqüência desta brusca mudança, diversos cahiram gravemente
enfermos e não mais se puderam levantar, porque tambem não havia
medicamentos o que exasperou fortemente a muitos contra Villegaignon, a quem
accusavam de insaciavel avareza e de ter economisado o dinheiro do rei,
empregando-o só em proveito proprio, quando devera applical-o na
acquisição de viveres e de todas as coisas indispensaveis ao
sustento e preservação da saude dos que levára para
tão longínquas
regiões.
E’ certo que os marinheiros
que já tinham viajado nestes paizes, asseguraram que havia nelles
abundantes provisões de boca, e que, por conseguinte, não se
tornava necessario carregar de generos os navios na
partida.
E foi precisamente isto que servio de
desculpa e defesa a Villegaignon.
A amargura dos
pobres homens era tanto mais intensa quanto a situação permanecia
irremediavel. Accresce que nem por isso se lhes diminuía o trabalho, mas,
ao contrario, era este augmentado dia a dia, como si, porventura, fossem bem
alimentados. Para. maior flagello, a ardencia do sol era tão causticante
como ninguem o poderia ter imaginado. Desde a manhã até a noite
obrigavam-n’os, tambem, a quebrar 'pedras, a carregar terra e a cortar
madeiras, porque o logar, o tempo e a occasião requeriam uma grande
diligencia, pelo receio de possível ataque, quer por parte dos naturaes
do paiz, quer por parte dos Portuguezes, então inimigos acerrimos dos
Francezes nessa região.
Conspiração
contra Villegaignon
Os operarios, pouco sensíveis em
questões de honra, persuadiram-se de que, si este era o começo, o
fim seria inconcebível. Os mais sagazes de entre elles previam que, no
caso de deixarem crescer o jugo que se lhes impunha. quando se achavam, ainda,
na sua maioria, sãos e bem dispostos, mais tarde não haveria
reacção possível
(8).
[8]Em
sua carta a Calvino (Opera, XVI, 417), Villegaignon pretende que a revolta teve
origem no facto de haver elle prohibido que as mulheres indígenas
entrassem na colonia desacompanhadas de seus maridos – medida que levou
vinte e seis mercenarios, voluptatis illecti cupiditate, a conspirarem
contra a sua vida, Thevet, em sua Cosmographia, procura lançar
sobre os ministros genebrinos a responsabilidade, desta
conspiração, quando é certo que ella se realizou antes da
chegada dos mesmos, como o prova a propria carta de Villegaignon ( Lery,
Prefacio, tomo I,
p. 13).
Nestas condições,
formaram um complot e reuniram os havidos por mais dignos de serem
admitidos ao conselho, ficando concertados os meios pelos quaes se poderiam
libertar do cruel jugo da servidão que pesava sobre elles contra todas as
leis civis e humanas.
Entendiam uns que se deveriam
juntar aos naturais do paiz, sem tentar mais coisa alguma. De opinião
contraria eram outros, que reputavam mais acertado bandear-se para os
Portuguezes que habitavam ali perto. A maioria, porem, que quasi sempre suffoca
a melhor idéa, não approvou nenhum dos alvitres suggeridos, os
quaes lhe pareceram impraticaveis para obtenção segura da sua
plena e inteira liberdade. Finalmente, o mais audacioso demonstrou-lhes que se
enganariam redondamente, si deixassem viver por mais tempo a Villegaignon e aos
que tentassem defendel-o, chegando mesmo a affirmar que seria facílimo
eliminai-os, pois não pairavam suspeitas a respeito
delles.
Ficou vencedora esta opinião, que
foi unanimemente approvada, louvando todos a intelligencia de seu autor, ao qual
delegaram a chefia da conspiração ; e cada qual, já
dante-mão, em sua imaginação, dividia o despojo que seria
arrecadada.
A senha foi dada e escolhido o dia da
execução – um domingo, quando cada um se retirava para o seu
logar sem provocar desconfianças. Uma só coisa parecia prejudicar
e impedir o êxito da trama : eram tres marinheiros escocezes que guardavam
a Villegaignon. Mas os conspiradores tentaram logo allicial-os, afim de
encontrarem menos obstáculos na realização de seu
projecto.
Os marujos fingiram approvar o seu
desígnio, allegando maus tratos recebidos de Villegaignon, tanto em
França como durante a viagem ; e, em sua dissimulação,
informaram-se do dia e hora exactos e dos meios da execução, bem
assim dos nomes dos conspiradores que tornariam parte
nella.
Senhores de todo o plano, entenderam que
fôra indigno e deshumano occultal-o. Dirigiram-se, pois, de preferencia, a
um dos amigos mais íntimos de Villegaignon, tanto pelo conhecimento que
elle possuía da língua escoceza como por outras razões, e
revelaram-lhe toda a conjuração, os nomes dos principais
conspiradores, o dia e hora da execução, afim de que Villegaignon,
dest’arte avisado, pudesse' tomar as precisas precauções e
dar um exemplo salutar á
posteridade.
Villegaignon e os que lhe eram fieis,
assim prevenidos, armaram-se e prenderam quatro dos principaes conspiradores,
aos quaes inflingiram severíssima punição, para escarmento
dos demais e para os conservar adstrictos ao seu dever e á sua
condição, sendo que dois delles foram postos em prisões com
cadeias e ferros e obrigados a trabalhos públicos durante certo tempo
(9).
(9)
Segundo Barré, em sua carta de 25 de maio de 1556, um dos presos,
sentindo-se muito culpado e sem esperanças, portanto, de salvar-se, teve
meios de arrastar-se até o muro e atirou-se á agua, afogando-se.
Um outro foi estrangulado. Os outros passaram a servir como
escravos.
Tal foi o epilogo desta
conjuração.
Villegaignon não
poude, portanto, negar que com elle tambem embarcára gente de bem, cujos
serviços depois tão mal recompensou.
Villegaignon, por um
emissario, solicita ministros á Egreja de Genebra
e é
attendido
Este acontecimento tornou Villegaignon, por algum
tempo, muito affeiçoado á Palavra de Deus, revelando-se elle, com
effeito, assás zeloso e interessado em organizar, ali, uma Egreja, e
exprimindo, a miudo, forte desejo de ter um ministro para doutrinar a sua
família e catechizar a pobre gente do paiz, ignorante das coisas de Deus
e das leis da civilidade e honestidade. Outrosim, freqüentes vezes
lamentava a sua propria situação, em virtude de achar-se cercado
de tão diminuto numero de pessoas dignas, por quem era confortado sempre
em seus desgostos, o que lhe fazia pensar que a sua vida estaria muito mais
segura entre gente virtuosa do que no meio de mercenários desprovidos de
honra e de toda a moral.
Apressou-se, pois, em
appellar para os ministros da cidade de Genebra, fazendo-lhes sentir a imperiosa
necessidade que tinha de evangelistas, por isso que fôra para lá
com o unico fim de ouvir as leis e ordenações do Senhor
(10). E,
accrescentando que de longa data formava a respeito delles e da Egreja Reformada
o mais favorável conceito, pedia-lhes, como a irmãos em
crenças, não lhe negassem conselho, beneplacito e soccorro, pois
deste modo participariam dos beneficios e da perduravel memoria que de tal
concurso certamente adviriam. Sob promessa do melhor dos acolhimentos, tanto no
decurso da viagem como no paiz, rogava-lhes que com um ou dois ministros lhe
enviassem tambem gente de officios, casada ou celibataria, indifferentemente, e
mesmo algumas mulheres e moças para povoarem a nova terra; porquanto,
segundo as suas previsões, difficil se tornaria habitar essa
região por outros meios.
Ao receberem taes
noticias, os pastores da Egreja de Genebra renderam graças a Deus, por
abrir em paragens tão distantes uma porta á
dilatação do reino de Jesus
Christo.
(10)
Jean de Lery diz, de maneira positiva (obra citada, cap. I, p. gr), que
Villegaignon enviou expressamente um emissario a Genebra, solicitando por este
á Egreja e aos ministros dali que o ajudassem e soccorressem, tanto
quanto lhes fosse possível, nesta empreza Accrescenta, outrosim, que elle
escreveu no mesmo sentido a
Coligny;
(11)
Pierre Richier, doutor em theologia e ex-frade carmelita, convertera-se ao
Protestantismo e, após haver feito seus estudos em Genebra, dirigio-se ao
Brasil em 1556, de onde voltou no anno seguinte, sendo então
enviado a Rochelle, em cujo lagar organizou a Egreja e morreu a 8 de
março de 1580. Ali publicou elle, primeiro em latim (1561) e depois em
francez (1562), a Regulação ás loucas fantasias,
ás execrareis blasphemias, aos erros e ás mentiras de Nicolas
Durand de
Villegaignon.
–
Diligentemente,
pois, escolheram dois ministros para tão nobre e santa missão :
Pierre Richier (
11 ) e Guillaume
Chartier, ( 12)
aquelle de 50 e este de 30 annos, ambos muito versados na sã doutrina e
de exemplarissima conducta ; e, para com elles seguirem, foram chamados diversos
operarios, dos quaes alguns eram casados (
13).
A
conducção desta companhia foi confiada a Philippe de Corguilleray,
cognominado du Pont, cavalheiro muito considerado e que residia muito perto da
cidade de Genebra, o qual, comquanto a sua idade e estado de saude não
lh’o permittissem, não vacillou, todavia, em realizar tal viagem.
Nem mesmo os seus negocios pessoaes e o amor que consagrava
aos
seus filhos o demoveram de acceitar o encargo
que o Senhor lhe impunha.
Em passando pela
França com destino a Honfleur, porto de mar da Normandia, onde os navios
a esperavam, espalhou-se logo a noticia da presença da comitiva e muitos
enthusiastas se decidiram associar-se a ella, tendo-se, por occasião do
embarque, apresentado grande numero de pessoas de Paris e da Normandia, das
quaes só algumas foram admitti-
das, pois os
navios não comportavam todas – tal o renome desta
expedição largamente annunciada.
Iamo-nos esquecendo de assignalar que o emissario
de Villegaignon havia referido muitas coisas honrosas a respeito deste, dizendo
que os operarios seriam muito bem remunerados, que as mulheres dos casados
receberiam pensões e que a todos seria dado tudo o que necessario fosse
á sua vida e manutençao, ìnclusivé o direito de
livremente regressarem a França, caso não se adaptassem á
nova terra e não fossem recebidos, ali, segundo as promessas feitas em
plena assembléa de Genebra.
Chegados a
Honfleur, logar de seu embarque, foram acolhidos com muita cordialidade por
aquel-les que estavam encarregados da sua recepção e os quaes,
como era de esperar, lhes reiteraram as mesmas
promessas.
No momento da partida cada qual se
installou no navio que lhe fôra designado pelo chefe da
navegação, pois seria impossível alojal-os todos num
só, sem graves inconvenientes. Zarparam logo do porto de Honfleur e,
enfunadas as velas, deixaram em breve as terras da Europa e aproximaram-se das
ilhas Afortunadas ( 14), limitrophes da, Africa, onde – fosse pelo grande
numero de pessoas ou fosse por furto praticado pelas guarnições
– tiveram inicio as torturas dos passageiros pela espantosa
reducção de alimento, como si, acaso, estivessem no mar ha dez
mezes, occasionando este facto varios motins no decurso da
viagem.
[12]Guillaume
Chartier, natural de Vitré – Bretanha, estudou em Genebra e
acceitou com muito ardor o cargo de missionario da Reforma da America. Nicolas
des Gallars, tendo-o visto e ao seu companheiro na occasião de embarque,
escreveu a Calvino ( Opera XVI, 270) que elles partiam eadem
alacritate animi quam antea proe se
ferebant.
Posteriormente ao insuccesso
desta expedição, nada mais se sabe de Chartier senão que
foi capellão de Jeanne
d’Albret.
(13)
«Eis os nomes dos huguenotes que acompanharam du Pont, Richier e Chartier :
Pierre Bourdon, Matthieu Verneuil, Jean du Bourdel, André la Fon, Nicolas
Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques
Rousseau e eu, Jean de Lery, que me juntei á companhia, assim pelo forte
desejo que Deus me dera de contribuir para a sua gloria como pela curiosidade de
ver esse novo mundo. Ao todo eramos quatorze e, para a realização
de tal viagem, sahimos de Genebra aos 10 de setembro de 1556» (Lery, ed.
Gaffarel, tomo I, p. 44).
(14) As
Canarias,
A’s reclamações
os marinheiros respondiam sem rebuços que eram constrangidos a proceder
deste modo em consequencia da falta de viveres ; e, quando os ministros lhes
censuravam o mal e a injuria feita aos armadores, despojando-os de seus bens e
mesmo de seus navios, o que seria horroroso permenorizar, maltratavam-n'os
igualmente, calumniando-os da maneìra a mais vil e replicándo-lhes
que assim lhes fôra ordenado por Villegaignon, por quem elles,
marinheiros, se sentiam apoiados.
A’ vista
disso os ministros acharam prudente remetter-se ao silencio, e os que dahi em
diante ousavam reclamar particularmente eram cobertos de irrisão e
ludibriados.
Abster-nos-emos de falar do mal
praticado contra os Inglezes, dos quaes roubaram dinheiro e mercadorias e com
quem estavamos, então, de paz jurada ; nem da sua pirataria exercida
contra Hespanhoes e Portuguezes, cujos navios e cargas foram tomados á
força e cujas equipagens – oh! crueldade inaudita! – foram
encerradas em um navio, sem provisões, sem velas, sem botes, e deixadas,
assim, ao abandono, em pleno oceano, á mercê das ondas, no maior e
no mais cruciante dos infortunios... (
15
)
Nada mais encontrando para saque,
prosseguiram em sua rota em direcção ao Brasil, tendo suportado na
zona torrida calor intensissimo e outros
incommodos.
Após quatro mezes completos de
permanencia no mar e extenuados por tão longa reclusão,
transpuseram finalmente a barra de Coligny, na America Austral, e parte do
Brasil situada como ficou atraz mencionado, encontrando lá a Villegaignon
em uma ilha fortificada de ambos os lados com peças de artilharia –
ilha tão deserta e desprovida de recursos que não haveria ninguem
capaz de adaptal-a a um logar de habitação
(16).
(15)
Sobre taes actos de pirataria e a viagem, vide Lery, obra citada, tomo I, cap.
II, p. 45g, ed.
Gaffarel.
(16)
Villegaignon installou-se primeiro na ilha Ratier, hoje fortaleza da
Lage, passando-se depois para a ilha de Serigipe, a que chamou de
Coligny e que tem actualmente o seu
nome,
O rio
(17) em que se
acha localisado esta ilha é de belleza incomparavel, amplo e muito
adequado aos grandes navios, podendo-se nelle penetrar a qualquer hora do dia ou
da noite sem o mínimo receio de perigo. A entrada, em que se veem dois
altos picos, tem de largura meia legua e doze braças de profundidade. Sua
extensão é superior a dez leguas e em certos logares de tal modo
se amplia que mede de seis a sete leguas de largo. E’ semeado de ilhas e
ilhotas de singular belleza e recebe afluentes em que abundam grandes peixes.
Dir-se-á mesmo que é o mar que alli se
espraia.
Na ilha a que alludimos residia
Villegaignon, pois escolhera-a para a construcção do forte a que
se compromettera para com Henrique II.
E porque
chegamos a este ponto parece-nos conveniente referir por quem e a que
época foi descoberta esta região, visto que muitos leigos em taes
assumptos suppõem haver sido Villegaignon o primeiro que ali esteve,
quando a verdade é que, depois de Christovam Colombo, em
1497, a expensas do
rei de Hespanha, haver descoberto a parte occidental, Americo Vespucio
(18),
então aos serviços do rei de Portugal, reconheceu, em 1500 mais ou
menos, o continente do Brasil a uma grande distancia das Indias
Occidentaes.
(17)
Os Francezes pensavam que a bahia de Guanabara era a foz de um grande
rio.
[18]Referencia
não ao descobridor Pedro Alvares Cabral mas á
expedição exploradora de André Gonçalves, que
aportou ao Rio de Janeiro a 1 de janeiro de 1502 e da qual fazia
parte o cosmographo florentino Americo
Vespucio.
Os Portuguezes, na sua
preoccupação de se apossarem dos melhores portos e enseadas,
erigiram em Coligny uma torre de pedra, á qual denominaram Janeiro por
haverem ali entrado nos primeiros dias desse mez; e nella deixaram elles alguns
pobres condemnados á morte, para que se familiarizassem com os habitantes
do paiz e apprendessem a sua lingua.
Os
desterrados, porém, após certo tempo, comportaram-se tão
mal em relação aos indigenas que alguns delles foram por estes
assassinados e, até, comidos, e os outros tiveram que fugir para mar alto
num pequeno barco. Depois os Portuguezes não ousaram mais ali habitar,
porque o seu nome se fez até hoje tão odioso que para os indios
é uma grande delicia o comer a cabeça de um
Portuguez.
Mais tarde, em 1525, talvez, os
armadores Francezes de Honfleur enviaram là os seus navios, tratando com
os naturaes do paiz e comprando-lhes pau-brasil, pelles e outras mercadorias.
Estabeleceram com elles uma alliança que ainda perdura e teem continuado
todos os annos a navegação.
E' claro,
portanto, que Villegaignon não foi o descobridor desse continente nem o
seu primeiro habitante estrangeiro.
Feita esta
rapida digressão, aliás indispensavel á boa intelligencia
da presente historia, remettemos aos livros que tratam do assumpto aquelles que
desejarem aprofundar-se no mesmo.
O desembarque dos
fieis
Voltemos, pois, á comitiva de que iamos
falando.
Chegados ao anhelado porto de Coligny,
desembarcàram a 7 de março de 1557, tendo sido recebidos por
Villegaignon e os demais com grandes demonstrações de regosijo,
pelo concurso efficaz que lhes iam prestar. Foram dadas salvas, accesas
fogueiras e não foram poupadas outras coisas de uso em momentos festivos.
Os ministros apresentaram as suas credenciaes
assignadas por J. Calvin e que, outrosim, davam testemunho a respeito dos outros
da companhia.
Villegaignon, após ter lido as
cartas, regosijou-se e ficou sobremodo satisfeito com saber que tanta gente
honesta e virtuosa tomára a suá empreza em alta
consideraçào e estima. Declarou lhes então abertamente o
que o induzira a abandonar os prazeres e delicias da França para viver de
privações em um paiz onde, nos annos precedentes, estivera
tão mal acompanhado, circumstancia que o levára a supplicar o
favor e a coadjuvação dos pastores de Genebra. E como tal concurso
não lhe fôra recusado, como era patente de tão grande numero
de pessoas enviadas, sentia-se por isso mesmo ainda mais obrigado para com os de
Genebra, de quem esperava a continuação de seu auxilio, dada a boa
vontade que haviam manifestado desde o principio, o que agradecia com muito
affecto.
Aos ministros e seus companheiros pedio
estabelecessem o regulamento e a disciplina da Egreja, segundo a fórma da
de Genebra, á qual elle promettera, em plena assembléa,
submetter-se e bem assim toda a sua companhia.
Ouanto ao governo civil, formou Villegaignon um
Conselho, constituindo-o de dez pessoas das mais respeitaveis e cujo presidente
era elle proprio. A este Conselho teriam que ser levadas todas as
questões religiosas ou profanas, afim de serem pelo mesmo julgadas e
dirimidas
(19).
[19]Lery
dá o discurso pronunciado neste momento por Villegaignon (1- 87, eci,
Gaffarel).
Reputaram os ministros
excellente esta organização e exhortaram a companhia a permanecer
sempre modesta e serviçal, sem esquecer o facto que alguns delles tinham
abandonado as suas mulheres, os seus filhos, os seus haveres, que todos deixaram
a patria natal para gozar dos beneficios da prégação do
Evangelho; e accrescentaram que, si Deus lhes concedesse a graça de se
estabelecerem definitivamente nesse logar, prefiririam antes supportar todos os
dissabores e soffrimentos do que esmorecer e recuar do seu
posto.
Villegaignon fez sentir aos ministros que,
no concernente á Egreja, queria fosse ella conforme a disciplina e ordem
da de Genebra, á cuja ampliação vinha dedicando a sua vida
e os seus bens, e que não desejava regressar mais á
França.
Em ouvindo estas
asserções, todos se possuiram de forte animo e encorajados para o
cumprimento dos seus deveres, maxmé os pastores para o exercicio do seu
ministerio em que se revezariam todas as semanas, pois teriam que prégar
uma vez por dia e duas aos domingos
(20).
Os
officiaes de profissões diversas applicaram-se desde logo, com o maximo
enthusiasmo, ás obras da fortificação da ilha, trabalhando
mesmo como serventes, circumstancia a que não ligaram a menor importancia
tal a confiança que depositavam nas promessas de Villegaignon.
(2O)
No concernete ás primeiras impressões dos ministros genebrinos,
vide as cartas dos mesmos a Calvino (Opera XVI, 433-440).
Ambição de
Cointac e divergencias sobre a Eucharistia
Ora succedeu que um dos membros da comitiva dos
ministros - e eis a causa das perturbações que se seguem, de nome
Jean Cointac
(21), academico
da Sorbonne, de certa illustração, impellído pelo desejo
insensato de passar por mais sabio que aquelles, pretendia a Superintendencia do
Episcopado, allegando que o logar lhe fôra promettido em França.
Foi, porém, embargado na sua estulta aspiração e perdeu a
estima de toda a companhia.
(21)
Jean Cointac-Lery chama-o Cointa, appellidado Hector (Lery, p.
91).
Dahi o odio mortal que votava aos
ministros, a quem procurava amesquinhar e ridicularizar em todas as
controversias e prégações, que epilogava rigorosamente para
dar-se ares de entendìdo.
Elle tinha, com
effeito, certa apparencia de virtude, era eloquente e persuasivo, quer
discorrendo em francez quer em latim. Além disto, adaptava-se ao paladar
de cada um, motivo por que Villegaignon o ouvia com particular interesse,
prestando attenção ás muitas questões frivolas e
nescias que trazia a publico, com o intuito de parecer superior e mais idoneo do
que os pastores legitimamente eleitos por suffragio dos irmãos, consoante
a fórma da Egreja Primitiva.
Chegado o dia
da celebração da Santa Ceia, pois o Conselho resolvera que esta se
realizasse uma vez por mez, Cointac, após haver perguntado que lithurgia
se pretendia observar, e onde se achavam as vestes sacerdotaes e os vasos
sagrados, affirmou, questionando, que, neste sacramento, era conveniente e
indispensavel, além de outras coisas, o uso de pão sem fermento e
de vinho misturado com agua, porque assim fôra praticado por Justino
Martyr, lrineu e Tertuliano.
Os ministros,
porém, mostraram a inanidade do argumento e declararam, de modo
peremptorio, que nas Escripturas não havia apoio para semelhante
innovação e que o dever do crente é manter-se rigorosamente
adstricto ao que Jesus Christo fez e ensinou e ao que os seus discipulos nos
deixaram por escripto. Em agindo de maneira diversa, será rebelde e
jámais bom filho. De resto, lembraram a promessa que lhes fôra
feita em França e reiterada em Coligny - a de que viveriam segundo as
leis da Reforma existente no logar de onde
partiram.
Sem embargo, Villegaignon juntou-se a
Cointac, declarando que os antigos eram mais autorizados que os theologos
modernos ; e exigio energicamente que tal mistura se fizesse, porquanto
Clemente, que convivera com os apostolos, a effectuára. Ponderou-lhes,
ainda, que a sua vontade não podia ser contráriada, por isso que
elle era o chefe da companhia.
Os pastores e a
maioria da assembléa não concordavam que esta pratica fosse
obrigatória e entenderam que não deviam mesmo admittil-a para
evitar que tal superstição occasionasse, no futuro, sérias
perturbações á Egreja, tanto mais quanto Villegaignon e
Cointac haviam asseverado que o pão, depois de pronunciadas as palavras
de consagração pelo ministro, era santo e que, consequentemente,
qualquer parte que do mesmo sobejasse devia ser preciosamente conservada como
reliquia sagrada.
Verificou-se isto antes da Santa
Ceia e momentaneamente os animos se acalmaram. Ambos os partidos fingiram estar
de accordo, afim de que a celebração da Eucharistia não
fosse relegada para outra occasião.
Ora
Villegaignon e Cointac, á vista da opposição dos ministros
sobre este ponto, e sabendo que não podiam constrangel-os a confessarem
que era necessario e dependente do sacramento a addição de agua ao
vinho, ordenaram secretamente ao dispenseiro que fizesse tal mistura numa
proporção rázoavel,
Os
prégadores haviam, em seus ultimos sermões, exhortado a que todos
se examinassem a si mesmos antes de aproximar-se da Mesa da Communhão, no
que foram attendidos. Corpo, porém, Coíntac assumira uma
attítude tão estranha que nem parecera um Reformado, e houvesse
mesmo referido a alguns que ella dar-lhe-ia certo beneficio em França, um
dos ministros pedio-lhe fizesse, em publico, a sua profissão de
fé, afim de que se dissipasse a má impressão do seu
proceder, ao que annuio immediatamente, ficando todos sobremodo satisfeitos,
maximé porque nesse mesmo dia
(22)
Villegaignon confirmou a sua fé perante toda a
congregação.
(22)
A Santa Ceia foi celebrada pela primeira vez, em terras da
America, no forte de Coligny, em um domingo, 21 de março de 1557
(Lery, ed. citada,1-90). Villegaignon foi o primeiro a apresentar-se à
Meza do Senhor e, de joelhos, recebeu o pão e o vinho das mãos do
ministro (p. 97), fazendo, então, duas preces em alta voz, que Lery
registrou em seu livro (I-90).
Entretanto, a
autoridade dos ministros e o facto de haverem estes se dirigido a elle
sómente irritaram de novo a Cointac, o qual guardou em seu
coração um profundo
resentimento.
Participaram, pois, da Santa Ceia,
Villegaignon, Cointac e os que pareciam dignos de ser a ella admittidos, fazendo
todos os mais vivos protestos de que esqueceriam as quizilias
havidas.
Dias depois queixou-se Cointac
particularmente a Villegaignon da humiliação por que o ministro o
fizera passar em plena Egreja. E, despertando as questões que estavam
já como adorrnecidas, concertaram ambos um meio de calumniar a
instituição desta, comparando os antigos com os modernos,
marcando-lhes as differenciações e formando um ritual cujos
preceitos deveriam ser observados á risca. Não hesitaram,
até, em declarar que a Egreja de Genebra era mal governada e dirigida por
herejes, isto porque entendiam que ella, pelos seus ministros, os havia
censurado.
Não aceitavam todos os pontos
do Papado, em que viam muitos erros. Dos Allemães queriam conservar o que
se lhes afigurasse bom, accrescentando e tirando á doutrina segundo lhes
ditava a sua fantasia.
Era do seu novo estatuto que
o Baptismo se fizesse tambem com sal, oleo e saliva ; que, ficando o pão
da Santa Ceia consagrado pelas palavras sacramentaes proferidas pelo ministro,
não se devia ïnquirir si o commungante exercia ou não a
fé christã ; que era necessario levar as sobras deste pão
aos doentes e aos que as solicitassem ; emfim, artigos outros que seria
enfadonho descrever.
A imposição
determiinou graves discordias, que augmentavam dia a
dia.
Este mau começo foi assás
favorecido por alguns que lhe não previam as futuras consequencias, pois
advertiram a Villegaignon que em França havia rumores de que os
Lutheranos estavam fazéndo a travessia em flotilhas e que, portanto, era
bem possivel conseguissem persuadir o rei a causar-lhe muitos desgostos, taes
como : tomar-lhe os navios, confiscar-lhe os bens e impedir que alguem lhe
prestasse soccorro.
Villegaignon reflectio
demoradamente sobre isto e, parecendo-lhe que a coisa poderia vir a
consummar-se, resolveu por-se ao abrigo de tal
eventualidade.
Passados alguns dias realizaram-se
dois casamentos, havendo comparecido à cerimonia a maioria da
officialidade e dos marujos. Era a semana de Richier e o thema sobre que ia
discorrer nesse dia era o baptismo de João.
O orador entrou francamente no assumpto e, com
a maior energia, insistio em asseverar que aquelles que não trepidaram
em corromper este sacramento com a introducção de sal, oleo e
saliva eram imprudentes e falsarios.
A
prédica escandalizára immenso a Villegaignon, o qual violentamente
encolerizado contradictou ao ministro perante a congregação,
sustentando que os que haviam feito taes accrescimos eram melhores que Richier e
seus companheiros e que elle, Villegaignon, não estava disposto a abrogar
o que se observava ha mais de mil annos para acceitar uma nova cerimonia
calvinista. Disse ainda outros insultos e revelou propositos
malignos.
Resolveu não mais assistir aos
sermões e ás reuniões de oração e,
até, de abster-se de comer com os
ministros.
Procurou Richier explicar-se para
rebater as calumnias que lhe eram assacadas por Villegaignon e Cointac,
porém não conseguio que o
escutassem.
Então os mais influentes, em
extremo desgostosos com estas discordias, entenderam-se com ambas as partes,
ponderando-lhes muitas coisas, e persuadiram-n'as a se harmonizarem, o que
Villegaignon e Cointac prometteram fazer, comtanto que se coordenassem os pontos
em litigio, os quaes deveriam ser submettidos ás Egrejas da França
e da Allemanha, para que ellas decidissem a respeito. E, no sentido de chegar-se
a um resultado mais seguro, escolheram o mais joven dos ministros, isto
é; a Chartier, para ser o portador da consulta; mas a verdade é
que isto não passava de um ardil de Villegaignon e Cointac para se
desembaraçarem deste prégador, como o almirante o confessou mais
tarde.
Quanto a Richier, este ficaria e teria
liberdade para prégar, desde que se abstivesse de falar sobre os
sacramentos e os demais artigos em
questão.
Posto que iniquas e muito
prejudiciaes, a congregaçào, todavia, acceitou estas
condições por amor à paz e porque esperava fossem
inviolavelmente respeitadas as decisões procedentes da França e da
Suissa.
Porém Villegaignon e Cointac tinham
já o proposito de não acceitar coisa alguma que fosse resolvida
por estas Egrejas e o de submetter-se unicamente à Sorbonne de
Paris.
Si Villegaignon quizesse logo impedir a
prégação do Evangelho, como fez mais tarde, estas contendas
não lhe causariam estorvo, por isso que ainda se achavam ancorados no
porto os navios que conduziram a comitiva. Reconheceu, entretanto, que, si a
recambiasse para a França, em cumprimento á sua promessa,
importaria esse acto não só grande deshonra, mas tambem grave
inconveniente, porque ver-se-ia quasi sòsinho para enfrentar os
Portuguezes e os selvagens.
Com o intuito de
encobrir o seu mau designio e de não perder a boa reputação
que a sua correspondencia lhe conquistára em França, Villegaignon
a todos affirmou que outra coisa não desejava sinão a paz e a
união da Egreja e bem assim que assumia o compromisso de esperar a
resolução dos pontos controvertidos.
Entrementes, e para ractificar a alliança
de perfeita amizade com Villegaignon, pedio e obteve Cointac em casamento a uma
joven, natural de Rouen, de quem se enamorára, e a qual herdára
alguns bens de um tio que fallecera no Brasil, mas teve que sujeitar-se á
condição de que não a deixaria nunca passar
privações. Richier foi o celebrante deste casamento na
Egreja.
Appropinquou-se o momento da partida dos
navios, num dos quaes seguiam Chartier e outros companheiros, como portadores
dos artigos em questão e a resposta aos quaes deveria ser enviada seis
mezes depois da sua chegada á França. Quando Villegaignon e
Cointac viram que estes não podiam mais regressar aos que com elles
ficavam em terra) declararam-lhes então terminantemente que não
acceitariam nenhuma resolução que não procedesse da
Sorbonne ; e, contra o parecer de Cointac, addicionou, ainda, Villegaignon
outros artigos, a saber: a transubstanciação, a
invocação dos Santos, as orações pelos mortos, o
purgatorio e o sacrificio da Missa.
Desde esta data
(23) Cointac
começou a suspeitar de Villegaignon, por faltar ás suas promessas
tantas vezes reiteradas.
O trabalho dos pobres
operarios era augmentado na razão directa da fome que
experimentavam.
Alguns delles animaram-se a
reclamar contra este estado de coisas, mas foram repellidos tão
grosseiramente e com tantas ameaças que se não atreveram dahi em
diante a formular nenhuma queixa.
Limitaram-se
apenas a retirar-se para du Pont e Richier, sob cujo patrocinio haviam ido para
a nova terra. Por seu turno Richier e du Pont, vendo-se completamente
ludibriados pelo almirante, lastimavam a sua propria
condição.
Este desdenhava os
sermões de Richier e, caprichoso, exigia que pregasse ora sobre um
assumpto ora sobre outro, ao que Richier sempre se
recusava.
Assim, Villegaignon absteve-se de
comparecer aos serviços divinos, no que foi seguido por alguns da
companhia, pois uma grande parte entendia que o que se passára era
tão pernicioso e mau que a causa da Religião estava, ali,
irremediavelmente
perdida.
(23)
4 de junho de 1557, dia da sahida de Chartier da bahia da
Guanabara.
Odio de Villegaignon
contra Thoret
Devemos, outrosim, relatar um facto posterior
à sahida dos navios.
Villegaignon
nomeára commandante do forte a Thoret, homem de vivaz intelligencia e que
havia seguido a carreira das armas em Piemonte, o qual durante algum tempo foi
muito estimado por aquelle.
Quando, porém, o
almirante se certificou que Thoret não lhe dava a sua solidariedade nas
questões de ordem religiosa, converteu a sua sympathia em desamor,
occasionando-lhe muitos desgostos.
Mas passemos ao
facto: Tendo-se apresentado na ilha diversos selvagens para receberem o
pagamento de alguns escravos que haviam vendido a Villegaignon, este
encaminhou-os ao recebedor de mercadorias vindo de Paris, La-Faucille, com quem,
entretanto, não puderam entender-se, pelo que procuraram de novo o
almirante, obtemperando-lhe que desejavam retirar-se e que, por conseguinte,
ordenasse lhes fosse realizado o embolso a que tinham direito.
Villegaignon encarregou então a Thoret de
regularizar o negocio.
No desempenho da sua
missão, Thoret observou a La-Faucille que elle agia mal,
compromettendo-se por coisa de somenos
importancia.
La-Faucille não recebeu de bom
humor o reparo de Thoret e ambos se encolerizaram, sendo que este, provocado
pelas respostas offensivas daquelle, teve que desmentil-o em plena
face.
Ora o Conselho havia estabelecido uma lei
segundo a qual ninguem podia desmentir a outrem que lhe fosse igual ou superior
na escala social, sob pena do infractor ter que fazer reparação de
honra, de joelho em terra e de bonet na mão, perdendo, ainda, por tres
mezes, o emprego que tivesse.
Villegaignon e
Cointac, testemunhas presenciaes do desmentido, instigaram La-Faucille a exigir
satisfação de honra segundo a lei, embora este se
incÍinasse antes a reconciliar-se, como, de facto, era a sua
disposiçào. Elles mesmos lhe redigiram a queixa e, no dia do
Conselho, chamaram a Thoret, o qual muito estranhou a malevola interferencia de
Villegaignon num caso que, ao contrario de esforçar-se por desnaturar ao
ponto de parecer que era a um tempo juiz e parte, devera elle ser o primeiro a
solucionar particularmente, visto que occorrera por questões de seus
serviços.
Perante o Conselho confessou
Thoret haver, com efeito, desmentido a La-Faucille e cujo acto ainda mantinha,
tanto mais quanto fôra elle o provocado, e isto em demasia. Requeria,
pois, se interpretasse a letra e o espirito da lei sem quaesquer paixões,
porquanto estava prompto a submetter-se a ella.
O
Conselho entendia que ambos eram delinquentes e que se deviam nomear dois
arbitros para decidirem a questão. Seu parecer era que a lei, neste
particular, devera ter outra amplitude, visto como, si offensor e offendido eram
culpados, seria logico que as penas da mesma fossem applicadas a um e a
outro.
Villegaignon e Cointac recusaram o seu apoio
ao alvitre suggerido é insistiram em reclamar que se cumprisse a lei,
applicando-se as suas penalidades a Thoret que confessára a injuria.
Villegaignon, presidente do Conselho, lavrou, em seguida, a sentença
condemnatoria de Thoret, contra o voto da maioria dos que o
compunham,
Valoroso e habilissimo no manejo das
armas, Thoret relutou muito em se conformar com a sentença, que reputava
iniqua e procedente de seus inimigos.
Cedendo,
entretanto, ás supplicas de Richier e du Pont, que o exhortavam a
supportar com paciencia o mal que os impios lhe faziam, e para não
occasionar perturbações á Egreja, submetteu-se á
sentença e cumprio as suas
penalidades.
Destituido Thoret do commando da
fortaleza, Villegaignon e Cointac zombavam dos Genebrinos, qualificando-os de
pusillanimes ; e lisongeavam-se de haver obrigado Thoret a fazer publica
confissão de delicto, coisa por elles, seus inimigos, considerada um
estigma por demais infamante.
Tão frequentes
zombarias de tal modo irritaram e desgostaram Thoret que este praticou a
temeridade de atravessar secretamente um braço de mar de duas leguas
sobre tres pedaços de madeira ligados entre si á guiza de balsa,
para embarcar em um navio breton, ancorado num porto a trinta leguas de
distancia, e o commandante do qual o acolheu com muita
sympathia.
Villegaignon afflige a
Egreja
Si as circumstancias o favorecessem, Villegaignon
prosseguiria nas crueldades que desejava executar e a que esta dera inicio ;
porquanto a paciencia e a modestia dos pobres fieis augmentavam de tal maneira
sua audacia que não pensava sinão em subverter e destruir a ordem
ecclesiastica e civil que elle proprio estabelecera e confirmára com
tamanho interesse. Declarou nullo o Conselho, passando elle a resolver tudo
segundo os desejos e caprichos do seu coração ; e mais : prohibio
absolutamente a Richier de prégar e de reunir os crentes para
oração, à menos que o ministro se dispuzesse a rectificar a
formula das preces, as quaes, segundo o almirante, eram
erroneas.
Evidentemente, o seu fim era
constranger os fieis, por medidas extremas, a acceitarem uma nova
religião que o seu cerebro
architectára.
A desolação da
Egreja era indescriptivel, maximé porque estes males sobrevinham num
momento em que os fieis não podiam regressar para a
França.
Frequentes vezes solicitaram a
Villegaignon que lhes permittisse reunirem-se publicamente emquanto
aguardavám a chegada dos navios, allegando que em sã consciencia
não podiam retirar-se sem diffundirem entre os selvagens a luz do
Evangelho.
Jámais, porém, foram nisto
attendidos.
Villegaignon recusou-lhes, outrosim, as
passagens, dizendo lhes que eram tão miseraveis e abjectos que as
proprias ondas se negariam a transportal-os e que, por conseguinte, elles
occasionariam a perda infalível do navio em que
partissem.
Si alguem se tem achado em perplexidade,
estes fieis o estiveram mais que quaesquer outros, pois nenhuma das suas justas
pretenções mereceram o despacho
desejado.
Neste comenos, chegára do Havre um
navio francez, que não pertencia a Villegaignon nem aos seus
alliados.
O commandante revelou-se muito favoravel
a du Pont e Richier e entre elles ficou ajustado o preço de cem escudos
pela passagem de dezeseis pessoas e por cuja importancia se obrigava du Pont.
Restava, entretanto, obter as licenças, sem
o que o embarque não se poderia effectuar.
Villegaignon, sabendo que o commandante concedera
as passagens, ficou sobremodo indignado e, em represália, quiz impedil-o
de carregar o seu navio é de traficar com os selvagens. Estes,
porém, haviam já promettido ao commandante e aos officiaes que
lhes forneceriam tudo o que requisitassem.
Negou,
ainda, as licenças pedidas por du Pont e Richier, allegando que elles se
comprometteram a fazer-Lhe companhia até a chegada dos seus navios. Mas
responderam-lhe que essa razão estava prejudicada, visto que elle
violára as primeiras promessas; prohibindo-os, contra a sua
própria fé, de prégarem e de se reunirem em commum para
oração, o que importava prival-os do maior bem que podiam desejar.
E accrescentaram que, como dias antes manifestasse propositos sinistros,
ameaçando-os de exterminal-os, resolveram então adoptar o
expediente mais satisfatório ao almirante e a todos retirarem-se para a
França pelo navio que acabára de chegar. De resto, disseram-lhe
que era coisa bem estranha que ha pouco quizesse expulsal-os e que, entretanto,
agora os pretendesse reter.
Concluiram, pois,
fazendo-lhe sentir que queriam voltar para a França com licença ou
sem ella, porque assim era necessario; e, empregando palavras rudes e incisivas,
declararam-lhe que, visto haver-se elle apartado da fé, não mais o
consideravam suzerano e, sim, apostata, tyranno e inimigo da
Republica.
Em os ouvindo falar tão
audaciosamente, Villegaignon não só lhes concedeu as
licenças na forma em que as desejavam, mas intimou-os, até, a
deixarem a ilha o mais depressa possível.
(24)
.
(24)
Os fieis sahiram de Coligny e passaram-se para o continente em fins de outubro
de 1557.
Quando se retiravam, não houve
mala ou embrulho que Villegaignon não revistasse, com o intuito de
apanhal-os em flagrante delicto de furto. As ferramentas dos operarios e os
livros de Richier e du Pont, tudo arrebatou sob o fundamento de que fôra
adquirido com o seu dinheiro, segundo uma das leis que o Conselho em tempo
estabelecera.
A bagagem, entretanto, não
poude ser transportada toda de uma vez, motivo por que dois operarios tiveram
que aguardar segunda viagem do barco, no ponto de embarque, ao lado das que lhes
pertenciam. Um delles era torneiro e o outro
marceneiro.
Em poder daquelle encontrou
Villegaignon pequenos objectos de ébano torneados, os quaes o pobre homem
fizera nos seus momentos de lazer, quando não trabalhava para o
almirante, afim de poder arranjar algum dinheiro em França por
occasião do seu regresso, pois tinha filhos a
sustentar.
Villegaignon, que não podia mais
conter a sua ira, chamou de ladrão ao torneiro e por duas ou tres vezes
levantou contra elle o punho para o
maltratar.
Surprehendido, todavia, por um de seus
familiares, conteve-se e limitou a sua vingança a quebrar com os
pés taes artigos, ao mesmo tempo que blasphemava o nome de Deus.
Acalmada a colera, Villegaignon cahio em si,
reconhecendo o grande mal praticado contra o operario e que o facto daria
á posteridade um testemunho da sua crueldade, além de evidenciar
á companhia que, si elle se imaginasse o mais forte, teria decerto
passado todos ao fio da espada.
No presupposto de
que a lembrança desta sua iniquidade se apagaria caso indemnizasse com
alguma coisa o damno do torneiro, assim ordenou que se
fizesse.
Os gentis homens e grande numero dos
amigos e servos de Villegaignon muito se entristeceram com a superveniencia
destes acontecimentos, considerando que haviam sido por elle cathechizados e
instruidos, que com elle resistiram ás primeiras contrariedades, que,
emfim, eram testemunhas dos desgostos, rebelliões e lutas que occorreram
desde o começo e de cujos males o Senhor a todos
livrára.
Mas o almirante, vendo-os muito
affeiçoados a Richier, procurou dissuadil-os de seguirem a heresia dos
modernos, que, consoante dizia, repugnava, in totum, ás
tradicções dos primeiros padres da Egreja, os quaes haviam deixado
um systema absolutamente conforme aos preceitos dos Apostolos. Assim, por meios
suasorios, intentava attrahil-os aos deveres religiosos. Como, porém,
este recurso não désse resultado positivo, ameaçou a
diversos, maltratou a alguns e a outros forçou-os a irem descobrir terras
longinquas. Em resumo, não houve meio de que não lançasse
mão para os obrigar a mudar de convicções, esperando obter
pela prepotencia o que não lográra alcançar pela
persuasão.
Cointac, expulso de
Coligny, amaldiçoa o dia e
a hora em que conheceu a
Villegaignon !
Du Pont, Richier e os seus companheiros estavam
já no continente, a meia legua de distancia do forte de Coligny, numa
aldeia (25)
construida mezes antes por alguns pobres Francezes que Villegaignon
expulsára da ilha como bocas inuteis e entre os quaes se contava o
proprio Cointac !
Este apercebera-se do mal
occasionado pela sua, desenfreada ambição, quando se vio entregue
ao abandono e exilado como pessoa de nenhum valor entre os selvagens, e isto por
Villegaignon, de quem esperava ser cumulado de distincções e
recompensas.
(25)
Briqueterie (Olaria), à esquerda de quem entra em Guanabara; esclarece
Lery.
Por isso, nesta nova phase,
amaldiçoava, com grandes imprecações, o dia e a hora em que
havia conhecido o almirante.
Du Pont, Richier e os
demais alimentavam-se, ali, de raízes, fructas e legumes que os selvagens
lhes traziam a troco das suas roupas, pois aquelles não tinham mercadoria
alguma nem os meios de adquiril-a, até a partida do
navio.
Villegaignon procura
embaraçar o embarque dos Genebrinos
Por outro lado, Villegaignon trabalhava no sentido
de impedir que o commandante os embarcasse, não trepidando de, com este
objectivo, accusar tanto a officiaes como a alguns marinheiros de crimes
enormes. Resultou dahi uma sublevação de uns contra os outros:
queriam os officiaes manter a sua promessa, porque o seu cumprimento dar-lhes-ia
não pequeno resultado pecuniario ; contrarios a ella eram os marinheiros,
visto não terem parte alguma nesse
beneficio.
Entretanto, vendo frustrado o seu plano,
e reconhecendo que em vão se esforçava por mudar as
convicções religiosas que implantára em seus subalternos,
Villegaignon buscava ensejo de praticar um acto violento, afim de intimidal-os e
movel-os a deixarem a pertinacia das suas opiniões.
Villegaignon maltrata os
seus mordomos por serem calvinistas
Dirigindo-se ao seu mordomo, que o acompanhava desde
o embarque em Honfleur e que o servia fielmente em todas as conjuncturas,
interrogou-o sobre a sua attitude e disposições no momento,
Explicou-se este sufficientemente e de modo o mais respeitoso lhe supplicou
licença para se retirar com os outros para a França, assim por
saber que os seus serviços deixaram de ser-lhe agradaveis, como em
razão de não existir mais na nova terra siquer um resto de
Egreja.
Villegaignon discutio longamente o assumpto
e ameaçou de mandar açoitar o mordomo e de prendei-o com
grilhões.
Por fim, cançado dos seus
reiterados pedidos, tirou-lhe as roupas que lhe havia dado e expulsou-o
brutalmente da fortaleza, sem tomar na mínima consideração
os seus tres annos de serviços
abnegados.
Oito dias depois o substituto do
mordomo, porque censurasse aos que blasphemavam e empregasse o melhor e mais
ingente de seus esforços em moralizar aquelles sobre quem exercia
autoridade, embora evitando os castigos de pauladas e algemas, foi accusado de
ser um ministro, o que lhe valeu muitas injurias e maus tratos, a perda da maior
parte dos seus haveres e a sua expulsão violenta da ilha. Este procurou
tambem a companhia de Richier e du Pont, á qual se
unio.
Crueldade de
Villegaignon
Outros factos igualmente condemnaveis merecem
registro.
Villegaignon assalariára diversos
artezãos por dois annos, no transcorrer de cujo praso alguns morreram
extenuados pelo trabalho e outros pela extrema escassez de alimento. Os de
constituição mais robusta puderam resistir a tudo isto, mas,
emquanto esperavam a terminação daquelle praso, um dia
parecia-lhes um anno. Não tinham descanço e eram obrigados a
trabalhos pesadissimos.
Sua
alimentação consistia apenas de farinha, que lhes era
distribuída em proporção insufficiente – uma quarta
parte da necessaria. E mais veneno do que agua era a que bebiam, por isso que
procedia de uma cisterna suja e infecta, Um delles, não podendo continuar
a passar desta maneira, pedio a Villegaignon que o deixasse ir viver entre os
selvagens, o que lhe foi permittido sob condição de renunciar aos
seus salarios, devendo o acto ser legalizado perante o notario, ao que o
operario se submetteu, pois desejava obter a sua
liberdade.
Permaneceu elle entre os
indígenas algum tempo, os quais o alimentavam a troco de peças do
vestuario. Quando, porém, nada mais lhe restava que a camisa, não
lhe forneceram mais alimento e
expulsaram-n’o.
Ficou, pois, o pobre homem
reduzido a extrema penuria, comendo herva e quaesquer fructas, sem inquirir si
lhe eram ou não prejudiciaes á
saude.
Acossado pela miseria, implorou por diversas
vezes a Villegaignon que pelo amor de Deus se compadecesse
delle.
O almirante, porém, jámais
attendeu ás suas instantes rogativas.
Certa
manhã, sob uma arvore, foi o infeliz encontrado morto á
fome...
No continente os
Genebrinos experimentam ainda grandes
provações
Entretanto, Richier, du Pont e os seus companheiros
estavam no continente em circumstancias muito criticas, quer pela falta de
comestíveis, quer pela sua longa estadia no mesmo, a que a demora da
partida do navio os obrigava ; e a situação era, ainda aggravada
pela exigencia feita pelos marinheiros, em virtude da qual cada um teria que
arranjar uma provisão de dois alqueires de farinha, sob pena de
não consentirem no seu embarque.
Mas era
tão intenso o seu desejo de libertação do jugo despotico do
almirante, que de boa, vontade alienaram parte das suas roupas para attender
á imposição dos
marujos.
Emquanto isto se passava, alguns
subalternos de Villegaignon, que de quando em vez iam ao continente,
começaram a fomentar intrigas : a Richier e du Pont diziam que o
almirante lamentava não haver sacrificado todos os dezesseis e que, si
lhe cahissem nas mãos outra vez, não escapariam á sua
vingança ; a Villegaignon referiam que du Pont e Richier se recriminavam
a si mesmos pela sua pusillanimidade em terem supportado tantos aggravos de um
tyranno pestillento, a quem não se devia deixar que reinasse por mais
tempo, accrescentando, ainda, que estes huguenottes promettiam voltar bem
acompanhados e equipados para o expulsarem e aos seus
cumplices.
Os delatores constituem verdadeira
praga, que enfraquece as Republicas e os Governos, e aquelles de que falamos
irritaram immenso a ambas as facções, pois conseguiram fazer-se
acreditar.
Aproximando-se o dia da partida de
Richier e du Pont, previo Villegaignon que elles podiam causar-lhe grandes
prejuízos e annullar-lhe, em França, a boa fama que adquirira uns
annos precedentes. Assim, e para obviar a este maleficio, deliberou catalogar
certos pontos sobre os quaes prégára Richier e respondel-os ao
sabor dos Papistas, pois sentia-se desamparado pelos
Reformados.
E, afim de não trabalhar em
falso, instruio reservadamente um de seus amigos, o qual nestas questões
secollocára ao seu lado constrangido por sérias ameaças; e
encarregou-o de saber de Richier a sua opinião sobre os Sacramentos e
outros artigos.
O emissario do almirante, no
desempenho da sua missão, procurou o ministro, a quem se revelou muito
interessado em instruir-se relativamente a alguns pontos doutrinarios, de que
não possuía conhecimentos bastante solidas. Richier, longe de
suspeitar das intenções malevolas do inquiridor, acreditou na sua
sinceridade e expoz-lhe verbalmente tudo o que pensava sobre as questões
propostas.
O consulente reduzio a escripto todas
as respostas e, sem as mostrar ao ministro, passou-as ás mãos do
almirante, quedas seleccionou a seu
belprazer.
Soubesse Richier que o tyranno é
que mandára solicitar-lhe tal parecer, e tel-o-ia escripto de proprio
punho, com mais ordem e profundeza de doutrina do que o que Villegaignon
publicou depois em seu livro
(26).
Ora
o almirante, temendo, outrosim, que muitos dos seus subalternos o abandonassem
por causa dos maus tratos, resolveu afastar dezoito de entre elles, enviando-os
num navio ao rio da Prata, a 5oo leguas do Polo Antarctico, e dando-lhes um
pagem para os servir. Nomeára, porém, commandante a um de seus
servos mais fieis, e mestre a um marinheiro que retivera da ultima viagem,
homem, aliás, muito immoral e sem nenhum temor de
Deus.
Duplo era o fim desta,
expedição : separar uns dos outros, como já referimos, e
procurar minas de ouro ou. prata para serem offerecidas ao rei
Henrique.
(26)
Este livro é, talvez, o intitulado – Ad articulos Calviniae de
sacramento eucharistiae traditiones responsiones per N.
Villegainon, Paris, 1560.
Na vespera da
partida foi o adestre denunciado ao commandante como autor de execravel delicto
um acto de sodomia praticado contra um mocinho, parente daquelle. O commandante
e os tripulantes possuíram-se de forte indignação,
notadamente o primeiro porque o crime fôra perpetrado no seu departamento.
Sem embargo, depois de interrogai-o e porque persistisse em negar o crime, o
commandante mandou apresentai-o a Richier, que continuava sendo considerado
ministro, pois Villegaignon não o depoz nunca desse
cargo.
Richier fez sentir ao marinheiro o seu
horrendo peccado e mostrou-lhe a severidade da Lei Divina sobre os que fazem
taes coisas. Comprehendeu, então, o criminoso a enormidade da sua culpa
e, temendo os juízos inflexíveis de Deus, tentou, no seu
desespero, atirar-se ao mar com o intuito de suicidar-se, declarando ao mesmo
tempo que se achava arrependido do acto hediondo que
praticára.
Em face desta confissão, o
ministro aconselhou o commandante a levar na expedição o
marinheiro, a quem devia ameaçar de morte si viesse a demonstrar, que era
falso o seu arrependimento.
No dia seguinte sahio o
navio, tendo a bordo este marinheiro, cujos serviços eram indispensaveis,
porque ninguem, como elle, conhecia as manobras da
nau.
A versão de que Richier perdoára
o marinheiro a troco de uma barrica de pimenta é absolutamente falsa,
como ficou provado pelo depoimento do criminoso. Este, quando voltou da viagem,
e no momento da sua morte, declarou perante Villegaignon e mais O de cincoenta
pessoas dignas de fé, que tal accusação não era
verdadeira ; que, com effeito, havia vendido uma barrica de pimenta a du Pont e
Richier, isto quinze dias antes do seu crime, e que lh’a pagaram muito
bem, mesmo acima do justo valor.
As testemunhas
viveram muito tempo e algumas voltaram á
França.
Richier, du Pont e outros
fieis regressam á França
Concluído o carregamento do navio,
(27) O
commandante embarcou du Pont, Richier e os demais fieis, ao todo dezesseis
pessoas, e, levantando ferros, a nau fez-se ao largo e deixou
Coligny(28), com
grande pezar para Villegaignon e tambem para alguns marinheiros que se haviam
esforçado por impedir-lhes o embarque e que iam causar-lhes muitos
desgostos durante a viagem, de modo a que a recordação da mesma
jámais se apagasse da memoria dos
passageiros.
Estes marujos eram apenas serventes e
não participavam dos lucros da nau e, por conseguinte, oppunham-se ao
embarque dos passageiros, tendo em vista os poucos mantimentos existentes a
bordo. Demais, dizia-se que Villegaignon subornára cinco dos mais
viciados, promettendo-lhes grandes vantagens, afim de entregarem du Pont e
Richier á Justiça quando chegassem á França, o que
ficou depois provado ser exacto
(29).
(27)
Chamado
Jacques.
(28)
A 4 de janeiro de
1558.
(29)
Lery. em seu livro II – 145, pormenoriza melhor este ponto :
«Villegaignon entregou ao commandante do navio um cofre envolvido em panno
encerado, contendo cartas para diversos, e no qual, sem que o soubessemos,
incluio tambem um processo por elle feito contra nós, cem ordem expressa
ao primeiro juiz a quem fossemos entregues em França, de prender-nos e
queimar-nos como hereges.» Mais adiante (II,177), Lery refere que á
chegada dos huguenotes, o cofre, com effeito, foi entregue, em França, a
pessoas da justiça, as quaes, felizmente, eram favoráveis aos
Reformados, a quem trataram melhor do que o podiam fazer, oferecendo recursos
aos que se achavam preciza-dos de emprestando dinheiro a du Pont e a
alguns outros,
O navio, após ter
navegado 25 ou 26 leguás, começou a fazer agua de todos os lados,
fosse por ser já muito velho, fosse por estar
carregadissimo.
Todos a bordo receavam perecer. A
tripulação trabalhava dia e noite para esgotar toda a agua e
perdia a esperança de conseguil-o. Commandante, officiaes e passageiros
achavam-se tão amedrontados que preferiam estar ainda no porto de
Coligny. Na popa havia um barco, de que os marinheiros pensaram logo apossar-se
afim de fugirem para terra durante a noite ; mas o commandante e os officiaes,
tendo-lhes a tempo descoberto o plano, tornaram as precisas
precauções, de modo a frustrar esse perverso designio, Sobreveio
ainda outro mal não inferior : a agua penetrára na despensa dos
biscoitos, inutilizando a maior parte destes, o que desalentou ainda mais a
tripulação. Os passageiros, na sua maioria, vendo o desanimo dos
marinheiros, pediram ao commandante que lhes désse o barco para
alcançarem a terra, ao que se recusou peremptoriamente, por isso que
seria grande o seu prejuízo si elles
desembarcassem.
Entrementes, communicaram ao
commandante que era possível dar sahida a toda a agua e suggeriram-lhe a
conveniencia de mandar embora alguns passageiros para darem logar aos outros.
Richier e du Pont dispunham-se já a entrar no barco, quando a isso foram
obstados pelo commandante, que os encorajou, affirmando-lhes que tudo iria
melhor do que se esperava. Accrescentou, porém, que de boa vontade daria
o barco a quaesquer outros passageiros que quizessem voltar para terra, visto
serem insufficientes as provisões de boca existentes no
navio.
Cinco dos passageiros, entretanto,
acceitaram o offerecimento do commandante contra o desejo dos seus companheiros,
que previam que Villegaignon decerto os maltrataria. Não pensavam deste
modo.
Os cinco, mas, ao contrario, esperavam
ser bem acolhidos, por isso que jamais offenderam o almirante, a quem sempre
serviram com muita dedicação
(3o).
Despedindo-se,
pezarosos, dos seus companheiros e amigos, e recommendando-se á
protecção Divina, tanto os que seguiam como os que voltavam,
entraram os cinco huguenotes no barco e, retrocedendo, navegaram com rumo a
Coligny, onde tres delles, como passaremos a narrar, perderam a vida pela
defensa do Evangelho de Jesus
Christo.
(3o)
Eis os seus nomes : Pierre Bourdon, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil,
André la Fon e Jacques le Balleur. Outrosim, declara Lery (pag. 15o) que
elle proprio se decidira a voltar com os cinco ao forte de Coligny, chegando
mesmo a entrar no escaler, e só a instancias de um amigo desistiu de
voltar com aquelles, proseguindo na viagem a bordo do Jacques. A esta
sábia resolução devemos a narrativa que elle nos deixou
sobre taes
acontecimentos.
FIM
OS
PROTOMARTYRES
Jean
du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon
Aquelles que, no mar, sahiram
incólumes de innumeros perigos; aquelles que os vagalhões raivosos
não ousaram sorver e sepultar no abysmo ; aquelles contra quem nada poude
o furor inexoravel de tantas procellas; aquelles que os barbaros se abstiveram
de atacar; aquelles que as proprias feras respeitaram : apparecem-nos como
exemplos da mais acrisolada paciencia, mostrando-nos, ao vivo, a desumanidade e
a crueza inexcedíveis dos falsos crentes e dos apostatas da verdadeira
Religião, a barbaria dos quaes assombra pelo seu extremo requinte e
excede, em muito, á dos peares selvagens que teem vivido sobre a face da
terra.
Já vimos o modo por que,
no Brasil, foram tratados os fieis Calvinistas e, mediante este preparo, estamos
agora habilitados a fazer deducções acertadas, quanto á
execução dos tres martyres que, quaes sellos preciosos,
authenticaram com a perda de suas vidas a prégação do
Evangelho nesse paiz distante e estrangeiro. A narrativa, feita, aliás,
por, pessoa Fidedigna, é confirmada por outras de toda a honorabilidade,
que testemunharam os factos e ‘na maioria dos quaes tornaram parte. O
ponto longínquo em que se desenrolaram não poude occultar
acontecimentos tão barbaros quantos
memoraveis.
Estejamos certos de que o sangue
derramado pelos fieis martyres a seu tempo produzirá os fructos que
sempre resultam dos que são immo1ados pela causa sacrosanta de Jesus
Christo ; e grande estimulo recebem, por sem duvida, os christãos em
geral, cuja fé se lhes robustece, quando veem os seus irmãos
possuídos de tanta coragem e intrepidez, em terra e no mar, por sobre as
aguas e entre os penhascos, suportando a fome, a sede, a nudez e toda a sorte de
privações.
Os cinco huguenotes, ao
deixarem o navio, podiam estar a 18 ou 20 leguas da costa, mais ou menos. As
despedidas foram sentidissimas de parte a parte e a separação
tanto mais dura quanto os perigos eram quasi iguaes de ambos os
lados.
Ora, os retrocedentes eram bisonhos em
materia de navegação, que desconheciam quasi por completo, pois
não haviam emprehendido outra viagem sinão a da França para
o Brasil. Apenas sabiam dar a conveniente direcção ao barco para
entrar em Coligny ou em qualquer outro porto. Demais, o barco não tinha
mastros, nem velas, nem outras coisas in-dispensaveis ; porquanto, ao descerem
do navio, todos estavam ali tão occupados em estancar a agua que lhes
não deram o necessario, nem os huguenotes por sua vez se lembraram de
reclamal-o – tal a sua consternação nesse
momento.
Para solucionarem o problema, á
guisa de mastro ergueram um remo, de dois arcos formaram a gavea, das suas
camisas improvisaram uma vela e, juntando os cintos de todos, fizeram com elles
a escôta, as bolinas, todos os cordames, emfim, da
embarcação.
Durante quatro dias
remaram em mar bonançoso. A’ tarde do quinto, porém, quando
pensavam avisinhar-se de terra, grossas nuvens, de subito, adensaram a
atmosphera, sopraram ventos rijos, as vagas tornaram-se furiosas e
temíveis, cahia chuva abundante e trovejava. medonhamente. Perderam,
então, o rumo e bem assim se viram impotentes para governar o barco, que
vogava ao capricho das ondas bravias, e, nesta conjunctura, es navegantes nem se
atreviam a içar a vela. A’ noite a borrasca augmentou ainda mais e
passariam por estreitos e entre rochedos perigosissimos, logares onde o mais
habil piloto ter se-ia visto - seriamente embaraçado. Por fim, o mar em
furia jogou-os a uma praia dominada por alta montanha. No dia seguinte
procuraram em terra agua potave1 e alguns fructos; nada, porém, ali
encontraram. Dirigiram-se, pois, a outro lagar, a quatro leguas de distancia,
onde acharam agua e se demoraram quatro dias para refazer as suas forças.
Vieram ao seu encontro diversos indígenas, que muito se alegraram com a
presença dos cinco desafortunados, a quem, mediante roupas, porque muito
gostavam das dos Francezes, venderam assás caro raízes e farinha,
pois viam que se achavam desprovidos de mantimentos. Oueriam mesmo que se
estabelecessem no logar, ao que os navegantes deixaram de acquiescer, assim pela
importunice dos selvagens, como pela tristeza que lhes ia na alma pela falta do
convívio dos seus companheiros. Decidiram-se, pois, a sahir d’ali e
a buscar, em Coligny, a companhia dos Francezes, porque sentiam-se melhor entre
christãos e pessoas da mesma língua. Dos retrocedentes alguns
estavam enfermos, e eram estes que mais interessados se revelavam na partida,
porque não podiam recobrar a fraude entre os selvagens isentos de
sentimentos christáos. Os sãos não concordavam muito com
esta opinião, por preverem que o almirante decerto os maltrataria, pela
sua má vontade contra a Religião Reformada. Isto collocou-os em
dificuldades durante alguns dias. Os doentes, entretanto, persuadiram aos seus
companheiros de um modo tão affectuoso que, sem mais detença,
todos deixaram este logar e navegaram rumo de Coligny, distante d’ali
– rio dos Vasos – aproximadamente 30 leguas. Os selvagens tentaram
oppor-se á sua partida, a qual os desgostou
immenso.
Em virtude dos fortes ventos e grandes
marés peculiares a essas paragens, gastaram os huguenotes tres dias para
vencer as trinta leguas..
Entrados no porto de
Coligny, não sem grandes difficuldades e enormes perigos, e mesmo sem
terem certeza absoluta si esse era ou não o porto, pois densa era a
cerração, entregaram-se a ventilar esta mesma duvida. Desfez-se o
nevoeiro e, então, avistaram o forte de Coligny e, no continente, a
aldeia dos Francezes existente a pouca distancia da
fortaleza.
Desembarcaram logo e encontraram na
aldeia a Villegaignon, que fôra lá a negocios
particulares.
Apresentaram-se a elle e
referiram-lhe as causas determinantes da sua volta e qual o perigo em que haviam
deixado a nau que os levára.
Exoraram-lhe,
pois, que os recebesse de novo no numero dos seus servidores, tanto mais que, em
voltando para os seus serviços, faziam-n’o porque as suas
consciencias não os accusavam de o terem jámais offendido.
Accrescentaram, ainda, que prefeririam viver com os Francezes do que entre os
Portuguezes ou de voltar para os naturaes do paiz que, no rio dos Vasos, lhes
haviam dispensado bom e honesto tratamento; e mais: que, si, por causa da
religião, os quizesse rejeitar ou maltratar, devera recordar-se que os
mais sabias não tinham ainda decidido os pontos originarias das
discussões havidas e que elle proprio não fôra nunca de um
só parecer sobre taes artigos nos annos precedentes. Permittíram
se, além disto, ponderar-lhe que não eram Hespanhóes, nem
Flamengos, nem Portuguezes ; tampouco eram Turcos, atheistas ou epicuristas ;
sim, porém; christãos baptisados em nome de Jesus Christo;
naturais da França, como bem o sabia. Não eram desertores da sua
patria, nem esta às expulsára por qualquer infamia ou acto
deshonroso. Mas alguns delles haviam deixado mulheres e filhos para o servir
nessa terra longinqua, onde tinham cumprido o seu dever, tanto quanto
lh’o permittiram as suas forças. Finalmente, procuraram o favor do
almirante, lembrando lhe que os infelizes atirados a qualquer porto estrangeiro
pelas tempestades, os despojados dos seus haveres pela violencia das guerras e
calamidades outras, são sempre recebidos com os carinhos dispensados a
companheiros ; e taes eram. elles, pois nesse numero deveriam ser arrolados,
porque, além da perda de todos os seus haveres, o mar puzera-os
emmiserrimo estado. Sem embargo – concluíram – offereciam a
elle, Villegaignon, os seus serviços e supplicavam-lhe que lhes
permittisse viver como seus servos, até que o Senhor Jesus lhes deparasse
o meio de regressarem para a
França.
Depois de os haver escutado,
Villegaignon respondeu-lhes com doçura e honestidade, dizendo que rendia
graças a Deus porque os salvára dentre os outros e porque os
conduzira em alto mar até o excellente porto de Coligny, a elles que
não sabiam governar a embarcação. E, após ter-se
informado de tudo o que occorrera e sobre a sorte do navio, consolou-os e
permittio-lhes que vivessem com as mesmas prerogativas e liberdades dos demais
Francezes.
Temendo que se passassem para os
Portuguezes ou Brasileiros, usou de persuasiva linguagem, asseverando-lhes que
com prazer ouvira as causas da sua volta, de que se maravilhava tanto mais por
serem verdadeiras, e que mesmo no caso que fossem inimigos, tel-os-ia recebido
em attenção ao que lhes sobreviera e assegurar-lhes-ia a
hospitalidade. Observou-lhes, outrosim, que, comquanto elles e os seus
companheiros se houvessem retirado descontentes e quasi como inimigos, e,
portanto, lhe assistisse o direito de hostilizal-os por cahirem em suas
mãos, estava prompto a esquecer as injurias passadas e a pagar o mal com
o bem, entregando a Deus a Vingança, contra os seus desaffectos.
Outorgava-lhes, pois, todas as regalias partilhadas pelos demais Francezes, com
a condição, porém, de não revelarem nunca propositos
religiosos, sob pena de morte, e de se conduzirem tão prudentemente que
lhe não déssem ensejo de
maltratai-os.
Villegaignon apoderou-se do barco
que, de direito, pertencia aos cinco. E, embora os visse embaraçados para
adquirirem mantimentos, jámais lhes restituio siquer um
prego.
Esperançados, todavia, permaneceram
em terra, onde começaram a recuperar as energias perdidas, dispersando
lhes os compatriotas, servos de Villegaignon, boa acolhida e fornecendo-lhes
roupas, viveres e outras coisas, segundo as suas
posses.
Mas esta quietitude durou apenas doze dias,
porque no cerebro do almirante, a partir do momento em que os
interrogára, turbilhonavam as mais tetricas conjecturas sobre os informes
ministrados pelos retrocedentes, quanto ao navio em que haviam partido os
huguenotes.
Radicou-se-lhe a
convicção de que tudo o que os cinco narraram era falso e adrede
preparado. Via fraude nas palavras dos cinco e acreditou que ella era obra de du
Pont e Richier, visto haverem-se retirado do Brasil contra a propria vontade,
pois esperavam estabelecer-se definitivamente nessa terra, para gozarem do seu
bom clima e como logar de seu futuro descanso. E taes fantasias
persuadiram-n’o a crer que os cinco não eram sinão
espiões, os quaes iam entender-se com os Francezes que não
acompanhavam a sua devoção, para em certa e determinada noite,
numa acção conjuncta : os de terra, os' do navio de du Pont e
Richier, que elle suppunha escondido á distancia de tres ou quatro
leguas, com o reforço dos que elle enviára ao rio da Prata –
tomarem de assalto a fortaleza, destruindo-a mesmo e aos que fossem do seu
partido.
De tal modo esta opinião
dominava o espírito de Villegaignon que a suppoz verdadeira e nella
occupava todo o seu pensamento. Desconfiava de seus servidores mais antigos e
fieis, irando-se ora contra um, ora contra
outro.
Pela mínima coisa injuriava-os e
ameaçava-os com pauladas, grilhões e outros castigos barbaros.
Tão desarrazoado era o seu proceder que todos prefeririam que a terra se
abrisse e os tragasse, do que supportar um tyranno tal como
Villegaignon.
Occupando se, de dia, em maltratar a
sua gente, as noites eram-lhe tambem horríveis. Oual sanguinário e
os destituidos do Espírito Divino, ás vezes sonhava que o
decapitavam e que Richier e du Pont, com grande numero de pessoas, o sitiavam
sem lhe propor qualquer
acommodação.
Em seu falso presupposto
de que os cinco Calvinistas eram traidores e espiões, entendeu que era
imprescindível assassinàl-os para manter a sua grandeza. Estudou
muitos meios para fugir á queixa e recriminações dos
homens, a quem desejava convencer que aquelles incorreram em
traição.
Entretanto,
considerando que isto não se podia provar por simples conjecturas ou
verosimilhanças, e que, por conseguinte, si lançasse mão de
tal recurso, não haveria como evitar a nota de infamia, mesmo pelos
indifferentes em religião, lembrou-se elle que os cinco eram da
opinião de Luthero e Calvino e que, como logar-tenente do rei em Coligny,
poderia, em face das ordens emanadas de Francisco e Henrique II,
exigír-lhes a razão da sua fé, confessada em publico, em
que sabia estarem maravilhosamente firmes e que nunca a renegariam embora lhes
custasse a vida.
Achára, portanto, o meio de
eliminal-os, e até com grande honra para elle, segundo pensava ; porque
sabia que a maioria da Côrte teria grande prazer no sacrificio dos
Reformados.
Isto, porém, é um
testemunho inilludivel de que Villegaignon, ao contrario do que declarára
tantas vezes perante o mundo, jámais teve em seu coração o
mínimo temor de Deus e muito menos o desejo de ampliar o reino de Jesus
Christo.
Com intuito de pôr em
execução o seu maligno projecto, formulou um questionario sobre
materia de fé e enviou o aos cinco Calvinistas, assignando-lhes o prazo
de doze horas para que o respondessem por escripto. Os artigos respectivos
conhecer-se-ão pela Confissão de Fé mais adiante
exarada.
Os Francezes do continente procuraram
dissuadil-os de darem as razões da sua fé ao tyranno, que outra
coisa não buscava sinão tirar-lhes a vida, e
aconselhavam-n’os a se retirarem para os indígenas, d’ali
afastados trinta ou quarenta leguas, ou então a se entregarem á
mercê dos Portuguezes, por quem seriam incomparavelmente mais bem tratados
do que pelo despota e cruel
Villegaignon.
Não acceitaram, porém,
estes conselhos. Jesus Christo encheu-os de forte animo e simplesmente admiravel
era a confiança que revelavam. Podendo escapar ás garras de
Villegaignon, que não podia tolher-lhes a fuga, preferiram, entretanto,
manter-se firmes no seu dever, por comprehenderem que era chegada a hora em que
importava offerecerem uma prova do precioso conhecimento que o Senhor lhes dera
das coisas espirituaes.
Depois de impetrado o
auxilio do Espírito de Jesus Christo para serem abundantemente
inspirados, começaram, da melhor boa vontade, a elaborar a resposta
ás questões de Villegaignon.
Estes
envolviam os pontos mais difficeis das Santas Escripturas e mesmo um grande
theologo, com todas as obras necessarias á mão, ver-se-ia
embaraçado para, de modo amplo, os responder em um mez. Entretanto, os
cinco fieis apenas dispunham de um exemplar das Sagradas Letras para se
recordarem das passagens mais apropriadas, e não eram theologos mas
apenas leigos, alguns dos quaes se achavam doentes e outros conturbados pela
previsão do que lhes ia acontecer.
MARTYRIO DE JEAN DU
BOURDEL
Para redigir a resposta, elegeram Jean du Bourdel,
não só porque era o mais velho de entre elles, como em
razão de ser o mais letrado e de possuir conhecimentos da língua
latina. Aliás, era o que mais se distinguia pelos seus dons e attractivos
peculiares.
Frequentemente, quando via os seus
companheiros um tanto esmorecidos, procurava despertal-os, infundindo-lhes
coragem e emprazando-os a se manterem sempre fieis ao Divino Mestre, em quem
depositavam toda a confiança.
Jean du
Bourdel, concluida a redacção da resposta aos artigos do
almirante, procedeu repetidas vezes á sua leitura perante os seus
companheiros, interrogando-os a proposito de cada
ponto.
Todos acharam catholica a
Confissão e fundada na Palavra da Verdade, declarando-se, mesmo,
dispostos a morrer, caso fosse esta a vontade de
Deus,
Cada um a assignou de seu proprio punho, para
significar que a recebiam como propria.
E, leitor
amigo, quizemos communicar-vol-a nesta narração, mediante a sua
transcripção, ipsis verbis, do respectivo original
(31). Si
não é tão extensa quanto fôra para desejar,
pedimo-vos considereis o logar onde se achavam os seus pobres autores, a sua
perplexidade, as suas afflicções, assim do espírito como do
corpo, o seu desamparo, a sua falta de auxilio de pessoas e de livros, de tudo,
emfim que lhes pudesse facilitar uma comprehensão mais vasta dos ensinos
escripturisticos. De resto, os dons de Deus não são
distribuídos igualmente a todos, pelo que ha pessoas mais favorecidas que
outras, segundo
convem.
(31)
Esta Confissão foi communicada a Crespin, editor, por Jean de Lery, como
o declara na obra – Histoire d’un voyage fait en la terre du
Brésil (ed. Gaffarel, 1880, tomo II, p. 180: «Reconhecendo que,
mais do que a qualquer outro, cabia a mim a injuncção de velar
pela Confissão destes fieis, para que fosse comprehendida no
catalogo dos que experimentaram a morte pelo testemunho do Evangelho,
entreguei-a, neste mesmo anno de 1558, a Jean Crespin, impressor, afim de que
com o relato das difficuldades do regresso, a Colig0y, dos cinco companheiros, a
inserisse tambem no livro dos Mártyres, ao qual encaminho o leitor
>. Vê-se, pois, que é indubitavel que Lery forneceu a Crespin,
quando não o proprio texto, pelo menos todos os informes
necessários á coordenação da
narrativa.
Eis a
CONFISSÃO DE FÉ :
(32)
Segundo a doutrina de S. Pedro Apostolo, em sua
primeira epistola, todos os Christãos devem estar sempre promptos para
dar razão da esperança que nelles ha, e isso com toda a
doçura e benignidade, nós, abaixo assignados, Senhor de
Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos ha
concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e
ordenado, e começando no primeiro artigo
:I.
Cremos em um só Deus, immortal e invisivel, creador do céo e da
terra, e de todas as coisas, tanto visiveis como invisiveis, o qual é
distinto em tres pessoas : o Pae, o Filho e o Santo Espirito, que não
fazem sinão uma mesma substancia em essencia eterna e uma mesma vontade ;
o Pae fonte e começo de todo o bem ; o Filho eternamente gerado do Pae, o
qual, cumprida a plenitude do tempo; se manifestou em carne ao mundo, sendo
concebido do Santo Espirito, nascido da Virgem Maria, feito sob a Lei para
resgatar os que sob ella estavam, afim de que recebessemos a
adopção de proprios filhos; o Santo Espirito, procedente do Pae e
do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos Prophetas, suggerindo
todas as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Christo aos
Apóstolos. Este é o unico consolador em afflicção,
dando constancia e perseverança em todo bem.
Cremos que é mistér sómente
adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a magestade de Deus em fé ou
particularmente.
II.
Adorando nosso Senhor Jesus Christo, não
separamos uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina
e humana n'Elle inseparaveis.
III.
Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espirito, o que a Palavra de Deus e a
doutrina apostolica, e o symbolo, nos
ensinam.IV.
Cremos que nosso Senhor Jesus Christo virá julgar os vivos e os mortos,
em fórma visivel e humana como subiu ao Céo, executando tal juizo
na forma em que, nos predisse em S. Matheus, vigesimo quinto capitulo, tendo
todo o poder de julgar, a Elle dado pelo Pae, em tanto que é
homem.E, quanto ao que dizemos em nossas
orações, que o Pae apparecerá enfim na pessoa do Filho,
entendemos por isso que o poder do Pae, dado ao Filho, será manifestado
no dito juizo, não todavia que queiramos confundir as pessoas, sabendo
que ellas são realmente distintas uma da
outra.
V.
Cremos que no Santíssimo Sacramento da Ceia, com as figuras corporaes do
pão e do vinho, as almas fieis são realmente e de facto
alimentadas com a propria substancia de nosso Senhor Jesus como nossos corpos
são alimentados de viandas, e assim não entendemos dizer que o
pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados no corpo e sangue
d'elle, porque o pão continua em sua natureza e substancia,
similhantemente o vinho, e não ha mudança ou
alteração.Distinguimos todavia este
pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso commum,
sendo que este nos é um signal sacramental, sob o qual a verdade é
infallivelmente recebida. Ora esta
recepção não se faz sinão pormeio da fé e
nella não convem imaginar nada de carnal, quem preparar os dentes para o
comer, como santo Agostinho nos ensina, dizendo : « Porque preparas tu os
dentes e o ventre ? Crê, e tu o comeste
» O signal, pois, nem nos dá a
verdade, nem a coisa significada ; mas nosso Senhor Jesus Christo, por seu
poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz
participantes de sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus
benefícios. Vejamos a
interpretação das palavras de Jesus Christo:
«Este pão é o meu corpo».
Tertuliano, no livro quarto contra Marcion, explica estas palavras assim :
« Este é o signal e a figura do meu corpo
». S. Agostinho diz : « O Senhor
não evitou dizer :- Este é o meu corpo, quando dava apenas o
signal de seu corpo ».Portanto (como é
ordenado no primeiro Canon do concilio de Nicéa), neste santo Sacramento
não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrahir no pão e
no vinho, que nos são nelles propostos por signaes, mas levantar nossos
espiritos ao Céo para contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso
Senhor Jesus, sentado á dextra de Deus, seu
Pae.Neste sentido podiamos juntar o artigo da
Ascenção, com muitas outras sentenças de santo Agostinho,
que omittimos, temendo ser
longas.VI.
Cremos que, si fosse necessario pôr agua no vinho, os evangelistas e
São Paulo não teriam omttido uma coisa de tão grande
conseqüência.E quanto a que os doutores
antigos o têm observado (fundamentando-se sobre o sangue misturado com
agua que sahio do lado de Jesus Christo, desde que tal observancia não
tem nenhum fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da
instituição da Santa Ceia isso aconteceu ), nós a
não podemos hoje admittir necessariamente.
VII.
Cremos que não ha outra consagração que a que se faz pelo
ministro, quando se celebra a Ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem
conhecida, a instituição desta Ceia litteralmente, segundo a
fórma que nosso Senhor Jesus Christo nos prescreveu, admoestando o povo
da morte e paixão de nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a
consagração e a palavra de fé que é pregada e
recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente
pronunciadas sobre os signaes não podem ser a consagração
como apparece da instituição que nosso Senhor Jesus Christo
deixou aos seus Apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discipulos
presentes, aos quaes ordenou tomar e comer.
Vlll.
O Santo Sacramento da Ceia não é vianda para o corpo como para as
almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos
no artigo quinto) recebendo-o por fé, a qual não é
carnal.
IX.
Cremos que o baptismo é Sacramento de penitencia, e como uma entrada na
Egreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Christo. Representa-nos a
remissão de nossos peccados passados e futuros, a qual é adquirida
plenamente só pela morte de nosso Senhor
Jesus. De mais, a mortificação de
nossa carne ahi nos é representada, e a lavagem, representada pela agua
lançada sobre a creança, é signal e sello do sangue de
nosso Senhor Jesus, que é a verdadeira purificação de
nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na Palavra
de Deus, a qual os santos Apostolos observaram usando de agua em nome do Pae, do
Filho e do Santo Espirito.Quanto aos exorcismos,
abjurações de satan, chrisma, saliva e sal, nós os
registramos como tradições dos homens, contentando-nos só
com a fórma e instituição deixada por nosso Senhor
Jesus.
X. Quanto ao livre-arbitrio, cremos que, si o
primeiro homem, creado á imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto
para bem como para mal, só elle conheceu o que era o livre arbitrio,
estando em sua integridade. Ora, elle nem apenas guardou este dom de Deus, assim
delle foi privado por seu peccado, e todos os que descendem delle, de sorte que
nenhum da semente de Adão tem uma scentelha do
bem. Por esta causa, diz São Paulo, que o
homem sensual não entende as coisas que são de Deus. E Oseas clama
aos filhos de lsrael : «Tua perdição é de ti, Ò
lsrael».Ora isto entendemos do homem que
não é regenerado pelo Santo
Espirito.Quanto ao homem christão,
baptizado no sangue de Jesus Christo, o qual caminha em novidade de vida, nosso
Senhor Jesus Christo restitue nelle o livre arbitrio, e reforma a vontade para
todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a
execução de boa vontade não está em seu poder, mas
vem de Deus, como amplamente este Santo Apostolo declara, no setimo capitulo aos
Romanos, dizendo : « Tenho o querer, mas em mim não acho o perfazer
».O homem predestinado para a vida eterna,
embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cahir em
impenitencia. A este proposito, S. João diz
que elle não pecca, porque a eleição permanece
nelle.XI.
Cremos que pertence só á Palavra de Deus perdoar os peccados, da
qual, como diz Santo Ambrosio, o homem é apenas o ministro; portanto, si
elle condemna ou absolve, não é elle, mas a Palavra de Deus que
elle annuncia.Santo Agostinho neste logar diz que
não é pelo merito dos homens que os peccados são perdoados,
mas pela virtude do Santo Espirito. Porque o Senhor dissera a seus apostolos :
« Recebei o Santo Espirito » ; depois accrescenta : « Si
perdoardes a algum, seus peccados », etc.
Cypriano diz que o servidor não pode
perdoar a offensa contra o Senhor.
XII.
Quanto á imposição das mãos, essa servio em seu
tempo, e não ha necessidade de conserval-a agora, porque pela
imposição das mãos não se pode dar o Santo Espirito,
porquanto isto só a Deus pertence.Tocante
á ordem ecclesiastica, cremos no que São Paulo della escreveu na
Primeira Epistola a Timotheo, e em outros
logares.XIII.
A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por
casamento não se póde fazer sinão por causa de adulterio,
como nosso Senhor ensina. Matheus, capitulo XIX: ver. 5. E não
sòmente se pode fazer a separação por essa causa, mas,
tambem, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada,
se não podendo conter, póde casar-se, como São Ambrosio diz
sobre o capitulo VII da Primeira Epistola aos Corinthios. O magistrado, todavia,
deve nisso proceder com madureza de conselho.
XIV.
São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher,
não diz que lhe seja licito tornar-se a casar, mas o Santo Apostolo
condemna a bigamia a que os homens daquelles tempos eram muito affeitos ;
todavia, nisso deixamos o julgamento aos mais versados nas Santas Escripturas,
não se fundando a nossa fé sobre esse
ponto.XV.
Não é licito votar a Deus,
sinão o que elle approva. Ora, é assim que os votos monasticos
só tendem á corrupção do verdadeiro serviço
de Deus. E' tambem grande temeridade e presumpção do homem fazer
votos além da medida de sua vocação, visto que a Santa
Escriptura nos ensina que a continencia é um dom especial. Matheus XV e I
Epist. de S. Paulo aos Corinthios, VII. Portanto, segue-se que os que se
impõem esta necessidade, renunciando ao matrimonio toda a sua vida,
não pódem ser desculpados de extrema temeridade e confiança
excessiva e insolente em si mesmos. E por este
meio tentam a Deus, visto que o dom da continencia é em alguns apenas
temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da
vida. Por isso, pois, os monges, padres e outros taes que se obrigam e promettem
viver em castidade, tentam contra Deus, por isso que não está
nelles cumprir o que promettem. São Cypriano, no capitulo onze, diz assim
: « Si as virgens se dedicam de boa vontade a Christo, perseverem em
castidade sem defeito ; sendo assim fortes e constantes, esperem o
galardão preparado para a sua virgindade; si não querem ou
não pódem perserverar nos votos, é melhor que se casem do
que serem precipitadas no fogo da lascivia por seus prazeres e delicias».
Quanto á passagem do apostolo S. Paulo, é verdade que as viuvas,
tomadas para servir á Egreja, se submettiam a não mais casar,
emquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes
reputasse ou attribuisse alguma santidade, mas porque não se podiam bem
desempenhar de seus deveres, sendo casadas ; e, querendo casar, renunciassem a
vocação para que Deus. as tinha chamado, comtudo que cumprissem as
promessas feitas na Egreja, sem violar a promessa feita no baptismo, na qual
está contido este ponto : « Que cada um deve servir a Deus na
vocação em que foi chamado ». As viuvas, pois, não
faziam voto de continencia, sinão no que o casamento não convinha
ao officio para que se apresentavam, e não tinham outra
consideração que cumpril-o. Não eram tão
constrangidas que não lhes fosse antes permittido casar-se que abrazar-se
e cahir em alguma infamia ou deshonestidade.Mais,
para evitar tal inconveniente, o Apostolo São Paulo, no capitulo citado,
prohibe, que sejam recebidas para fazer taes votos sem que tenham a edade de
sessenta, annos, que é uma edade commumente fóra da incontinencia.
Accrescenta que os eleitos só devem ter sido casados uma vez, afim de que
por essa fórma, tenham já uma approvação de
continencia.XVI.
Cremos que Jesus Christo é o nosso unico Mediador, Intercessor e
Advogado, pelo qual temos accesso ao Pae, e que, justificados no seu sangue,
seremos livres da morte, e por elle já reconciliados teremos plena
victoria contra a morte.Quanto aos santos
defuntos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do
Reino de Deus, e que o numero dos eleitos se complete ; todavia não nos
devemos dirigir a elles como intercessores para obterem alguma coisa, porque
desobedeceriamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos,
emquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros,
como nos ensinam muitas passagens das Santas
Escripturas.XVll.
Quanto aos mortos, São Paulo na 1 Epistola aos Thessalonicenses, lV
capitulo, nos prohibe entristecer-nos por elles, porque isto convém aos
pagãos, que não têm esperança alguma de resuscitar. O
Apostolo não mandá e nem ensina orar por elles, o que não
teria esquecido, si fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Psalmo XLVlll, diz
que os espiritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida
; que, si nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando
mortos.Esta é a resposta que damos aos
artigos por vós enviados, segundo a medida e porção da
fé, que Deus nos deu, supplicando que lhe praza fazer que em nós
não seja morta, antes produza fructos dignos de seus filhos, e assim,
fazendo-nos crescer e perseverar n'ella, lhe rendamos graças e louvores
para sempre jamais. Assim
seja.*
Confissão escrita por Jean du Bourdel entre 04/01/1558 e
09/02/1558
- Jean du Bourdel,
Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fon.
(32)
«Definições concisas, de
profundeza, porém, admiravel - é a caracteristica da
Confissão dos martyres de
Villegaignon.
A mentalidade de du Bourdel
era, por certo, de um poder admiravel, para produzir, em circumstancias de tanto
sofrimento, respostas precisas e profundamente theologicas como as que ahi se
vêm.
E' um documento
interessantissimo. Revela o estudo que nesse tempo se fazia dos Padres da Egreja
; o conhecimento invejavél de doutrina que os leigos de então
possuiam.
E' uma confissão
calvinista; è a confissão dos nossos maiores ; responde
particularmente às heresias de Roma - é a primeira
confissão redigida na America, na primeira Egreja do
Brasil.
E foi sellada com sangue
»,
Erasmo
Braga (traductor desta
Confissão)
Em seguida foi esta
Confissão enviada ao almirante, que ponderou todos os seus termos
a seu modo, guiado sempre por um intento perverso. Declarou hereticos e
pestíferos varios artigos, notadamente os relativos aos sacramentos e aos
votos, que lhe causaram grande horror. Não tinha pejo em referir que se
não devia permittir vivessem por mais tempo os seus signatarios, afim de
não serem os outros da companhia attingidos pelo seu
veneno.
Tendo, pois, resolvido em definitivo
tirar-lhes a vida, procurou ingenuamente dissimular o seu sinistro proposito,
pois receava que alguem os prevenisse da traição contra elles
preparada. Não comunicou mesmo coisa alguma a quem quer que fosse e
manteve o sigillo, até a sexta-feira trágica – 9 de
fevereiro de 1558.
Informado de que na vespera
deste dia, pela manhã, o seu barco iria ao continente para transportar
mantimentos, ordenou aos tripulantes que lhe trouxessem Jean du Bourdel e os
seus companheiros, todos domiciliados na aldeia dos
Francezes.
Ao receberem a intimação,
e presentindo que iam ser julgados pela sua Confissão de Fé,
ficaram em extremo atemorizados e trementes. Os Francezes, chorando,
dissuadiam-n’os, com grande instancia, de se encaminharem ao matadouro.
Mas Jean du Bourdel, homem virtuoso e possuidor de uma confiança
maravilhosa, rogou aos Francezes que descontinuassem de intimidar os seus
companheiros, a quem exhortou e animou não só a comparecerem
perante o tyranno, mas a se resignarem a, morrer, si tal fosse a vontade divina.
Eis as suas palavras: «Meus irmãos, vejo que Satanaz se
esforça por todos os meios para nos impedir de, resolutamente,
defendermos hoje a causa de Christo Jesus Senhor nosso, e que alguns de nos
revelam uma timidez fóra do rasoavel, equivalente mesmo a uma duvida
acerca do soccorro e favor do nosso bom Deus, em cujas mãos, sabemos,
estão nossas vidas, que ninguem nos poderá tirar sem as
determinações dos seus sabios conselhos. Ora, eu vos peço
que commigo considereis o modo e o motivo por que viemos a este paiz : Quem nos
moveu á travessia do oceano numa extensão de duas mil leguas? Quem
nos preservou de tantos perigos? Acaso não foi aquelle que tudo governa,
que dirige todas as coisas pela sua bondade infinita, que ampara os seus por
meios admiraveis? E’ certo que contra nós militam tres inimigos
poderosos : – o Mundo, o Diabo e a Carne, e que por nós mesmos
não podemos resistir-lhes. Mas, si acorrermos ao Senhor Jesus, que os
venceu por nós, elle nos assistirá consoante a sua promessa, que
sempre cumpre, por isso que é fiel e Todo-Poderoso. Apeguemo-nos a elle,
e nelle inteiramente repouzemos. Coragem, pois, meus irmãos! Que os
enganos, que as crueldades, que as riquezas deste mundo não nos embaracem
de irmos a Christo!»
Esta breve
allocução encheu de inenarravel consolo os seus companheiros, e
todos, com muito zelo e grande vehemencia, oravam ao Senhor, pedindo-lhe os
assistisse com o seu Santo Espírito, para que este os inspirasse a
externarem perante os homens o conhecimento precioso que lhes havia dado do seu
Evangelho.
Depois, como o barco os estivesse
esperando, transportaram-se nelle para a ilha de Coligny os Calvinistas Jean du
Bourdel, Matthieu Verneuil e André la-Fon, tendo ficado enfermo, no
continente, Pierre Bourdon, por cuja causa não poude então
embarcar.
Chegados á ilha, Villegaignon
fel-os comparecer á sua presença.
Apontando para a Confissão de
Fé que segurava em uma das mãos, perguntou-lhes si fôra
escripta e assignada por elles e si estavam promptos a sustental-a. Todos lhe
responderam na affirmativa e cada um reconheceu a sua propria assignatura, pois
reputavam christã a Confissão, visto haver sido extrahida
das Santas Escripturas e porque era concordante com os ensinos dos apostolos e
martyres da Egreja Primitiva. E por isso mesmo estavam firmemente resolvidos a
mantel-a, com a graça de Deus, em todos os seus pontos, ainda mesmo que o
Senhor permittisse que o seu testemunho 1hes custasse a vida. Não se
recusavam, entretanto, a submeter-se aos que tivessem mais luzes do que elles da
Palavra de Deus.
Diante desta
declaração, demonstrou o almirante, pela subita mudança da
sua physionomia, a grandeza do seu odio irreprimível, e ameaçou-os
de morte immediata, caso se obstinassem em sustentar a sua opinião
infeliz e damnosa, como a qualificava.
A seguir
ordenou ao carrasco que lhes prendesse as pernas com grilhões e que em
cada cadeia dos mesmos collocasse um peso de 50 a 60 libras.(Villegaignon
dispunha de muitos instrumentos de tortura com os quaes castigava os se1vagens,
em vez de procurar attrahir estes ás doces influencias da Religião
Christã). E não satisfeito com os haver agrilhoado, mandou ainda
encerral-os numa prisão estreita e escura, com sentinellas á vista
convenientemente armadas.
Entretanto, os
condemnados consolavam-se e regosijavam-se em suas cadeias, orando e cantando,
com extraordinario fervor, psalmos e louvores a
Deus.
Os da ilha ficaram muito consternados com
este acto e todos se possuíram de grande temor. Sem embargo, alguns
delles, aproveitando os momentos em que o almirante repouzava ou se occupava em
outros assumptos, visitavam os prisioneiros, fornecendo-lhes alimento,
consolando-os e dando-lhes esperança. Não havia, porém, no
forte uma pessoa de certa preponderancia e autoridade que pudesse demonstrar a
Villegaignon a enormidade da sua injustiça e tyrannia. Assim, os
condenados não podiam contar, na fortaleza, com o auxilio de quem quer
que fosse. Além disto, Villegaignon prohibira, sob pena de morte, a
sahida, naquelle dia, de qualquer embarcação, para que os do
continente ignorassem o que ali se passava. Visivelmente excitado, o almirante
dequando em vez passeava em torno da fortaleza, indo repetidas vezes verificar
si as portas das prisões estavam bem fechadas e si as fechaduras
não haviam sido forçadas. Apoderou-se das armas que os soldados e
os artezãos tinham em seus quartos para a defesa do fortim. Era o receio
de que o povo se sublevasse contra elle.
Tudo assim
disposto, começou Villegaignon a reflectir sobre o genero de morte a
applicar aos sentenciados: decidio, por fim, estrangulal-os e, afogal-os no mar,
pois o seu carrasco não possuía o conveniente preparo para os
eliminar por outro meio. Firme nesta resolução, não
descançou durante a noite, mas, de hora em hora, mandava examinar, as
prisões.
Entrementes, Jean du Bourdel
continuava a exhortar os seus companheiros, concitando-os a louvarem a Deus pelo
privilegio que lhes concedia de serem achados dignos de soffrer pelo seu Santo
Nome num paiz barbaro e estrangeiro ; e dava-lhes, outrosim, a esperança
de que Villegaignon não seria tão louco e deshumano que os
executasse, mas sómente, decerto, se limitaria a escravizal-os por toda a
vida.
Os companheiros, porém, não
acariciavam tal esperança, porque conheciam sobejamente o natural de
Villegaignon, tanto mais que ha muito procurava elle o ensejo que então
se lhe deparára.
Na manhã do dia
seguinte (sexta-feira), bem armado e acompanhado de um pagem, desceu
Villegaignon a uma pequena sala, onde fez comparecer, em cadeias, a Jean du
Bourdel, a quem exigio explicasse – e provasse com as palavras de Santo
Agostinho – o artigo sobre os sacramentos, na parte em que asseverava que
o pão e o vinho eram signaes do corpo e sangue de Jesus
Christo.
Ia Jean du Bourdel citar a passagem para
confirmar a asserção, sinão quando o almirante, num accesso
de colera, o desmente, vibrando-lhe ao mesmo tempo, em pleno rosto, tremenda
bofetada, em consequencia da qual o sangue jorrou, abundante, do nariz e da boca
do paciente. E, em lhe batendo, pronunciou estas palavras : –
«Mentes, impudico! Santo Agostinho jámais o entendeu assim, e hoje,
antes que eu prove qualquer alimento, dar-te-ei o fructo da tua
obstinação!»
Du-Bourdel, deste
modo ultrajado, preferio remeter-se ao silencio. E como, pelas faces, lhe
rorejassem, com o sangue, tambem algumas lagrimas, tal a violencia da
aggressão, o almirante, zombando, chamou-o de homem effeminado e
tão sensível que chorava por um simples
piparote.
De novo Villegaignon lhe perguntou si
continuava a manter o que escrevera e assignára. Du Bourdel respondeu-lhe
affirmativamente e que de parecer não mudaria ate que o convencessem,
pela autoridade das Escripturas, que laborava em
erro.
Diante da sua irreductivel firmeza,
ordenou Villegaignon ao carrasco que algemasse os braços e as mãos
do paciente e que o conduzisse á rocha que elle, almirante, havia
já designado e acima da qual, nas preamares, as aguas se elevam tres
pés.
De armas na mão, Villegaignon e
seu pagem acompanharam-n’o até o rochedo. Mas Jean du-Bourdel, ao
passar junto da prisão em que estavam os seus companheiros, gritou-lhes
em alta voz que tivessem coragem, pois iam ser logo libertados desta vida
miseravel. E, caminhando para a morte, entoava psalmos e louvores a Deus, o que
causava grande espanto a Villegaignon e ao
carrasco.
Quando já sobre o recife, foi-lhe
apenas permittido que, antes de partir deste mundo, se dirigisse a Deus em
oração, pois o almirante apressava o carrasco; e, assim, de
joelhos, fez Jean du Bourdel confissão de seus peccados a Deus, a quem
impetrou graça e perdão em nome de Jesus Christo, em cujas
mãos entregava o seu
espírito.
Depois, posto em camisa,
entregou-se á mercê do carrasco, pedindo-lhe, entretanto,
não o deixasse desfallecer.
O almirante,
vendo que a execução se prolongava muito, ameaçou ao
carrasco de mandar açoital-o, caso não a concluísse logo.
Então, num movimento brusco, o algoz atirou ao mar o paciente que
invocava o auxilio de Jesus Christo, até que, asfixiado, e de modo
tão violento e cruel, rendeu o espírito ao
Creador.
MARTYRIO DE MATTHIEU
VERNEUIL
Executado Jean du Bourdel, o carrasco conduzio ao
rochedo Matthieu Verneuil, que estava assombrado com a morte do seu companheiro.
Comtudo, permaneceu firme e confiante. Já no logar da
execução, o almirante, que não tinha contra Verneuil o
mesmo profundo odio que votava a Jean du Bourdel, interrogou-o sobre si queria
arruinar-se e perder-se. Elle, porém, repellio o nobremente. Entretanto,
isto não impedio que, ao despir-se sobre o recife, se arre-ceiasse da
morte e pedisse as razões por que o executavam: – «Senhor
Villegaignon, disse elle, acaso havemos nós praticado algum roubo ou
ultrajado o menor de vossos servos? acaso havemos nós conspirado contra a
vossa vida ou procurado a vossa deshonra? Si assim é, trazei aqui os
nossos acusadores».– «Não, desbriado! respondeu
Villegaignon, tu e os teus companheiros não experimentaes a morte por
nenhuma destas coisas, mas, sim, porque, sendo umas pestes perigosissimas, e
estando separados da Egreja, importa sejaes cortados como ramos podres,
afìm de não corromperdes o resto da minha companhia». Mas
Verneuil retorquio-lhe ; – <Ora, visto que vos acobertaes com o manto
da Religião, dizei-me: Não é verdade que ha oito mezes
passados fizestes ampla e publica confissão desses mesmos pontos
doutrinarios pelos quaes nos daes a morte?»
Em
seguida orou : – «O’ Deus eterno, visto que pela causa de teu
filho Jesus Christo hoje morremos; visto que pela defensa da tua santa Palavra e
doutrina nos conduzem á morte : lembra-te dos teus servos e assiste -os,
toma em tuas mãos esta causa, afim de que nem Satanaz nem os poderes do
mundo alcancem victoria sobre nós. »
E,
voltando-se para Villegaignon, pedio-lhe não o fizesse morrer mas o
tornasse por seu escravo.
Villegaignon, confundido,
não sabia o que responder ás petições lancinantes do
pobre paciente, sinão que o considerava menos do que ás
immundicias do caminho e que, por isso mesmo, nenhum serviço tinha em que
pudesse aproveital-o. Sem embargo, si Verneuil quizesse retractar-se da sua
Confissão de Fé e declarar que estava, em erro,
promettia-lhe pensar no assumpto.
Verneuil,
então, vendo que a esperança que se lhe dava, além de
problematica, lhe era prejudicial á salvação da alma,
declarou, de modo resoluto e altissonante, que preferia antes morrer para viver
eternamente com o Senhor, do que conservar a vida do corpo por mais algum tempo
e morrer espiritualmente para sempre com
Satanaz.
Após orar de novo sobre o rochedo e
de recomendar a sua alma a Deus, entregou-se ao carrasco e, gritando : «
Senhor Jesus, tem piedade de mim», rendeu o
espírito.
ANDRÉ
LA-FON
ESTE NÃO PERMANECEU FIRME E
Só A TITULO HISTORICO NOS
OCCUPAMOS
DELLE NA PRESENTE NARRATIVA.
O terceiro
huguenote, André la-Fon, alfaiate, foi conduzido pelo carrasco ao mesmo
logar de supplicio. Pelo caminho pedia que, si a alguem tivesse offendido, lhe
perdoassem, visto ser do agrado de Deus que elle morresse por causa da
confissão do seu Santo Nome.
Ora
Villegaignon quizera poupar a este em virtude dos serviços profissionaes
que lhe podia prestar, visto que entre a sua gente não havia nenhum
alfaiate ; comtudo, não podia deixar ele castigal-o, para que se
não dissesse que era de uma parcialidade iníqua. Murmurava-se que
elle ordenára a um de seus pagens revelasse a la-Fon o seu
intento.
Esse pagem e um outro advertiram ao
paciente que, si quizesse salvar a vida, deveria dizer a Villegaignon que elle,
alfaiate, não era muito versado nas Escripturas para responder a todas as
questões que lhe fossem
propostas.
La-Fon, porém, não deu
ouvidos a estes conselhos, entendendo que o perdão dos homens não
era o que lhe importava e, sim, o de Deus. Os pagens fizeram retardar a chegada
do carrasco e, neste comenos, foram procurar Villegaignon, que se achava perto,
supplicando-lhe poupasse o alfaiate ; porquanto, após alguma
reflexão, não se revelava obstinado nas suas idéas e
poderia com o tempo abandonal-as por completo, mesmo porque não tinha
estudos. Demais, allegavam que o alfaiate ser-lhe-ia muito util e substituiria
outro que lhe acarretasse grandes despesas. A princípio o almirante
indeferio rudemente este pedido, asseverando que la-Fon estava muito dominado
pela opinião dos seus companheiros, o que sobremodo o desgostava.
Entretanto, como o reconhecia homem pacifico, perdoal-o-ia caso confessasse o
seu erro; do contrario, seria morto. Neste sentido, ordenou fosse o paciente
inquirido antes de ser estrangulado pelo carrasco. Entenderam-se, pois, estes
dois pagens com o alfaiate, a quem rogaram e concitaram a retractar-se ou a
prometter reconhecer o seu erro, ou, pelo menos, a protestar que não
desejava ser ferrenho na sua opinião; porque, de outro modo,
accrescentaram elles, não haveria possibilidade de
salvar-se.
Finalmente, la-Fon deixou-se
persuadir por estes conselhos e, para escapar á morte, condescendeu em
declarar que não desejava ser pertinaz e obstinado em suas idéas
calvinistas e, emphaticamente, se compromettia a retractar-se, quando lhe
provassem os seus erros pela Palavra de
Deus.
Villegaignon; entendendo que o paciente
se revelava disposto a abjurar o que antes abraçára com tanta
confiança, ordenou ao carrasco que lhe tirasse as algemas e o deixasse ir
em paz, ficando-lhe, porém, por prisão a fortaleza, onde
permaneceu captivo e como alfaiate do almirante e de toda a sua
gente.
Tudo isto se passou antes: das nove horas da
manhã desse dia, para que a maioria das pessoas existentes na ilha
não fosse avisada de taes execuções. Mas, quando se
espalhou a noticia de tamanha crueldade e barrbaria, todos mui justamente se
recri-mínavam a sí mesmos, por motivo de não ter havido
alguem entre elles que oppuzesse embargos á effusão do sangue
innocente.
Entretanto, como ali não
houvesse pessoa alguma capaz desta attitude, deixaram-se todos ficar nas suas
casernas, sem ousarem externar uma palavra do que
pensavam.
E , assim, poude Villegaignon praticar,
sem a mínima difficuldade e conforme melhor lhe aprouve, tão
hedionda crueza.
MARTYRIO DE PIERRE
BOURDON
Não estava, porém, concluído
todo o sacrifício sanguinolento sobre o rochoso cadafalso de Coligny:
restava ainda executar o quarto huguenote, Pierre Bourdon, torneiro; a quem o
almirante votava um odio profundo. Aquelle ficára no continente muito
enfermo e não pudera par isso embarcar com os seus companheiros.
Para completar a execução, o
almirante dirigia-se a terra num bote em que o acompanhavam alguns marinheiros,
pois receava que o torneiro, na sua ausencia, houvesse conquistado sympathias
entre os seus servos, que bem poderiam oppor-lhe
resistência.
Penetrou elle em casa de
Bourdon seguido do subalterno que commandava os outros marujos, os quaes
não sahiram do barco. Ali exigio que lhe trouxessem o doente, que estava
semi-morto. A primeira saudação que lhe dirigio foi ordenar-lhe
que se levantasse para embarcar no bote immediatamente. E, como Bourdon lhe
fizesse ver por palavras e pelo seu estado que se considerava inutil, no
momento, para qualquer trabalho, respondeu-lhe o almirante que era para o tratar
que o conduzia. Constatando, porém, que elle não podia ter-se de
pé, e menos ainda caminhar, fel-o transportar até a
chalupa.
Quando o carregavam, perguntou o doente si
lhe destinavam alguma occupação. Mas ninguem lhe respondeu uma
só palavra. Durante a viagem interrogou-o Villegaignon sobre si queria
manter a Confissão de Fé que assignára ; e o
torneiro retorquio-lhe que pensaria nisso. Não obstante, sem o menor
aviso, tão logo chegaram á fortaleza, o carrasco, segundo a ordem
prévia que recebera do almirante, algemou o torneiro, levando-o ao mesmo
logar de suplicio e recommendando-lhe que pensasse na alma. Então, o
condemnado, olhos fitos no céo e braços cruzados, não se
entristeceu, presentindo que naquelle mesmo logar os seus companheiros haviam
alcançado victoria sobre a morte. Depois, em alta voz, recomendou o seu
espírito ao Creador, dizendo :<<Senhor Deus, sou tambem como
aquelles meus companheiros que com honra e gloria pelejaram o bom combate pelo
teu Santo Nome, e, por isso, peço-te me concedas a graça de
não succumbir aos assaltos de Satanaz, do Mundo e da Carne. E perdoa,
Senhor, todos os peccados por mim commettidos contra a tua majestade, e isto eu
t’o impetro em nome do teu filho muito amado Jesus Christo»
.
Após esta prece, voltou-se para
Villegaignon e inquirio-o sobre o motivo da sua morte. Foi-lhe respondido que a
razão era a assignatura que lançára numa
Confissão heretica e escandalosa. Queria o paciente saber o ponto
doutrinario pelo qual fôra elle considerado hereje, visto que não
havia sido examinado a respeito do mesmo. Suas observações,
porém, não tiveram effeito algum, porque não era mais tempo
de discussão e, sim, de pensar em si proprio, como dizia ao torneiro o
almirante, ordenando em seguida: ao carrasco que se désse pressa em fazer
a execução.
Pierre Bourdon, vendo
que as leis divinas e humanas, que todas as prescripções civis e
christãs estavam como sepultadas, submetteu-se resolutamente ao algoz,
que, depois de o haver suffocado e estrangulado, lançou ao mar o seu
corpo, tal como fizera aos outros dois fieis.
E,
assim, este martyr expirou no Senhor.
Estava,
finalmente, consummada a tragedia sangrenta e tenebrosa
(33).
ViIlegaignon experimentou, nesse momento, um grande allivio em seu
espírito, quer por ter executado o que ha longo tempo premeditára,
quer por haver dado aos que o cercavam uma prova do seu poder e da sua
tyrannia.
[33]
A narrativa nada nos diz sobre o quinto huguenote – Jacques la Balleur.
Mas Rocha Pombo ( Historia do Brasil, vol, III, pag. 514), firmado no estudo
historico do dr. Alvaro Reis, pastor presbiteriano, tem como certo que o
Bollés enforcado no Rio de Janeiro em 1567, em cuja
execução José de Anchieta fez de mestre ele carrasco,
não é outro sinão Jacques le Balleur.
( Vide Alvaro Reis, O Martyr le Balleur
).
As dez horas desse dia – sexta-feira,
9 de fevereiro de 1558 – o almirante reunia toda a sua gente, a
quem dirigia a palavra, exhortando a todos a evitarem a seita dos Lutheranos, de
que deveriam fugir e á qual elle proprio adherira em tempo, mas de cujo
acto se penitenciava, pois não havia perlustrado os escriptos dos Padres
da Egreja Primitiva. E a quantos se obstinassem nas idéas dos Reformados
ameaçou de morte ainda mais horrenda que a inflingida aos tres
martyres, assegurando-lhes, de modo emphatico, que seria para com elles mais
rigoroso do que o fôra para com estes. Recomendou-lhes, pois, tomassem
todo o cuidado a este respeito e se mantivessem em tudo adstrictos ao que os
Padres da Egreja haviam tão escrupulosamente instituído e
praticado.
Em signal ele regosijo pela
execução dos tres fieis, nesse mesmo dia mandou Villegaignon fazer
aos seus servos uma larga distribuição de viveres.
(34)
Mas,
a partir do momento de tão monstruosa crueldade, o almirante foi de mal a
peor, correndo-lhe sempre ás avéssas os seus negocios,
[34]Termina
aqui o livro Histoire des choses mémorables survenues en la terre du
Brésil que Crespin se limitou a reproduzir. Aqui, outrosim, finaliza
a narrativa de Crespin. Os paragraphos seguintes não se acham na ultima
edição por elle publicada (1570), nem mesmo na seguinte (1582),
mas figuram nas de 1597, 1608 e 1619.
E eis
porque escreveu a alguns cortezãos, dizendo-lhes que, si não o
processassem por haver, no Brasil, durante algum tempo, propagado o Calvinismo,
comprometia-se, por seu turno, a eliminar pela morte (ou, na sua
expressão, a fazer emmudecer) os ministros que haviam estado na sua
companhia.
Mallogrados os seus chimericos planos
sobre a America, regressou Villegaignon á França e, para
alcançar favores, publicou em latim, na cidade de Paris, diversas
diatribes contra a sã doutrina
(35),
Refutaram-n’o, porém, sob o nome de P. Richier (
36), e de
maneira tão energica e víctoriosa. que Villegaignon, ao em vez ele
conquistar gloria, se tornou odioso a todos e foi havido por homem realmente
louco.
Sob o reinado de Francisco II, Villegaignon
atacou, a princípio de viva voz e depois por escripto, a Simão
Brossier, ministro de Loudun e então prisioneiro do arcebispo de Tours;
mas Brossier repellio-o vigorosamente, de sorte que todos viam no almirante um
perturbador, uma pessoa destituida de qualquer sentimento
religioso.
[35]Sobre
os títulos destes escriptos, vide :La France Protestante, 2a ed.,
t. V, col. 983 ,art. Durand de
Villegaignon.
(36)
Allusão a pamphletos contra Villegaignon publicados em 1561, de autor
anonymo, sendo, porém, attribuidos a Richier, e os quaes se acham na
Bibliotheca do Arsenal, appensos ao exemplar do livro - Histoire des choses
memorables survenues en la terre du
Brésil.
Finalmente, depois de, no
ultimo quartel da sua existencia , haver vivido como parasita de alguns
fidalgos, que o sustentavam e delle zombavam, pedindo-lhe referisse as historias
das novas terras, Villegaignon começou a ser flagellado por um
padecimento secreto, uma enfermidade horrível que o consumia pouco a
pouco: e, assim, com morte cor-
respondente
ás crueldades que praticára, acabou elle os seus
desgraçados dias neste mundo, sem se arrepender da sua apostasia nem dos
males que da mesma resultaram
(37).
- Sobre
a figura sinistra de Villegaignon, de execrável memoria, convem
registremos aqui as palavras de Rocha Pombo : – «Para se fazer uma
idéa do extremo a que este homem tinha descido naquella phase de hysteria
criminosa, basta citar a conducta de scelerado que elle teve com alguns
daquelles protestantes de du Pont que preferiram retroceder para o forte, a
arriscar a vida fazendo a travessia do Atlantico em um navio tão velho e
estragado como o Jacques, e que começara a fazer agua antes de se
haver afastado da costa. Os cinco Genebrinos que tinham deixado o navio,
á custa de longos trabalhos, perigos e soffrimentos sem conta,
alcançaram afinal a Guanabara ; e procuraram o vice-almirante, appellando
para a sua misericordia. O barbaro, nos primeiros momentos, tranquillizou os
desvairados; mas dali a dias, metteu-se-lhe na alma damnada que aquelles pobres
homens eram espiões de du Font e Richier e mandou, com um requinte de
inclemencia e de dureza que faz gelar o coração, afogar tres dos
desgraçados na bahia. Este sinistro tyranno renovava aqui das scenas
monstruosas de Denys o antigo. Esta horrível tragedia completou aquella
obra de demencia e de crime. A população, tanto da ilha como do
continente, ficou estarrecida não se sabe si mais de
indignação ou de pavor. Alguns dias depois da
execução dos tres martyres – diz Gaffarel – metade dos
colonos tinha desertado, uns met-tendo-se em desvario pelas florestas ; outros
procurando as costas na esperança de que os recolhesse algum navio
francez. O que nos enche de pasmo é que Villegaignon, «detestado
pelos Calvinistas, temido e desprezado pelos Catholicos, aborrecido pela gente
da terra», tenha podido fazer-se algoz de tantas nobres victimas, zombado
de todas as leis divinas e humanas; e afinal que tenha sahido ainda incolume,
deixando-nos, num canto da nossa historia, a mancha mais negra que a
conspurca», (Ob. citada, vol. III, pags. 5o5 –
5o8).
FIM
A P P EN DI C
E
A
RELIGIÃO CHRISTÃ
REFORMADA NO BRASIL NO SECULO
XVII
(Actas dos
Synodos e Classes do Brasil, no seculo XVII,
durante o domínio
hollandez)
PELO
Dr.Pedro
Souto Maior
(Socio effectivo do
Instituto Historico e Geographico Brasileiro)
A RELIGIÃO
CHRISTÃ REFORMADA NO BRASIL,
NO SECULO
XVII
Das pesquizas a que procedi nos archivos
hollandezes, no anno de 1911, tive ensejo de, entre muitas outras
causas de palpitante interesse para a nossa historia, ler curioso trabalho sobre
a Religião Christã Reformada no Brasil, no seculo
XVII.
Traduzindo do hollandez esse
trabalho, que foi conhecido graças á permissão da
administração da egreja provincial de Utrecht, e que consta
de cópias entregues pelo Synodo provincial da Hollanda do Norte ao Synodo
provincial de Utrecht, penso concorrer para o esclarecimento de um
capítulo da nossa historia.
A
traducção que se segue foi feita do Kronick van het Histo-risch
Genootschap Gevestingd te Utrecht.– Zesde Serie Vierde
Deel.
As actas da classe do Brasil
constituem a historia da divisão da Egreja Reformada
Neerlandeza.
De sua leitura colhem-se fartas
informações sobre a instrucção, a moral e costumes
d'aquella colonia.
I
Actas da primeira Classe de Pernambuco
reunida no Recife, em, 16 de Dezembro de 1636
Compareceram á sessão : Predicantes:
DD. Daniel Schagen, Samuel Batiler, Jodocus a Stetten, Cornelius van der Poel,
Johannes Oosterdagh, Joachimus Soler, J. Theodorus Polhemius, David a
Dorenslaer; Anciãos: Srs. Wilhelin Shot, Paulus Serotskerken, Cap.
Richart Lavei, Johan Robberts; Singr : Jan
Rooman.
Após a invocação do
Santo Nome de Deus, foram eleitos para : Presidente, D. Daniel Schagen ;
Assessor, D. Samuel Batiler; Escriba, D. Jodocus a Stetten.
SESSÃO
PRIMEIRA
D.Thomas Kempius fez uma dissertação
sobre o Evangelho de S. João
B[8] : 16, que
agradou ao auditorio.
SESSÃO
SEGUNDA
D. Samuel Batiler foi escolhido para examinador, e
procedeu ao exame em latim. Os irmãos da classe, sendo interrogados como
julgavam a resposta do candidato de Theologia, declararam-se satisfeitos com
ella; foi elle, portanto, admittido por voto unanime como proponente na
língua ingleza, devendo servir no acampamento em Serinhaem e ser-lhe dado
para esse fim um título pelo deputado da classe.
SESSÃO
TERCEIRA
1 – Como fosse entregue ao D. Presidente uma
missiva em que se manifestava descontentamento da parte de membros da Classe
sobre a circular de S. Ex., escripta por ordem.do Conselho Ecclesiastico do
Recife para a convocação da actual Classe, a assembléa,
estudando a questão, ficou bem convencida que D. Schagen fizera bem em
cumprir a ordem do Conselho Ecclesiastico.
2
– Perguntaram porque não fizeram chamar D. Samuel Fol-keri,
actualmente em serviço na egreja da
Parahyba?
A resposta foi – por causa das
actuaes difficuldades daquelle logar e tambem porque não convinha
á egreja a ausencia dos dous predicantes.
3
– D. Polhemius, empregado no serviço divino no acampamento,
continuará até decorrerem os seus tres mezes de serviço ;
prazo que será observado dóravante para os que forem
successi-vamente para o serviço do acampamento, devendo substituil-o D.
Schagen ; a esse substituirá D.
Dorenslaer.
4 – Para o serviço da
egreja do Recife estão indigitados D. Schagen e D. van der Poel. Para a
egreja de Itamaracá D. Jodocus a Stetten. Para a egreja do Cabp de Santo
Agostinho D. Polhemius. Para a egreja da Parahyba na cidade D.
Dorenslaer.
A egreja neerlandeza acha-se no Forte e
é servida por D. Folkerus.
A ingleza
está no mesmo forte e e servida por D.
Batiler.
D. Oosterdagh continuará no
serviço do acampamento até ordem ulterior.
SESSÃO
QUARTA
Não estando D. Polhemius satisfeito com o
cargo para o qual foi nomeado, a illustre Assembléa resolveu que a
nomeação fosse provisoria, até expirar o seu prazo de
serviço no acampamento. Ficou resolvido que os deputados da Classe
solicitassem em termos do Conselho um edital em hollandez e portuguez contra
os que estão vivendo incestuosamente neste paiz.
SESSÃO
QUINTA
1 – Tratou-se da questão de Johannes
Oosterdagh a respeito do casamento no Recife de uma mulher chamada Sara
Hendricks contra a opinião e aviso do Conselho da Egreja. Foi o mesmo
censurado pela má interpretação dada na sua carta sobre a
citação de S. Matheus, 19:9. Perguntando-se-lhe si não
fizera mal, respondeu sim, promettendo proceder com mais prudencia no futuro ;
tambem renunciou a sua falsa opinião.
A
nobre Assembléa, vendo a sua submissão e humildade, supplica para
que os irmãos o relevassem por essa vez ; perdoa-ram-no pelo erro e
falta, com uma forte exhortação para que procedesse
criteriosamente no futuro e em caso de reincidencia se veriam forçados a
agir com mais rigor.
Tambem ficou resolvido que ao
chegar ao acampamento désse o verdadeiro sentido do Espírito Santo
ao Vers. 19 de S. Matheus, e informasse disso aos que por acaso tivessem
conhecimento da sua falsa
interpretação.
2 – Os deputados
da Classe são encarregados de solicitar dos Srs. do Conselho que a
referida Sara Hendricks, que ainda vive em adulterio, seja trazida do
acampamento, afim de ser mandada para a patria.
3
– A respeito da questão suscitada entre o Cap. Stalpaert e
Polhemius, a III. Assembléa comprehendeu, quanto ao que concerne a
Polhemius, que de certo modo procedera mal e
inconsideradamente.
D. Presidente fez-lhe uma
exhortação em nome da III. Assem-bléa, recommendando-lhe
proceder mais criteriosamente no futuro.
4 –
D. Samuel Batiler, tendo requisitado 2 Consoladores de enfermos
neerlandezes, um no forte e outro na Aldeia fundada perto delle,
responderam-lhe que elle, assim como o Conselho da egreja, poderia achar
lá mesmo em pouco tempo duas pessôas capazes de serem investidas
naquelle cargo.
Foram nomeados deputados da Classe
D. Schagen, D. Batiler e D. Soler.
6 – Os
Srs. Deputados são encarregados de solicitar do Supremo Conselho um
determinado ordenado para D. Johannes Oosterdagh, desde a data da sua
nomeação para predicante.
7
– E que seja egualmente concedido um determinado ao D. Kempius como
proponente.
Depois de praticada a Censura
Morum, a Assembléa dissol-veu-se em paz e amor. – Daniel
Schagen p. t. Preces ; Samuel Ba-tiler, Assessor ; Jodocus a
Stetten, Escriba.
II
Assembléa
da Classe, que funccionou em Pernambuco, em 3 de Março de
1637
Compareceram a esta honrada Assembléa:
Predicantes: D. Jodocus a Stetten, Itamaracá; D. Samuel Batiler, Forte
Norte da Parahyba ; D. Frederico Kesselerus, Recife ; D. Cornelius van der Poel,
Recife ; D. Joachimus Solerus, Recife ; D. Theodorus Polhe-mius, Cabo de Santo
Agostinho ; D. Samuel Folkerus, Forte Sul da Parahyba; D. David van: Dorenslaer,
Frederica; o Sr. Jan Robber-tes, ancião no Recife; o Sr. Major Goedlad,
ancião na Parahyba.
Após a
invocação do Santo Nome de Deus por D. Cornelius van der Poel, D.
Kesselerus apresentou a sua carta de nomeação e commissão,
dada pela Illustre Classe de Amsterdam, na qual é declarada a sua
nomeação para auxiliar no serviço da palavra divina e para
ajudar a fundar e estabelecer a egreja de Deus, com optimos attestados de sua
pessôa, quanto á instrucção, vida e aptidões
para o governo ecclesiastico.
A Classe
apressa-se a reconhecel-o como tal e em acceital-o como um dos seus membros,
agradecendo a Deus e louvando-o de todo o coração, por lhes mandar
um bom pastor e mestre, que com o seu divino auxilio poderá fazer grande
edificação, para o que Deus lhe dará a sua
benção.
Depois disso foram eleitos
pela Assembléa : para Presidente, D, Fredericus Kesselerus : Assessor, D.
Cornelius van der Poel; Escriba, D. David van Dorenslaer. E feita mais uma. vez
a oração pelo D. Presidente, abriu-se a
sessão.
SESSÃO
PRIMEIRA
1 – É lida certa
instrucção dada a D. Frederico Kesselerus pela Classe de
Amsterdam, sobre a qual, tendo ouvido uma declaração de S. Ex., a
classe ficou satisfeita.
2 – E’ tambem
lida uma missiva mandada pela Classe de Amsterdam, assim como pela de Walcheren
para o Conselho Eccle-siastico do Recife, na qual se queixam da negligencia do
mesmo Conselho sobre a communicação do estado das egrejas ni)
Brasil e.sobre o mau comportamento de alguns funccionarios desse serviço
nesse paiz, com uma seria exhortação para que no futuro não
omittam essas noticias ; sobre esse assumpto tratar-se-á mais
tarde.
3 – São lidas depois disso as
actas dá. Classe anterior e em seguida trata-se da
verificaçâo dos irmãos presentes, observando-se que todos ou
a maioria dos anciâos do Conselho da Egreja do Recife estavam presentes ;
suscitou-se então uma duvida, si; não convinha combinar-se sobre o
numero de anciãos que deviam ser mandados á Assemblea da
Classe.
Ficou entendido que se regulariam neste
assumpto pelo Sy-nodo Nacional, que teve logar ultimamente em Dordrecht, isto
é, que deve ser mandado um ancião de cada egreja, devendo tanto os
predicantes como os anciãos apresentar á Classe as competentes
credenciaes.
4 – Devido á
promoção de D. Kempius a proponente (do que se tratou na
primeira sessão) perguntaram si no futuro se contra-ctaria ou promoveria
alguem para predicante a não ser em caso de extrema necessidade?
Responderam que não, visto se poder obter da metropole numero sufficiente
de predicantes e assim não diminuir a liberdade desta
Classe.
5 – Na occasião em que na 3.a
sessão se deu o motivo porque D. Daniel Folkerius não foi chamado,
para a Classe, ficou ' resolvido convocar dóravante sem
excepção alguma todos os membros da Classe, deixando a qualquer
egreja-a liberdade de nomear. os seus
deputados,
6 – E’ tambem resolvido
que sejam adjudicados pela Assembléa Classical aos predicantes chegados
aqui da metropole os cargos em que forem precisos os seus serviços, ou si
ella de fórma alguma não se puder reunir, póde o mesmo ser
feito provisoriamente pelos deputados da Classe.
7
– Julga-se desnecessario ter mais de um predicante no acampamento,
além do D. Kempius, a não ser que o acampamento seja dividido em
dous e em pontos distantes, e então os Deputados ficam encarregados de
resolver si ha ou não necessidade de mais um predicante, e de nomear um,
si realmente for preciso.
E visto D.
Planté juntamente com o proponente prestar o serviço no
acampamento, fica David van Doorenslaer incumbido de substituir a Schagen,
até contra-ordem,
8 – Os predicantes
não mais poderão ter cavallos sob pretexto de serviço do
acampamento ; mas a Classe solicitará ao Supremo Conselho se digne
fornecer um cavallo ao predicante que tenha de ir para o
acampamento.
9 – Os deputados commumicam que
solicitaram do Supremo Conselho (conforme foram encarregados na 4.a
sessão) que publicasse um edital contra os que estão vivendo
incestuosamente neste paiz, mostrando que S.S. EEx. deviam cuidar do assumpto;
mas como ainda não tenha apparecido resultado algum daquelle passo ,
são os mesmos encarregados novamente de representar sobre isso a S. Ex. e
ao Supremo Conselho.
10 – A proposito disso,
ficou resolvido pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho, quanto á judia da
Parahyba, culpada de horrível sacrilegio contra o nosso salvador Jesus
Christo e o Santo Baptismo, que SS. EEx. se dignem punil-a conforme o
gráo da sua culpa, o que ainda não se fez.
11 – Do D. Johannes Oosterdagh (de quem se
tratou na 5.a sessão) se falará mais
tarde.
12 – Quanto a Sara Hendricks, ficou
resolvido solicitar a S. Ex. e ao Supremo Conselho que a mandem buscar do
acampamento e a enviem para a metropole.
E, como a
egreja de Deus é cada vez mais difamada por causa do casamento illicito
de Sara Hendricks, resolveram mais ouvir sobre isso, na primeira opportunidade,
D. Schagen e D. Oosterdagh, ambos actualmente no acampamento, visto terem sido
elles que realizaram o casamento da dita Sara Hendricks ; e ao mesmo tempo
perguntar ao D. Oosterdagh si declarou tudo sobre o texto de Matheus, como a
Classe lhe impoz.
SEGUNDA SESSÃO, Á
TARDE
1 – Os Rev. Deputados communicam que,
cumprindo a in-cumbencia dada na 5.a sessão, requereram e obtiveram um
esti-pendio para D. Oosterdagh e D. Kempius.
2
– Depois disso o D. Presidente fez uma investigação sobre o
estado das egrejas no paiz, quanto ás orações, o
serviço da communhão, o exercício da disciplina
ecclesiastica, o funcciona-mento dos consistorios, o registro das actas, o
numero de membros, a visita domiciliar para o serviço da communhão
e outras baterias concernentes.
E como,encontrasse
faltas em muitas dellas foi resolvido corrigil-as muito seriamente e
especialmente tomar estrictas providencias para que se observem as
attestações dos membros, que se faça a visita domiciliar
para o serviço da com-munhão, que sejam assignados os nomes dos
que forem á commu-nhão, assim como dos que se baptizarem ou se
casarem, e principalmente se pratique a disciplina ecclesiastica, como é
mistér.
3 – Resolveram mais que o
Conselho Ecclesiastico no Recife se reuna uma vez por semana e onde for
possível diariamente, mas o da Parahyba todos os mezes, pois como serve a
varios logares não póde reunir-se mais
vezes.
4 – Tambem deve ser observado que em
todos os logares em que ha creanças, e especialmente no Recife, se fundem
escolas; neste ultimo deve haver além disso um mestre
portuguez.
5 – Recebeu-se
informação que são precisos consoladores (hollandezes) de
enfermos em itamaracá, na Restinga e em Muri-beca;
providenciar-se-á sobre essa falta, na primeira
opportunidade.
6 – Visto tambem convir que os
predicantes se interessem pela catechese dos índios, portuguezes e
negros, e nada se póde conseguir nesse sentido sem os convenientes meios,
apresentamos agora um plano para tal fim :
Em
primeiro logar deve-se fazer um resumido catechismo na língua hespanhola
com algumas orações.
Sendo D.
Joachimus Soler encarregado dessa empresa, declarou já ter feito um
esboço desse pequeno livro.
Em segundo
logar, que se solicite a S. Ex. e ao Supremo Conselho se dignem manter alguns
índios no Recife á custa da Companhia, afim de que sejam
instruídos na egreja da Religião Christã, por Joachimus
Soler, que promette applicar-se a esta obra.
O
terceiro meio é de estabelecer mestres de escolas, tanto hollandezes como
índios, si for possível, nas aldeias de
índios.
Tendo sido approvado esse projecto,
ficou resolvido apre-sentai-o a S. Ex. e ao Supremo Conselho, e os Deputados
são encarregados de se esforçarem por conseguir a
sancção dos mesmos.
7 – Tambem
é julgado necessario que as pessôas que se queiram casar,
compareçam ante todo o Conselho Ecclesiastico, ou de qualquer
fórma a tantos membros quantos estiverem
reunidos.
8 – Item – pedir que nos
sejam communicadas as Actas do Synodo do Norte da Hollanda do anno 1620 e dahi
em diante de anno a anno.
9 – Item –
mandar-nos tudo que ha de assentado e firmado segundo as ordenanças
matrimoniaes na metropole ; as pessôas que se apresentam como casadas
devem comparecer ante o Conselho Ecclesiastico para darem provas
disso.
TERCEIRA SESSÃO, DE
MANHA
1 – Christiaen Christiaenss, consolador de
doentes no Cabo de Santo Agostinho, apresentou-se á Classe
requerendo que, visto já haver residido 40 mezes neste paiz, dos
quaes 36 como consolador de doentes, que a Illustre Classe se digne
conceder-lhe augmento de ordenado que agora é apenas de 20 florins,
promettendo que, si o despacharem favoravelmente, elle continuará
assíduo e diligente no serviço da Companhia, O seu requerimento
(visto ficar provado que elle é diligente no seu serviço e de vida
exemplar) foi deferido pela Assembléa.
2
– A Assembléa tambem recebeu uma communicação de que
certa mulher de Sedan, chamada Antonette Cantei e filha de um predicante, vinda
para este paiz com um soldado, chamado Lucas Harmon, pertencente á
Companhia do Capitão Doncker, dão-se por casados, mas se descobriu
que vivem em concubinato; e mais ainda em adulterio, tendo deixado o legitimo
marido, um servidor da palavra divina, o qual ella abandonou na patria para
lançar-se á prostituição. Que por isso já o
Conselho Político foi solicitado pelo Conselho Ecclesiastico do Recife,
afim de mandal-a para a metro-pole; mas que isso foi obstado por qualquer
motivo.
Portanto, pergunta-se o que se deve fazer
agora. Ficou resolvido intimar Harmon e Antonette Cantei a comparecerem a essa
Assembléa e interrogai-os aqui depois; encontra-se a
continuação deste caso nos arts. 4.o e
6.o.
3 – Tendo D. Presidente referido que
Christianus Wachtelo chegara á metropole com tão bons e honrosos
attestados que a Ill. Classe de Armsterdam, apesar de estar informada da
sua má e escandalosa conducta neste paiz, teve de se mostrar satisfeita
com elle.
E está, entretanto, provado que
não lhe foi dado pelo Conselho do Recife outro attestado a não ser
o que em nada o recom-menda.
Ficou, portanto,
resolvido explicar isso á Classe de Amster-dam, afim de que possa saber
que pessôa é esse Christianus e dizer a verdade a outros, entre os
quaes elle se achar.
4 – Compareceu Lucas
Harmon, o qual sendo perguntado si tinha aqui a sua legitima mulher, declarou
com muitas palavras que sim ; não apresentou, entretanto, prova alguma e
caiu em contradicções.
5 –
Vendo-se, pelo exemplo de Christianus Wachtelo, que alguns sabem arranjar
attestados falsos, ficou resolvido que os attestados dados pelos predicantes e
consoladores de enfermos a pessôas que vão para a metropole
deverão ser registrados no livro da egreja, e deverá ser mandada
uma copia delles extrahida para a respectiva Classe da metropole: assim
como nenhum pre-dicante ou ancião poderá fornecer attestados a
quaesquer membros sem a approvação do Conselho
Ecclesiastico.
6 – Antonette sendo
interrogada si era casada com Luc. Harmon continuou obstinadamente a dizer que
sim, e quanto ao seu anterior marido, sustentou sempre que morrera, mas varias
vezes caio em
contradicção.
Tambem as
declarações de ambos não estão de accordo. Ella diz
que os proclamas foram feitos na egreja de Amsterdam ; elle declarou que em
Haya. Ella diz que recebera do predicante,
em
Amsterdam, uma certidão do matrimonio, que fôra entregue a Camara
dos Srs. Directores ; elle declarou que jámais recebera uma
certidão de predicante algum.
7
– Sendo evidente que essas duas pessôas : Lucas Harmon e
Antonette Cantei, não estão legalmente casados, nem podem provar o
divorcio do marido della, que ouvimos dizer estar ainda vivo, ficou resolvido
communicar a questão a S, Ex. e ao Supremo Conselho e incitar seriamente
SS. EEx. a que appliquem a merecida pena a taes
maldades.
8 – A Classe, sendo
solicitada pelos Deputados do Supremo Conselho Ecclesiastico da Parahyba se
digne coadjuvar com a sua autoridade o dito Conselho em requisitar de S. Ex. e
do Supremo Conselho um director para o hospital da Parahyba, visto ser bem
preciso haver alli, podendo para esse cargo aproveitar-se um que está
empregado lá com as milícias, acceitou de boa vontade a
incumbencia.
9 – Foi suscitada a seguinte
questão ; si os anciãos mudando-se de um para outro logar,
deveriam ser reconhecidos sem nova eleição do Conselho
Ecclesiastico ; a Classe respondeu que não. A proposito disso a Classe
tambem recommenda que dóravante se tome muito em
consideração que para anciãos não devem ser
escolhidos os homens sómente pela sua dedicação á
Egreja Reformada, mas tambem pela sua bôa reputação. Tambem
não deverá ser nomeado por mais de 2 annos ; comtudo, si for
necessario, póde ter uma prorogação do
prazo.
10 – D. Batiler requereu que a
Classe se digne empenhar-se com S. Ex. e o Supremo Conselho, afim de que
Samson Calvert, tendo servido durante o prazo de um anno como leitor no forte
Norte da Parahyba, durante o qual tempo se portou bem e foi diligente (ainda que
depois se tornasse negligente), seja inscripto como tal no livro da Companhia.
E’ deferido o requerimento.
11 –
Perguntaram si uma egreja particular pode sem conhecimento de outra examinar e
promover um consolador de enfermos. Ficou decidido que isso compete
exclusivamente á Classe.
12
– Ficou resolvido que se funde uma egreja no Cabo de Santo Agostinho (o
que até agora não teve logar), ficando os deputados da Classe
incumbidos da realização desse
projecto.
13 – A proposito do que foi
communicado a esta Classe, isto é, que um sargento, havendo
ajustado casamento com uma filha de portuguez, pedira que um predicante daqui
fosse ao sítio, onde ella mora, e que o Conselho Ecclesiastico daqui
não pôde negar por importantes razões; foi proferida sobre
isso a seguinte sentença: o Conselho Ecclesiastico procedeu sabiamente
nessecaso, mas tambem isso nunca mais deve ser permittido, e os que quizerem
casar, devem ir ao logar onde se costuma celebrar essa solenni-dade, a menos que
a Classe não venha a resolver de outra
fórma.
QUARTA SESSÃO, Á
TARDE
1 – Visto D. Jodocus a Stetten haver-nos
communicado que não encontra material donde escolher anciãos na
sua freguezia, ficou resolvido que os visitadores por occasião de sua
inspecção ás egrejas, segundo a situação da
egreja, se encarregassem tambem disso.
2
– Tambem D. Jodocus a Stetten communicou a esta Classe que um tal
Pieter van Haesten foi descoberto como tendo furtado dinheiro dos pobres e
condemnado a restituir o dinheiro, o que até agora não
fez.
Ficou resolvido falar-se sobre isso ao Sr.
Fiscal.
3 – Quanto á
profanação dos domingos, que aqui se com-mette grosseiramente com
cantos, pulos, fazendo-se publicamente trabalhos, comprando e vendendo,
embriagando-se e jogando e praticando-se muitos abusos e excessos, provocando
altamente a colera divina, é julgado de extrema necessidade representar a
S. Ex. e ao Supremo Conselho, com toda a insistencia e ardor, para que sejam
immediatamente abolidas tal profanação e violação do
domingo. Quando tambem se tiver de fazer predica publica durante a semana, que o
serviço divino não seja interrom-pido por algazarra na rua, ao
redor ou junto á egreja (como succede muitas vezes no
Recife).
SESSÃO QUINTA, PELA
MANHÃ
Visto as missivas das Illmas. Classes de Amsterdam e
Walcheren, mandadas ao Conselho Ecclesiastico do Recife e lidas novamente agora,
se queixarem da má vida, não sómente dos fieis, mas tambem
de alguns predicantes aqui no paiz, foi resolvido fazer-se uma
investigação nesta Assembléa sôbre o comportamento de
cada um.
SESSÃO SEXTA, Á
TARDE
1 – Fazendo-se a investigação
quanto a pessôa de D. Polhemius, foi referida alguma causa contra a sua
vida, resolvendo a Classe admoestai-o por esse
motivo.
2 – Tambem se achou que D.
Jodocus a Stetten, apesar de haver sido antes admoestado e censurado, entretanto
tem continuado na sua conducta escandalosa; por esse motivo a Classe
julgou não serem mais convenientes os seus serviços á
egreja de Deus neste paiz, e, portanto, resolveu que regressasse á
metropole, no prazo de 5 a 6 mezes.
3 –
Tendo D. Samuel Folkerus requerido á Classe que se digne dar-lhe a
licença para partir para a metropole com um attes-tado sobre a sua
pessôa, foi-lhe concedida a licença ratificada por S. Ex. e Supremo
Conselho, tanto mais por quanto se julgou illegal a sua nomeação
para o cargo de predicante e além disso elle foi encontrado em falta
tanto no que diz respeito á sua conducta, como principalmente aos seus
conhecimentos. Foi-lhe tambem concedido um attestado, cuja cópia
ficará registrada no livro da Classe.
SESSÃO SETIMA, DE
MANHÃ
1 – Tendo sido feita a pergunta – si se
devia fazer investigação nesta Classe sobre o comportamento
de D. Schagen e D. Oosterdagh, ambos ausentes da Assembléa, concluiu-se
que sim ; entretanto não se deve proferir sentença definitiva
antes de serem elles proprios ouvidos, ou em presença da classe de
Deputados ou de outros que forem autorizados para isso por esta
Classe.
2 – Por esse motivo a
seguinte investigação foi quanto ao D., Schagen c depois quanto ao
D.Oosterdagh, e sendo allegadas muitas causas contra os dous sobre as quaes
ambos deveriam ser ouvidos, foram autorizados para isso os Deputados desta
Classe, juntamente com o Conselho Ecclesiastico do Recife, assim como
para liquidar definitivamente essas
questões.
3 – Ficou resolvido
permittir queos proponentes, que forem empregados neste paiz, compareçam
como ouvintes a todas as sessões da Classe, não tendo voto
deliberativo ou definitivo, devendo tambem sair do recinto, quando se tratar de
questões pessoaes.
4 – São
nomeados Deputados da Classe D. Freder, Presidente ; D. Kesselerus e D.
Joachimus Solerus.
5 – Ficou tambem
resolvido cumprimentar o Supremo Conselho, por meio dos dous actuaes
anciãos, e pedir que, visto o decreto da Camara dos XIX dizer – que
do mesmo modo que todos os outros os predicantes recebam etapa, – que SS.
EEx. se dignem zelar pelos que têm que alimentar mulher e filhos neste
paiz.
SESSÃO OITAVA, A
TARDE
1 – Os 2 irmãos anciãos referem
que, havendo apresentado o requerimento ao Conselho Supremo, receberam como
resposta, que SS. EEx., quando se fizesse a distribuição das
etapas, sería o o momento opportuno para lhes
recordarem.
2 – D. Jacobus Dapper, tendo
chegado hoje no navio Oran-gien, entregou a esta Assembléa suas
cartas da parte da Classe de Schauwen e outras da Classe de Walcheren, nas quaes
são declaradas a sua profissão e commissão para o
serviço da palavra divina e a fundação da Egreja de Christo
no Brasil, com optimos attes-tados sobre a sua
pessôa.
Portanto, os irmãos da Classe
o reconheceram unanimemente como tal, agradecendo com alegria ao Senhor nosso
Deus que se digna usar de tão bom e paternal cuidado para a sua pobre
egreja, aqui enviando tão piedosos e competentes pastores ; além
disso acceitaram S. Ex. como membro desta Assembléa, rogando a Deus lhe
lance a sua rica benção.
3
– Sobre o baptizado de filhos de Indios e Negros, suscita-ram-se duas
questões: uma, quanto aos filhos, cujos paes não são
baptizados; a outra quanto aos filhos, cujos paes foram
baptizados.
Os irmãos responderam
unanimemente que os filhos de paes não baptizados não
poderão receber o baptismo, antes que os paes sejam instruídos na
verdadeira religião christã e depois
baptizados.
Mas quando já são
baptizados e reconhecem Jesus Christo, então deve-se e cumpre deixar
levar os seus filhos ao baptismo.
Esta
resolução será levada ao conhecimento das illustres
Classes de Amsterdam e Walcheren, afim de communicarem ao Synodo para dar
sentença sobre a mesma.
4 – Foi
proposto que os paes que pretendam apresentar os filhos ao baptismo sejam
obrigados a avisar de vespera um predi-cante. O que é desejado por todos
assim fosse, mas visto não ser possível estabelecer tão
estrictamente essa medida, ficou resolvido deixar esta questão seguir o
seu curso natural. E deve entender-se essa regra, não só com os
Indios ou Negros, mas tambem com os da nossa
nação.
5 – Visto haver a
Classe de Walcheren enviado uma missiva ao Conselho Ecclesiastico do Recife em
que requer que seja aqui empregado como proponente um certo Jan Michiels,
mandado ha tempos de lá para tal fim, pergunta-se si esse ]an Michiels
deve ser acceito como proponente. Responderam que, tendo-lhe sido dado
pelo Conselho Ecclesiastico do Recife um texto como prova, essa foi considerada
tão má, que não se julgou dever acceital-o para proponente
; portanto, deve esta Classe rejeitai-o pelo mesmo motivo.
SESSAO NONA, DE
MANHÃ
1 -- Julga-se serem precisos actualmente 7
predicantes hollandezes para o Brasil, a saber
:
Tres no Recife, junctamente com Antonio Vaz, para
os quaes logares são nomeados D. Presidente, Fred. Kesselerus, Jacob
Dapperus: do terceiro se falará, depois que S. Ex. vier do
acampamento.
A egreja da Parahyba deve ser servida
por D. Cor. van der Poel e D. David van Doorenslaer, os quaes devem fixar
residencia na cidade, devendo tambem se encarregar alternativamente do forte
Sul.
O cabo de Santo Agostinho continuará a
ser servido por D. Theodurus Polhemius, que deve fazer o possível para
manter lá em bom estado a egreja. Tambem os irmãos da Classe
deverão lembrar-se delle por
occasião.
Quanto a D. Plante, que se
encontra actualmente com S. Ex. no acampamento, foi achado conveniente ouvir a
S. Ex. antes de lhe indicar qualquer logar.
2
– O Sr. Gijseling, do Supremo Conselho, mandou, ha pouco, entregar a esta
Assembléa uma certa missiva, mandada pela Ill. Classe de Walcheren, vinda
junctamente com a missiva da Ill. Classe de Amsterdam, sobre o que já se
tratou nas sessôes 5a e 6a. Ficou resolvido que nada mais ha a dizer sobre
a presente missiva.
3 – Visto haver-se
achado que, além dos predicantes que estão aqui no paiz,
são precisos mais dous, ficou resolvido requerer ás Classes de
Amsterdam e Walcheren, assim como á Assembléa dos XIX, que se
dignem prover a egreja daqui de mais dous varões illustrados, piedosos e
experimentados.
4 – Tambem foi resolvido
responder ás Classes de Amsterdam e Walcheren sobre suas missivas e
mandar as actas desta Classe aos seus Lll. Membros, para maior contentamento,
por onde vejam o que temos feito, e junctamente requerer que os Ill. Membros se
dignem communicar as ditas actas ás egrejas da Hollanda do Norte e de
Mosa, visto que no presente não ha tempo, nem opportunidade aqui para se
fazerem tantas copias.
5 – Visto que
tambem não convem acceitar-se ligeiramente accusações
contra um ancião ou predicante, ficou resolvido que se não podem
trazer á Classe queixas contra algum dos membros da mesma, antes que seja
interrogado em particular sobre isso, e, si não prestar
attenção, então será primeiro admoestado pelo
Conselho Ecclesiastico.
6 – Ficou, emfim,
tambem resolvido que a Classe se reunirá todos os annos no Recife,
em duas sessões ordinarias, no princípio e no fim do verão.
O dia da reunião será communicado em tempo pelos DD.
Deputados.
Depois disso, feita a
exhortação do D. Presidente aos irmãos quanto ao zelo no
serviço e a invocação do Santo Nome de Deus, a
Assembléa se separou em bôa paz e
harmonia.
Estava assignado – Fredericus
Kesselerus, Classe p. t. Preses. Cornelio van der Poel Ass. David
van Dorenslaer, p. t. Scriba Classis.
III
Assembléa
Classical do Brasil, reunida a 5 de Janeiro de 1638, em
Pernambuco
Compareceram á assembléa : da egreja
do Recife: D. Joachi-mus Solerus, D. Fredericus Kesselerus, D. Jacobus Dapperus,
pre-dicantes ; Jacob Altrichs, ancião; da egreja de Itamaracá: D.
Jo-hannes Theodorus Polhemius, predicante, Jan Huggen, ancião; da egreja
da Parahyba : D. Samuel Batiler, D. Cornelio van der Poel, D. David van
Dorenslaer, predicantes ; Pieter ter Weyden, ancião; D. Franciscus Plante
e D. Johannes Oosterdagh, predicantes, des-culparam-se de não comparecer
por causa do serviço do acampamento.
SESSÃO
PRIMEIRA
1 – Após a invocação do
Santo Nome de Deus procedeu-se á leitura das credenciaes e acharam todas
em ordem. Os de Itama-racá não puderam apresentar as suas, por
não ter havido reunião do Conselho Ecclesiastico e foram
desculpados.
2 – Passou-se á
eleição, e foram eleitos por maioria de votos para presidente, D.
Dapperus; assessor, D. Kesselerus; escriba, D.
Polhemius.
3 – Feita novamente a
oração pelo D. Presidente são lidas as actas da Classe
anterior, reunida no Recife em 3 de Março de 1637. Tratou-se do seguinte
.
4 – Quanto á pessôa do D.
Kempius acceito pela Classe como proponente, os Deputados informaram que lhe foi
concedida licença a instantes pedidos seus para ir para a Metropole, com
approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, por causa da grande
fraqueza physica.
A Classe acquiesceu a
isso.
5 – Sobre o art. 8.º,
sessão primeira – a respeito da acquisi-ção de um
cavallo para os que servirem no acampamento, os De-putaram referiram que foi
permittido e promettido por S. Ex. e o Supremo
Conselho.
6 – Os DD. Deputados referem
que, conforme foram encarregados na sessão primeira, art. 9.º, afim
de obter autorização para se publicar um edital contra o incesto,
tiveram o consentimento; mas, como isso ainda não se désse, foram
novamente encarregados de repetir o pedido.
7
– Sobre a sessão primeira, art. 10, a respeito da judia da
Parahyba, foi referido pelos DD. Deputados que o Supremo Conselho permittira que
se tirasse informação com o Juiz daquella cidade ; mas, visto os
Ill. irmãos da Parahyba nos haverem communicado que ella tem ido
assiduamente á egreja e dado grande esperança de conversão,
ficou assentado que se espere mais algum tempo, e recommendou-se aos
irmãos da Parahyba para observal-a
attentamente.
8 – Art. 12 da primeira
sessão :
Foi communicado pelos DD. Deputados
que o Supremo Conselho resolvera repatriar Sara Henrick por causa do seu
casamento illicito ; mas, como não tenham ainda effectuado essa medida, a
Classe requer que os DD. Deputados insistam sobre a sua
execução.
9 – D. Schagen,
sendo interrogado sobre esse casamento illicito, respondeu que julgara ser
melhor que estivesse casada do que vivesse na prostituição : os
DD. Deputados, assim como toda a classe, consideraram inconveniente essa
opinião e contribuíram para que lhe dessem a
demissão.
10 – Quanto a D. Johannes
Oosterdagh, tratar-se-á delle mais
tarde.
11 – Foi interrogado na Segunda
Sessão, art. 2.o, si, segundo a resolução da Classe
precedente, eram cumpridos os deveres ecclesiasticos, como sejam : –
catechese, pratica da disciplina ecclesiastica, reunião de consistorios,
assignatura das actas, a visita domiciliar para a communhão. Acharam que
graças a Deus, tudo tem sido, quanto possível, observado e
cumprido especialmente no Recife e na Parahyba. Os de Itamaracá promettem
egualmente fazer o mesmo.
12 – Quanto ao
art. 4.o da Sessão Segunda, acharam que todas as escolas são
mantidas, segundo as circumstancias das suas
localidades.
13 – Por occasião da
Sessão Segunda, art. 5.o, os DD. Deputados representaram que havia muito
poucos consoladores de enfermos, tanto no mar como em terra, e a Classe ao ter
conhecimento disso, resolveu que sejam solicitados mais outros á
Assembléa dos XIX.
14 – Sobre a
Sessão Segunda, art. 6.o, relativa aos meios da catechese dos indios os
DD. Deputados informam o seguinte :
1 –
que D. Solerus mandara para a metropole um breve compendio da religião
christã, com algumas orações, cujos exemplares são
aqui esperados.
2 – Quanto a manter aqui
alguns indios á custa da Companhia, para aprenderem a religião
christã, o Supremo Conselho ponderou que talvez a classe nesta
reunião descubra melhores meios.
15
– Indagando-se dos DD. Deputados si haviam pensado em melhores meios para
a conversão dos indios, elles communicaram que achavam que se devia
collocar um predicante nas Aldeias para prégar a palavra de Deus,
ministrar os Sacramentos e exercer a disciplina religiosa; e que se devia juntar
a esses para os auxiliarem dous preleitores, versados na língua
hespanhola afim de ensinarem as crianças e os adultas a ler e escrever e
instruil-os nos elementos da religião
christã.
Esse parecer agradou aos Ill.
Irmãos da Classe, tanto mais quanto os Irmãos da Parahyba
communicaram que os Indios com quem estiveram servindo algum tempo se mostravam
anciosos por terem predicantes, e requereram expressamente essa providencia
á Ill. Assembléa.
A Assembléa,
deliberando sobre esse assumpto, resolveu pedir ao D. David van Dorenslaer, cuja
competencia e zelo, assim como o seu conhecimento da língua portugueza,
eram notorios, se dignasse acceitar este appello
christão.
E effectivamente rogaram
áquelle digno consocio com argumentos, promettendo prestar-lhe todo o
auxilio com conselhos e orações a Deus, e continuando elle como
membro do Conselho Ecclesiastico da Parahyba e desta
Classe.
16 – D. David van Dorenslaer,
tendo ouvido o sério appello e as boas intenções da Classe
e convencido da necessidade é im-portancia da questão, acceitou-o,
acatando a vontade divina. Os Deputados da Classe foram incumbidos de solicitar
a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.
SESSÃO
SEGUNDA
I – Acham que o conteúdo da
Sessão Segunda, art. 7.º, a saber que as pessôas, que quizerem
contrahir matrimonio, devem comparecer ao Conselho ecclesiastico para ser
celebrado o acto, está sendo practicado por toda a
parte.
2 – Visto não termos
até agora resposta alguma da Metropole a respeito da
requisição que fizemos das actas synodaes e dos regulamentos sobre
os casamentos, segundo os arts. 8.' e 9.º, Sessão Segunda, é
julgado conveniente pedil-as novamente.
3
– Sessão Segunda, art. 9.o. Os irmãos são ordenados
mais uma vez que examinem as pessôas que se dizem casadas e que exijam as
certidões do acto religioso.
4 –
De conformidade com a Sessão Terceira, art. 7.o, Anto-nette Cantei,
vivendo em adulterio com Lucas Harmon, foi mandada pelo Supremo Conselho para a
Republica.
5 – DD. Irmãos
Deputados respondem que de conformidade com a Sessão Terceira, art. 12,
elles deviam ter ido ao Cabo de Santo Agostinho para formar alli uma parochia
mas, como fossem informados pelo irmão Polhemius de que existe lá
pouco material para isso, desistiram da
empresa.
6 – Sessão Quarta, art.
1.o, os DD. Deputados relataram que, tendo estado em Itamaracá,
achando-se o predicante ausente e a egreja muito desolada, não acharam
conveniente fundar um conselho ecclesiastico antes que haja lá um
predicante effectivo.
7 – Sessão
Quarta, art. 2.o, quanto a Peter van Haerlem, que fez alguns furtos da caixa das
esmolas em Itamaracá, resolveu-se que o predicante dalli se informe e
communique aos Deputados o resultado da investigação para se poder
providenciar.
8 – Os Deputados, a
respeito da Sessão Quarta, art. 3.o, referente á
consagração dos domingos, declaram que esse preceito é
observado no Recife, mas não succede o mesmo noutros logares; ficou,
portanto, resolvido que se solicite de S. Ex. e do Supremo Conselho a
publicação de um edital nesse
sentido.
9 – Os Deputados communicam que,
de conformidade com a Sessão Sexta, art. 2.o, D. Jodocus a Stetten
deixara o cargo em Itamaracá.
10 –
D. Samuel Folkeri, segundo a resolução da Sessão Sexta,
art. 3.o, foi mandado para a Republica com a approvação de S. Ex.
e do Supremo Conselho, e foram-lhe entregues alguns attestados, conforme aprouve
á Classe.
11 – Sobre a
Sessão Setima, art. 2.o, referente á pessôa de D. Schagen,
communicaram os DD. Deputados que elles, conforme foram encarregados, se
reuniram com o conselho ecclesiastico do Recife, e deram prova disso, fazendo a
leitura da acta do protocolo da egreja; a Classe ficou satisfeita e
elogiou-os.
12 – A proposito do art. 3.o,
Sessão Oitava, foi lida certa missiva dos delegados da Classe de
Walcheren nos negocios eccle-siasticos da Companhia das Indias Occidentaes, e
que contém o seguinte :
1 –
Approva a nossa resolução quanto ao baptizado dos filhos de indios
e negros, o que tambem é praticado pelos
irmãos.
2 – Que os Directores da
Camara da Zelandia se queixam que nem os XIX, nem elles, têm recebido
noticias da Classe, ou do serviço
ecclesiastico.
Os moderatores Classis
declaram que elles, não obstante, haviam escripto aos XIX em
Março de 1637, enviando as actas da
Classe.
3 – Renova o pedido para que Jan
Michieles seja acceito como proponente e tambem se junte a este Marcus de
Foer.
O que sendo posto a
votos,
I – A Classe resolveu que Jan
Michieles, visto os supramencionados irmãos se mostrarem insistentes na
promoção de sua pessôa e como vieram bons attestados de sua
vida religiosa e do seu progresso na instrucção, seja examinado
novamente e se procederá conforme o julgamento dos DD. Deputados sobre o
seu merecimento e competencia.
2 – A
respeito de Marcus de Foer, devido á velhice e fraqueza que apresenta,
resolvem os irmãos dispensal-o aqui.
SESSAO TERCEIRA
1 – E’ declarado pelos DD. Deputados
que, por communi-cação de S. Ex., D. Plante será o terceiro
predicante no Recife.
2 – A respeito da
Sessão Nona, art. 4o, de conformidade com a resolução da
Classe, escreveu-se aos XIX e ás Camaras de Ams-terdam e Zelandia,
pedindo que se dignem mandar mais dous
predicantes.
3 – São apresentadas
pelos DD. Deputados varias razões porque a Classe não se reuniu no
tempo determinado; a Classe achou-as justas e deu-se por
satisfeita.
SESSAO
QUARTA
Gravamina
Geraes
1 – Ha uma reclamação sobre a
grande liberdade dos Papistas, mesmo nos logares onde se submetteram aos nossos
aqui no paiz, sem ter feito accôrdo. Pois prégam sem impedimento em
egrejas publicas, os frades habitam em conventos e gozam de suas rendas, fazem
procissões nas vias publicas, edificam templos sem o conhecimento da
autoridade, casam mesmo a Neerlandezes sem proclamas, o que não é
permittido entre nós por varias razões, e ouvem em
confissão aos condemnados á morte.
A
Classe resolveu falar a esse respeito e pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho que
prohibam no futuro taes abusos de que não lia precedentes na
Republica.
2 – Nesse entretanto, Jan Take
foi chamado para ser examinado afim de se ver si era apto a servir de preleitor
nas Aldeias dos indios.
Mas, como se soube que elle
ainda não tinha a necessaria instrucção para esse fim, e
tambem recebendo-se aviso de que chegava aqui sem instrucção
alguma religiosa, é recusado por esta vez e se escreverá á
Classe a esse respeito.
3 – Carel
Carelss, preleitor e consolador de enfermos no Recife, compareceu e requereu
á Classe para por sua intercessão receber a sua
ração sem prejuízo de seus vencimentos e que esses fossem
melhorados em attenção ao seu serviço escolar; recebeu em
resposta que se dirigisse ao Conselho Ecclesiastico no Recife, pelo qual
já foi encaminhado esse requerimento a S. Ex. e ao Supremo
Conselho.
4 – Tambem não
são poucas as reclamações sobre a grande liberdade que
gozam os judeus no seu culto divino, a ponto de se reunirem assás
publicamente em dous logares no Recife, alugados por elles para esse
fim.
Tudo isso contraria á
propagação da verdade, escandalizando os crentes e os Portuguezes,
que julgam que somos meio judeus, em prejuízo da Egreja Reformada, onde
esses com outros que taes inimigos da verdade gozam de igual
liberdade.
Sobre isso julgam urgente recommendar
muito seriamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho que empreguem a sua autoridade
para impedir semelhantes abusos.
5 – O
terceiro gravamen é a grande desordem e irreligião
commettidas quanto aos negros, como sejam :
1
– Não virem á egreja ;
2
– Na compra e venda muitas vezes as pessôas casadas são
separadas ;
3 – Commettem adulterio e
prostituição, sem soffrerem pena;
4
– Trabalham no domingo.
A Classe entende
que, como remedio a isso, se deve estabelecer o seguinte, sem, entretanto, se
cogitar actualmente si é licito a um christão comprar e vender
negros para escravizal-os;
l.o –
Remedium. Visto
que os doutores christãos opinam que o principal fim da
acquisição dos negros é o de trazei-os ao conhecimento de
Deus e á salvação, deve-se, portanto, leval-os á
egreja e instruil-os na religião christã, quando as circumstancias
o permittirem, não importando de que religião sejam os donos; essa
condição deve ser imposta na venda dos
negros.
Tambem se devem nomear capitães
piedosos e caridosos que os façam ir á
egreja.
2.o Remedium. Deve-se tomar cuidado na
compra e venda para que se não separem as pessôas legalmente
casadas.
3.o Remedium. O adulterio e a
prostituição devem ser prohibidos pela autoridade entre elles,
como entre os christãos, e os que infringirem a lei devem ser
punidos.
4.o Remedium. Devem observar o preceito do
descanso dominical, não trabalhando nem para os senhores, nem para si
mesmos, ficando os donos com quem estiverem responsaveis por qualquer
transgressão nesse sentido.
A
Assembléa entende que convém publicar essas
resoluções por meio de um edital, que deverá ser solicitado
a S. Ex. e ao Supremo Conselho.
6 – Em
quarto logar é reclamado que os peccados de prostituição e
adulterio são commettidos em tão grande escala e portantos que
não causaria surpresa que a colera de Deus abrangesse a toda esta
terra.
A Assembléa entende que
poderão ser empregados os seguintes meios como remedios
:
1.o Requisitar de S. Ex. e do Supremo
Conselho um edital sobre o casamento em geral e especialmente sobre esses
peccados e que o façam executar pelos
officiaes;
2.o – Solicitar com todo o
respeito ao Collegio dos XIX se digne impedir a vinda para este paiz de qualquer
mulher em companhia de um homem, sob o pretexto de haverem contractado casamento
e de prometterem casar-se aqui ; nem as mulheres que dizem estar o marido aqui,
nem as que pretendem ser noivas de homens aqui no paiz, sem primeiro ter prova
sufficiente, visto que isso póde muitas vezes produzir aqui grande
mal.
Umas vezes têm outro marido ou mulher
ainda vivos; outras vezes estão compromettidas com outro na Metropole ;
algumas vezes ficam morando juntos longo tempo aqui no paiz, até se
descobrir que não são
casados;
3.o Deve ser feito á sua
chegada aqui rigoroso inquerito pela egreja, afim de saber si são casados
legalmente; para esse fim devem as mulheres ser obrigadas pelos officiaes a
comparecerem ao Conselho Ecclesiastico, logo que aqui chegarem, para exhibir
provas e os papeis do casamento, conforme foi resolvido na Classe precedente,
Sessão Segunda, art. 9o.
7 – Em
quinto logar referem que alguns dos nossos toleram que no princípio da
moagem, segundo o uso dos papistas, os seus engenhos sejam consagrados com
benção, ceremonias religiosas, orações e com
aspergimento d’agua benta, tanto dentro como fóra das
casas.
O remedio contra isso é o
seguinte :
O predicante mais proximo deve procurar
e exhortar os senhores de engenho para que não permittam isso outra
vez.
SESSÃO
QUINTA
1 – Figura como 6o gravame o
seguinte:
Como cada vez mais se generalize o
costume de jurar e praguejar entre moços e velhos, especialmente entre os
militares e marítimos, já não sendo quasi considerado por
muitos como peccado, é de receiar que provoquem dessa fórma a
colera de Deus contra nós.
Foi resolvido que
não sómente se verbere energicamente do pulpito contra isso, mas
em todas as occasiões se advirta aos officiaes de terra e mar que devem
punir os soldados e os marinheiros, segundo as ordenanças, dando assim um
bom exemplo.
2 – Como 7o gravame foi
apresentada uma reclamação unanime dos irmãos que
não lhes é possível passar com a pensão que
têm; ver-se-ão obrigados por isso a pedir a S. Ex. e ao Supremo
Conselho por intermedio dos DD. Deputados o augmento da
mesma.
3 – Gravame especial 1
:
Apresentaram uma representação
contra os Portuguezes que, nos logares em que acceitaram o nosso domínio
por meio do accôrdo, exorbitam tanto da liberdade sobre o seu
serviço divino que não se contentam com a permissão do
culto dentro dos templos, mas ostentam publicamente as suas procissões e
canticos em honra dos seus santos. Entre outras cousas fincam um poste com uma
bandeira no tope, dando-se um premio ao que a tirar ; o que póde causar
grande mal aos nossos, pois confundir-se-ão com elles pela cubiça
dos premios na sua idolatria.
Pergunta-se si
não é necessario dar um remedio a
isso.
Responderam ser preciso representar a S. Ex.
e ao Supremo Conselho e pedir-lhes um edital contra esses abusos, que podem
causar grande mal.
4 – Gravame especial 2
:
Os irmãos Deputados da egreja da Parahyba
communicam a esta Ill. Assembléa que grande escandalo produz a
prostituição franca e publica de Elske Groenwalle, que faz parte
daquella Communa.
A esse respeito o Conselho
Ecclesiastico, afim de impedir, quanto possível, o escandalo, após
rigoroso inquerito e de adquirir provas evidentes de quatro testemunhas, que a
surprehenderam e que estavam promptas a attestar sob juramento, e ainda uma
quinta a quem Elske manifestara o seu delicto, e tendo ella confessado
além disso ser verdadeiro o que disseram essas testemunhas, resolveu
falar-lhe sobre isso e tanto quanto possível fazei-a reconhecer os
peccados e arrepender-se.
Tendo-se feito isso por
varias vezes, indo a sua casa
pessôas.
enviadas pelo Conselho
Ecclesiastico, visto ella não poder comparecer daquella Assembléa
pelo seu estado de fraqueza, entretanto negou sempre a verdade evidente sem
mostrar signal algum de pesar ou de arrependimento, infamando e injuriando mesmo
os que a admoestavam.
Pelo que o Conselho
Ecclesiastico resolveu apresentai-a occultando-lhe o nome, á
Communhão Christã como impenitente, afim de rogar ao Omnipotente
para a perdoar e converter.
Depois disso o Conselho
Ecclesiastico proseguiu assídua e diligentemente, já a convidando
tres vezes a comparecer ao Conselho, o que ella recusou sempre, apesar de nesse
ínterim ser visitada muitas vezes por dous predicantes mandados pelo
Conselho Ecclesiastico, que a exhortaram amigavelmente e com toda a brandura a
reconhecer o erro e fazer penitencia.
Comtudo, nada
mais puderam conseguir do que uma ou duas vezes haver ella reconhecido o erro e
lastimar-se, assim pareceu, mas retractou-se depois, dizendo que isso fizera
constrangida e inconscientemente, e que realmente não desejava comparecer
ao Conselho Ecclesiastico.
Aquelle Conselho
encarregou aos Srs. Deputados de expôr á actual Classe toda essa
questão e, si esta approvar, applicar a segunda pena. E si a supra
mencionada Elske ainda persistir na sua obstinação, que Deus nos
livre, applicar-lhe a excommunhão, sem esperar mais pela Classe, pois a
situação da sua egreja não póde supportar tão
grande demora.
Os irmãos da Classe,
procurando bem interpretar a vontade de Deus, após madura
deliberação, resolveram o seguinte
:
Visto Elske Groenwalle nunca haver gozado de
bôa reputação e visto persistir na sua
obstinação, que se tenha paciencia por mais dous mezes, e nesse
ínterim os irmãos do Conselho Eccle-siastico na Parahyba
admoestem-na seria e constantemente, e si ainda nada houverem conseguido,
appliquem o segundo meio, seja com o nome patente ou occulto, conforme o
Conselho Eccle-siastico achar melhor. E si nos quatro seguintes mezes não
puder vencer por continuas exhortações a sua
obstinação, a egreja da Parahyba tem então o direito de
empregar a excommunhão ou eliminação contra ella e praza a
Deus que a sua alma se salve por esse meio.
5
– Questiones.
1. Si os filhos de
negros escravos, que não são baptizados, o devem ser na
religião dos seus senhores.
Responderam que
não, e deve-se respeitar a resolução da Classe precedente,
Sessão Oitava, art. 3o.
6 – Si um
predicante, demittido por ter vida desregrada, póde continuar aqui no
paiz em outro cargo, extranho ao serviço divino. A Classe entende que
isso se não póde dar sem grande escandalo, por causa da fraqueza
da egreja aqui.
E visto encontrar-se aqui entre
nós um nesse caso a saber : Jodocus a Stetten, como se vê acima,
Sessão Segunda,-art. 9o, resolveram solicitar de S. Ex. e do Supremo
Conselho a sua reti-rada daqui, a menos que não dê
satisfação á egreja.
7 –
Interrogados os DD. Deputados sobre o que haviam feito quanto á
pessôa de D. J. Oosterdagh, declararam que o tole-raram no acampamento
até agora, não porque tenham a intenção de deixai-o
permanecer aqui, mas por falta de outro.
A
Classe delibera e resolve que já se tem esperado bastante que venha um
outro da Metropole e que o D. Deputado junctamente com o Illm. Conselho
Ecclesiastico do Recife o mandem chamar e vejam os seus
papeis.
8 – Quanto á ordem dos
logares no serviço das egrejas no Brasil, os irmãos deixam estar,
conforme foi resolvido pela Classe precedente, Sessão Nona, art.
1o.
9 – Os Deputados communicaram que
nomearam para substituir D. Judocus a Stetten em Itamaracá D. Polhemius,
que estava no Cabo de Santo Agostinho afim de servir como pastor effectivo
daquella Freguezia, com approvação de S. Ex. e Supremo Conselho e
ratificação da Classe, que ficou satisfeita e approvou a
nomeação.
10 – Perguntam si
Dominus Doorenslaer deve ir no dia 1o para as aldeias dos indios, ou si deve
esperar que venha um outro predicante da metropole para o substituir no seu
logar.
Responderam que deve partir no dia I e nesse
ínterim D. van der Poel tome conta do serviço da egreja da
Parahyba conforme puder.
SESSÃO
SEXTA
1 – Visto serem muitos os engenhos de assucar
comprados por Neerlandezes que nelles passam a residir, mas achando-se alguns
situados em pontos tão distantes que não podem frequentar o culto
publico noutras freguezias, e, entretanto, mora alli um numero regular de
pessôas, esta Assembléa julga necessario que esses, especialmente
os engenhos nas cercanias de Goyanna, sejam providos de tal fórma que
varios engenhos sejam servidos por um predicante, ficando membros desta Classe e
sujeitos ás leis desta, como o outro predicante; e que se combine sobre
isso com S. Ex. e Supremo Conselho, e com os senhores de engenho, em nome desta
Assembléa.
Provisoriamente o predicante
situado mais proximo deve visital-os algumas vezes e fazer uma predica, e
esforçar-se para que a gente faça alli as orações da
manhã e da tarde.
2 – Nessa
occasião fez-se uma indagação sobre os logares no Brasil,
onde haja necessidade de predicantes. E foi julgado necessario prover em
primeiro logar: mais um na Parahyba, mais um no Cabo de Santo Agostinho, um em
Boverson, um no grande forte Mauritius no Rio Francisco, um em Goyanna, um para
o acampamento. A Classe resolve representar sobre isso ao Collegio dos XIX e
pedir que nos mande com urgencia esse numero de
predicantes.
3 – E visto haver muito
poucos consoladores de enfermos em terra e apenas dous em toda a esquadra, e
entretanto se vê que em muitos logares ha falta delles, como por exemplo
no acampamento : um Hollandez, um Inglez, um Francez ; um nas Cinco Pontas, um
no forte Ernesto, um em Goyanna, um no forte Orange em Itamaracá, um em
Serinhaem, um no Ceará, e mais alguns para preencher as vagas dos que
acabarem o tempo de engajamento e se retirarem para a metropole. Resolvem,
portanto, pedir ao Collegio dos XIX que nos mandem mais
alguns.
4 – Visto a cidade de Olinda se
tornar cada vez mais povoada e os da aldeia junto a... poderiam facilmente ir
lá, a Classe julga que se deve pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho que
se funde uma egreja naquella cidade, onde se pratique o culto
divino.
5 – Foi communicado á
Classe que Frederico Alken, conso-lador de enfermos no Rio Grande, não se
portara bem ; a Classe entende que se deve tomar informações a
esse respeito e que se resolva conforme as
circumstancias.
6 – Perguntaram si
não era preciso um proponente na língua ingleza em logar de D.
Kempius; acharam que não.
7 – A
Classe, além de D. Kesselerus, em logar de D. Sole-rus, nomeou D.
Dapperus para Deputado.
8 – A Classe
ordenou que sejam assignados no Protocollo da Classe os nomes dos predicantes e
consoladores de enfermos e a data em que a Classe começou a
reunir-se.
9 – Fazendo-se a Censura
moris, graças a Deus, nada se encontrou que merecesse pena, pelo que
D. Presidente encerrou a convenção com uma oração e
os irmãos se separaram em bôa paz e
harmonia.
Estava assignado : Jacobus Dapper,
Presidente da Classe. – Fredericus Kesselerus, Assessor.
– Johannes Theodorus Polhemias,
Scriba.
IV
Classe Reunida no Recife de Pernambuco, em 29 de
Outubro do anno de Nosso
Senhor
Compareceram a essa
Assembléa: – Da egreja do Recife : DD. Jacobys Dapperus, Fredericus
Kesselerus, Joachimus Solerus, Franciscus Plante, Predicantes ; o Sr. Escabino
Samuel Halters, Ancião. Da egreja de Itamaracá: D. Johannes
Polhemius, Predi-cante e Cap. Bartolomeus Metting, Ancião. Da egreja da
Pa-rahyba: DD. Samuel Batiler, Cornelius van der Poel, David a Doorenslaer,
Predicantes; o Sr. Escabino Isaac de Rasiere,
Ancião.
Depois de D. Jacobus Dapperus
invocar o nome de Deus, são apresentadas as cartas credenciaes e
são acceitas como bôas. D. Johannes Oosterdagh, que, por estar em
serviço no acampamento, não poude comparecer, é dispensado
pelo mesmo motivo.
Seguiu-se a
eleição e foram eleitos por maioria de votos
:
Para Presidente, D. Fredericus Kesselerus; para
Assessor, D. Jacobus Dapperus; para Scriba, D. David a
Doorenslaer.
Depois de ser invocado novamente o
Nome do Senhor pelo D. Presidente, passou-se a tratar do
assumpto.
SESSÃO PRIMEIRA – DE
MANHÃ
1 – Foram lidas as actas da ultima Classe, e
em seguida os DD. Deputados referiram acerca do art. 6o, Sessão Primeira,
quanto a um edital contra o incesto, que insistentemente pediram e que S. Ex. e
o Supremo Conselho não sómente autorizaram a
publicação de um, mas ordenaram tambem que se redigisse um
esboço, o que todavia não fizeram ; resolveu-se, portanto,
insistir-se seriamente sobre isso com S. Ex. e o mesmo
Conselho.
2 – Sobre o art. 7o,
Sessão Primeira, que trata da judia na Parahyba, visto a mesma continuar
no princípio da conversão, resolveu-se persistir na ultima
resolução.
3 – Quanto ao
que concerne a Sara Hendricks (Sessão Primeira, art. 8o), visto ainda
não ter sido mandada para a Metro-pole, deve-se fazer que seja cumprida a
resolução da Classe, pois já é tempo de acabar com
esse escandalo.
4 – Os irmãos
declaram que quanto aos deveres ecclesiasti-cos (art. 11, Sessão
Primeira), se tem cumprido tudo conforme as
circumstancias.
Que as escolas (art. 12,
Sessão Primeira), tambem se acham em bôa ordem, sendo apenas de
desejar que haja discípulos, e para esse fim deve-se falar com os
paes.
5 – Quanto ao art. 12,
Sessão Primeira, que manda pedir alguns consoladores de enfermos aos
Illms. Srs. XIX, já se fez o pedido-e foram mandados mais
alguns.
6 – Sobre o art. 14,
Sessão Primeira, que trata da catechese dos indios, resolveu-se que,
visto não haver voltado o pequeno livro do D. Soler, mandado antes para a
metropole, os DD. So-lerus e Doorenslaer devem collaborar na
composição de um breve, solido e claro compendio da
religião christã, que será revisto em nome da classe por D.
van der Poel e D. Polhemius, e enviado depois á metropole para imprimir ;
e nos serviremos delle até que Deus nos dê maior conhecimento da
língua dos indígenas.
7 –
Quanto ao art. 15, Sessão Primeira, communicam que a
resolução da Classe, de collocar o predicante D. Doorenslaer nas
Aldeias foi approvada por S. Ex. e o Supremo Conselho, e que D. Doorenslaer
já tornara a tempo conta do serviço ; sendo interrogado sobre esse
serviço, D. Doorenslaer declarou que, Somando-se em
consideração o espaço de tempo e a raça, o resultado
é satis-factorio, comparecendo a gente ás orações e
cantos diarios e ouvindo a palavra de Deus, escutando tambem com
attenção as admoestações do seu predicante,
sómente não sendo ainda oppor-tuno ministrar-lhe a
communhão.
A proposito disso ficou
resolvido, para maior edificação dos Indios, solicitar a S. Ex. e
Supremo Conselho que a ordem do governo das Aldeias estabelecida recentemente
por S. Ex. e Su- premo Conselho fosse communicada e introduzida nas
Aldeias.
8 – D. Jodocus a Stetten
compareceu á Sessão, declarando que, tendo sido anteriormente
demittido do serviço por esta Classe, devido a algumas faltas,commettidas
por elle, comparece agora humildemente ante a mesma, afim de lhe dar
satisfação e pedir-lhe que o perdôe e o readmitta no
serviço, promettendo proceder dóravante de tal modo que ella
não terá motivo algum de arrepender-se da sua admissão.
Pelo que a Classe, movida por compaixão christã para com o
irmão decaído, julgou bom, depois de fazer um inquerito, deferir,
sendo possível, o seu humilde
requerimento.
Antes de tudo fizeram uma
investigação sobre o seu procedimento desde a sua demissão,
especialmente com os irmãos de Itamaracá, onde ao faltas foram
comettidas ; esses, assim como muitos outros irmãos, deram optimos
attestados de D. Stetten, de tempos a esta parte, do seu abatimento e bom
procedimento, quer publico, quer privado.
Depois os
irmãos deliberaram sobre o pedido de D. a Stetten até depois do
meio dia, por causa de sua importancia,
SESSÃO SEGUNDA, Á
TARDE
1 – Sobre a questão de D. a Stetten
trataremos de resumir o que se passou: visto elle se offerecer a dar uma
satisfação á egreja sobre os erros commettidos, a
assembléa acceitou a proposta e ordenou que a fizesse solemnemente, tanto
ante esta assembléa, como ante a egreja de Itamaracá, onde
commettera os erros, a saber : que mostre aqui o seu arrependimento e pesar e o
mesmo deve ser communicado na sua presença á egreja de
Itamaracá.
Essa resolução foi,
portanto, exposta pelo D. Presidente ao D. a Stetten, que foi interrogado si
reconhecia com profundo arrependimento os passados erros e si queria fazer
esquecer com um pio proceder os escandalos causados por elles, dando aos outros
um bom exemplo.
D, a Stetten respondeu: Sim. E
mostrou grande desanimo com humildade, tendo tambem concordado que se expuzesse
a sua contrição á egreja de Itamaracá,
accrescentando ficar satisfeito com a resolução da
assembléa, e pede a Deus que o fortifique por meio do Espírito
Santo nesta bôa empresa.
Depois foi
resolvido, tanto por causa da dita satisfação e bom attestado dos
irmãos de Itamaracá, como tambem de outros, readmittir D. a
Stetten no serviço divino; mas a sua nomeação só
terá logar depois de feita a communicação á parochia
de Itamaracá, o que se deve fazer
logo.
Depois que os Deputados hajam feito por mais
algum tempo investigações sobre sua vida, e saindo tudo segundo a
esperança e o desejo, então dêm posse ao D. a Stetten com a
communicação do predicante situado mais proximo. Recebeu a
assembléa por esse motivo os agradecimentos de D. a Stetten, desejandolhe
depois a rica benção de Deus.
2
– Sobre o art. 2, Sessão Segunda, foi communicado que a Classe de
Amsterdam mandou resposta a respeito da requisição das actas
synodaes e ordenanças matrimoniaes, o que será depois mostrado
á Classe.
3 – O art. 3,
Sessão Segunda, sobre o exame dos que se apresentam como casados, tem
sido cumprido por toda a parte.
4 –
Quanto ao que concerne a Peter van Haerlem, que furtou dinheiro da caixa de
esmolas e tendo sido condemnado a restituir o furto, foi resolvido mais pedir-se
informação sobre o cumprimento daquella
sentença.
5 – Quanto ao art. 8,
Sessão Segunda, os Deputados referem que pediram a S. Ex. e Supremo
Conselho um edital geral contra profanação dos domingos, o que
lhes foi promettido; mas, como o edital ainda não apparecesse, os
Deputados devem insistir sobre o
assumpto.
6 – E’ communicado
pelos Deputados que, de conformidade com o art. 12, Sessão Segunda,
procederam ao exame de Jan Michiels e ficaram tão safisfeitos que o
promoveram a proponente, o que foi approvado pelos irmãos, tanto mais
quanto souberam que elle desempenha a contento o seu
serviço.
7 – Quanto ao gravame da
grande liberdade dos Papistas (de que trata a Sessão Quarta, art. 1o), os
Deputados declaram que se queixaram a esse respeito a S. Ex. e Supremo Conselho
e pediram-lhes que procedessem contra isso com a sua autoridade. Receberam como
resposta que fôra concedida e permittida liberdade aos Papistas;
entretanto, S. Ex. e o Supremo Conselho providenciaram, afim de que o
serviço divino dos Papistas se realizasse dentro das egrejas, e que
tambem os padres que casassem sem fazer proclamas haviam de ser punidos ; mas
que, entretanto, e apesar disso, a liberdade e insolencia dos Papistas crescem e
se desenvolvem, motivo por que é julgado urgente insistir-se sobre isso
mais seriamente, afim de cessar esse gravame e pedir uma
interpretação sobre a extensão da liberdade dos Papistas,
para tranquillizar a nossa consciencia sobre isso e para mostrar que não
pactuamos com a idolatria.
8 – Sobre o
art. 4o, Sessão Quarta, ácerca da excessiva liberdade e audacia
dos Judeus, os Deputados referem que apesar de S. Ex. e do Supremo Conselho
declararem que os Judeus não têm tal liberdade e encarregaram,
portanto, de sua repressão ao fiscal, comtudo a sua audacia augmenta cada
vez mais, tanto no Recife como na Parahyba, onde têm á
disposição o esculteto, que tratou da pretensa
liberdade.
Sendo esse abuso completamente
escandaloso e prejudicial aos fins e á honra de Deus, os Deputados
são novamente encarregados de tratar com S. Ex. e o Supremo Conselho,
afim de que se dignem reprimir tal audacia.
SESSÃO TERCEIRA, DE
MANHÃ
1 – Compareceu D. Kempius, que fôra
á metropole e exercera o cargo de proponente. Elle pediu para ser acceito
como tal, ou em qualquer outro serviço, conforme as circumstancias da
egreja, não podendo, entretanto, apresentar attestado da egreja da
metropole, nem commissão da Camara de
Amsterdam.
Por esse motivo, e especialmente porque
não ha actualmente necessidade aqui de um proponente inglez, a Classe
não o póde admittir como proponente, segundo o art. 6o,
Sessão Sexta, da Classe
precedente.
Desejaria bem, entretanto, aproveital-o
em qualquer outra causa; e por esse motivo, examinando-o, afim de ver si tinha
algum conhecimento da língua portugueza e achando-o assás apto
para dar instrucção aos indios, a Classe resolveu empregal-o nesse
mistér. Deviam, portanto, os Deputados communicar essa
resolução a S. Ex, e ao Supremo Conselho, requisitando o
competente ordenado. Deviam tambem lembrar-se de exhortar ao D. Kempius a
desempenhar bem o seu logar.
2 – Sobre o
3.o, gravame, exposto no art. 5.o, Sessão Quarta, que trata da desordem e
irreligião entre os negros, os Deputados referem que S. Ex. e o Supremo
Conselho não somente approva-ram os remedios lembrados e resolvidos
contra esse mal, como prometteram publicar um edital, pondo em pratica os ditos
reme-dios, pelo que os Deputados nada mais tinham a fazer, sinão
recommendar que cumpram a promessa.
3 –
Os Deputados referem que S. Ex. e o Supremo Conselho julgam da maior necessidade
um edital contra a prostituição e o adulterio (de que trata o art.
6o, Sessão Quarta), pelo que já haviam dado ordem para a sua
publicação.
Mas, como esse mal
cada vez mais se desenvolva e ainda não tenha apparecido o edital, a
Assembléa, que esperara algum resultado daquella medida, affligindo-se
muito, tanto porque isso redunda em grande deshonra para o Santo Evangelho e
para o Santo Nome de Deus, como porque, permittindo essa praga, se attrahiria a
colera de Deus sobre este paiz, encarrega mais uma vez aos Deputados de
insistirem com S. Ex. e o Supremo Conselho, pedindo e incitando para que
publiquem o promettido edital.
4 –
Compareceu Daniel Hesta Bellombre, consolador de enfermos, francez, pedindo
licença para partir para a metropole ; mas, como não tenha sido
nomeado, ha muito tempo, para esse cargo, a Classe entende que lhe não
deve conceder o pedido, sem se haver antes aproveitado um tanto dos seus
serviços.
Deve, portanto, servir aqui
pelo menos um anno.
5 – O remedio contra
as praticas supersticiosas antes de começarem os engenhos a moer, de que
trata o art. 7o, Sessão Quarta, tem-se applicado por toda a parte, e
ainda se applicará onde fôr
preciso.
6 – Sobre o gravame contra as
pragas e juramentos, de que trata o art. 1o, Sessão Quinta, dizem os
Deputados que pediram e lhes foi promettido um edital, mas que até agora
não foi publicado, pelo que se deve ainda insistir no pedido e se deve
pro-fligar seriamente nas egrejas e em qualquer parte contra esses
peccados.
7 – Referem mais os Deputados
sobre o art. 2o. Sessão Quinta, que S. Ex. e o Supremo Conselho
approvaram o augmento dos ordenados dos predicantes e vão recommendar
á Camara dos XIX.
8 – Quanto ao
gravame especial contra a grande audacia dos Papistas na Parahyba, os Deputados
declaram que S. Ex. e o Supremo Conselho, a pedido delles, prometteram
providenciar, afim de que isso não se reproduzisse, já se vendo o
resultado da promessa.
9 – Sobre Elske
Groenwalle, de que trata o art. 4o, Sessão (Quinta, os irmãos da
Parahyba declaram que ella reconheceu o erro e fez penitencia tanto em
particular ante o predicante e o ancião, como tambem ante o Conselho
Ecclesiastico, que por isso não proseguiu até a segunda pena, mas
achou conveniente vigial-a por algum tempo mais, e no caso della mostrar os
fructos da conversão, permittindo-lhe, si ella pedir, que volte á
mesa do Senhor, de que fôra afastada pelos escandalos commettidos. A
Assembléa, regosijando-se com isso, pede a Deus que complete com um fim
feliz esses bons princípios,
10 –
O que fôra resolvido sobre Jodocus a Stetten no art, 6o, Sessão
Quinta, ficou avultado e revogado pelo art. 8o, Sessão Primeira, da
Classe actual.
11 – A respeito do art.
7o, Sessão Quinta, em que os Deputados e o Conselho Ecclesiastico do
Recife foram encarregados de rever os papeis de D. Oosterdagh, referem os
Deputados que lhes foram apresentadas ao Conselho Ecclesiastico do Recife as
queixas da Classe, e como elle se defendesse das mais graves, e as outras
não tivessem importancia, e tambem porque de algum tempo para cá
foram dados bons attestados sobre sua pessôa e o seu serviço, os
Illms. Membros do Conselho Ecclesiastico não o qui-zeram demittir do
serviço, mas resolveram empregal-o no acampamento, depois de lhe fazer
uma séria admoestação.
A
Classe ficou satisfeita com essa
solução.
12 – Quanto ao
art. 10, Sessão Quinta, foi relatado que David a Doorenslaer foi ha
tempos para o serviço dos indios, e nesse ínterim o D. van der
Poel esteve só na egreja da Parahyba até que se lhe juntou
provisoriamente o proponente Jan Michiels, para prestar serviço no forte
do Sul.
13 – Quanto á
collocação de um predicante nos engenhos, especialmente nos de
Goyanna, de que trata o art. Io, Sessão Sexta, os Deputados referem que
S. Ex. e o Supremo Conselho approvaram a resolução da Classe,
precisando apenas para exe-cutal-a que venham alguns predicantes da metropole, o
que teremos de esperar.
SESSÃO QUARTA, DE
MANHÃ
I – Fez-se o pedido á Camara dos XIX,
de conformidade com o art. 2o, Sessão Sexta, para que enviassem alguns
predicantes; mas até agora não foi mandado nenhum, pelo que se
resente o culto dos nossos compatriotas, que nunca podem ouvir a palavra de
Deus, nem gosar dos Sacramentos, visto que os logares se acham situados muito
distantes uns dos outros, estando pelo contrario o paiz cheio de padres e
sacerdotes idolatras.
Deve-se, portanto, mandar uma
carta, pedindo ainda maior numero de predicantes, porquanto ha alguns outros
logares preci-sando delles, por exemplo: Alagôas, Serinhaem, S. Agostinho,
etc.
2 – Tambem se cumpriu o art. 3o,
Sessão Sexta, que trata de mandar vir da metropole alguns
consoladores de enfermos, e já nos foram mandados alguns; mas são
precisos muitos mais; devendo-se tambem, por isso, escrever novamente aos XIX,
pedindo que colloquem um consolador de enfermos em cada navio da
Companhia.
3 – Referem os Deputados sobre
o art. 4o, Sessão Sexta, que foi approvada por S. Ex. e o Supremo
Conselho a construcção de uma egreja em Olinda, mas ainda
não começaram as obras por falta de
operarios.
Entretanto, recebendo noticias de que os
papistas já fizeram alli uma egreja, além de dous conventos e
requerem licença para mais dous, ficou resolvido empenhar-se com S. Ex. e
o Supremo Conselho para construir a nossa egreja e prohibir que os papistas
façam outra,
4 – A respeito de
Frederick Alken, consolador de enfermos no Rio Grande, de que trata o art. 5o,
Sessão Sexta, recebeu-se communicação que o seu
serviço alli não póde ser muito edifi-cante e julgam
conveniente que seja chamado e mandado para a Republica, conforme
pediu.
5 – Daniel Hesta Bellombre
apresentou um requerimento escripto, repetindo o mesmo que já dissera na
Classe verbalmente, isto é, pedindo licença para partir para a
Republica.
Visto ser este escripto feito com muita
imprudencia e falta de respeito e mesmo com algumas feias calumnias contra esta
Assembléa, faz-nos dar a dita licença, pois não é
digno de continuar no serviço, e deve-se mostrar os seus imprudentes
excessos a S. Ex. e Supremo Conselho, para que não receba ordenado de
consolador de enfermos desde o tempo em que foi nomeado para esse
serviço, em que nada fez. Essa resolução tambem foi
appro-vada por S. Ex. e Supremo Conselho.
6
– Gravames :
- Os irmãos desejam unanimemente que cessem de uma
vez os motivos dos velhos gravames, quanto á grande liberdade dos judeus
e papistas, desregramento entre os negros, profanação dos
domingos, pragas e juramentos,
etc.
2) Recebeu-se a seguinte
representação : Quasi todos os Senhores de engenho neerlandezes,
da mesma fórma que os portu-guezes, começam a moagem nos seus
engenhos no domingo, por nenhum outro motivo a não ser que tal é o
uso do paiz, pois nada mais ha nisso do que a profanação do
domingo e tomar-se parte na superstição dos
Papistas.
Ficou resolvído, portanto,
requerer a S. Ex. e ao Supremo Conselho se dignem mandar incluir particularmente
este exemplo no edital contra a profanação do domingo, e prohibir
esse abuso tanto aos Portuguezes, com aos
Neerlandezes.
3) Representaram contra alguns
consoladores de enfermos que fazem baptizados na falta de predicantes,
competindo esse acto unicamente aos predicantes; ficou resolvido não
permittir de de fórma alguma a continuação desse
abuso.
Questiones
:
1) Si as pessôas, que aqui
são nomeadas para o cargo de consoladores de enfermos, não se
devem ligar por certo tempo por contracto á
Companhia?
Resposta : Sim. O prazo fica ao alvitre
dos promotores.
2) Si não convinha que a
nossa Assembléa Classical começasse por uma
predica?
Resposta : Sim, e por um que deve ser
eleito para isso e presentemente foi nomeado D. Praeses
Kesselerus.
SESSÃO QUINTA, A
TARDE
1 – Como nos seja communicado que muitos dos
nossos indios, homens e mulheres, quer pelas necessidades da guerra, quer por
livre vontade, estão separados dos conjuges, de certo tempo a esta parte,
e não se podem casar com outro, apesar de o desejarem e de não
poderem facilmente privar-se do matrimonio, desejamos saber qual o melhor meio e
modo de superarmos esta difficuldade.
Resposta: O
fugitivo que abandonou o conjuge deve ser citado pelo juiz por meio de um edital
a reunir-se ao seu con-juge, e expirado o prazo a pessôa abandonada
será livre e desem-baraçada da outra, para
sempre.
Os Deputados devem, portanto, indagar de S.
Ex. e do Supremo Conselho, a quem se deve requisitar tal
edito.
4 – Si um homem, tendo abandonado
a mulher e durante a vida desta tiver um filho com uma mulher livre, póde
casar-se com esta após a morte da
esposa.
Dá-se actualmente este caso em
Pojuka, entre os indios, tendo o adulterio vivido muito tempo com outra mulher e
não querendo ambos separar-se.
Resposta:
Quanto ao caso declarado, não se deve proceder contra, visto os indios
não serem ainda muito legaes ; não se deve, entretanto, fazer o
casamento sem anteriormente fazerem penitencia em publico, não devendo
este caso firmar precedente.
2 – A pedido
dos irmãos da Parahyba, Jan Lodewikss, con-solador de enfermos, em
Frederika, é permittido partir em Maio para a Republica, devido á
sua velhice e estado de fraqueza, devendo os DD. Deputados lembrar-se de
solicitar a approvação de S. Ex. e do Supremo
Conselho.
3 – D. Jacobus Dapperus
expõe que, estando quasi expirado o prazo de dous annos por que foi
nomeado aqui no paiz para servir na egreja de Deus, tem idéa de partir em
Março vindouro para a sua egreja, que não o quer ceder por mais
tempo e elle não quer de fórma alguma ir contra a vontade da sua
parochia.
Essa declaração foi ouvida
por todos os irmãos com grande tristeza, e desejaram ardentem ate que
aquelle D. mudasse de idéa e prestasse serviço por mais algum
tempo, dando auxilio e conselho na egreja deste paiz ; tanto mais quanto havia
dous annos que não vinham predicantes da metropole, por cujo motivo
egual-mente a Classe se empenhou por o persuadir a ficar mais um anno,
promettendo justificar do melhor modo a continuação da sua estada
comnosco á sua egreja e Classe, e sem duvida o seu zelo mais contribuiria
a despertar do que a extinguir o amor dos seus irmãos e da sua
egreja.
E si ainda assim elle não
desistir da intenção, a Classe não tornará uma
resolução decisiva, mas pede que rogue a Deus que o inspire
durante o tempo que lhe resta do prazo, esperando que elle se resolva a
ficar.
A Classe resolveu, entretanto, que, no
caso que D. Dapperus sempre queira partir, os Deputados dêm-lhe a
competente licença em nome da Classe com os attestados Classicaes,
segundo o seu merito e valor.
4 –
E’ lida a missiva da Classe de Amsterdam (de que já se fez
referencia no art, 2o, Sessão Segunda), em que além de uma
justificativa pela lentidão da correspondencia e uma
declaração da sua satisfação e
attenção pela egreja do Brasil, vem o seguinte
:
1) Que communicou as cópias das nossas
actas classicaes ás e«rejas da Hollanda do Norte e Mosa, como
nós pedíramos,
- Que o nosso pedido para nos communicar as actas do
Synodo do Norte da Hollanda, desde o anno de 1620 até agora, foi
concedido, e as cópias das actas já se acham tão adiantadas
que brevemente as receberemos, assim como as decisões sobre o
matrimonio.
- Que a opinião do Synodo da Hollanda do Norte,
como tambem a da Classe de Amsterdam, sobre o baptizado dos filhos de paes
não baptizados, está de accôrdo com a da nossa
Classe.
- Que a Classe empregara grande diligencia para prover a
nossa egreja com dous predicantes bons e competentes e já os havia
escolhido e proposto aos Srs. Directores, mas ainda não obtiveram
consentimento, e que a Classe não deixaria por isso de
insistir.
- Que a Classe de Amsterdam tratara dos papeis de D.
Wachtelo, conforme as actas da nossa Classe, encontrando da parte daquelle
grande trabalho e difficuldade, pois, sendo obrigado a justificar-se ante a
Classe de
Amsterdam, allegou tanta cousa, que a sua
questão se tornou duvidosa ; que a esse respeito a Classe de Amsterdam
nos envia cópias dos testemunhos que elle, Wachtelo, lhe apresentou e que
o parece justificar contra as
accusações.
- Manifesta ainda a Classe de Amsterdam o seu
contentamento e applauso pela prosperidade da egreja do Brasil, assim como o seu
empenho ante os Directores para nos ajudar nessa justa
empresa.
Concluem, portanto,
esperando fique patente do que vem referido acima, a sua bôa vontade
para com a classe e a egreja do Brasil, e pedindo a Deus abençôe as
nossas pessâas e a nossa empresa.
SESSAO SEXTA, DE
MANHÃ
1 – Foi lida mais uma vez a missiva da Classe
de Amster-dam, e visto nos pedirem na mesma uma minuciosa noticia e
informações quanto á pessoa de D. Wachtelo, e os attestados
dados pela egreja, a Classe, ainda que a contragosto e forçada, indagou
tudo bem rigorosamente especialmente das pessôas ecclesiasticas, que
serviram com Wachtelo, e por esse fidedigno inquerito a Classe julga e declara
:
Primeiro – que a conducta de Wachtelo
aqui no paiz não foi regular, não sendo possível á
Classe dar-lhe um attestado bom ou honroso.
Em
segundo logar – o testemunho ecclesiastico, apresentado por elle na
metropole, só foi obtido após varias recusas a sua
importunação e tendo-se-lhe préviamente feito acres
exhortações e reprimendas, e não para o recommendar a
alguem, não se suppondo que tal documento fosse interpretado como
só agora sabem que foi.
A Classe,
portanto, resolveu unanimemente mandar á Classe de Amsterdam a necessaria
informação sobre toda a questão de D. Wachtelo, quanto
á sua pessôa e á sua
vida.
2 – Compareceram á
sessão o Sr. Almirante Willem Corneliss e o Sr. Major Mansveld, pedindo
á Classe lhes fornecesse um predicante e consolador de enfermos para a
proxima expedição; para esse fim foi resolvido dar a esses Illms.
Srs., além de um consultor de enfermos, o proponente Jan
Michiels.
3 – E’ lida uma missiva
da Classe de Walcheren á Classe do Brasil, em que aquelles Illms.
irmãos manifestam a sua satisfação pelo que tem sido feito
pela nossa Classe, dando graças a Deus e pedindo-lhe a sua
benção.
Declaram tambem que
expuzeram á classe da Zeelandia, conforme escrevemos, o effeito nocivo do
judaísmo aqui no paiz.
Quanto ao augmento da
nossa pensão, têm trabalhado para obter e continuarão nesse
empenho.
Lastimam que, apesar da sua diligencia,
não tenham podido remediar a nossa falta de predicantes ; mas promettem
fazer ainda o possível para conseguir esse
desideratum.
Os Srs. Directores da Zeelandia
estão resolvidos a mandar para cá competentes consoladores de
enfermos.
E concluem, agradecendo á nossa
Classe pela promoção de Jan
Michiels.
Ficou resolvido responder-se a essa
missiva, pedindo-se de um modo attencioso que os irmãos da Classe de
Walcheren per-severem na sua bôa disposição e zelo para com
a egreja deste paiz.
4 – Daniel Hesta
Bellombre apresenta novamente uma petição, solicitando um
attestado desta Assembléa sobre a sua pessôa e vida, o que lhe
é recusado por não o merecer.
5
– E’ eleito por maioria de votos para Deputado da Classe, D.
Joachimus Solerus, para substituir D. Fredericus Kesselerus, cujos
serviços durante
dous annos foram
louvados.
E no caso de que D. Dapperus venha a
partir (o que esperamos não succeda), sera substituído por D.
Kesselerus.
Observando-se a censura morum e
nenhuma culpabilidade se encontrando,
a Assembléa dissolveu-se em harmonia, depois do
D. Presidente exhortar a todos os irmãos a prestarem idealmente os seus
serviços e depois de dar graças a
Deus.
Estava assignado: David a Doorenslaer,
p. t. Scriba Classis.
V
REUNIãO EXTRAORDINARIA DA
CLASSE,
REALIZADA NO RECIFE DE PERNAMBUCO,
EM 25 DE MARçO DE 1639
Compareceram, como predicantes, da egreja do Recife
: D. Fredericus Kesselerus, Presidente; D. Jacobus Dapperus, Assessor; D.
Joachimus Solerus e D. Franciscus Plante, e o Sr. Esca-bino Samuel Halters,
ancião ;
Da igreja da Parahyba : como
predicantes : D. Samuel Batiler, D. Cornelius van der Poel e D. David a
Doorenslaer Scriba, e o Sr. Escabino Menso Franss, a Turnhout,
ancião;
Da egreja de Itamaracá : D.
Thedorus Polhemius, predicante, e o Sr. Escabino Jan Wijnantes,
ancião.
Após a
invocação do Santo Nome de Deus abriu-se a
sessão,
SESSÃO
PRIMEIRA
1 – O D. Presidente communica aos
irmãos o motivo da convocação da sessão
extraordinaria, a saber : pelo não pequeno embaraço quanto
á pessôa de D. Oosterdagh, actualmente no rio Francisco, o qual
após a ultima censura, que soffreu, offendeu mais uma vez gravemente a
egreja de Christo e difamou o serviço divino com certos capciosos
escriptos e acções, com o que tentou ou conseguiu apanhar dinheiro
de alguns, pelo que os Deputados resolveram fazel-o vir á Classe que para
isso tenha competencia, dando-se préviamente noticia a S. Ex. e ao
Supremo Conselho.
2 – Pelo que o D.
Deputado, depois de communicar á Assem-bléa a questão de D.
Oosterdagh com a indicação dos nomes daquelles que affirmavam ser
seus credores e as respectivas quantias, apresentando tambem uma resposta
escripta de Oosterdagh em que elle confessa algumas cousas de que é
suspeitado e além disso que elle, devido a algumas faltas, fôra
chamado havia pouco, declara que até o presente não podia formar
um verdadeiro juízo dos particulares da questão e das
condições de espírito de Ooster-dagh e portanto preferia
mil vezes ser demittido do cargo a continuar assim esse serviço com o
peso da sua consciencia e despeito do Santo
Ministerio.
3 – Portanto, para se apurar
essa questão importante, ficou resolvido proceder-se a um interrogatorio
a respeito dos mencionados factos e fazer vir á presença da
Assembléa o proprio D. Oosterdagh.
SESSÃO
SEGUNDA
São esses os interrogatorios feitos ao D.
Oosterdagh com as respectivas respostas, em primeiro logar, quanto ao caso do
Sr. Jacob Coets :
1o – Si elle,
Oosterdagh, recebeu de Christiaen Cobus a somma de 1.134
florins?
Resposta – Sim, tanto em
dinheiro, como em despesas.
2o – Si elle
ao mesmo tempo, para tranquillizar a Christiaen Cobus, não lhe passara
uma letra de 1.500 florins sobre o Sr. Jacob
Coets?
Resposta –
Sim.
3º – Si então o Sr.
Jacob Coets era devedor desses 1.500 florins a elle
Oosterdagh?
Resposta – Não. Mas, certa
pessôa escrevera da Metropole a elle, Oosterdagh, dizendo que o sr. Coets
entregaria a elle Ooster-dagh aquella quantia. Sendo mostrado que então
devia ter sido feita menção disso na letra e a referida quantia
não ser pedida como dinheiro desembolsado; que além disso nenhum
amigo seu seria capaz de adiantar-lhe tal
importancia:
Resposta – Os irmãos,
apresentando esse facto agora, com-mettem um grande abuso ; façam como
lhes aprouver.
Quanto ao raso de Jan de
Backer:
1o) Si elle, Johannes Oosterdagh,
recebeu de Jan de Backer a somma de 300
florins?
Resposta –
Sim.
2o) Si elle satisfez a Jan de Backer,
quanto a essa divida?
Resposta – Não,
porque não pôde conseguir entregar os ani-maes que lhe deviam e com
que elle promettera pagar a Jan de Backer.
Sendo,
então, perguntado, por quem fôra escripta aquella pequena carta em
portuguez, que elle dera a Jan de Backer para prova de que elle tinha de receber
brevemente muitos animaes :
Resposta – Por um
francez. Ao que sendo replicado: é um nome portuguez, e não
francez, o que está assignado ; tambem é evidente que foi escripto
pelo vosso proprio punho.
Resposta – Sobre a
primeira nenhuma palavra.
Sobre a segunda
afirmativa, tendo vacillado algum tempo, depois de ser insistido, respondeu
finalmente como que perguntando : Não me é permittido então
conservar cópia de uma carta?
Depois de D.
Oosterdagh haver feito essa declaração, ficou resolvido adiar a
continuação do processo, devido á sua importan-cia, para o
dia seguinte, e os irmãos foram exhortados a pensar maduramente para
depois resolverem o que fosse conveniente á gloria de Deus e á
edificação dos fieis.
SESSÃO
TERCEIRA
Depois de Johannes Oosterdagh ser novamente chamado,
a Classe resolveu perguntar-lhe si elle estava disposto a pagar as suas dividas;
ao que respondeu que tinha esperanças de o fazer, no emtanto actualmente
não tinha meios para isso.
E’
exhortado em seguida a declarar francamente sobre o que disse hontem, quando
respondeu sobre a letra do Sr. Coets, que especie de abuso commettemos com
isso.
Elle respondeu que a carta (apresentada no
terceiro interro-gatorio concernente ao caso Coets) é delle mesmo, assim
como reconhece que a outra carta a respeito dos animaes (de que se tratou no
segundo interrogatorio concernente ao caso de Jan de Backer) tambem é
delle proprio.
2 – Visto, portanto, ser
evidente de todas essas respostas francas e da livre vontade de Johannes
Oosterdagh, que elle empregou meios fraudulentos para apanhar dinheiro dos
outros, forgican-do falsos escriptos, como, por exemplo, uma letra e uma carta
em portuguez a respeito de uns animaes que de fórma alguma lhe
pertenciam, visto ficar manifesto em suas cartas de palavras claras e simples
que não póde continuar no serviço, sem prejuízo do
Santo Ministerio, tambem sem se poder confiar na sua consciencia devido á
sua má vida anterior e que elle não póde bem affirmar ter
vocação particular e íntima para o officio, merece, pois,
ser despedido.
A Classe, portanto, depois de haver
invocado o Santo Nome de Deus e bem ponderar no santo temor de Deus, resolveu
unanimemente demittir Johannes Oosterdagh do serviço, visto que, apesar
de haver sido varias vezes censurado por sua conducta, sus-penso do
serviço por tres mezes e reprehendido ultimamente, muito severamente, sob
pena de remoção pelo seu máo procedimento, no emtanto,
apesar de tudo isso, portou-se tão mal como jamais o fizera antes,
desmoralizando de tal fórma o seu Santo Ministerio, que não se
póde ou mesmo deve supportar sem provocar a male-dicencia ou escandalo
dos fieis.
3 – Essa
resolução, sendo lida pela Classe a Johannes Ooster-dagh, ella
ficou com o espírito tranquillo, convencida de ter procedido em bôa
consciencia, esperando tambem que isso sirva para sua humilhação
perante Deus.
4 – Finalmente, foi
resolvido communicar por meio do D. Deputado o resultado da
deliberação da Classe a S. Ex. e ao Supremo Conselho, solicitando
que executem a sentença.
Em seguida, visto o
D. Deputado expôr o comportamento recto e pio de D. Jodocus a Stetten
desde a ultima reunião Classi-cal, o que é comprovado por bons
testemunhos, e visto achar-se suspenso do serviço, sendo, entretanto,
agora muito conveniente a sua volta ao mesmo, ficou resolvido fazer D. a Stetten
voltar ao serviço e solicitar a approvação de S. Ex. e do
Supremo Conselho.
O D. Deputado refere que a
resolução da Classe a respeito da demissão de Johannes
Oosterdagh foi approvada por S. Ex. e pelo Supremo
Conselho.
Que tambem S. Ex. e o Supremo Conselho
acharam conveniente depois disso, por causa do escandalo, mandar D. Ooster-dagh
para a Europa no primeiro navio.
Referem igualmente
que S. Ex. e o Supremo Conselho ficaram muitos satisfeitos com a
nomeação de D. a Stetten.
Depois
disso ficou resolvido communicar a S. Ex. o logar onde D. a Stetten vai exercer
o serviço.
E assim terminou essa
sessão da Assembléa, sendo encerrada com uma oração
a Deus.
Estava assignado. – David
Doorenslaer, p. t., Classis Scriba.
VI
CLASSE
REALIZADA NO RECIFE DE PERNAMBUCO BRASIL
EM
20 DE ABRIL DO ANNO DE 1640 DE NOSSO SENHOR
Antes de principiar a sessão D. Kesselerus fez
uma predica sobre duas Theses I v. 3, que foram acceitas como orthodoxas e
portanto approvadas pelos
Irmãos.
Compareceram á
Assembléa pela egreja do Recife, como pre-dicantes
:
D. Fredericus Kesselerus, D. Joachimus Solerus,
D. Fran-ciscus Plante.
O Sr. Commissario Lintsenich
como ancião.
De Itamaracá : D. Joan
Theodorus Polhemius ; de Serinhaem:
" D. Joh.
Eduardus ; do Cabo Santo Agostinho : D. Jodocus a Stet-ten ; do Porto Calvo : D.
Nicolaus Vogelius. – Todos elles
predi-cantes.
São ainda esperados D. David
Doorenslaer, predicante dos Indios, assim como os Irmãos da
Parahyba.
Entretanto, como se esperou debalde dous
dias, resolveu-se começar a
Assembléa,
Foi desculpada a ausencia de D.
Rabirius Eeckott, predicante no Rio de Francisco, por causa da grande
distancia.
Depois do D. Kesselerus haver invocado o
Nome de Deus é apresentada e approvada a carta credencial da egreja do
Recife.
A desculpa de D. Polhemius para não
apresentar credencial, ou não trazer um ancião, não
é acceita.
Depois disso procede-se a
eleição e foram eleitos com maioria de votos para presidente, D.
Franc. Plante : assessor, D. Freed. Kesselerus : Scriba, D. Joh.
Eduardus.
Finalmente sendo invocado mais uma vez o
Nome de Deus, começaram os trabalhos.
SESSAO
PRIMEIRA
1 – Os Deputados referiram a respeito da longa
demora da classe ordinaria que não foi facil convocar a Assembléa,
por causa da constante vigia no mar e em terra, por cujo motivo os Irmãos
não podiam abandonar as suas
guarnições.
2 – Ao art. 1o
Sessão Primeira. Quanto ao edital contra o incesto, recebeu-se resposta
de S. Ex. e Supremo Conselho dizendo que consideram ser muito necessario
expedil-o sem demora, e tinham encarregado ao Sr. Assessor de fazel-o e
publical-o.
3 – Ao art. 7o Sessão
Primeira. Executou-se o que se refere ao regulamento dos
Indios.
4 – Ao art. 4o Sessão
Segunda. Quanto a Peter van Haerlen, que tirara algum dinheiro da caixa de
esmolas e até agora não deu satisfação sobre isso,
encarregou-se o Conselho da Igreja de Ita-maracá de interrogal-o e
apresentar o resultado do inquerito ao delegado da
Classe.
5 – Art. 5o Sessão
Segunda. O edital contra a profanação do domingo ainda não
foi publicado, mas S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram que o mandariam fazer
brevemente.
6 – Art. 7.o Sessão
Segunda. Quanto á liberdade de culto dos Papistas S. Ex. e o Supremo
Conselho responderam que cumpririam o seu dever, restringindo-a tanto quanto
permittissem as condições do paiz ; que elles já tinham
expulsado os frades.
Prometteram tambem a
publicação de um edital declarando que o culto dos Papistas
só podia ser exercido dentro das suas egrejas para não
escandalizar aos outros e que no caso de infracção perderiam
aquelle privilegio.
Tambem nenhum padre poderia
casar quem quer que fosse sem os previos proclamas, sob egual pena e
privação do cargo.
Como, entretanto,
se tem ouvido haverem sido realizadas em alguns logares procissões
publicas e comedias idolatras, deve-se pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho a
publicação do edital contra
isso.
7 – Compareceu Boudewijn
Maarsschalck, consolador de enfermos no Cabo, pedindo para ir á Metropole
buscar a sua mulher e foi resolvido recusar-lhe por causa das más
consequencias.
8 – Art. 8.o Sessão
Segunda. Quanto á liberdade de culto dos Judeus, S. Ex. e o Supremo
Conselho, a pedido dos Irmãos, expediram apostilla, dando ordem aos
Judeus a reprimirem to as as praticas que possam produzir escandalo e realizar
os seus actos secretamente para não escandalizar aos que passam na rua ;
os fis-caes receberem ordem para os vigiar.
Os
Deputados devem tambem insistir para que cumpram o seu dever a esse respeito, e
além disso empregar todos os meios afim de mais e mais lhes restringir a
liberdade.
9 – Art. 2.o Sessão
Terceira. S. Ex. e o Supremo Conselho deram tambem apostilla acerca da falta de
religião dos Negros – que se deve determinar que assistam a predica
aos domingos e que não profanem o dia do Senhor com trabalhos ou dansas.
Tam-bem que cada um deve ter a sua mulher, e que se impeça entre os
mesmos tanto quanto possível a prostituição e adulterio.
E pro-metteram mais uma vez publicar um edital contra
isso.
10 – Art. 3.o Sessão
Terceira. S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram falar, no edital sobre o
incesto, contra a prostituição e adulterio, devendo os predicantes
fazer predicas especialmente contra isso.
11
– Art. 6.o Sessão Terceira. Temos a promessa de S. Ex. e do Supremo
Conselho – que publicarão um edital contra as pragas e blasphemias,
ficando o Assessor encarregado de o fazer e
publicar.
12 – Art. 7.º
Sessão Terceira. O relatorio feito sobre a pensão dos predicantes
diz que S. Ex. e o Supremo Conselho escreveram á Assembléa dos
XIX, recommendando a pretensão e promet-teram renovar o
pedido.
13 – Art. 9.º Sessão
Terceira. A Egreja da Parahyba refere a respeito de Elsken Groenwalle, que lhe
deu um attestado, por haver ella feito acto de contrição pelos
passados erros, por cujo motivo faz essa communicação ao
Recife.
SESSÃO
SEGUNDA
1 – Ao art. 1.o Sessão Quarta. Quanto ao
numero dos predi-cantes, que continúa bem pequeno ; mas, visto ouvirmos
que os XIX resolveram mandar de lá mais nove, deve-se escrever-lhes para
que se dignem de cumprir a promessa.
(1)
2
– Art. 2.o Sessão Quarta. Quanto ao numero de consolado-res de
doentes agora é regular ; como, porém, informam que ha grandes
navios e guarnições que não os têm, deve-se solicitar
dos XIX continuem a mandal-os.
3 – Art.
3.o Sessão Quarta. O pedido para a fundação de uma egreja
em Olinda foi concedido e trata-se da realização, e foi prohibido
aos Papistas construir novas.
4 – Art.
4.o Sessão Quarta. E’ permittida a partida de consoladores de
enfermos para o Rio Grande.
- Na
acta do Synodo do Sul da Hollanda em 1641 vem a seguinte nota sobre este artigo
:
«Julga-se
necessario informar-se dos Srs. XIX si foram enviados para o Brasil os nove
predicantes promettidos : na affirmativa deve-se agradecer-lhes e recommendar a
proseguir nessa bôa idéa para a disseminação da Santa
Verdade ; no caso contrario, deve-se solicitar a SS. EEx. que não demorem
a rea-lizaçâo da promessa. E por essa occasião deve-se
recommendar um tal Florentius Streraerts, do paiz de Cleef. para ser nomeado
pela Comp. das Indias Occidentaes para o serviço da Egreja de Deus,
»
5
– Ao art. 7.o Sessão Quarta. Refere-se ás queixas antigas
contra a grande liberdade dos Judeus, Papistas, Negros, a
profanação dos domingos, pragas e blasphemias de que tratam os
arts. 6, 8, 9 e 11, Sessão Primeira. Quanto aos trabalhos nos engenhos
aos domingos, S. Ex. e o Supremo Conselho responderam que se
providenciará a esse respeito por meio do edital contra a
profanação dos domingos. Quanto aos baptizados pelos consoladores
de enfermos, se dará termo a esses abusos e os delinquentes serão
admoestados.
6 – Art. 1.o Sessão
Quinta. Quanto ao abandono voluntario do lar, que se dá entre os indios,
quando em consequencia da guerra, S. Ex. e o Supremo Conselho responderam que
sendo a questão de alguma importancia vão ponderar sobre o
caso.
Entretanto, recommendam aos predicantes,
especialmente aos dos Indios, que se esforcem em reunir os casaes separados e
para isso peçam o auxilio dos capitães das
aldeias.
Mas, visto os predicantes se
esforçarem o mais possível, não obtendo dahi grande
resultado, deve-se pedir ao Governo para fazer uma declaração mais
ampla e nomear um director, por quem os que estão separados do casal
devem ser citados.
7 – Art. 3.o
Sessão Quinta. Depois da Classe ter-se amavelmente esforçado, mas
debalde, com D. Dapperus afim de continuar no serviço da sua parochia,
foi-lhe concedida licença para voltar á
Metropole.
SESSÃO
TERCEIRA
1 – Nessa sessão chegaram os
Irmãos da Parahyba, atrasados na viagem por calmarias e ventos contrarios
; chamavam-se elles :
- Samuel Batiler, predicante ; Sr. Menso Franss,
ancião ; D. David Doorenslaer, predicante dos Indios. E receberam as
bôas vindas da Assembléa e entregaram as suas credenciaes, que
foram consideradas em regra.
2
– Julgou-se conveniente ler as actas passadas aos Irmãos da
Parahyba, o que se fez immediatamente .
3
– Conforme a resolução da Classe Extraordinaria do anno
1639, D. Oosterdagh foi despedido e mandado para a Metropole e D. a Stetten
nomeado e mandado para o Cabo. (2)
SESSAO QUARTA
1 – O predicante de Itamaracá communica
que ha um anno que lá se não realizou nenhum consistorio e isso
porque os anciãos partiram para Goyanna. Entretanto, como, não se
deve deixar a egreja chegar a tal extremo, ficou resolvido mandar para lá
D. Kes-selerus e D. Doorenslaer, afim de ajudarem o predicante, e para tudo que
fôr mister.
(2) Acta do Synodo
Sul Hollandez de 1641 : « Visto que elle foi despedido sem se allegar
motivos ou faltas, o synodo julga ser conveniente e deve ser notificado por
escripto, que se declare nas actas tanto as faltas c mo as censuras contra os
culpados, ou de toda a fórma que por missivas secretas se diga sobre
elles ao Synndo ou Classe onde os predicantes possam ir ter, para que tambem
aqui no paiz se tornem precauções contra taes predicantes
desregrados na doutrina, na vida ou na ordem.
»
Póde-se concluir, por essa
observação, que as actas classicaes da Assembléa
extraordinaria de 25 de Março de 1639 não foram recebidas pelo
Synodo Sul-Hollandez.
2 – Quanto aos logares, onde não ha
Conselho Ecclesiastico, os predicantes devem fazer toda a diligencia para fundar
uma egreja Reformada e visto que não se póde manter uma ordem
tão estricta acerca da communicação, devem ter todo o
cuidado em referir os nomes dos que communicarem como passageiros, tomando nota
de todos os negocios ecclesiasticos e devem entreter corres-pondencia com o
proximo consistorio, e tambem avisar os mesmos sobre as suas
difficuldades.
3 – Recebeu-se o relatorio
de D. Doorenslaer, predicante dos Indios, em que diz: «não se poder
queixar do resultado de seus esforços; que os meninos progridem bem
regularmente na instru-cção, até alguns já
avançaram tanto pelo ensino diario que já poderiam ter recebido a
communhão, si não fossem as perturbações do
paíz. »
Tambem se recebeu
communicação dos dous mestres de escola, D. Dionysio e D. Kempius,
dizendo que tratam com dili-gencias da instrucção das
crianças.
4 – Mas D. Doorenslaer
queixa-se de que o regulamento feito por S. Ex. e o Supremo Conselho para a
administração das aldeias de indios não foi posto em
pratica e deseja que aqui se providencie sobre o
caso.
5 – Queixa-se mais que algumas
vezes alguns Indios se escapam, separando-se assim das mulheres, e são
retidos e sustentados pelos Portuguezes. A Assembléa indica o remedio
contra isso e que se peça a S. Ex. e ao Supremo Conselho que ordene
nenhum Indio possa ir morar fóra da Aldeia sem licença do seu
inspector e que nenhum morador possa dar-lhe agasalho sem o conhecimento do
capitão da Aldeia.
6 – Queixa-se
ainda D. Doorenslaer que não póde por si só dar conta de
tão arduo serviço ; deseja pois que lhe mandem um dos
Irmãos para que o serviço do Senhor obtenha maior
resultado.
A Assembléa julgou necessario dar
um auxiliar, visto que as distancias e a quantidade de Aldeias assim o
exigiam.
SESSÃO
QUINTA
I – Ficou resolvido falar-se a D. Eduardus, que
estava indicado para o serviço, por já estar familiarizado com a
língua portu-gueza, para viver com os Indios e persuadil-o com argumentos
a acceitar aquella tarefa.
2 – D.
Eduardus accedeu á resolução e pedido da
Classe.
3 – Ordenou-se mais a D.
Doorenslaer que devia tomar a direcção das Aldeias da Parahyba e
D. Eduardus das de Goyanna e Tapecerica, dependendo tudo isso da
ratificação de S. Ex. e do Supremo Conselho, os quaes, sendo
ouvidos, approvaram.
4 – Os predicantes
das Aldeias devem ser obrigados a manter estreita correspondencia e se reunirem
o mais frequentemente possivel,
5 – Art.
6.o Sessão Primeira. Quanto ao catechismo organizado e revisto por alguns
Irmãos, ficou resolvido mandal-o para a Metropole, afim de ser impresso
em tres línguas, a saber : hollan-deza, portugueza e tupi
(3)
6 – Visto os habitantes de Goyanna
reclamarem já ha bastante tempo a presença alli de um predicante,
resolveu-se que D. Eduardus, por ser o mais proximo situado, vá lá
prégar de tres em tres semanas.
7
– Compareceram perante esta Assembléa um Judeu e uma Judia, a qual
pertencera antes á Igreja Reformada e tendo um filho do primeiro marido,
que tambem era dessa ultima religião, levara a creança para o
judaísmo e o mandara circumcidar.
Os
amigos da creança na França reclamaram contra isso e requisitaram
o auxilio desta Assembléa para lhes ser entregue a cre-ança. Sendo
primeiro introduzida no recinto a Judia, foi perguntada que religião
professara na França?
Resp. – A
Reformada.
Depois, quem fôra seu
paes
Resp. – Jean Ayeur de Parier, Collegii
Toarcensis.
Em seguida, onde se casara com
aquelle homem?
Resp. – Em Rochella e na
egreja papista.
Depois disso, renegara a
primeira religião ?
Resp. – Em
Amsterdam.
Perguntada – onde fôra o
filho circumciso, com que edade e porque assim
procedera?
Resp. – Em Amsterdam, aos 10 annos
de edade, e que o filho se deixara fazer voluntariamente e que elle proprio lhe
pedira.
Sendo o Judeu introduzido depois no
recinto, foram-lhe feitas tambem algumas perguntas, ás quaes respondeu da
seguinte fórma: era de nacionalidade franceza, seu pae era um papista,
elle fôra baptizado em creança, mas passou-se sem sciencia do seu
pae para o Judaísmo e foi circumciso havia mais de tres annos na
Hollanda. Casara-se com aquella mulher na egreja papista em Rochella ; o seu
enteado fôra circumciso havia uns 14 mezes, mas isso se dera contra a
vontadè delle (padrasto) ; – que fôra a propria
creança que assim o quiz ; tambem nunca pedira á mulher para
abandonar a sua primeira religião. Após o interrogatorio foi
resolvido que D. Deputado solicitasse a S. Ex. e ao Supremo Conselho a
remoção daquellas pessôas para a Metropole e o menino
fôsse entregue aos amigos do pae, afim de ser educado pelos mesmos na
religião christã.
(3)
Acta do Synodo Sul-Hollandez de 1641 : «Foi julgado que aquella Cia.;se
não tinha competencia para tal iniciativa, muito menos para mandar
imprimir em algumas línguas sem o exame e approvação dos
respectivos Synodos dos Paizes Baixos, devendo ser avisada que em assumptos
relativos á instrucção e ordem tem ella de ir de
uniformidade, parecer e conselho com a egreja da Metropole. Pediu-se aos
Senhores XIX e depois aos Directores da Camara de Amsterdam que entregassem o
exemplar a este Synodo, afim de ser examinado e mandassem suspender a
impressão do mesmo. E visto não haver chegado resposta alguma
satisfacto-ria, officiou-se sobre isso aos Altos e Poder. Srs., os quaes
mandaram imprimir em Enckhuysen, para fazerem suspender a impressão
até nova ordem e resolveram communicar á Assembléa dos XIX
tudo que se passou aqui sobre
assumpto.
Fica isso entregue á
direcção e cuidados dos Deputados ordinarias. » – Acta
do Svnodo Sul-Hollandez de 1642 : – « Quanto ao Catechismo que
mandaram do Brasil os Deputados, não conseguiram (apesar de empregar
todos os esforços) suspender a
impressão.
Por essa occasião
foi declarado que um certo Florentius Streraerts do paiz de Cleef (que
fôra contractado devido a recommendação) não merecia
aquellas re-commendações, por causa da sua vida dissoluta,
»
SESSÃO
SEXTA
Gravamina
:
1 – Reclama-se que muitas
mulheres vivem separadas dos maridos morando noutros logares em tempo de paz,
mesmo quando os maridos residem nos fortes.
Remedio
: Convém que os conjuges de qualquer condição que sejam
morem juntos e os Dep. se devem entender sobre isso com S. Ex. e o Supremo
Conselho.
2 – Que os consoladores de
enfermos não estão satisfeitos aqui com o serviço,
queixando-se que o ordenado que percebem não chega para se manterem ; que
ganham menos que os mestres de escola, sendo elles, entretanto, de superior
categoria, e os mestres de escola recebem tanto dos meninos que dá para
viver.
Remedio : Os Deput. devem pedir a S. Ex. e
ao Supremo Conselho o augmento do ordenado dos consoladores de
enfermos.
Questiones
:
I – Si não é justo que os
Irmãos que estão collocados perto de algumas
guarnições façam nellas de vez em quando uma predica, isso
sem prejuízo de suas egrejas?
Resp. –
Sim, e os Deput. requeiram que assim-se faça e á custa da
Companhia.
2 – Ainda que as egrejas
estejam distantes uma das outras, não seria todavia conveniente que a
visita das egrejas pelo D. Deput. fosse mais a
miudo?
Resp. – Sim, si o puder fazer sem
abandonar a sua freguezia.
3 – Quem
é que póde remover os predicantes de um logar para outro ou
mantel-os, quando chegam da Metropole e ainda não têm uma
freguezia?
Resp. – Está bem entendido
que isso só compete á Classe e quando não fôr
possível ao D. Deput. e do seguinte modo : Onde ha Conselhos
Ecclesisticos, elles o podem fazer com prévia com-municação
e consentimento delle (D. Deput.) afim de que não pareça que os
predicantes são constrangidos. Onde não houver Conselho
Ecclesiastico, os Delegados ficam encarregados disso, fazendo como bem
entenderem : tudo provisoriamente até a seguinte Classe e com o
conhecimento e approvação de S. Ex. e do Supremo
Conselho.
SESSÃO
SETIMA
1 – Procedeu-se á leitura das cartas e em
primeiro logar da certa do Exmo. Sr. Jacob Hamel, em nome dos Exms. Srs.
Directores, datada de 16 de Janeiro de 1640.
Refere
esta carta :
1 – A diligencia applicada por
elles na questão do augmento do numero dos predicantes aqui
;
2 – A sua satisfação pela
benção concedida pelo Senhor sobre o serviço de D.
Doorenslaer para com os Indios.
A respeito desses
dous pontos deve-se agradecer a S. Ex. com toda a
cortezia.
3 – Pergunta-se si os Indios
não poderiam receber instrucção tambem na língua
neerlandeza como na portugueza. E é julgado em primeiro logar que se deve
procurar bem dous mestres de escola, que tenham família e mandar que
vão morar nas Aldeias para ensinar os filhos dos Indios a ler, escrever,
etc., e afim de que essas creanças ao mesmo tempo por meio da
conversação com os filhos dos mestres de escola possam aprender a
língua.
Consultando-se sobre isso a S. Ex. e
ao Supremo Conselho, approvaram.
4 – A
Camara de Amsterdam diz que enviou as actas Syno-daes, junctamente com alguns
livros e não teve resposta, accusan-do o
recebimento.
2 – Depois dessa foi lida a
carta da Classe de Amsterdarm contendo o seguinte
:
1 – Extranha que não tenhamos
recebido as Actas Syn. Norte Hollandez, que ainda
esperamos.
2 – A Classe apresentara á
Assembléa dos XIX a maior parte dos nossos gravames e recommendara-os com
o maximo empenho. Devemos apresentar agradecimentos por esse seu empenho
áquella Classe, ainda que estejamos esperando pelos resultados
delle.
3 – Pede que dóravante
communiquemios por escripto a S. Ex., quando acontecer que algumas pessôas
ecclesiasticas forem sem attestado, qual o motivo disso ou no caso de haverem
tido notas por alguns actos declaremos nos seus attestados ou em outros papeis
annexos, afim de que não sejam enganados pelos primeiros, nem nutram
duvidas sobre os ultimas. – Devemos fazer dóra-vante segundo
dizem.
3 – Em seguida foram lidas cartas
da Classe de Walcheren, contendo o seguinte :
1
– Sua bôa vontade e diligencia em zelar por nossa egreja ; por cujo
motivo devemos agradecer a Ss. Exs. e rogar-lhes que perseverem nesse
zelo.
2 – Um seria pedido afim de que o
proponente Jan Michiels seja promovido para o serviço
divino.
A Assembléa, tomando isso em
consideração após madura deliberação, julgou
não ser conveniente na occasião, devendo-se-lhe dizer para ter
paciencia e esperar até a seguinte Assemblea e que então se
tratará da sua promoção. Devia-se escrever sobre esse
assumpto ao Deput. da Classe de Walcheren, dando-lhe os
motivos.
V I
I
Actas da Classe do Brasil, reunida no
Recife de Pernambuco em 21 de novembro de 1640
Reunida a Assembléa, D. Batiler fez uma
predica do Heb. 2 v. 14, recebendo geral approvação, por ser
julgado edificante e conforme a palavra de
Deus.
Após a invocação do
Nome de Deus por D. Plante foram lidas as credenciaes dos Irmãos, que
têm egrejas fundadas, e são
appro-vadas.
Compareceram como predicantes do
Recife os seguintes D.D.: Fredericus Kesselerus, Joachimus Solerus, Franciscus
Plante, Mathys Becks, ancião ; da Parahyha, como predicantes : Samuel
Ba-tiler, Cornelius van der Poel, Eduart van Munickhover, ancião; de
Itamaracá : Theodorus Polhemius, predicante; Lambert Lievenss,
ancião ; de Porto Calvo, Santo Agostinho, Mauritia, Tapeserica :
predicantes entre os indios : Nicolaus Vogelius, Jodocus a Stetten, David a
Doorenslaer, Johannes Eduardus.
D. Rabberius Echolt
é dispensado em attenção á distancia do
logar.
São lidas as nomeações,
demissões, testemonia de Ketell, que satisfaz á
Assembléa e elle foi acceitocom gosto membro da
mesma.
Foram eleitos para a Directoria :
Presidente, D. Fred. Kesse-lerus ; Assessor, D. Samuel Batiler ; Scriba, D.
Fran. Plante.
As horas das sessões
serão das 8 ás 11 da manhã e das 3 ás 6 da
tarde,
SESSÃO
PRIMEIRA
1 – Ao art. 1.o Sessão Primeira. Quanto
ao edital contra o incesto, devido á diligencia do Sr. Walbeck, logo
depois da ultima Classe, foi feito e affixado ; referem os Irmãos de
Itamaracá que fizeram um accôrdo com Peter van Haerlem que ha
tempos tomou algum dinheiro dos pobres, para que elle pague uma certa quantia,
tanto quanto as suas condições permittirem, pelo que a Classe deve
deixar o caso ficar nesse pé.
3 –
Art. 5.o Sessão Primeira. O edital contra a profanação do
domingo tambem foi publicado.
4 – Art.
6.o Sessão Primeira. Quanto á liberdade dos Papistas, contra o que
foi promettido um edital por S. Ex. e o Supremo Conselho, ordenando que
só praticassem o seu serviço divíno dentro das egrejas para
não escandalizarem aos outros, sob pena de perderem os seus direitos,
etc.
Elles persistem, porém, mais do que
nunca, nos seus excessos; até alguns frades que daqui partiram ha tempos
regressam com cartas do Papa. Foi resolvido renovar-se humildemente o pedido a S
Ex. e ao Supremo Conselho para que publiquem o edital, empregando todos os
esforços contra taes abusos e
velhacarias.
5 – Da insolencia dos
Judeus.
(Art. 8.) tratar-se-á nos
gravames.
6 – Quanto ao que concerne a
irreligião dos Negros, S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram determinar
que fossem ouvir a Palavra de Deus, e que cada um tivesse a sua mulher,
impedindo-se a prostituição e adulterio ; disseram mais que
publicariam um edital a seu respeito.
Mas como
não o fizessem até agora, deve-se insistir com S. Ex. e o Supremo
Conselho, pedindo que publiquem o mais brevemente possível tal
edital.
7 – O edital contra o adulterio,
a prostituição, pragas e blasphemias já foi
publicado.
8 – S. Ex. e o Supremo
Conselho declaram ter recebido cartas dos illustres senhores XIX, em que
communicam que os predi-cantes por cada filho aqui no paiz receberão seis
florins por mez para a pensão.
9 –
Quanto ao numero de predicantes, já chegaram alguns e ouvimos dizer que
mais quatro estão em caminho ; portanto, podemos descansar a esse
respeito.
10 – Estão prohibidos
por edital os trabalhos nos Engenhos aos domingos, e foi promettido renovar-se o
edital.
11 – S. Ex. e o Supremo Conselho
disseram por apostilla que, por publicação de edital nas Aldeias,
todos os Indios fossem avisados do compromisso de juntarem-se as esposas nos
logares em que estão acostumados a morar e que se escreva seriamente aos
Capitães das Aldeias para que façam cumprir o
edital.
Mas, como isso ainda não se
realizou, deve-se pedir por es-cripto a S. Ex. e ao Supremo Conselho que o
ponham em execução sem
tardança.
12 – Refere D.
Kesselerus que elles (elle e o companheiro) estiveram segundo lhes fôra
incumbido em Itamaracá e posto que ainda não haja lá muito
serviço, nomearam duas pessôas competentes para anciãos e
uma para diacono, o que mereceu a approvação da classe, que
agradeceu a SS. EEx.
SESSÃO
SEGUNDA
I – Compareceu Cornelis Jacobs consolador de
enfermos em Pojuka, pedindo para ir o mais breve possível para a
Metropole, porque de outra fórma a mulher cairia na miseria.
A resposta foi que elle tem de esperar que termine
o prazo do contracto.
2 – Referem DD.
Deput. que a apostilla de S. Ex. e do Supremo Conselho diz o seguinte
:
« Os Capitães nas Aldeias devem ser
avisados por escripto que se devem regular exactamente pelas
instrucções sob pena de cassação e os desobedientes
nos devem ser denunciados pelos predicantes D. a Doorenslaer e D. Eduardus, afim
de que pela punição dos mesmos a nossa bôa
intenção produza melhor effeito ; pelo que os Irmâos
predicantes dos Indios communicam que o regulamento já foi mandado para
as Aldeias. >
3 – A apostilla de S.
Ex. e do Supremo Conselho contra as queixas do abandono das Indias pelos
maridos é a seguinte : « Fiat, e está nos termos das suas
instrucções. »
Mas, como se
vê pela experiencia dos ditos Indios, só se póde remediar
esse mal por meio de um edital e, portanto, seria bom que no edital.......
(4) a
citação dos que abandonarem voluntariamente a
mulher.
Ao art. 6 da Sessão Primeira desta
Classe juntou-se uma prohibição de que nenhum morador do paiz
póde empregar qualquer indio ou índia sem sciencia e ainda menos
contra a vontade e opinião dos que tem a direcção das
Aldeias.
(4)
Algumas palavras estão apagadas devido á
humidade.
E deve essa prohibição
extender-se tanto aos solteiros como aos casados, afim de que ninguem ao reter
um casado se desculpe, dizendo ignorar que o era, o que poderia realmente
succeder muitas vezes.
4 – Realizou-se
tudo isso, mandando-se D. Eduardus para se demorar entre os Indios e elle
declara que o seu serviço até agora não foi
infructifero.
5 – Os predicantes que
estão em serviço entre os Indios cor-respondem-se o mais
possível.
6 – Quanto ao catechismo
em tres línguas, os Deputados declaram que o mandaram aos senhores XIX,
afim de ser impresso.
7 – Refere D.
Eduardus que de conformidade com a ordem da Classe está prestando
serviço nos Engenhos de Goyanna, mas pede que seja mandado para lá
um outro predicante, visto que não póde executar bem aquella
commissão, sem deixar em abandono os Indios. Deve-se prover a isso, logo
que chegar algum predicante da Metropole.
8
– A respeito do Judeu e Judia com filho, referem os Deput. que o filho foi
mandado para a Metropole ao D. Rivet por ser seu parente ; que tambem S. Ex. e o
Supremo Conselho prometteram mandar os paes, mas ainda não o fizeram.
Ficou resolvido a esse respeito pedir novamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho
que realizem a promessa.
9 – Sobre a
queixa sobre grande numero de casaes que não moram juntos, referem os
Deputados a seguinte apostilla de S. Ex. e Supremo Conselho
:
« Resolveu-se, para
extincção desse desregramento aqui e noutros quiteis, que os
casados fiquem juntos numa Companhia que deve ficar estacionada no mesmo ponto,
afim de que a reunião dos casaes, conforme o pedido da classe, seja
perpetua. » Soubes mais que a tal Companhia está formada, de sorte
que a Classe ficou satisfeita, por acabarem com esses casos de
desregramento.
Assim, resolveu-se pedir
humildemente a S. Ex. e ao Supremo Conselho a publicação de um
edital, afim de que os casados sejam obrigados a morar com as mulheres nos
fortes.
10 – S. Ex. e o Supremo Conselho
devem mandar pagar aos consoladores de enfermos uma pensão egual á
dos mestres de escola ; isso já foi posto em
pratica.
11 – As despesas dos predicantes
que prestaram serviço ás guarnições proximas ou em
qualquer logar, onde forem exercer a sua profissão, devem ser feitas por
conta da Companhia.
12 – A visita das
egrejas deve ser realizada o mais frequentemente
possível.
13 – Deve-se nomear dous
mestres de escola hollandezes na primeira opportunidade para as Aldeias. Tambem
sabemos que chegaram da Metropole alguns livros encommendados, assim como as
Actas do Synodo Norte Hollandez, desde o anno 1618 até 1637, etc. Pelo
que se entende que os seguintes tem que se requisitar anno por
anno.
- Ex. e o Supremo Conselho se encarregaram de renovar o
pedido aos Srs. XIX, dos outros livros omittidos, Postillas de Scul-teto,
livrinhos de psalmo.
14 – Os
Deputados escreveram as cartas para as Classes de Amsterdam e Walcheren, assim
como o attentado de Johannes Mi-chiels ; conforme foram encarregados pela
Classe.
15 – Comparece Peter Willemss,
consolador de enfermos no forte de Orange, solicitando ir o mais breve
possível para a Metro-pole. Foi-lhe
recusado.
16 – O segundo artigo,
Sessão Oitava, só se entende com a
correspondencia.
17 – E’ cousa
assentada ser necessario que se nomêe mais predicantes para as Aldeias. D.
a Doorenslaer demonstra a conve-niencia de se promover D. Kemp, actual mestre de
escola dos In-dios, a predicante.
Responderam-lhe
que apresentasse proposta escripta, visto já ter sido aqui mestre de
escola e estar familiarizado na língua portugueza, possuindo attestados
de seus bons serviços e zelo, e que, entretanto, sobre o seu
maior........ na Classe seguinte to-mar-se-á em
consideração. Junto a essa deve se requerer a
alteração do seu ordenado como
proponente.
18 – D. Dionysius, mestre de
escola dos Indios, tambem requer o mesmo. A Assembléa acceita a sua
proposta e diz que na seguinte Classe se tratará
della.
Mas, como elle tem mulher e filhos,
não lhe chegando o ordenado, pedir-se-á o augmento do mesmo a S,
Ex. e ao Supremo Conselho.
SESSÃO
TERCEIRA
1 – Trata de saber dos membros da
Assembléa a respeito dos deveres ecclesiasticos, si são
convenientemente observados, praticadas as disciplinas ecclesiasticas, os
consistorios reunidos, o serviço da Paschoa, as visitações
realizadas, etc.
Foi encontrada bôa ordem em
muitos logares e noutros regular, conforme a possibilidade e
situaçâo.
2 – D. a
Doorenslaer, referindo-se ao progresso dos Indios na religião, declara
ter chegado a tal ponto que elle administrou a Paschoa a alguns
delles.
3 – D. Eduardus communica ter
feito o possível na catechese e no ensino da doutrina christã ;
que tambem os dous mestres de escola prestaram bons serviços. Espera com
a graça de Deus que o seu trabalho não será
infructifero.
Nessa occasião foi renovada a
resolução da Classe do anno de 1638 – dizendo para se
exhortar os paes a mandarem os filhos á
escola.
4 – D. Soler expõe que ha
um Indio na Aldeia de S. Ex. e tendo o conhecimento de doutrina christã e
sabendo ler e escrever, apto, portanto, para o ensino dos
Indios.
Pergunta-se si o auxilio daquelle Indio
não seria conveniente alli.
Eduardus faz
declaração identica sobre um indio existente na aldeia, onde elle
faz a sua residencia.
Responderam pela
affirmativa e que se deve solicitar de S. Ex. e do Supremo Conselho um ordenado
para ambos.
5 – Compareceu Carel Carels,
consolador de enfermos, apresentando as instrucções, desejando ao
mesmo tempo que se indique o logar da sua residencia. Ficou resolvido, de
accôrdo com a opinião de S. Ex. e Supremo Conselho, que elle fique
no Recife, emquanto durar a ausencia do actual consolador de enfermos, que vai
partir brevemente e que sejam transferidos o mestre de escola aqui em Mauritia e
o consolador de enfermos.
6 – Pergunta-se
si tambem um proponente em falta ou au-sencia de predicante tem licença
para fazer casamentos.
A resposta foi
affirmativa.
7 – Pergunta-se tambem si
pessôas, que tiveram os procla-mas sem haver impedimento algum, podiam
casar-se nas suas casas particulares, especialmente noiva ou noivo gravemente
doente e exigindo a urgencia da
confirmação.
Responderam –
não na regra geral, mas é permittido nesses casos especiaes, com o
conhecimento do Conselho Ecclesiastico.
SESSÃO
QUARTA
1 – Compareceu Jan Loderijcks, consolador de
enfermos, apresentando as suas instrucções e attestados, que
satisfizeram á Assembléa, procurando saber onde deve estabelecer a
sua residen-cia. Fica entendido que logo que o consolador de enfermos,
actualmente no hospital, partir para Santo Antonio, visto que elle é
inglez e a maioria da gente alli é dessa nacionalidade, Jan Loderi-jcks o
substituirá no hospital.
2 –
Philippina Penbrock, viuva de S. Jan Bernaerts, residente na Parahyba, pede
á Assembléa que faça Domingo Strigt, porta-insígnia
do Capitão Robbert, cumprir as promessas de casamento que lhe fizera. Foi
essa questão recommendada aos Irmãos da Parahyba, onde ella
reside.
3 – Pergunta-se si não se
deve esforçar tanto pela conversão dos Portuguezes, como pela dos
Indios... para o que, visto D. Soler apresentar os seus serviços com as
predicas... S. Ex. e o Supremo Conselho são consultados em que logar
desse... póde realizar-se.
Visto como tambem
noutros logares ha predicantes familiares naquella língua, devem procurar
converter os Portuguezes. Mas como são poucos os predicantes,
especialmente os jovens, a estudarem o mais possível aquella
língua D. Kesslerus e D. Plante devem communicar essa
resolução a S. Ex. e ao Supremo
Conselho.
4 – Reguerem e perguntam os
Irmãos da Parahyba si não convém que Pieter de Bruyn,
ex-consolador de enfermos na Para-hyba, á vista do seu mau procedimento,
que ainda persiste e da calumnia contra Jan Michiels, de que se confessou
culpado, siga para a Metropole, conforme lhe foi ordenado, para que os Illustres
Senhores depois que elle foi demittido do serviço deram
consentimento.
Os deputados devem tratar disso
novamente com S. Ex. e o Supremo Conselho.
5
– Pergunta-se si um predicante, que não merecer mais a
confiança para continuar no serviço da egreja de Christo aqui no
paiz, e a quem foi recusado attestado honroso por occasião da
demissão e não puder fazer predica Valeet (sic), tudo com a
appro-vação da Classe e da Autoridade superior, póde ser
acceito novamente na mesma qualidade, sem reconhecer previamente a culpa e dar
satisfação á egreja, a qual
offendeu?
A resposta foi pela
negativa.
6 – Pergunta-se si tambem um
consolador de enfermos póde prégar em publico sem anteriormente
ser ouvido em particular durante algum tempo por um ou dous predicantes e depois
de um exame preparatorio?
Resposta –
não.
SESSÃO
QUINTA
Gravamina
1 – Apesar de S. Ex. e do Supremo Conselho
haverem publicado editaes contra a prostituição e adulterio,
profanação do domingo e horríveis pragas e blasphemias,
vê-se que tudo isso con-tinúa ainda a ser muito praticado ;
julga-se necessario pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho determinem que os seus
officiaes façam cumprir as leis.
2
– Visto se queixarem geralmente de um modo maldizente, especialmente os
empregados da Companhia, que os predicantes aqui são pagos com o dinheiro
dos ordenados daquelles, pede-se á Assembléa delibere sobre o que
se deve fazer contra isso. – Deve-se representar ao Collegio dos XIX e ao
Supremo Conselho Secreto, intercessionales ao mesmo Collegio, afim de que
desappa-reça o motivo da queixa, visto ficarem o Santo Ministerio e os
nossos Irmãos difamados, e em todas as republicas e paizes o Santo
Ministerio e predicantes são mantidos pelos soberanos Magistrados e
Autoridades pelos meios ecclesiasticos ou outros
ordi-narios.
3 – Reclama-se contra a
cohabitação illegal dos noivos que vão morar juntos antes
de se celebrar a solemnidade ; item – contra a longa
protelação na celebração dos casamentos, depois
mesmo de terem sido feitos tres proclamas.
Contra o
primeiro deve-se solicitar um edital ao Governo ; contra o segundo, que no
edital se declare que a solemnidade não póde ser adiada por mais
de 4 semanas, a não ser que os contra-hentes sejam impedidos por molestia
ou ausencia.
4 – Visto haverem informado
que reina de tempos para cá algum descontentamento entre os Indios por
serem mandados para e a guerra, causando isso prejuízo á
família e acima de tudo grande atraso na salvação de suas
almas, ficou resolvido pedir humildemente a S. Ex. e ao Supremo Conselho que
dêem as providencias necessarias, porquanto reina grande indigencia entre
os indios, pela qual vêm a morrer, pela falta de roupas, medicina,
cirurgiões e outros que taes recursos, e por esse motivo a raça
diminue em numero.
Foi resolvido representar a
S. Ex. e ao Supremo Conselho, afim de proverem sobre isso de modo o mais
conveniente.
5 – Visto saber-se que
alguns Indios, abandonando as esposas, vão occultar-se noutras aldeias,
não querendo saber do lar ; que tambem alguns, além disso,
enganam, dizendo-se solteiros e casam-se com outra mulher ; visto que tambem
alguns domicilia-dos noutras aldeias prefeririam morar nas aldeias em que ha
pre-dicantes, mas não ousam fazel-o por ter medo dos seus
capitães, convém que a Classe delibere si não é
necessario requerer a S. Ex. e ao Supremo Conselho tratarem de encarregar os
Capitães de aldeias, que logo que os predicantes fizerem a
requisição verbal ou escripta, deixem ir livremente taes e taes
pessôas, afim de que :
1 – O
abandono das esposas seja impedido ;
2 –
O casamento pela segunda vez só se faça quando houver attestados
de viuvez ;
3 – Seja promovido o augmento
da igreja de Deus pela col-laboração dos mais intelligentes das
Aldeias.
6 – Visto serem assás
frequentes em muitos logares duellos temerarios e assassinatos premeditados,
deve-se tratar de renovar e executar os editaes anteriores a esse
respeito.
7 – Visto se saber que os
Judeus cada vez chegam em maior numero a este paiz, attrahindo a si os negocios
por meio das suas velhacarias, e já se adiantaram tanto nesse ponto que
estão de posse da maior parte do commercio e é de receiar que tudo
irá a peior, o que será uma desmoralização e
prejuízo para os chris-tãos, escandalo para os Indios e
Portuguezes e enfraquecimento do nosso Estado ; accrescendo que a sua ousadia,
quanto á religião, se torna tão grande que não
sómente se reunem publicamente no mercado aqui no Recife, apesar da
prohibição do Governo (vide Classe 1638, Sessão 8, art. 2)
dando assim escandalo aos outro , mas tambem ainda se preparam para construir
uma sy-nagoga; casam-se com christãs, seduzem christãos para o
sacrílego judaísmo, circumcidam os christãos, servem-se de
christãos para creados em suas casas e de christãs para suas
concubinas ; portanto, a Classe, por voto unanime, julga ser de sua
jurisdicção e estricto dever não sómente representar
contra isso a S. Ex. e ao Supremo Conselho, mas tambem rogar em Nome de J.
Christo nosso unico Salvador, que é o mais difamado pelos Judeus do que
por todos os outros inimigos, para que o que ficou descripto acima seja
remediado.
E, como não haja paiz em todo o
mundo em que os judeus não sejam refreiados, deve-se fazer o mesmo aqui e
os que forem contra isso sejam punidos
convenientemente.
Ficou egualmente resolvido
representar sobre esse assumpto por meio de uma missiva ao Collegio dos
XIX.
SESSÃO
SEXTA
1 – Foi lida a carta da Classe de Amsterdam, a
qual contém o seguinte :
1 –
dá os motivos porque não foram mandados os livros ; todavia, foram
mandados agora, mas não conforme á requisição, o que
se póde ver acima, art. 13, Sessão segunda.
2 – Trata dos predicantes e consoladores de
enfermos ; tiveram a satisfação de obter dous. Os Irmãos
devem agradecer-lhes pelo zelo e diligencia. Avisam tambem que já
vêm outros em caminho.
Quanto ao
descontentamento existente entre varias pessôas a respeito de alguns
consoladores de enfermos, especialmente nos navios, encontra-se muitas vezes ser
a culpa de alguns capitães de navios, que não os podem supportar
nos beliches para fiscalizal-os.
3 – quanto
ao não termos mandado as Actas da nossa ultima Classe, deve-se responder
que não se reuniu Classe alguma no anno de 1639, por causa das
perturbações no paiz,
As ultimas
e recentes actas já foram mandadas e estamos bem dispostos a entreter
estreita correspondencia e mandar sempre as nossas
actas.
Deve-se tambem solicitar amavelmente a
SS. Exs. o obsequio de mandarem todos os annos as Actas
Synodaes.
2 – Quanto á
remoção dos predicantes, a Classe não pretende fazer
alteração alguma, mas o Conselho Ecclesiastico communicou ser
muito necessario um terceiro predicante no logar de D.
Lan-tman.
A Classe recommenda-lhes a pessôa
de D. Ketelii, vindo pelo ultimo navio, o qual os Irmãos do Recife
admittiram afim de apre-sental-o ao seu Conselho Ecclesiastico. Os delegados do
Conselho Ecclesiastico informam que desejam ardentemente a pessôa de D.
Ketelii para o seu predicante effectivo e pedem que a Classe approve a sua
nomeação, no que a Classe consentiu. E’ igualmente pedida a
approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, que consentiram com a
condição de que, chegando aqui um quarto pre-dicante da Zelandia,
tambem terá um logar, e, onde for preciso um predicante, será
mandado um dos daqui.
3 – Referem os DD.
Deputados que D. Leoninus foi mandado com a approvação de S. Ex. e
do Supremo Conselho para o Rio Grande afim de exercer o serviço divino,
devendo a Classe ficar descansada sobre isso, convindo communicar que elle deve
tanto quanto possível dar instrucção aos Indios e zelar
sobre elles.
4 – Perguntam si não
era justo que D. Echolt, que não pôde já por duas vezes
comparecer á Assembléa Classical por causa da grande distancia do
logar em que se acha, seja removido quando chegarem mais
predicantes.
Resposta –
sim.
5 -- Si não é necessario que
todas as actas sejam mandadas aos predicantes ausentes – Resposta –
sim.
6 – Os predicantes devem prestar
attenção que em todos os logares em que haja escolas os meninos
sejam instruídos nos princípios da religião christã
e nas orações.
7 – Os nomes
dos predicantes, que chegarem, devem ser re-gistrados nas actas do mesmo
anno.
8 – Nenhum predicante deve ir-se
embora sem ter primeiro copiado as actas para a sua
parochia.
9 – Visto os Irmãos
entenderem ser necessario um índice para as Actas Synodaes do Norte da
Hollanda, D. Plante é encarregado de fazer um e tel-o prompto para a
Classe proximo-vindoura.
10 – Em logar de
D. Soler, que foi licenciado, foi nomeado para substituil-o como Deputado da
Classe D. Kesselerus e em segundo Logar D.
Ketel.
11 – Foi indicado para
prégar na proxima Classe D. Polhemius e em segundo logar D.
Vogelius.
Chegaram este anno D. Ketel, predicante
no Recife, Leoninus, predicante no Rio
Grande.
Partiu Jan Michiels, proponente, para a
Parahyba.
Observando-se a Censura morum e
nada se encontrando digno de pena, a Assembléa dissolveu-se em harmonia,
depois de invocar o Nome do Senhor. Estava assignado : Franciscus Plante.
Classis p. t. Scriba ac Deputatus.
VIII
Apostillas
concedidas por S. Ex. e pelo Supremo Conselho nos extractos das Actas na Classe
do Brasil em Novembro de 1640.
No art. 4o, Sessão Primeira – Contra
isso dar-se-ão providencias opportunamente, tanto quanto a
situação do nosso Estado permittir e nesse ínterim
tomar-se-á cuidado de evitar e impedir todos os escandalos publicos.
Já se escreveu á As-sembléa dos XIX para se conhecer a sua
intenção a esse respeito.
No art.
6o, Sessão Primeira – Não podemos ver por ora possibilidade
de estatuir cousa alguma sobre esse ponto, nem por edital, nem por qualquer
outro expediente, que nos pareça efficaz, e pedimos, portanto, aos
Irmãos que no caso de terem um alvitre pratico sobre esse assumpto o
exhibam á nossa Assembléa, afim de ver o que convenha
fazer
No art. 11, Sessão Primeira. –
Fiat.
No art. 3o, Sessão 2 –
Deve-se ordenar por edital que nenhum habitante retenha qualquer Indio contra
sua vontade e que o deixe ir para a aldeia onde
morava.
No art. 8, Sessão 2 – Essa
questão merece maior
attenção.
No art. 9,
Sessão 2 – E’ praticado actualmente como foi pro-mettido aos
Deputados.
No art. 4, Sessão 3 –
Fiat, e são concedidos provisoriamente a cada um delles 12 florins
mensaes de ordenado.
No art. 4, Sessão 4
– No caso da pessôa commetter qualquer falta póde ser
processada como os outros habitantes e soffrer a respectiva
pena.
No art. 1, Sessão 5 –
Deve-se encarregar ao advogado Físcal e aos Escultetos de publicar
novamente os editaes emanados daqui e fazer executar o seu
conteúdo.
No art. 2. Sessão 5
– Já se escreveu sobre isso e aguarda-se a resposta da
Assembléa dos XIX.
No art. 3,
Sessão 5 – A ordenança emanada dos Srs. Estados da Hollanda
e Frisia Occidental sobre a policia será praticada
aqui.
No art. 4, Sessão 5 –
Procurar-se-á satisfazer a recommen- dação de SS. EEx.,
tanto quanto o tempo e o serviço da Companhia puderem
supportar.
No art. 5, Sessão 5 –
Deve-se dispôr a discreção sobre esse ponto e os predicantes
residentes nas Aldeias devem cuidar em dar allivio aos enfermos e
necessitados.
No art. 6, Sessão 5
– Os predicantes das respectivas Aldeias, desejando tirar alguns Indios de
outras Aldeias para os logares onde se acham, não se devem dirigir aos
Capitães das Aldeias, mas sim a S.
Ex.
No art. 8, Sessão 5 –
Escreveu-se seriamente á Assembléa dos XIX sobre esse assumpto,
afim de que nós aqui............. possamos proceder, segundo a ordem que
vier da Metropole. Si alguns particularmente attentam contra isso é culpa
dos officiaes, que deviam segundo o seu juramento e nossa ordem punil-os por
meio da Justiça, e devemos fazer que os Officiaes cumpram o seu
dever.
No art. 7, Sessão 5 –
Fiat.
Assim feito na nossa Assembléa no
Recife em 18 de Janeiro de 1641.
Lia-se abaixo
:
Por ordem de S. Ex. e do Supremo Conselho.
Estava assignado : J. van Walbeeck.
IX
Actas
da Classe do Brasil, reunida no Recife, em 17 de Outubro de
1641
Depois da invocação do Nome do Senhor por
D. Kesselerus, Presidente supremo da Classe, foram entregues e approvadas as
credenciaes dos que formaram Conselhos Ecclesiasticos. E com-pareceram a essa
Assembléa :
Do Recife : na qualidade de
predicantes, os seguintes Srs. : D. Fredericus Kesselerus, D. Franciscus Plante,
Nicolaus Ketel, D. Joachimus Soler ; Sr. Hans van der Goes, como Ancião ;
da Parahyba : D. Samuel Batiler, Predicante ; Sr. Peter Coets, Ancião ;
de Itamaracá : D. Theodorus Polhemius, Predicante ; Sr. Peter Solyn,
Ancião; do Cabo Agostinho : Jodocus a Stetten, Predicante ; Sr. Casper
Ley, Ancião, que se excusou por escripto, sendo acceita a
excusa.
D. Nicolaus Vogelius, Predicante em Porto
Calvo.
D. David a Doorenslaer, Predicante dos
Indios em Mau-ritia.
D. Johannes Eduardus,
Predicante em Tapecirica entre os Indios.
Sendo
lidos os attestados de D. Samuel de Cominck, chegado da Metropole em 21 de
Dezembro ultimo e nomeado para o serviço da egreja no Recife e tendo
agradado á Classe, foi acceito como membro da mesma, tendo sido pedida
para elle a benção do Senhor.
São lidos egualmente com satisfação
os attestados de D. Petri Doornici, actualmente Predicante da Parahyba, e foi
elle acceito com todo o gosto para membro da Classe ; tambem D. Gilbertus le
Vaulx, presentemente Predicante dos Francezes no Recife ; D. Joharines Offringa,
cujos attestados foram exigidos pelos Deputados da Classe para o serviço
da egreja de Goyan-na. Mas como o ultimo não tivesse comsigo os
attestados, foi acceito provisoriamente, devendo todavia mostral-os na proxima
Classe.
O mesmo terá logar com D. Casparo
Velthusio, actualmente Predicante em
Serinhaem.
Esteve ausente D. Cornelius van der
Poel. que foi dispensado por doente, comparecendo todavia antes de se encerrar a
Classe.
D. Cornelius Leoninus, Predicante no Rio
Grande, e D. Johannes Ungenade, Predicante no Rio Francisco, foram dispensados
por causa das grandes distancias das suas residencias.
SESSAO
PRIMEIRA
Foram eleitos para directores da Classe
:
Nicolau Ketel, presidente
;
D. Fredericus Kesselerus, assessor
;
D. Samuel de Cominck,
scriba.
As sessões da Assembléa devem
realizar-se logo que chegarem todos os Irmãos aqui no
paiz.
Visto ter sido indicado D. Polhemius pela
Classe anterior para fazer a predica, a mesma devia ter logar em publico, como
se realizou, constando do Act. 41, 24 et seg.; sendo bem cumprimentado por
isso.
As horas das sessões serão das
8 ás 11 da manhã e das 3 ás 6 da
tarde.
SESSÃO
SEGUNDA
1 – Foi communicado á Classe pelos DD.
Deputados que S. Ex. e os Nobres Senhores do Supremo Conselho fazem sentir
– si não seria conveniente que um membro daquelle Conselho
comparecesse á nossa Assembléa Classical (visto ser esta
até agora a superior neste paiz quanto ao que se refere ao
eccle-siastico), não havendo nisso outro fim sinão dar maior
autoridade á Assembléa, como tambem para remediar mais
convenientemente os gravames da egreja, assim como para melhor informar sobre as
resoluções tomadas aqui na classe ao Supremo Conselho, quando
essas só possam ser postas em execução pela autoridade
deste.
A Classe acha conveniente que um dos membros
do Supremo Conselho, e que pertença á Egreja Christã
Reformada, seja admit-tido a pedido do mesmo
Conselho.
2 – Conforme a ordem dada foram
lidas as Actas da Classe do anno de 1641.
Quanto ao art. 4, Sessão 1, que trata da
liberdade dos Papistas e sobre que os do Governo apostillaram que se
providenciaria em tempo opportuno, segundo a situação deste Estado
permittisse, a Classe entende que se deve falar novamente sobre o
assumpto.
3 – Art. 6. Trata dos Negros,
afim de chamal-os á religião ; nelle foi apostillado que SS. EEx.
nada podiam estatuir nem por edital nem por outro qualquer expediente e pediam,
portanto, aos Irmãos que, si se lembrasse de qualquer alvitre, o
apresentassem a SS. EEx.
A Classe acha conveniente
que se ponham quanto possível em pratica os remedios aconselhados pela
Classe 3a, Sessão 4, art. 5 ; tambem se deve nomear um mestre para
instruil-os nos princípios da Religião Christã, dependendo
tudo isso da approva-ção de S. Ex. e do Supremo
Conselho.
4 – Art. 10. Haviam promettido
que seria prohibido aos engenhos de assucar moerem aos domingos. A Classe sabe
que isso não se realizou. Deve-se representar mais uma vez a S. Ex. e ao
Supremo Conselho por intermedio do D.
Deputado.
5 – Art. 11. Trata dos Indios,
da sua reunião ás esposas, o que foi promulgado por S. Ex. e
Supremo Conselho por edital, e, visto não ter produzido grande resultado,
julga-se necessario representar novamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho sobre
isso, afim de que os editaes sejam executados.
SESSÃO
TERCEIRA
1 – Compareceu Cornelis Andriessen, consolador de
enfermos em Iguarassú, solicitando que, afim de poder manter a sua
numerosa família, fosse removido daquelle logar, ou, si isso não
fosse exequivel, que então o admittissem para
proponente.
Achou-se conveniente tomar-se em
consideração o seu pedido de remoção ; mas a
admissão como proponente foi-lhe absolutamente
recusada.
2 – Compareceu Eduard Cooms,
mestre de escola em Itamaracá, pedindo egualmente a sua
remoção daquelle logar. Responderam que tambem se tornará
em consideração o seu pedido.
3
– Sessão 2, art. 3, pelo qual é prohibido a qualquer morador
reter um Indio contra a sua vontade, devendo, pelo contrario, deixai-o ir para a
aldeia, onde residia. A Assembléa acha conveniente, visto isso estar um
tanto esquecido, pedir que se ponha logo em execução o referido
edital.
4 – Art. 6. Ainda não veiu
o catechismo mandado daqui para a Metropole, afim de ser publicado em tres
línguas.
5 – Art. 7. Já foi
mandado um outro predicante para auxiliar D. Eduardus no serviço de
Goyanna.
6 – Art. 8. Visto S. Ex. e o Supremo
Conselho terem tomado em consideração a remoção para
a Metropole do judeu e da judia e que o menino ficou com D. Rivetus, devemos
agradecer e ficamos descançados sobre esse
assumpto.
7 – Art. 9. Em que foi
apostillado que seria conveniente que as mulheres de militares fossem viver com
os maridos, onde estiverem aquartellados, e, entretanto, assim não
succede, deve-se falar novamente sobre isso.
8
– Art. 13. No qual, entre outras cousas, trata das Actas do Synodo da
Hollanda do Norte. Os DD. Deputados são encarregados de requisital-as do
anno de 1637 até agora e pe-dir-lhe se digne manter correspondencia com a
Egreja do Brasil
9 – Art. 17. Tratando da
conveniencia de ser D. Kemp installado como predicante ; a Assembléa
resolve promovel-o, dependendo da approvação de S. Ex. e do
Supremo Conselho, depois de passar por um bom exame, que será feito no
fim da Sessão por D. Doorenslaer, e fazendo uma predica do Rom. 8. v.l,
em portuguez.
10 – Sessão 3, art.
4. Nelle foi promettido um ordenado aos mestres de escola nas aldeias, preposto
por D. Soler e D. Eduard; a apostilla sobre elle diz: fiat. Entende a
Assembléa ser conveniente que D. Soler e D. Eduard solicitem ordem para o
pagamento delles.
11 – Art. 5, tratando
de um logar para Mr. Carel. – Já se
realizou.
12 – A questão de
Philippina Pembroech foi resolvida pelos Irmãos da
Parahyba.
13 – Sessão 4, art. 3.
Refere D. Soler ter feito o possível para converter os Portuguezes,
procurando fazer-lhes predica na-quella língua, mas sem resultado, pois
temendo a excommunhão do papa ou dos vigários não podem
largar o papismo.
14 – Sessão 5,
art. 1. A Classe entende que se deve solicitar seriamente mais uma vez de S. Ex.
e do Supremo Conselho que os horrores do adulterio, prostituição,
calumnia, etc., sejam cohibidos.
15 – Art. 2.
A respeito do pagamento dos predicantes, sobre o que S. Ex. e o Supremc Conselho
dizem ter escripto aos XIX e esperarem a resposta, devem os Deputados indagar se
ainda não veiu a resposta, visto que os predicantes são cada vez
mais accusados.
16 - – Art. 3. Tratando
da cohabitação de pessôas que enga-jaram casamento ; item
– sobre a grande demora dos proclamas. Resolveu-se pedir a SS. EEx. se
dignem publicar um edital sobre o prazo dos
mesmos.
17 – Art. 4. Apostillaram SS.
EEx. que, quanto á mobilização dos Indios, tornarão
em consideração a recommendação da Classe, segundo
permittirem o tempo e o serviço da
Companhia.
Mas, visto não se ter ainda
providenciado sobre isso, a Classe entende que convém insistir seriamente
sobre o assumpto, o que deve ser feito pelos predicantes das
aldeias.
18 – Art. 5. Apostillaram SS.
EEx. que seriam mandados alguns recursos para soccorro dos
doentes.
Mas, como até agora não
o fizeram, devem os respectivos predicantes representar a SS.
EEx.
19 – Art. 6. Visto não ter
sido apostillada a primeira parte deste gravame(referindo-se aos Indios que
abandonam as esposas), deve-se egualmente
apresental-o,
20 – Art. 8.
Referindo-se aos Judeus, no qual SS. EEx: apostillaram que escreveram seriamente
aos Srs. XIX sobre o as-sumpto.
Deve-se indagar de
SS. EEx. si já receberam resposta, e deve-se, além disso, reservar
este artigo para nosso gravame.
SESSÃO
QUARTA
1 – Art. 1. Sessão 6, em que se trata de
certa missiva de Amsterdam, quanto a mandarem alguns
livros.
E’ certo que vieram alguns, mas
não para o serviço da egreja daqui, pois em vez de biblias grandes
mandaram pequenas.
Fica entendido que se deve
requisitar 20 grandes bíblias para a introducção da nova
traducção para o uso de cada
um.
2 – Art. 3. Que se refere a D.
Eecholt; foi removido do rio Francisco e mandado para S.
Antonio.
3 – Art. 7. D. Plante organizou,
a pedido da Classe, um ín-dice para as Actas do Synodo da Hollanda do
Norte e já o entregou, pelo que recebeu muitos
agradecimentos.
4 – Depois da leitura das
Actas da Classe antecedente os DD. Deputados declararam ter recebido o pedido de
S. Ex. e do Supremo Conselho para que fosse mandado um predicante na
expedição do Almirante Lichthart, e que para esse fim haviam
lançado as vistas para D. Velthusen, predicante em
Se-rinhaem.
Mas, como D. Velthusen fizesse alguma
difficuldade, entregavam a questão á
Classe.
A Classe opina que não
sómente convém a vinda de D. Vel-thusen para cá como tambem
não causa grande transtorno a sua remoção daquella
freguezia, sujeitando-se isso á approvação de S. Ex. e do
Supremo Conselho, aos quaes se deve pedir que em vez do ordenado, que
deve ser supprimido durante a com-missão, concedam a elle, assim como a
qualquer outro mandado em expedições, uma
gratificação extraordinaria pelos seus serviços e
incommodos.
5 – D. Velthusen, sabendo
disso, pede que si for conquistada qualquer praça lhe seja permittido
voltar para seu antigo logar.
A Classe entende que
elle não se deve affligir sobre isso, pois logo que escrever, declarando
o seu desejo, far-se-á o possível para
satisfazel-o.
6 – Referem mais os DD.
Deputados que, attendendo a cartas e recommendações dos de
Amsterdam, mandaram examinar em uma Assembléa Classical Extraordinaria um
tal Maynart Henricks, consolador de enfermos em Guiné, e nesse exame y
( feito por D. Plante ) satisfizera elle de tal fórma que o julgavam
digno de ser promovido a predicante, o que a Classe
approvou.
7 – Tambem foi lida a missiva
de D. Maynart Henricks, predicante no forte da Mina em Guiné, em que pede
para manter correspondencia com a Assembléa, o que foi acceito de
bôa vontade e os DD. Deputados foram encarregados de
responder-lhe.
8 – Indagando-se das
condições das egrejas, receberam-se informações que
todas estavam em bôa ordem.
SESSÃO
QUINTA
1 – D. Doorenslaer, interrogado a respeito da
situação dos indios, declara ter feito algum progresso, mas
não tanto quanto desejara, visto que alguns fogem e caem na selvageria ;
pede que a Classe lhe dê algum escripto sobre isso, afim de que possa
pôr tudo em melhor ordem, o que lhe foi
concedido.
2 – D. Eduard tambem
representa contra um mal que encontra na sua Aldeia, a saber – que os
Indios estão sendo destruídos por incessante trabalho que lhes
é imposto fóra ; que tambem o seu numero vae diminuindo muito,
porque são levados a guerras no estrangeiro e por outros
motivos.
A Classe acha conveniente entender-se com
S. Ex. e o Supremo Conselho, afim de que os indios sejam tratados de um modo
especial para que se possa ter esperança no trabalho da
catechese.
3 –
Gravamina.
1 – Si numa parochia onde
ha mais de um predicante não será conveniente que um fique
lá, quando houver reunião da Classe para continuar nos
serviços da parochia.
Fica entendido : que
sim.
2 – Si não se deve communicar aos
predicantes situados em logares longínquos, como sejam o Rio Francisco e
Rio Grande, a data da reunião da Classe, para que possam mandar os seus
gravames e lhes enviemos as nossas actas.
Fica
entendido que : Visto serem membros da Classe, deve-se
avisal-os.
3 – Pergunta-se
:
Visto crescer o numero dos predicantes no paiz e
não haver assembléa superior á Classe, sí não
seria conveniente dividir a Classe em duas, formando-se com essas um
Synodo.
Fica entendido que – sim, e deve-se
pedir para isso a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, por
intermedio de D. Presidente e D. a Doorenslaer.
As
egrejas ao Sul do Recife e a de Itamaracá devem ficar sob a
jurisdicção da Classe do Recife.
As
egrejas ao Norte sob a da Classe da Parahyba.
4
– Si tambem um predicante póde abandonar por algum tempo a sua
parochia e acceitar qualquer coisa fóra, sem o consentimento da sua
egreja.
Fica entendido que –
não.
5 – Si não convinha mandar
buscar mais predicantes, especialmente attendendo-se ao augmento da
colonia.
Fica entendido que se deve requisitar mais
6 ou 7.
Assim como, segundo a Classe 5,
Sessão art. 6, todos os predicantes devem esforçar-se por aprender
o portuguez.
6 – Pergunta-se : Visto haver
aqui um numero crescido de orfãos e apparentemente tende a augmentar, que
meios encontraremos para a sua
manutenção?
Resposta – Deve-se
solicitar a S. Ex. e ao Supremo Conselho que se dignem prover sobre isso, tanto
no Recife como na Parahyba,
SESSÃO
SEXTA
1 – Visto os Judeus terem construído aqui
no Recife uma Sy-nagoga sem consentimento da Suprema Autoridade ; e que tambem
os Papistas abusam da sua licença, resolve-se representar a S. Ex. e ao
Supremo Conselho e solicitar que tornem as necessarias providencias sobre esses
factos.
2 – Compareceu na Classe o Illustre
Senhor Dirck Codde van der Borcht, do Supremo Conselho, delegado pelo mesmo para
assistir a esta Assembléa e auxilial-a com os seus pareceres e tomou
assento depois da apresentação das suas credenciaes. Foi muito
comprimentado pela Assembléa.
3 –
Visto ter sido apresentado ao Conselho Ecclesiastico no Recife por S. Ex. e o
Supremo Conselho certo escripto, tratando da manutenção dos seus
padres e vigarios ; sobre o que SS. EEx. pediram o parecer do Conselho
Ecclesiastico, – após a leitura do dito escripto e do parecer
provisional do Conselho Eccle-siastico, a Classe, além de concordar com o
dito parecer que acha bem fundamentado, resolveu ajuntar uma
representação áquelle escripto, para que tenha uma resposta
mais desenvolvida, e além disso para perguntar até que ponto chega
a licença dos Papistas neste paiz.
4
– E como por essa occasião foi demonstrado pelos lllus-tres
Irmãos da Parahyba o grande mal causado pelas horríveis
excommunhões que os vigarios lançam sobre os seus fieis, que se
estendem não sómente ao espiritual, mas tambem ao temporal mesmo
até prisão, pelo que a pobre gente fica com tanto medo da
Religião Christã, que não ha esperança alguma de
convertel-a, emquanto durar a influencia dos vigarios ; egualmente é
exposto pela maioria dos Irmãos, que grandes e insuportaveis excessos
commettem diariamente nas procissões e outras superstições.
– E’ considerado da maior importancia expôr alguns casos
particulares a respeito de tudo isso e solicitar da Suprema Autoridade se digne
providenciar para combater tantos males.
Dessa
commissão são incumbidos D. Plante, D. Soler, D. Doorenslaer, D.
Doornick.
5 – D. Vogelius, predicante em
Porto Calvo, informa que existe naquelle logar uma egreja ameaçando
ruína, que se poderia concertar com pequena despeza e serviria para o
nosso culto divino. Fica resolvido ser necessario tratar-se sobre isso com S.
Ex. e o Supremo Conselho.
6 – Indaga o
mesmo D. Vogelius como e porque meios se deve impedir que as parteiras baptizem,
especialmente os filhos de Neerlandezes.
Fica
resolvido que se deve pedir aos paes para não o permit-tirem ; si todavia
o fizerem contra a vontade dos paes devem ser punidas pela autoridade ; esses
baptizados, além disso, serão considerados nullos e de nenhum
valor.
7 – O casamento de negros com
brancos deve ser impedido, tanto quanto possível.
SESSÃO
SETIMA
1 – D. Velthusen communica que sobreveiu em
Serinhaem certa difficuldade por causa da procissão do ídolo do
Rosario, onde bons christãos, que se achavam na rua, vendo aquillo e
recusando-se a fazer reverencias, não sómente foram maltratados,
mas tambem levaram pancada. Ficou resolvido representar sobre essa e outras que
taes porcarias dos Papistas a S. Ex. e ao Supremo
Conselho.
2 – Pergunta-se si em logares
onde existem duas ou mais egrejas não convinha utilizar-se de uma para a
installação do nosso serviço
divino.
Ficou resolvido ser de toda a fórma
necessario, e deve-se falar sobre isso com SS.
EExs.
3 – Pergunta-se si um predicante,
tendo terminado o prazo do seu serviço e tencionando partir para a
metropole, deve ser retido para servir na classe, ou si póde ser
despachado pelos Deputados. Resposta : Si alguem obtiver licença da
Classe durante as suas sessões, está livre; mas nos intervallos da
mesma deve ser despachado pelos DD. Deputados, que lhe darão os
attestados em nome da Classe.
4 – Ficou
resolvido não se tratar de cousa alguma que não seja apresentada
por escripto e exhibida ao Presidente.
5
– Deve-se no futuro resumir todos os dias as actas de classe da
vespera.
6 – Pergunta-se si se deve
baptizar os filhos de negras, cujos paes são Neerlandezes.
Resposta –
Sim.
7 – Os DD. Deputados communicam ter
ouvido do Commandeur Lestry, ser muito necessaria a nomeação de um
predicante para os Indios do Rio Grande.
Os
Senhores do Supremo Conselho, tendo recebido uma exposição sobre
isso, endereçaram-na a esta
Assembléa.
A Classe acha a idéa
razoavel, si se encontrar pessôa apta.
Nesse
sentido D. Van der Poel offerece seus serviços.
SESSÃO
OITAVA
1 – Ficou resolvído aproveitar os
serviços de D. Van der Poel entre os Indios, sujeitando se á
approvação de S. Ex. e do Supremo
Conselho.
2 – Os DD. Deputados dizem
ter-lhes sido communicado pelo Supremo Conselho que um grande numero de
Inglezes, em Mauritia, lhes havia apresentado um requerimento solicitando que
lhes concedessem um predicante inglez : sobre isso SS. EExs. pediram o parecer
do Conselho Ecclesiastico no Recife. E tanto O Conselho Ecclesiastico como a
Classe acharam justo o pedido, devendo o Conselho Ecclesiastico, na primeira
opportunidade, apresentar uma pessôa
conveniente.
3 – Visto os limites das
possessões da Companhia das Indias Occidentaes começarem a
dilatar-se e haver-se feito uma bôa
conquista com a tomada da Praça Forte de S. Paulo de Loanda, S. Ex. e o
Supremo Conselho, portanto, desejam que mandemos para
lá um predicante e dous consoladores de enfermos, dos nossos, para
lançar logo os bons fundamentos.
Ouvindo o
que a Classe nada deseja mais do que a fundaçao da egreja de Deus na nova
conquista, indagou seriamente si havia alguem na Assembléa que estivesse
disposto a prestar esse serviço, offerecendo então, entre outros,
os seus serviços D. Ketel, Presidente da Classe. Depois de que a
Assembléa resolveu nomear para aquelle serviço a D. Ketel, sem
prejuízo todavia da egreja no Recife, assim como sujeitando á
approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, impetrando para elle a
benção do Senhor.
4 –
Quanto á remoção dos predicantes, foi resolvido que seria
justo, si não houvesse inconveniente, que D. Polhemius, predicante em
Itamaraca, trocasse, obtendo o consentimento de sua egreja, com D. Offringa,
predicante em Goyanna, troca esta desejada por ambos ; essa questão foi
entregue aos Deputados.
5 – Ficou
resolvido que logo que cheguem alguns predicantes da Metropole, irão para
o Rio Grande e Rio Francisco.
6 – Em
logar de D. Plante, que recebeu louvores pelos seus dous annos de
serviços, foi escolhido para Deputado da Classe, junctamente D. Fred.
Kesseler e D. Samuel de Coning.
SESSÃO
NONA
1 – Compareceu o Illm. Sr. Johan Tollener,
Secretario de S. Ex., afim de entregar um escripto em que S. Ex. declara ter
decidido partir para a Metropole, demonstra a sua affeição pela
nossa egreja e pede ao mesmo tempo que seja concedido á sua pessôa,
da parte desta Assembléa, litterae testimoniales sobre o seu trato
e relações, segundo a Classe achar conveniente. – Ao que se
respondeu, em primeiro logar, que acceite S. Ex. os mais fervorosos
agradecimentos por todos os favores prestados á egreja deste paiz,
solicitando-se ardentemente que os queira continuar. Que se lhe concedia um
amplo testemunho de que se poderia utilizar em qualquer occasião que
tivesse necessidade, desejando-lhe a benção do Senhor para tudo em
que empregasse o seu serviço, a bem da patria ou da
egreja.
Foram encarregados D. Presidente e D.
Assessor de virem cumprimentar a S. Ex., em nome e da parte desta
Assembléa, e communicar-lhe as resoluções tomadas na
presente Classe. Foi incumbido D. Deputado para redigir e entregar o
Testimonium.
2 – D. Doorenslaer
apresenta relatorio sobre a proposição e exame de D. Kemp, sendo
ambos de tal valor que o julgam apto a exercer com exito o serviço da
egreja de Deus e devem ser feitas as tres proclamações para a sua
promoção na egreja da Parahyba; mas a confirmação
deve ser recebida por D, Doorenslaer : tudo com a approvação de S.
Ex. e do Supremo Conselho.
3 – Foi
referido por D. Presidente e D. Doorenslaer que a resolução
(tomada na sess. 5a, questione 3tia., hujus Classis) havia agradado bem a
S. Ex. e ao Supremo Conselho, que desejam que assim se pratique provisoriamente.
Que, no entretanto, SS. EExs. exporão a mesma á Assembléa
dos XIX, solicitando para ella completa approvação ; comtudo,
todas as gene-raliae, que aqui são tratadas, devem ficar como
estão até o proximo Synodo.
4
– D. Doorenslaer e D. Batiler referem que conforme foram incumbidos
pediram á egreja do Recife a licença de D. Ketel para poder ir a
serviço da egreja de Angola, mas receberam como resposta que Ketel podia
engajar-se para aquelle serviço pelo prazo de um anno e não mais ;
entretanto, devem dar-lhe em troca durante aquelle tempo um outro predicante
para substituil-o na egreja do Recife. A Classe, devido á escassez de
predicantes, não póde tão facilmente concordar com isso. D.
Doorenslaer e D. Batiler, junctamente com D. Eduardus, devem ir tratar mais uma
vez sobre esse assumpto.
5 – A egreja do
Recife expõe que ella havia nomeado para a egreja ingleza em Mauritia D.
Samuel Batiler, assás conhecido na Classe como um predicante pio e
devoto.
A Classe ficou satisfeita e approvou a
nomeação, devendo D. Deputado tratar da sua demissão da
Parahyba,
SESSÃO
DECIMA
1 – D. Doorenslaer, D. Batiler e D. Eduardus
expõem novamente que a dispensa de Ketel foi difficultada outra vez no
Conselho Ecclesiastico do Recife e que sobre ella não quizeram concordar,
a não ser sob a expressa condição, acima referida ; pelo
que a classe, não achando outro expediente, acquiesceu finalmente
á sua proposta.
2 – Foram
incumbidos os DD. Deputados de dar a D. Ketel as competentes cartas de
instrucção.
D. Ketel foi tambem
autorizado especialmente para examinar e depois, segundo a ordem usual,
confirmar pela apposição das mãos, no serviço
divino, a D. Frederic Vitteum, de cujo talento, illustração e bom
trato, a Classe tem pleno conhecimento, e que actualmente é o unico
investido no serviço da egreja de Deus em
Loanda.
3 – Deve prégar na proxima
Classe D. Doorenslaer, ou na sua ausencia
Doornick.
Sendo observada a Censura Morum
e invocado o Santo Nome de Deus pelo D. Presidente, a Assembléa
dissolveu-se em paz e harmonia.
Estava assignado ; Samuel de Koninck,
Classis p. t.
scriba.
X
Actas
da Assembléa Synodal Ordinaria, composta de ambas
as
Classes, reunidas no Recife de
Pernambuco, em 18 de
Julho de 1644, e
encerrada em 26 de Julho
SESSÃO
PRIMEIRA
Esta Nobre Assembléa começou com a
oração feita por D. Jacob Cralingius, sendo depois entregues as
credenciaes das respectivas egrejas de ambas as Classes, em que se encontram os
nomes das seguintes pessôas :
Do Recife,
como Predicantes :
D. Jacob Cralingius, D. Samuel
Batiler, D. Nicolaus Voge-lius, D. Nicolaus
Ketelius.
O Sr. Jacob Atrichs,
Ancião.
De Goyanna
:
D. Gasparus Velthusen,
Predicante.
Sr. Michel Henrichz,
Ancião.
De Serinhaem
:
D. Gasparus Velthusen,
Predicante.
Sr. Roelof Carpentier,
Ancião.
Da Parahyba, como Predicantes
:
D. Cornelius van der Poel, D. Joannes Haselbeeck,
D. Tho-mas Kempius.
Sr. Cornelius Tenniuz,
Ancião.
De Itamaracá
:
D. Joannes Offringa,
Predicante.
Do Cabo Agostinho
:
D. Jodocus a Stetten,
Predicante.
Sr. Henricus Reinvaen,
Ancião
De Santo Antonio do Cabo
:
- Petrus Ongena,
Predicante.
Depois disso passou-se
á eleição dos Directores de ambas as Classes, sendo eleitos
por maioria de votos para :
Presidente, D.
Jacobus Cralingius.
Para Assessor, D. Cornelius van
der Poel.
Scriba, D. Petrus
Ongena.
SESSÃO
SEGUNDA
Após a invocação do Nome do Senhor,
compareceu na Assem-bléa o membro do Supremo Conselho, o Sr. Dirck Codde
van der Burgh, como Commissario, a leitura de cujas credenciaes satisfez
á Nobre Assembléa, que lhe deu as bôas
vindas.
Art. 1. – Visto que a
Assembléa se compõe de Deputados das suas respectivas egrejas no
Brasil e os anciãos não se sentam junto aos seus respectivos
predicantes, nem tambem todos os predican-tes, vindas de uma egreja tem logares
juntos :
D. Presidente, na occasião,
suscitou a seguinte questão – si não seria conveniente que
os Deputados de uma e mesmaegreja se sentassem juntos, e os que hoje se
sentassem na frente, amanhã se sentassem nos ultimas logares. A
Assembléa resolveu que se guardasse a antiga ordem, determinada no art. 1
da Assembléa, reunida no anno de
1641.
Art. 2. – Dionysius a Biscarreto,
examinado anteriormente em preparatorios e admittido ad publicas
propositiones como se póde ver no art. 29, 46 da Assembléa do
anno de 1642, requer para ser examinado peremptoriamente e promovido ad
ministerium. Sendo apresentado este requerimento, resolveu-se que se examine
primeiro Dionysius para ver se elle fez algum progresso na theo-logia, antes de
se concluir qualquer causa sobre o seu requerimento e para esse fim são
commissionados D. Kempius, D. Ketelius, D.
Polhemius.
Art. 3. – Compareceu
Theophilus Labes e solicitou á Assem-bléa que o aproveitasse como
mestre de escola dos Indios.
A
Assembléa, depois de o ouvir, achou não ser conveniente deferir o
seu pedido, visto que elle não conhece nem o portuguez, nem o tupi, nem o
hollandez, e aconselhou-o a ir para a metropole e que se intercederá por
elle junto ao Supremo Conselho, para que tenha passagem gratuita e gose de um
bom viaticum.
SESSÃO
TERCEIRA
Art. 4. – Joannes Apricius, tendo bons
attestados de vida e capacidade, pede que a nobre Assembléa se digne
examinal-o nos preparatorios e admittil-o ad publicas
propositiones.
A Assembléa resolve
que D. Haselbeeck e D. Kempius o examinem, afim,, de vir ad publicas
propositiones; o que se realizará logo que os Deputados ad causam
chegarem á casa, para depois disso, conforme as circumstancias,
proseguir com o seu caso, segundo o art. 8o da ord. da egreja de 1619, o que se
deixa á discre-ção da Nobre Classe da
Parahyba.
Art. 5. – Visto se tratar no
art. 21 de bonis misericordiae, resolveu a Assembléa que os
Deputados fiquem encarregados de soccorrer os diaconos (em caso de necessidade)
por meio daquelles bens.
Art. 6. – Visto
que se trata no art. 23 do escripto de certo padre e o da sua
refutação, e que presentemente estão extraviados, a
Assembléa acha conveniente ouvir sobre isso o Supremo Conselho para saber
si o tal escripto se acha com elles. No caso da affirmativa, pedir pelo menos
uma copia do mesmo.
Art. 7. – Depois
disso, D. Ketelius, D. Polhemius e D. Kem-pius referiram que acharam Dionysius a
Biscarreto orthodoxo; a Assembléa julgou conveniente dar-lhe um texto,
afim de apreciar o seu talento e então dispôr sobre o seu pedido,
conforme as circums-tancias. Para esse fim foi-lhe dado o seguinte texto : Gal.5
v. 4 – Tendo ouvido o relatorio dos Nobres Irmãos que apreciaram o
seu talento, a Assembléa resolveu dar-lhe o prazo de dous mezes para se
preparar para o exame peremptorio e promovel-o segundo o art, 44 do Synodo
realizado em 1643.
SESSÃO
QUINTA
Art. 8. – Quanto ao primeiro gravame, que trata da
profanação do domingo, de que tambem se occupam os arts, 5, 37,
57, 76, 87, coetus praeparatorii, anno 1642, ficou resolvido que os
Deputados devem procurar reprimir todos os abusos, tambem os commet-tidos pelos
negros, e representar contra os mesmos ao Supremo Conselho e solicitar de SS.
EExs. se dignem providenciar por meio de editaes e da execução
destes.
Art. 9. – Quanto ao segundo
gravame, que trata das blasphe-mias, pragas e juramentos temerarios, e tambem da
licença dos Judeus, de que egualmente tratam os arts. 16, 19, 22,
coetus praepar., resolveu a Assembléa que os DD. Deputados
solicitem ao Supremo Conselho que renovem e executem os editaes publicados
contra esses males.
Art. 10. – O terceiro
gravame que trata da ousadia dos Papistas em geral, de que tambem se occupam os
arts. 24, 39, 61 e 71, coetus praepar., assim como especialmente que
edificam novas capellas, erigem cruzes, fazem procissões sob pretexto de
enterros, propagam a idolatria sob o pretexto de comedias ; que elles
lançam a proscripção sobre as pessôas que prestam a
mínima attençâo aos nossos, como tambem fazem vir novos
frades e jesuítas ou padres, da França ou da Bahia, por ordem dos
bispos de lá; indo a sua ousadia tão longe, que ousam matar os que
não adoram os seus ídolos.
A
Assembléa julga que a sua ousadia deve ser bem deduzida e demonstrada ao
Supremo Conselho, afim de que por meio da autoridade de SS. EEx. se providencie
opportuna e convenientemente.
Nessa occasião
perguntaram si não convinha tomar cuidado com a pessoa de Emanuel Morais,
ex-jesuíta nesta colonia, pois se vê que é um instrumento
pernicioso, procurando attrahir os incautos para as idolatrias e
superstições papistas.
Em segundo
logar si é permittido aos membros da Religião Reformada construir
capellas para a pratica do culto Papista.
Em
terceiro logar, si os da Religião Reformada devem per-mittir que
empreguem os seus filhos nas superstições
papistas.
Quanto á primeira pergunta,
responderam que se deve solicitar ao Supremo Conselho que se digne providenciar
a respeito.
Quanto á segunda, que é
absolutamente prohibido.
Quanto á terceira,
que não é permittido.
SESSÃO
SEXTA
Art. 11. – Sobre o 4o gravame que trata da predica
da tarde, que vem tambem no art. 35 – coetus praepar., resolve a
Assembléa que por toda a parte deve se fazer uma predica sobre o
catechismo, e deve-se tambem incumbir os Deputados, si fôr preciso, de
chamar por carta ao fiel cumprimento dos deveres aos predicantes, conselhos
ecclesiasticos e aos membros ordinarios.
Nessa
occasião perguntaram si não era necessario que os mestres de
escola ensinassem então aos meninos as perguntas e respostas do
catechismo, afim de que elles dêem a sua licção antes da
predíca da tarde. A Assembléa considera isso como necessario e
edificante, e os Deputados são incumbidos de prover os logares, tanto
quanto possível, com consoladores de
enfermos.
Art. 12. – Sobre o 5.o gravame,
que trata tanto de abrir egre-jas para os Reformados, remuneração
para o serviço de combinações, assim como para os
especiaes, de que falam os arts, 17, 18, 58 e 59 – coetus praepar.,
entende que se deve solicitar ao Supremo Conselho, e são tambem
incumbidos de representar contra a cons-trucção da egreja de
Goyanna.
SESSÃO
NONA
Art. 13. – A respeito do 6.o gravame, que trata de
questões conjugaes, que se encontra nos arts. 6, 12, 10, 38 –
coetus praepar., resolveu-se solicitar a execução dos
editaes. Nessa occasião perguntou a egreja da Parahyba si um homem que
tem esposa na Metropole, que é mantida, segundo elle diz, pelo
irmão della, que tambem depois, conforme affirma, não procedeu
honestamente e casou-se na Metropole com outro homem, poder-se-á casar
aqui com outra mulher.
A essa pergunta respondeu a
Assembléa que a pessôa deve primeiramente provar que a mulher
rompeu os laços conjugaes por meio do adulterio e que elle esteja
innocente, e que solicite por isso ao Magistrado a conveniente
separação no logar da residencia
della.
Por essa occasião foi tambem
communicado :
Em primeiro logar, que um Indio, que
abandonou a esposa, tem relações com a madrasta, que é
mantida por um Portuguez.
Em segundo logar, que um
outro Indio tem duas mulheres.
Em terceiro logar,
que um homem, cuja mulher tem vida des-honesta, vive em concubinagem com outra
mulher.
Em quarto logar, que um indivíduo
vendeu a mulher por cinco florins a outro e que o comprador mantém a
mulher comprada e já tem filhos com ella. Perguntam o que convém
fazer contra esses males.
A Assembléa julga,
quanto ao 1.o e 2.o concernentes aos Indios e ao Portuguez, que se deve
representar ao Supremo Conselho para que se digne estatuir de fórma que
se reprima esse mal. Ficando bem comprehendido que, a pedido do Illustre Sr.
Dirck Codde van der Burgh, por intermedio de alguns membros desta
Assembléa que conhecem melhor a natureza dos Indios, será
apresentado um projecto lembrando os remedios, pelos quaes os Indios
serão libertados desses erros, como de todos os
outros.
A organização do projecto foi
confiada a D. van der Poel, D. Haselbeeck, D. Kempius, D. Velthusen, que
já o tinham feito, e vai servir de parecer para o Supremo
Conselho.
Quanto ao 3.o e 4.o que se referem aos de
nossa nação, entende a Assembléa que se deve communicar
sobre isso ao Supremo Conselho e solicitar que o Fiscal seja encarregado de se
informar sobre os casos e proceder contra elles, como
convier.
Perguntaram tambem si não convinha
pedir um edital afim de prohibir que os padres casem pessôas da nossa
nação, assim como ue não se conside valido casamento algum
que não se realizar na egreja ou pela
autoridade.
A Assembléa julga ser isso
necessario.
SESSAO DECIMA
Art. 14. – Quanto ao 7. gravame, a respeito das
Actas do Synodo da Metropole, do que tambem trata o art. 10 – coetus
prae-par., julga a Assembléa que não sómente è
permittido a esta egreja corresponder-se com outras egrejas, mas que é
hom e edificante que a egreja da colonia do Brasil se corresponda com todos os
respectivos Synodos da Metropole, afim de que a egreja deste paiz peça
aos respectivos Synodos mandem todos os annos suas Actas synodaes, e que a
egreja desta conquista tambem mande annual-mente as suas duas actas aos
respectivos synodos da Metropole.
Todavia a
Assemblea acha conveniente, antes de pôr em pratica essa boa
intenção, communicar sobre certas idéas aos Srs. XIX,
não duvidando que SS. EExs. approvem o nosso
projecto.
Art. 15. – (Quanto ao 8.o
gravame, que fala da civilização e instrucção dos
Indios e negros, de que tratam os arts. 8.o e 87 – coetus praepar.,
julga esta Assembléa que o modo de civilizar e dar
instrucção aos Indios proposto no art. 87 não é bem
praticavel e se póde melhor fazer nas
Aldeias.
Quanto aos negros, fica entendido que
não sómente todos os membros da nossa religião são
obrigados a ensinar os seus negros na religião chistã, mas tambem
que já é conveniente que os negros se reunam em logar apropriado
para receberem a instrucção por meio de um consolador de enfermos,
o que se deixa á disposição das respectivas
egrejas.
Nessa occasião perguntaram si
não convém um mestre de escola para ensinar gratis aos filhos dos
negros das pessôas empregadas da Companhia,
A
Assembléa julga que os mestres devem receber uma
gratificação por esse serviço, mas deixa isso á
disposição do Supremo
Conselho.
Art. 16. – Quanto ao 9.o
gravame, perguntando como se deve proceder com os membros da nossa
religião que, apesar das bôas e fieis exhortações dos
seus predicantes, querem mandar baptizar os filhos menores pelos
padres.
A Assembléa julga que se deve
proceder com prudencia ec-clesiastica com esses membros da nossa
religião, que mandam baptizar seus filhos pelos
padres.
Art. 17. – Sobre o 10.o gravame,
perguntando como se deve proceder com taes membros, que ou por curiosidade, ou
por se preoccuparem com as superstições e idolatrias dos papistas,
vão vel-as, quer nas suas comedias, quer de outra fórma.
Foi resolvido exhortar-se esses membros a que se afastem desses
logares.
Art. 18. – Quanto ao 11.o
gravame, perguntando si é licito a um membro da nossa religião
acompanhar e tornar-se, portanto, egual aos papistas, que a certos toques dos
sinos fazem reveren-cias. Resposta – Não.
Art. 19. – Do 12.o gravame, perguntando si
não convém pedir ás pessôas que chegam da Metropole,
mostrem as suas certidões de casamento. Julgou a Assembléa que
sim.
(Particalaria)
SESSÃO
DUODECIMA
Art. 20. – Visto que pelo art. 70 –
coetus praepar., ficou resolvido ouvir o parecer do Synodo dO Norte da
Hollanda sobre como se deve proceder quanto aos que forem baptizados por
con-soladores de enfermos; e como ainda não se tenha feito isso,
pergunta-se si não convém fazel-o.
A
Assembléa responde que ficam disso encarregados os DD.
Deputados.
Por essa occasião perguntaram
:
Em primeiro logar, si os consoladores de enfermos
podem
casar alguem.
Em
segundo logar, como se deve proceder com os casados por essa
fórma.
A respeito do primeiro caso entende a
Assembléa que não.
Sobre o segundo,
que taes pessôas devem procurar legitimar os seus casamentos por meio da
Autoridade.
Art. 21. – Si não se
deve escrever aos Srs. XIX, afim de que mandem predicantes entre os quaes um
francez, assim como tam-bem consoladores de enfermos. A Assembléa
entendeu que sim, e que o escripto devia seguir pelo primeiro navio, o que se
fez.
Art. 22. – Si não
convém solicitar que Carel Walsingam, ca-poral, e Janne Mikels, que vivem
em concubinagem, e procuram defender-se com um attestado falso, sejam punidos,
conforme me-recem, e mandados para a Metropole. A Assembléa julga que
sim.
Art. 23. – Visto os Indios do Rio
Grande pedirem :
1.o, que os seus filhos sejam
libertados do constrangimento porque são tratados pelos
Portuguezes;
2.o, um mestre de escola para
ensinar os seus filhos ;
3.o, um predicante
effectivo. (Esse terceiro pedido tambem é feito pelas outras tribos
dalli, assim como pelas do Rio Francisco, Alagôas do Sul, Porto Calvo). A
Assembléa resolve quanto ao 1.o, recommendar ao Supremo
Conselho.
Quanto ao 2.o, que a Classe da
Parahyba nomêe tres Indios habilitados para
mestres.
Quanto ao 3.o, visto haver aqui falta de
predicantes, D. van der Poel e D. Kempius deverão prestar aquelles
serviços por em prestimo aos do Rio Grande e conforme as circumstancias
formar um Conselho Ecclesiastico e si fôr necessario, D. Haselbeeck, e que
será feito em consequencia da sua apresentação em nome do
Conselho Ecclesiastico, pelo que receberão
agradecimentos.
Quanto aos do Rio Francisco,
Alagôas do Sul e Porto Calvo, devem ser servidos por emprestimo por O. a
Stetten e D. Velthusen, que formarão um Conselho Ecclesiastico, ficando
bem entendido que um domingo sim, outro não, D. Ongena servirá
á freguezia de D. a Stettem, e tudo isso sujeito á
approvação do Supremo Conselho, que deve dar tambem ordem para
lhes fornecer um cavallo, afim de poderem transportar-se de um logar para
outro.
Art. 24. – Perguntam si não
se deve casar os negros com as suas negras.
A
Assembléa responde : Sim.
Art. 25.
– D. Offringa pergunta si não é permittido escolher um
ancião dentre os fieis, moradores em
Iguarassú.
Fica entendido que sim, mas
só poderá ser feito em presença dos
Visitatores.
Art. 26. – D.
Offringa pergunta si não convinha dar a com-munhão uma vez num e
na outra vez no outro dos logares em que exercia o serviço
divino.
Opinaram que
sim.
Art. 27. – D. Offringa requer que os
de Iguarassú sejam providos de um consolador de
enfermos.
A Assembléa responde que se
attenderá ao seu pedido, logo que tenham um novo consolador de
enfermos.
Art. 23. – Perguntaram si aos
irmãos predicantes que vêm ao Recife, afim de partirem para a
Metropole, não se deve fornecer um competente attestado em nome desta
Assemhléa.
A Assembléa entendeque os
seus Deputados estão encarregados de dar-lhos em nome da
Assembléa, depois de ver os seus attestados ecclesiasticos e
tesfimonium.
Art. 29. – Visto que
gosamos tranquillidade e paz nesta conquista e pelo contrario os fieis na
Allemanha, Inglaterra, etc., gemem sob uma guerra sanguinolenta, pergunta-se si
não é neces-sario pedir que se marque um dia para preces publicas,
em parte para agradecer a Deus, pelos benefícios nesta conquista, como
tambem pelo miseravel estado da egreja de Christo na desolada
Christandade.
A Assembléa acha ser
extremamente necessario e util e que se deve cuidar disso com
urgencia.
Art. 30. – Perguntam si
é permittido aos membros da nossa religião manter quinquilharias
de pater nosters e outras invenções do papismo, servindo
para a idolatria e superstições.
A
Assembléa considera que isso deve ser
prohibido.
Art. 31. – Perguntam mais si
não é util que no futuro, antes da reunião da
Assembléa Geral, as respectivas egrejas, pertencentes á Classe do
Recife, entreguem em tempo os seus gravames aos Deputados, afim de serem
mandados á Classe da Parahyba, e da mesma fórma a Classe da
Parahyba mandar os gravames á do Recife. A Assembléa considera
isso necessario e util.
Art, 32. – Os
Visitatores da Classe do Recife referem que elles, conforme foram
ordenados, visitaram as egrejas e acharam tudo bem, exceptuando que alguns fieis
em Porto Calvo commettem adulterio, competindo á Classe do Recife, como
representando o Conselho Ecclesiastico, tratar de impedir taes faltas ; deve-se
prestar attenção a isso.
Art. 33.
– Os Visitatores da Classe da Parahyba communicam que elles tambem
fizeram a visitação das egrejas e acharam tudo bem, segundo as
circumstancias.
Art. 34. – Foram eleitos
Deputados desta Assembléa D. Jaco-bus Cralingius, D. Cornelius van der
Poel e Samuel Batiler, não sómente para apromover
execução das resoluçôes anteriores desta Classe,
junto ao Supremo Conselho e tambem marndar com a ap-provação de
SS. EExs. os predicantes e consoladores de enfermos que chegarem para os logares
vagos; e para substituir os Deputados em caso de molestia ou morte foram eleitos
por maioria de votos D. Ketelius, D. Vogelius e D.
Kempius.
Art. 35. – No anno de 1643,
partiram para a Metropole D. Fredericus Kessellerus, D. David Doorenslaer, D.
Petrus Door..., e D. Joh. Eduardi.
E falleceu D.
Lambertus Ritzma.
E no anno de 1644 partiram D.
Franciscus Plante, D. Joachi-mus Solerus, D. Jacobus
Leoninus.
No mesmo anno chegou aqui D. Jacobus
Cralingius e foi nomeado para o Recife.
No mesmo
anno foi nomeado predicante effectivo no Recife D. N.
Vogelius.
Art. 36. – Os Directores desta
Assembléa devem apresentar agradecimentos ao Supremo Conselho em nome
desta Assembléa.
Art. 37. – Foram
eleitos para Visitadores da Classe do Recife D. Batiler e D. Vogelius e da
Classe da Parahyba D. Kempius e D.
Hasselbeeck.
Tendo-se procedido á Censura
Morum, a Classe se separou depois da benção, em paz, e,
graças a Deus, nada havia a
punir.
Subscriptos : Cornelius van der Poel,
predicante em Frederica de Parahyba, p. t. Dep. et Assessor. Samuel Batiler,
Ecclesiastes Anglicanus iMauristadii coet. gener. p. t. Deputat. Nicolaus
Vo-gelius, Ecclesiastes Reciff coet. generalis, p. t.
Deputat.
Não podemos dizer si houve
outras sessões do Synodo. Entretanto, encontrámos nas Actas do
Synodo da Hollanda do Sul o seguinte extracto de uma carta do Deputado da Classe
do Brasil, em 23 de Novembro de
1649:
« Durante todo esse tempo
não houve Assembléa Classical, pois existem poucos predicantes e
as actuaes condições do paiz não o permittem.
»