Jean Crespin


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A TRAGEDIA DE GUANABARA
ou
Historia dos Protomartyres do Christianismo no Brasil

TRADUZIDA DO FRANCEZ
POR
DOMINGOS RIBEIRO
E
Um APPENDICE contendo as Actas dos Synodos e Classes do Brasil,
no seculo XVII, durante o dominio hollandez,
traduzidas pelo dr. Pedro Souto Maior, socio effectivo do
Instituto Histórico e Geographico Brasileiro
















H Rio de Janeiro H
Typo-Lith, Pimenta de Mello & C. – Rua Sachet, 34
1917

PREFÁCIO


Traduzindo do francez o capitulo em que Jean Crespin, na sua obra- Histoire des Martyres, tomo II, pags. 448-465 e 506-519, se occupa da perseguição dos Calvinistas no Brasil, fazemol-o por desejarmos concorrer, de algum modo, á commemoração que, aos 31 de outubro do corrente anno, o Catholicismo Evangelico fará do 4.° centenario da Reforma, bem assim por ser geralmente desconhecida a historia dos primeiros fieis que, a 9 de fevereiro de 1558, soffreram o baptismo de sangue em Coligny, hoje fortaleza de Villegaignon, na bahia de Guanabara - Rio de Janeiro.

Das annotações feitas a esse capitulo por Matthieu Lelièvre, na edição de 1887, vertêmos as que nos pareceram de real valor e addicionámos outras sobre pontos que cumpria elucidar.

O dr. Erasmo Braga, membro da Academia de Letras de S. Paulo e deão do Seminário Theologico Presbyteriano em Campinas, havendo, em 1907, traduzido a Confissão de Fé que determinou a execução dos martyres Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon, para que constasse do Relatório da Egreja Presbyteriana, desta Capital, apresentado pelo dr. Alvaro Reis, seu pastor collado, e relativo ao mesmo anno, precedeu-a de alguns conceitos que, com a devida vênia, passamos a transcrever, por constituírem excellente Prefacio ao nosso trabalho:

«Vae-se alargando o martyrologio da Egreja de Christo no Brasil: -

Ainda rubra corre a torrente, quando o céo chora sobre o sangue do ultimo martyr, e a memória dos primeiros não tem um monumento, no coração siquer de seus confrades.
E' tempo de se levantarem as campas. Tirem-se as relíquias, e alcemol-as! São os nossos trophéos.
Não ha no mundo quem tenha mais vivo monumento dos seus martyres que nós. Nem o Colyseu com as suas arcarias soturnas: o rugido das feras ha muito que emmudeceu.
Ali, porém, naquella bellissima bahia de Guanabara, está a ilha, onde primeiro, em terras da America, os fíeis commemoraram a morte do Salvador.
Ao cimo da collina, uma fortaleza, como então.
Seu nome perpetúa a memória execranda do carrasco.
Lá, a rebentar dos arrecifes, as mesmas ondas que sorveram os corpos dos martyres, vêm cobrir de branca espuma a rocha que servio de cadafalso.
E o mar ainda ruge como no dia do martyrio.
Templo, cadafalso e jazigo.
Jean de Lery, o historiador da expedição de Villegaignon, por que no dia das retribuições não se lhe leve em conta o olvido, emprehendeu narrar os martyrios de seus irmãos na terra do Brasil.
Quebraram-se uma por uma as promessas do ambicioso almirante; Richier é injuriado em plena congregação; os sermões são criticados com vehemencia pelo intimo do chefe da expedição ; por fim, violenta, estoura a apostasia.
Disputava-se sobre a doutrina dos Sacramentos, e Chartier, o outro pastor que Calvino enviára, voltou á Europa, levando appello ás egrejas-mães.
Sósinho, a luctar contra a violencia, Richier e os fieis foram obrigados a deixar o forte e ir para o continente.
Depois de muito soffrer, puderam, um dia, ver-se à bordo de um navio que os devia repatriar. No alto mar, porém, o velho barco fazia água, e tão desgraçadamente , que o deposito de viveres inundara. Era necessário diminuir os de bordo; e tocou a cinco delles voltarem numa . chalupa para a terra, onde tanto soffreram.
Villegaignon os recebeu com toda a bondade. Os remorsos, porém, que lhe torturavam a alma, levantavam a cada canto um phantasma, e como Caim, o apostata e assassino, temia que um braço vingador viesse, de um golpe, cercear-lhe a ambição. E os pobres homens, tornaram-se suspeitos de traição e espionagem.
Resolvido a eliminal-os, buscava ainda o vil perseguidor um véo para encobrir o crime.
Sabia bem o mesquinho que a mesma fé ardente no coração dos confessores reduzidos a cinzas lá na pátria, mais ardente que as brazas das fogueiras, também inflammava o coração das suas victimas: lembrou-se que era ali o representante de Henrique II.
Era direito dos governadores, em nome do rei, exigir dos subditos uma confissão de sua fé. O almirante ordenou, portanto, que em doze horas respondessem aos artigos de fé que lhes enviára.
O mais velho, distinto entre elles, porque velava pela piedade de seus irmãos e porque em letras possuía conhecimentos da língua latina, foi eleito para redigir a resposta. Sem livros, só possuíam a Bíblia, simples crentes que talvez não tivessem aos pés de Calvino um , curso de divindades, afflictos, cansados, em um dia, foram obrigados a responder a difficeis questões.
Jean du Bourdel escreveu; os outros assignaram a sua Confissão de Fé.
Recebido o documento, o tyranno o fez vir à sua presença.
Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e André la Fon vieram; Pierre Bourdon, afflicto por moléstia, ficara no continente.
Estavam promptos, disseram, a sustentar a Confissão. Enraivecido, ordenou Villegaignon que os mettessem no carcere a ferros.
Durante a noite, todas as horas ia revistar as algemas, a porta do cárcere, rondar as sentinellas.
Os servos de Deus, entretanto, oravam, cantavam psalmos e se consolavam mutuamente.
Na manhã de sexta-feira 9 de fevereiro de 1558, desceu Villegaignon, bem armado, com um pagem, a uma sala. Mandou apresentar du Bourdel, e mandou-lhe explicar o 5.° artigo da sua confissão. Ao responder du Bourdel, uma bofetada, do apostata fez-lhe jorrar sangue da face, e Villegaignon mofára das suas lagrimas de dôr.
Conduzido ao supplicio, ao passar pela prisão, bradava aos seus cornpanheiros que tivessem bom animo, pois breve seriam livres desta triste vida.
Cantando psalmos, subiu á rocha; orou, e, atado de pés e mãos, o algoz o arrojou ás ondas.
Seguiu-o Matthieu Verneuil.
A's suas supplicas que o poupasse, tivesse-o como escravo, respondia o verdugo, menos valor tinha qui o lixo do caminho: Tendo orado, exclamando: - «Senhor Jesus, tem piedade de 'mim» - desappareceu no mar.
Pierre Bourdon, fraco, debilitado pela molestia foi obrigado a levantar-se, e levado para a ilha.
Lá percebeu o que o esperava, Ao presentir o logar onde soffreram seus irmãos não se entristeceu, pois tinham ali obtido a victoria. Cruzou os braços, elevou os olhos ao céo ; orou.
Antes de morrer, quiz saber a causa de sua morte. Respondeu-se-lhe que era a sua assignatura de uma Confissão heretica e escandalosa.
O rugido do mar não permittiu mais ouvir a sua voz clamar pelo soccorro e favor de Deus, e o seu corpo desappareceu no abysmo das aguas.
E foi assim naquelles tempos que os nossos irmãos pagaram com a vida a audacia de confessar a sua fé ; e, hoje, muita gente balbucia, hesita, ante o sorriso mofador, de qualquer insolente.» -


* * *

Mas o Protestantismo no Brasil, em especial, grande e relevantissimo serviço deve ao dr. Pedro Souto Maior: referimo-nos á traducção pelo mesmo feita das Actas dos Synodos e Classes do Brasil, no século XVII, durante o dominio hollandez, as quaes, em Appendice, juntamos a este trabalho, autorizados pelo conspicuo traductor e insigne mestre, a quem hypothecamos eviterna gratidão.
E, por certo, injusto fôra que deixassemos tambem de render, aqui, homenagem á maior autoridade, no Catholicismo Protestante Brasileiro, em materia de historia geral e ecclesiastica - o notavel tribuno e emérito publicista dr. Alvaro Reis, autor de obras de reconhecido valor, das quaes, dada a sua intima relação com o «martyrio dos huguenotes», recommendamos aos estudiosos a que tem por titulo - O Martyr le Balleur.
Não encerraremos, todavia, este Proemio sem assignalar a alta conveniencia, ou antes, á imperiosa necessidade da creação de uma Biblioteca do Protestantismo Brasileiro, como as que existem em outros paizes. As vantagens de um tal Departamento seriam incalculáveis. Attente-se, por exemplo, ao enorme auxilio que a Bibliotheca do Protestantismo Francez prestou a Matthieu Leliévre, annotador da obra de Crespin, como se vê destas suas palavras : « L'accès aux grandes Bibliothèques de Paris nous a permis de remonter aux sources de plusieurs chapitres du Martyrologe. Nous avons notamment trouvé à la Bibliothèque Nationale les ouvrages qui ont foumi à Crespin et à ses continuateurs les notices sur Ange Le Merle, l'lnquisition d'Espagne et la grande persécution de l'Eglise de Paris, et à la Bibliothéque. De l'Arsenal, le livre sur l'expédition de Villegaignon, qui a passé tout entier dans l'Histoire des Martyres. Nous ne devons pas oublier de mentionner la Biblíothèque dii . Protestantisme Français, qui occupe une place déjà distinguée parmi les grands dépòts des richesses liitéraires de la France. Son bibliothécaire, M. N. Weiss, nous a foumi, à diversej reprises, des indications utiles, et nous n'avons jamais fait appel en vain à son obligeante érudition».
Quem, pois, se disporá a estudar este magno assumpto?
Quem tomará a iniciativa de tão utilitario emprehendimento?
Endereçamos, em particular, taes questões aos ministros e professores de maior prestigio do Catholicismo Protestante no Brasil.
* * *

Oxalá que as presentes traduções, a par de outros benefícios, produzam, em nosso meio religioso, um maior interesse pelos assumptos históricos, notadamente pelos que se prendem á Egreja Evangélica - esse ramo orthodoxo do Christianismo, embora assim não seja reconhecido pelos Papistas obcecados !

Rio, Agosto - 1917, Domingos Ribeiro





[1] DAS AFFLICÇÕES E DISPERSÃO DA PRIMEIRA EGREJA
REFORMADA ESTABELECIDA NA AMERICA – BRASIL
(1557 - 1558)


Jesus Christo, alçando em tantos logares, na actual Dispensação da Graça, a flammula sacrosanta de seu Evangelho, revela-se, mesmo, aos povos desconhecidos e barbaros e chama a si, por este meio, todos os habitantes do mundo, antes de executar sobre elles o ultimo julgamento. Porém os falsos christãos e, sobretudo, os apostatas, pela sua ingratidão e maldade crescentes, procuram impedir, mais do que os proprios tyrannos, a difusão da verdade, como resaltará da narrativa que vamos fazer e que nos deve estimular a seguirmos o Evangelho, embora com o sacrifício de nossas commodidades; a supportarmos, resignados, a fome, a sede, a nudez e todas as tripulações que Deus permittir nos sobrevenham para exercício, prova e aperfeiçoamento de nossa paciencia.

Como preparo indispensavel á boa intelligencia da historia dos primeiros crentes evangelicos que, por causa da sua fé intemerata na doutrina do Filho de Deus, regaram o solo brasileiro com o seu sangue, não nos occuparemos já de nosso principal assumpto e, sim, de seus preliminares – o inicio e o motivo da existencia de uma Egreja Reformada, segundo as Santas Escripturas, em paragem tão distante e apartada das nações.


[1]Crespin 1564, pag. 837 ; 1570, pag. 442 ; 1597, pag. 190 ; 1619, pag. 410. Na edição de 1564 esta narrativa vem subordinada ao título: Sobre a igreja dos Fieis no paiz do Brasil, parte da America Austral : sua afflicçãoe dispersão,

A rememoração de tão notaveis acontecimentos, desenrolados por esse tempo, deve mover-nos a uma meditação continua sobre as maravilhas do Senhor, tanto mais quanto cremos que aquelles a quem cabe o dever de proclamal-as sentirão, no futuro, remordimentos de consciencia, si deixarem de cumpril-o ; e taes considerações, aliás, levaram uma personagem digna de toda a fé a publicar, por escripto, tudo o que vira em referencia aos factos de que nos occupamos e a quem tornaremos, por emprestimo, as palavras e a narração que se seguem (2) :
“ Posto que a verdade, por si mesma, sem qualquer artificio, prevaleça contra a mentira, e não nos seja permittido accrescentar-lhe coisa alguma, todavia, quando opprimida durante certo tempo pelo esforço maligno dos adversarios, póde ella estar como enterrada.
Mas um dia far-se-á, luz e aquillo que estivera profundamente occulto apparecerá em plena evidencia, afim de que no scenario do mundo se descubram os hypocritas e os cynicos.”

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Quanto ao fracasso da tentativa de colonização huguenote, Jean de Lery, um dos membros da expedição, deixou-nos interessantíssimo trabalho, intitulado : Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil, – livro este que teve já oito edições em francez, das quaes a mais recente se deve a Paul Gaffarel, Paris, 1880, e cinco em latim. Mas esta obra, tendo apparecido pela primeira vez em 1578,é claro que da mesma não se poderia ter soccorrido Crespin para a presente noticia, que figurava já na edição de 1564. O martyrologio é a reproducção pura e simples de um pequeno volume, in-16, de 48 fls., que em parte alguma vimos mencionado, mas do qual ha um exemplar na Bibliotheca do Arsenal (H 12102), e intitula-se : Histoire des choses mémorables survenues en la terre du Brésil, partie de l’Amérique Australe, sous le gouvernement de N. de Villegaignon, depuis l’an,1555 jusqu’á l’an 1558 (1561, S I). Quem é, todavia, o autor deste escripto? Qual é essa personagem digna de fé á qual Crespin declara pertencerem as «palavras e a narração» deste capítulo de seu livro ? A hesitação não e possível sinão entre os nomes de doas testemunhas presenciaes dos factos, ambas as quaes se teem occupado delles por escripto. Um é Pierre Richier, que fôra, como ministro, enviado por Calvino ao Brasil, e que, em 1561, publicou uma Refutação ás loucas fantasias, ás execraveis blasphemias, aos erros e ás mentiras de Nicolas Durand de Villegaignon (in-16, S I, 176 fls. – Bibliotheca do Protestantismo Francez), obra seguida nesse mesmo armo de pamphletos energicos sobre o mesmo assumpto e, provavelmente, do mesmo autor. Mas um exame attento leva-nos a crer que Richier não póde ter sido o autor da narrativa reproduzida por Crespin – tamanha é a differença entre o fundo e a fórma deste relato. e a maneira peculiar por que Richier descreve os mesmos acontecimentos ; diversidade tanto mais estranhavel si elle houvesse feito duas vezes, no mesmo armo, a alludida narração. Resta-nos, pois, Jean de Lery, autor da obra acima indicada. Verdade é que, referindo, no prefacio de seu livro, as vicissitudes do respectivo manuscrito, elle não allude a esta publicação de 1561; mas, quasi no fim da obra, declara haver collaborado no Livro dos Martyres (vide adiante, no martyrio de Jean du Bourdel, a nota correspondente). Facilmente se concebe que Crespin, não podendo logo inserir a narrativa em seu Martyrologio, o qual só em 1564 appareceu, deliberou fazer da mesma uma edição distinta : e tal a origem do pequeno volume de 1561, destinado a refutar a versão que dos factos espalharam Villegaignon e os seus amigos.
(2) Trata-se, evidentemente, de Jean de Lery, ao qual, posto que lhe não decline o nome, Crespin se reconhece devedor da narração que passa a fazer. Esta é a reproducçâo do opusculo publicado em 1561 – Histoire des choses mémorables survenues en la terre de Brésil, de que falámos em a nota precedente,
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Fructo e utilidade desta historia

Por esta razão, e porque seja louvavel reconduzir ao caminho direito os que delle se desviaram, urge tambem se torne conhecida a verdade quanto á tragedia de que o Brasil foi theatro ; e, para consecução satisfatória de tal objectivo, importa comecemos pelo relato de tudo o que se convencionou, de tudo o que se fez e de tudo o que occorreu. Servira isto de aviso, para que d’ora em diante não se creia facilmente em coisas sobre que se não estiver bastante! intelligenciado e para que a respeito dellas não se exerça, com precipitação, um juízo definitivo.

O exposto seria motivo sufficiente para traçar-mes esta narrativa. Duas outras razões, porém, de não menos peso e valor, dão á tarefa o caracter de indeclinavel : a grandeza do facto e a circunstancia dos logares.

Sim, onde o historiador que haja registrado que nessa terra recentemente descoberta alguem tenha sido sacrificado e morto, porque ousára espalhar, ali, o conhecimento da Palavra de Deus? Os selvagens teem assassinado e devorado alguns Portuguezes e Francezes. Mas – qual a razão? Unicamente porque as victimas, pela sua propria avareza e ambição desmesuradas, os haviam ultrajado e offendido. Todos sabem perfeitamente que os Portuguezes e mesmo os Francezes que teem estado nessas regiões jámais falaram aos selvicolas uma palavra, siquer, no concernente a Christo Jesus Senhor nosso.

E porque os tres fieis cuja morte descreveremos mais adiante foram os primeiros que, no Brasil, experimentaram o martyrio por causa do Evangelho, segue-se que seria indecoroso, importaria uma injustiça clamorosa, e de más consequencias, si deixasse-mos a sua memorial no olvido e completamente extinta entre os homens, pois que, nesse caso, o seu sangue bradaria ao Céo por vingança contra semelhante indignidade.

Taes reflexões determinaram nas testemunhas oculares dos acontecimentos que vão ser aqui narrados e por cujos mãos transitou esta compilação o forte desejo de que a mesma fosse transmittida ao leitor, afim de prevenil-o contra as calumnias (3) que obscurecessem e deturpassem a verdade sobre as causas da empreza, meios, execução, protestos, revoltas e o mais que se segue.

Disputa de Villegaignon em França

Nicolas de Villegaignon, nomeado vice-almirante em Bretanha, desaviera-se com o capitão da cidadella de Brest, principal fortaleza de todo o paiz, e isso por questões technicas da fortificação da mesma. Originou-se dahi um descontentamento e, um odio mortal entre ambos, de modo que, para se defrontarem, buscavam só o momento propicio.

O caso chegára aos ouvidos de Henrique II. Este, porém, favorecia muito mais ao capitão da cidadela do que ao vice-almirante, circunstancia que tirava a Villegaignon toda a esperança de successo na disputa. Sem embargo, pensava elle que, pelo menos, poderia arruinar ou tornar odioso o seu adversário. Mas, neste sentido, ia conseguindo pouco, pelo que começou a aborrecer-se em França, accusando-a de enorme ingratidão, visto que ao serviço delia consummira toda a sua juventude na carreira militar. Accrescentava, ainda, que, em face do resultado quasi nullo que obtivera .de seus trabalhos passados, não podia mais ali permanecer por muito tempo.
Ora, na cidade de Brest, residia então um preposto do thezoureiro da Marinha, o qual era íntimo de Villegaignon. Um dia, quando se achavam á meza, referio-se aquelle a uma viagem que fizera ás Indias Meridionaes e, alludindo ao Brasil, louvou elle extraordinariamente a sua temperatura, a belleza e a serenidade do céo, a fertilidade da terra, a abundância de viveres, as riquezas naturais e coisas outras de todo desconhecidas dos antigos.


(3) Allusão á obra deThevet, cosmographo de Henrique II e companheiro de Villegaignon : Les singularités de la France Antarctique (1558), onde o autor defende o almirante das accusações dos Protestantes, a quem calumnia mas aos quaes Jean de Lery faz justiça em seu livro – Histoire d'un voyage fait dans le pays du Brésil.





Villegaignon sonha a fundação de uma monarchia
no Novo Mundo

A descripção agradára immenso a Villegaignon e de tal modo lhe aguçou a cobiça que elle constrangia o seu informante a repetir-lhe freqüentemente as mesmas palavras, sonhando o dominio de toda essa terra. Seu desejo de ir até lá augmentava dia a dia.
Faltavam-lhe, porém, os meios, tanto mais quanto, em deixando a França, queria fazel-o com honra e boa reputação, o que lhe acarretaria grande despesa, para a qual não estava apparelhado. De, resto, Henrique II julgaria muito mau que elle se exilasse voluntariamente entre gente a mais deshumana que existia debaixo do céo.
Entretanto, por subtis meios, esforçava-se Villegaignon por captar as sympathias daquelles que lhe podiam dar apoio efficiente para a feliz prosecução de seu projecto, aos quaes affirmava que seu vehemente desejo e mais forte empenho era procurar um sitio de repouso e tranquïllidade, onde pudesse estabelecer os perseguidos em França por causa do Evangelho; e que, havendo longamente pensado sobre o melhor logar para fugir á crueldade e tyrannia dos homens, elle se lembrára da terra do Brasil, da qual todos os navegántes se manifestavam encantados, enaltecendo a sua temperatura e a sua fertilidade, e onde se poderia commodamente viver.
Aquelles a quem elle se dirigira creram facilmente em suas palavras, applaudindo esta empreza, mais digna de um principe do que de um simples fidalgo; e desde logo lhe prometteram a sua interferencia junto do rei, afim de que Villegaignon conseguisse todas as coisas necessarias á navegação (4).

(4) Crespin omitte a parte tomada por Coligny nesta empreza, decerto por considerar-se desobrigado, em I56I, de inserir-lhe o nome na narrativa de uma expedição tristemente celebre e que foi um verdadeiro fracasso. Mas, Jean de Lery, publicando o seu livro aipis a morte de Coligny, completa neste particular, a narração de I56I : «De facto, sob tal pretexto e porque revelasse as mais bellas intenções, Villegaignon conquistou a sympathia dos mais influentes da Religião Reformada, os quaes, inspirados pelo mesmo motivo affectado por aquelle, desejavam retirar-se para um tal refugio : no numero destes estava Gaspard de Coligny, almirante de França, de abençoada memória, o qual, gosando do favor de Henrique II, que então reinava, fez-lhe sentir que Villegaignon poderia descobrir muitas riquezas e conquistar grandes vantagens para o reino, caso fizesse a projectada viagem. Assim, Coligny obteve que a Villegaignon fossem dados dois bellos navios equipados e munidos de artilharia, bem como dez mil francos para a viagem» (Lery, edição Gaffarel 1, 40. Vide tambem Bèze, Historia Ecclesiastica, 1, 59; Aubigné, Historia Universal, tomo I, livro I, cap. XVI e livro II, cap. VIII; Delaborde, Gaspard de Coligny, 1, I45; II, 431).

Entendiam, até, que o emprehendimento seria agradável ao monarcha, pois resultaria em sua propria gloria e honra e em proveito da sua nação. Assim, foi o negocio solicitado com a maxima diligencia, logrando despacho favorável, tanto que em breve obtinha Villegaignon dois bellos e grandes navios e dez mil francos para os gastos com os homens que lhe seria preciso levar comsigo, assim como grande quantidade de artilharia, polvora, balas e armas para a construcção e defesa de um forte. Isto alcançado, entendeu-se elle com os capitães e pilotos para guiarem as caravellas e fazerem, em Brest, o carregamento de madeiras e outros accessorios. Para collimar o seu fim, só lhe restava encontrar gente fiel, de boa vida e educação, afim de habitar com elle no Brasil; e eis porque fez publicar por toda parte que precisava de pessoas tementes a Deus, pacificas e boas, pois bem sabia que lhe seriam mais úteis do que quaes-quer outras, em virtude da esperança que tinham de formar uma congregação cujos membros fossem votados ao serviço divino.
Algumas personagens de toda a honorabilidade, sem ligarem a menor importância á longa viagem, . nem á grandeza dos perigos que podiam sobrevir, nem á subita mudança de clima, nem á diversa maneira de viver, deixam-se persuadir pelas bellas e doces promessas de Villegaignon e decidiram-se a acompanhai-o. Era-lhe tambem indispensavel assalariar trabalhadores e operarios de todas as profissões ; mas com muita difficuldade e mediante grande remuneração poude encontrai-os, e isto mesmo entre gente rustica, sem a mais leve noção de honestidade e civilidade, impudica, dissoluta e dada a toda a sorte de vícios (5).

[5]Claude Haton, em suas Memorias (edição Bourquelot, pag. 17) diz : «Com permissão do rei, Villegaignon visitou as prisões de Paris para ver os prisioneiros que lhe podiam ser úteis

Emquanto aguardava o dia da partida, Villegaignon parlamentava com aquellas personagens que, como elle, seguiam de boa vontade, fazendo-lhes sentir que esperava fazer, no Brasil, optima administração com os seus conselhos, pois era seu proposito, segundo accentuava, subordinar tudo á deliberação dos mais notaveis ; e que, 'no concernente á religião, seu desejo era que a Egreja a ser ali fundada fosse Reformada como a de Genebra.
Era isto o que elle promettia em todas as reuniões, pelo que todos, de coração, lhe desejavam êxito completo no seu emprehendimento, si bem que
alguns suspeitassem de tal empreza, dados os precedentes do almirante e o modo tyrannico por que se houvera, quando commandante de galeras na sua mocidade (6).

(6) Villegaignon commandára as quatro galeras que levaram soccorros a rainha d’Escocia, Maria de Lorena, e a sua conducta, nesta expedição, valeu-lhe o título de vice-almirante de Bretanha.

A viagem

Sob esta boa impressão, todos os da comitiva se alojaram com Villegaignon nos navios, que logo em seguida levantaram ferros, deixando o Havre aos 15 de julho de 1555. E, depois de haverem passado, por grandes perigos, difficuldades e accidentes penosos durante a viagem, como: estacionamentos, falta d’agua potável, pestilencias, calor excessivo, ventos contrarios, tempestades, intemperies da zona torrida e outras coisas que seria fastidioso enumerar, – chegaram finalmente ao Brasil, terra da America, onde o polo Antartico se eleva 23o. sobre o horizonte, mais ou menos.[7]
Por occasião do desembarque dos Francezes, os habitantes do paiz sahiram ao seu encontro e dispensaram-lhes franco acolhimento, presenteando-os com viveres e diversas coisas curiosas, no intuito de fazerem com elles uma alliança perpetua.

(7)Villegaignon entrou na Guanabara no dia 10 de novembro de 1555.

Servidão egypcia

Partindo do Havre, os passageiros não inquiriram si Villegaignon se premunira de viveres para aquelles que ficassem em terra, como fôra de suppor. Por isso, ao ser-lhes constatado que absolutamente não os havia para a sua subsistencia, acharam elles muito estranho tal procedimento e em grande maneira se aborreceram por terem que se conformar com os alimentos desta nova terra, os quaes consistiam de fructos e raízes, em logar de pão, e de agua em vez de vinho, e isto em quantidade tão miseravel que para um só homem não era bastante o que se distribuía para quatro.
Em conseqüência desta brusca mudança, diversos cahiram gravemente enfermos e não mais se puderam levantar, porque tambem não havia medicamentos o que exasperou fortemente a muitos contra Villegaignon, a quem accusavam de insaciavel avareza e de ter economisado o dinheiro do rei, empregando-o só em proveito proprio, quando devera applical-o na acquisição de viveres e de todas as coisas indispensaveis ao sustento e preservação da saude dos que levára para tão longínquas regiões.
E’ certo que os marinheiros que já tinham viajado nestes paizes, asseguraram que havia nelles abundantes provisões de boca, e que, por conseguinte, não se tornava necessario carregar de generos os navios na partida.
E foi precisamente isto que servio de desculpa e defesa a Villegaignon.
A amargura dos pobres homens era tanto mais intensa quanto a situação permanecia irremediavel. Accresce que nem por isso se lhes diminuía o trabalho, mas, ao contrario, era este augmentado dia a dia, como si, porventura, fossem bem alimentados. Para. maior flagello, a ardencia do sol era tão causticante como ninguem o poderia ter imaginado. Desde a manhã até a noite obrigavam-n’os, tambem, a quebrar 'pedras, a carregar terra e a cortar madeiras, porque o logar, o tempo e a occasião requeriam uma grande diligencia, pelo receio de possível ataque, quer por parte dos naturaes do paiz, quer por parte dos Portuguezes, então inimigos acerrimos dos Francezes nessa região.

Conspiração contra Villegaignon

Os operarios, pouco sensíveis em questões de honra, persuadiram-se de que, si este era o começo, o fim seria inconcebível. Os mais sagazes de entre elles previam que, no caso de deixarem crescer o jugo que se lhes impunha. quando se achavam, ainda, na sua maioria, sãos e bem dispostos, mais tarde não haveria reacção possível (8).

[8]Em sua carta a Calvino (Opera, XVI, 417), Villegaignon pretende que a revolta teve origem no facto de haver elle prohibido que as mulheres indígenas entrassem na colonia desacompanhadas de seus maridos – medida que levou vinte e seis mercenarios, voluptatis illecti cupiditate, a conspirarem contra a sua vida, Thevet, em sua Cosmographia, procura lançar sobre os ministros genebrinos a responsabilidade, desta conspiração, quando é certo que ella se realizou antes da chegada dos mesmos, como o prova a propria carta de Villegaignon ( Lery, Prefacio, tomo I, p. 13).

Nestas condições, formaram um complot e reuniram os havidos por mais dignos de serem admitidos ao conselho, ficando concertados os meios pelos quaes se poderiam libertar do cruel jugo da servidão que pesava sobre elles contra todas as leis civis e humanas.
Entendiam uns que se deveriam juntar aos naturais do paiz, sem tentar mais coisa alguma. De opinião contraria eram outros, que reputavam mais acertado bandear-se para os Portuguezes que habitavam ali perto. A maioria, porem, que quasi sempre suffoca a melhor idéa, não approvou nenhum dos alvitres suggeridos, os quaes lhe pareceram impraticaveis para obtenção segura da sua plena e inteira liberdade. Finalmente, o mais audacioso demonstrou-lhes que se enganariam redondamente, si deixassem viver por mais tempo a Villegaignon e aos que tentassem defendel-o, chegando mesmo a affirmar que seria facílimo eliminai-os, pois não pairavam suspeitas a respeito delles.
Ficou vencedora esta opinião, que foi unanimemente approvada, louvando todos a intelligencia de seu autor, ao qual delegaram a chefia da conspiração ; e cada qual, já dante-mão, em sua imaginação, dividia o despojo que seria arrecadada.
A senha foi dada e escolhido o dia da execução – um domingo, quando cada um se retirava para o seu logar sem provocar desconfianças. Uma só coisa parecia prejudicar e impedir o êxito da trama : eram tres marinheiros escocezes que guardavam a Villegaignon. Mas os conspiradores tentaram logo allicial-os, afim de encontrarem menos obstáculos na realização de seu projecto.
Os marujos fingiram approvar o seu desígnio, allegando maus tratos recebidos de Villegaignon, tanto em França como durante a viagem ; e, em sua dissimulação, informaram-se do dia e hora exactos e dos meios da execução, bem assim dos nomes dos conspiradores que tornariam parte nella.
Senhores de todo o plano, entenderam que fôra indigno e deshumano occultal-o. Dirigiram-se, pois, de preferencia, a um dos amigos mais íntimos de Villegaignon, tanto pelo conhecimento que elle possuía da língua escoceza como por outras razões, e revelaram-lhe toda a conjuração, os nomes dos principais conspiradores, o dia e hora da execução, afim de que Villegaignon, dest’arte avisado, pudesse' tomar as precisas precauções e dar um exemplo salutar á posteridade.
Villegaignon e os que lhe eram fieis, assim prevenidos, armaram-se e prenderam quatro dos principaes conspiradores, aos quaes inflingiram severíssima punição, para escarmento dos demais e para os conservar adstrictos ao seu dever e á sua condição, sendo que dois delles foram postos em prisões com cadeias e ferros e obrigados a trabalhos públicos durante certo tempo (9).

(9) Segundo Barré, em sua carta de 25 de maio de 1556, um dos presos, sentindo-se muito culpado e sem esperanças, portanto, de salvar-se, teve meios de arrastar-se até o muro e atirou-se á agua, afogando-se. Um outro foi estrangulado. Os outros passaram a servir como escravos.

Tal foi o epilogo desta conjuração.
Villegaignon não poude, portanto, negar que com elle tambem embarcára gente de bem, cujos serviços depois tão mal recompensou.


Villegaignon, por um emissario, solicita ministros á Egreja de Genebra
e é attendido

Este acontecimento tornou Villegaignon, por algum tempo, muito affeiçoado á Palavra de Deus, revelando-se elle, com effeito, assás zeloso e interessado em organizar, ali, uma Egreja, e exprimindo, a miudo, forte desejo de ter um ministro para doutrinar a sua família e catechizar a pobre gente do paiz, ignorante das coisas de Deus e das leis da civilidade e honestidade. Outrosim, freqüentes vezes lamentava a sua propria situação, em virtude de achar-se cercado de tão diminuto numero de pessoas dignas, por quem era confortado sempre em seus desgostos, o que lhe fazia pensar que a sua vida estaria muito mais segura entre gente virtuosa do que no meio de mercenários desprovidos de honra e de toda a moral.
Apressou-se, pois, em appellar para os ministros da cidade de Genebra, fazendo-lhes sentir a imperiosa necessidade que tinha de evangelistas, por isso que fôra para lá com o unico fim de ouvir as leis e ordenações do Senhor (10). E, accrescentando que de longa data formava a respeito delles e da Egreja Reformada o mais favorável conceito, pedia-lhes, como a irmãos em crenças, não lhe negassem conselho, beneplacito e soccorro, pois deste modo participariam dos beneficios e da perduravel memoria que de tal concurso certamente adviriam. Sob promessa do melhor dos acolhimentos, tanto no decurso da viagem como no paiz, rogava-lhes que com um ou dois ministros lhe enviassem tambem gente de officios, casada ou celibataria, indifferentemente, e mesmo algumas mulheres e moças para povoarem a nova terra; porquanto, segundo as suas previsões, difficil se tornaria habitar essa região por outros meios.
Ao receberem taes noticias, os pastores da Egreja de Genebra renderam graças a Deus, por abrir em paragens tão distantes uma porta á dilatação do reino de Jesus Christo.

(10) Jean de Lery diz, de maneira positiva (obra citada, cap. I, p. gr), que Villegaignon enviou expressamente um emissario a Genebra, solicitando por este á Egreja e aos ministros dali que o ajudassem e soccorressem, tanto quanto lhes fosse possível, nesta empreza Accrescenta, outrosim, que elle escreveu no mesmo sentido a Coligny;
(11) Pierre Richier, doutor em theologia e ex-frade carmelita, convertera-se ao Protestantismo e, após haver feito seus estudos em Genebra, dirigio-se ao Brasil em 1556, de onde voltou no anno seguinte, sendo então enviado a Rochelle, em cujo lagar organizou a Egreja e morreu a 8 de março de 1580. Ali publicou elle, primeiro em latim (1561) e depois em francez (1562), a Regulação ás loucas fantasias, ás execrareis blasphemias, aos erros e ás mentiras de Nicolas Durand de Villegaignon.


Diligentemente, pois, escolheram dois ministros para tão nobre e santa missão : Pierre Richier ( 11 ) e Guillaume Chartier, ( 12) aquelle de 50 e este de 30 annos, ambos muito versados na sã doutrina e de exemplarissima conducta ; e, para com elles seguirem, foram chamados diversos operarios, dos quaes alguns eram casados ( 13).
A conducção desta companhia foi confiada a Philippe de Corguilleray, cognominado du Pont, cavalheiro muito considerado e que residia muito perto da cidade de Genebra, o qual, comquanto a sua idade e estado de saude não lh’o permittissem, não vacillou, todavia, em realizar tal viagem. Nem mesmo os seus negocios pessoaes e o amor que consagrava aos
seus filhos o demoveram de acceitar o encargo que o Senhor lhe impunha.
Em passando pela França com destino a Honfleur, porto de mar da Normandia, onde os navios a esperavam, espalhou-se logo a noticia da presença da comitiva e muitos enthusiastas se decidiram associar-se a ella, tendo-se, por occasião do embarque, apresentado grande numero de pessoas de Paris e da Normandia, das quaes só algumas foram admitti-
das, pois os navios não comportavam todas – tal o renome desta expedição largamente annunciada.
Iamo-nos esquecendo de assignalar que o emissario de Villegaignon havia referido muitas coisas honrosas a respeito deste, dizendo que os operarios seriam muito bem remunerados, que as mulheres dos casados receberiam pensões e que a todos seria dado tudo o que necessario fosse á sua vida e manutençao, ìnclusivé o direito de livremente regressarem a França, caso não se adaptassem á nova terra e não fossem recebidos, ali, segundo as promessas feitas em plena assembléa de Genebra.
Chegados a Honfleur, logar de seu embarque, foram acolhidos com muita cordialidade por aquel-les que estavam encarregados da sua recepção e os quaes, como era de esperar, lhes reiteraram as mesmas promessas.
No momento da partida cada qual se installou no navio que lhe fôra designado pelo chefe da navegação, pois seria impossível alojal-os todos num só, sem graves inconvenientes. Zarparam logo do porto de Honfleur e, enfunadas as velas, deixaram em breve as terras da Europa e aproximaram-se das ilhas Afortunadas ( 14), limitrophes da, Africa, onde – fosse pelo grande numero de pessoas ou fosse por furto praticado pelas guarnições – tiveram inicio as torturas dos passageiros pela espantosa reducção de alimento, como si, acaso, estivessem no mar ha dez mezes, occasionando este facto varios motins no decurso da viagem.

[12]Guillaume Chartier, natural de Vitré – Bretanha, estudou em Genebra e acceitou com muito ardor o cargo de missionario da Reforma da America. Nicolas des Gallars, tendo-o visto e ao seu companheiro na occasião de embarque, escreveu a Calvino ( Opera XVI, 270) que elles partiam eadem alacritate animi quam antea proe se ferebant.
Posteriormente ao insuccesso desta expedição, nada mais se sabe de Chartier senão que foi capellão de Jeanne d’Albret.
(13) «Eis os nomes dos huguenotes que acompanharam du Pont, Richier e Chartier : Pierre Bourdon, Matthieu Verneuil, Jean du Bourdel, André la Fon, Nicolas Denis, Jean Gardien, Martin David, Nicolas Raviquet, Nicolas Carmeau, Jacques Rousseau e eu, Jean de Lery, que me juntei á companhia, assim pelo forte desejo que Deus me dera de contribuir para a sua gloria como pela curiosidade de ver esse novo mundo. Ao todo eramos quatorze e, para a realização de tal viagem, sahimos de Genebra aos 10 de setembro de 1556» (Lery, ed. Gaffarel, tomo I, p. 44).
(14) As Canarias,

A’s reclamações os marinheiros respondiam sem rebuços que eram constrangidos a proceder deste modo em consequencia da falta de viveres ; e, quando os ministros lhes censuravam o mal e a injuria feita aos armadores, despojando-os de seus bens e mesmo de seus navios, o que seria horroroso permenorizar, maltratavam-n'os igualmente, calumniando-os da maneìra a mais vil e replicándo-lhes que assim lhes fôra ordenado por Villegaignon, por quem elles, marinheiros, se sentiam apoiados.
A’ vista disso os ministros acharam prudente remetter-se ao silencio, e os que dahi em diante ousavam reclamar particularmente eram cobertos de irrisão e ludibriados.
Abster-nos-emos de falar do mal praticado contra os Inglezes, dos quaes roubaram dinheiro e mercadorias e com quem estavamos, então, de paz jurada ; nem da sua pirataria exercida contra Hespanhoes e Portuguezes, cujos navios e cargas foram tomados á força e cujas equipagens – oh! crueldade inaudita! – foram encerradas em um navio, sem provisões, sem velas, sem botes, e deixadas, assim, ao abandono, em pleno oceano, á mercê das ondas, no maior e no mais cruciante dos infortunios... ( 15 )
Nada mais encontrando para saque, prosseguiram em sua rota em direcção ao Brasil, tendo suportado na zona torrida calor intensissimo e outros incommodos.
Após quatro mezes completos de permanencia no mar e extenuados por tão longa reclusão, transpuseram finalmente a barra de Coligny, na America Austral, e parte do Brasil situada como ficou atraz mencionado, encontrando lá a Villegaignon em uma ilha fortificada de ambos os lados com peças de artilharia – ilha tão deserta e desprovida de recursos que não haveria ninguem capaz de adaptal-a a um logar de habitação (16).

(15) Sobre taes actos de pirataria e a viagem, vide Lery, obra citada, tomo I, cap. II, p. 45g, ed. Gaffarel.
(16) Villegaignon installou-se primeiro na ilha Ratier, hoje fortaleza da Lage, passando-se depois para a ilha de Serigipe, a que chamou de Coligny e que tem actualmente o seu nome,

O rio (17) em que se acha localisado esta ilha é de belleza incomparavel, amplo e muito adequado aos grandes navios, podendo-se nelle penetrar a qualquer hora do dia ou da noite sem o mínimo receio de perigo. A entrada, em que se veem dois altos picos, tem de largura meia legua e doze braças de profundidade. Sua extensão é superior a dez leguas e em certos logares de tal modo se amplia que mede de seis a sete leguas de largo. E’ semeado de ilhas e ilhotas de singular belleza e recebe afluentes em que abundam grandes peixes. Dir-se-á mesmo que é o mar que alli se espraia.
Na ilha a que alludimos residia Villegaignon, pois escolhera-a para a construcção do forte a que se compromettera para com Henrique II.
E porque chegamos a este ponto parece-nos conveniente referir por quem e a que época foi descoberta esta região, visto que muitos leigos em taes assumptos suppõem haver sido Villegaignon o primeiro que ali esteve, quando a verdade é que, depois de Christovam Colombo, em 1497, a expensas do rei de Hespanha, haver descoberto a parte occidental, Americo Vespucio (18), então aos serviços do rei de Portugal, reconheceu, em 1500 mais ou menos, o continente do Brasil a uma grande distancia das Indias Occidentaes.

(17) Os Francezes pensavam que a bahia de Guanabara era a foz de um grande rio.
[18]Referencia não ao descobridor Pedro Alvares Cabral mas á expedição exploradora de André Gonçalves, que aportou ao Rio de Janeiro a 1 de janeiro de 1502 e da qual fazia parte o cosmographo florentino Americo Vespucio.


Os Portuguezes, na sua preoccupação de se apossarem dos melhores portos e enseadas, erigiram em Coligny uma torre de pedra, á qual denominaram Janeiro por haverem ali entrado nos primeiros dias desse mez; e nella deixaram elles alguns pobres condemnados á morte, para que se familiarizassem com os habitantes do paiz e apprendessem a sua lingua.
Os desterrados, porém, após certo tempo, comportaram-se tão mal em relação aos indigenas que alguns delles foram por estes assassinados e, até, comidos, e os outros tiveram que fugir para mar alto num pequeno barco. Depois os Portuguezes não ousaram mais ali habitar, porque o seu nome se fez até hoje tão odioso que para os indios é uma grande delicia o comer a cabeça de um Portuguez.
Mais tarde, em 1525, talvez, os armadores Francezes de Honfleur enviaram là os seus navios, tratando com os naturaes do paiz e comprando-lhes pau-brasil, pelles e outras mercadorias. Estabeleceram com elles uma alliança que ainda perdura e teem continuado todos os annos a navegação.
E' claro, portanto, que Villegaignon não foi o descobridor desse continente nem o seu primeiro habitante estrangeiro.
Feita esta rapida digressão, aliás indispensavel á boa intelligencia da presente historia, remettemos aos livros que tratam do assumpto aquelles que desejarem aprofundar-se no mesmo.

O desembarque dos fieis

Voltemos, pois, á comitiva de que iamos falando.
Chegados ao anhelado porto de Coligny, desembarcàram a 7 de março de 1557, tendo sido recebidos por Villegaignon e os demais com grandes demonstrações de regosijo, pelo concurso efficaz que lhes iam prestar. Foram dadas salvas, accesas fogueiras e não foram poupadas outras coisas de uso em momentos festivos.
Os ministros apresentaram as suas credenciaes assignadas por J. Calvin e que, outrosim, davam testemunho a respeito dos outros da companhia.
Villegaignon, após ter lido as cartas, regosijou-se e ficou sobremodo satisfeito com saber que tanta gente honesta e virtuosa tomára a suá empreza em alta consideraçào e estima. Declarou lhes então abertamente o que o induzira a abandonar os prazeres e delicias da França para viver de privações em um paiz onde, nos annos precedentes, estivera tão mal acompanhado, circumstancia que o levára a supplicar o favor e a coadjuvação dos pastores de Genebra. E como tal concurso não lhe fôra recusado, como era patente de tão grande numero de pessoas enviadas, sentia-se por isso mesmo ainda mais obrigado para com os de Genebra, de quem esperava a continuação de seu auxilio, dada a boa vontade que haviam manifestado desde o principio, o que agradecia com muito affecto.
Aos ministros e seus companheiros pedio estabelecessem o regulamento e a disciplina da Egreja, segundo a fórma da de Genebra, á qual elle promettera, em plena assembléa, submetter-se e bem assim toda a sua companhia.
Ouanto ao governo civil, formou Villegaignon um Conselho, constituindo-o de dez pessoas das mais respeitaveis e cujo presidente era elle proprio. A este Conselho teriam que ser levadas todas as questões religiosas ou profanas, afim de serem pelo mesmo julgadas e dirimidas (19).

[19]Lery dá o discurso pronunciado neste momento por Villegaignon (1- 87, eci, Gaffarel).


Reputaram os ministros excellente esta organização e exhortaram a companhia a permanecer sempre modesta e serviçal, sem esquecer o facto que alguns delles tinham abandonado as suas mulheres, os seus filhos, os seus haveres, que todos deixaram a patria natal para gozar dos beneficios da prégação do Evangelho; e accrescentaram que, si Deus lhes concedesse a graça de se estabelecerem definitivamente nesse logar, prefiririam antes supportar todos os dissabores e soffrimentos do que esmorecer e recuar do seu posto.
Villegaignon fez sentir aos ministros que, no concernente á Egreja, queria fosse ella conforme a disciplina e ordem da de Genebra, á cuja ampliação vinha dedicando a sua vida e os seus bens, e que não desejava regressar mais á França.
Em ouvindo estas asserções, todos se possuiram de forte animo e encorajados para o cumprimento dos seus deveres, maxmé os pastores para o exercicio do seu ministerio em que se revezariam todas as semanas, pois teriam que prégar uma vez por dia e duas aos domingos (20).
Os officiaes de profissões diversas applicaram-se desde logo, com o maximo enthusiasmo, ás obras da fortificação da ilha, trabalhando mesmo como serventes, circumstancia a que não ligaram a menor importancia tal a confiança que depositavam nas promessas de Villegaignon.

(2O) No concernete ás primeiras impressões dos ministros genebrinos, vide as cartas dos mesmos a Calvino (Opera XVI, 433-440).

Ambição de Cointac e divergencias sobre a Eucharistia

Ora succedeu que um dos membros da comitiva dos ministros - e eis a causa das perturbações que se seguem, de nome Jean Cointac (21), academico da Sorbonne, de certa illustração, impellído pelo desejo insensato de passar por mais sabio que aquelles, pretendia a Superintendencia do Episcopado, allegando que o logar lhe fôra promettido em França. Foi, porém, embargado na sua estulta aspiração e perdeu a estima de toda a companhia.

(21) Jean Cointac-Lery chama-o Cointa, appellidado Hector (Lery, p. 91).

Dahi o odio mortal que votava aos ministros, a quem procurava amesquinhar e ridicularizar em todas as controversias e prégações, que epilogava rigorosamente para dar-se ares de entendìdo.
Elle tinha, com effeito, certa apparencia de virtude, era eloquente e persuasivo, quer discorrendo em francez quer em latim. Além disto, adaptava-se ao paladar de cada um, motivo por que Villegaignon o ouvia com particular interesse, prestando attenção ás muitas questões frivolas e nescias que trazia a publico, com o intuito de parecer superior e mais idoneo do que os pastores legitimamente eleitos por suffragio dos irmãos, consoante a fórma da Egreja Primitiva.
Chegado o dia da celebração da Santa Ceia, pois o Conselho resolvera que esta se realizasse uma vez por mez, Cointac, após haver perguntado que lithurgia se pretendia observar, e onde se achavam as vestes sacerdotaes e os vasos sagrados, affirmou, questionando, que, neste sacramento, era conveniente e indispensavel, além de outras coisas, o uso de pão sem fermento e de vinho misturado com agua, porque assim fôra praticado por Justino Martyr, lrineu e Tertuliano.
Os ministros, porém, mostraram a inanidade do argumento e declararam, de modo peremptorio, que nas Escripturas não havia apoio para semelhante innovação e que o dever do crente é manter-se rigorosamente adstricto ao que Jesus Christo fez e ensinou e ao que os seus discipulos nos deixaram por escripto. Em agindo de maneira diversa, será rebelde e jámais bom filho. De resto, lembraram a promessa que lhes fôra feita em França e reiterada em Coligny - a de que viveriam segundo as leis da Reforma existente no logar de onde partiram.

Sem embargo, Villegaignon juntou-se a Cointac, declarando que os antigos eram mais autorizados que os theologos modernos ; e exigio energicamente que tal mistura se fizesse, porquanto Clemente, que convivera com os apostolos, a effectuára. Ponderou-lhes, ainda, que a sua vontade não podia ser contráriada, por isso que elle era o chefe da companhia.
Os pastores e a maioria da assembléa não concordavam que esta pratica fosse obrigatória e entenderam que não deviam mesmo admittil-a para evitar que tal superstição occasionasse, no futuro, sérias perturbações á Egreja, tanto mais quanto Villegaignon e Cointac haviam asseverado que o pão, depois de pronunciadas as palavras de consagração pelo ministro, era santo e que, consequentemente, qualquer parte que do mesmo sobejasse devia ser preciosamente conservada como reliquia sagrada.
Verificou-se isto antes da Santa Ceia e momentaneamente os animos se acalmaram. Ambos os partidos fingiram estar de accordo, afim de que a celebração da Eucharistia não fosse relegada para outra occasião.
Ora Villegaignon e Cointac, á vista da opposição dos ministros sobre este ponto, e sabendo que não podiam constrangel-os a confessarem que era necessario e dependente do sacramento a addição de agua ao vinho, ordenaram secretamente ao dispenseiro que fizesse tal mistura numa proporção rázoavel,
Os prégadores haviam, em seus ultimos sermões, exhortado a que todos se examinassem a si mesmos antes de aproximar-se da Mesa da Communhão, no que foram attendidos. Corpo, porém, Coíntac assumira uma attítude tão estranha que nem parecera um Reformado, e houvesse mesmo referido a alguns que ella dar-lhe-ia certo beneficio em França, um dos ministros pedio-lhe fizesse, em publico, a sua profissão de fé, afim de que se dissipasse a má impressão do seu proceder, ao que annuio immediatamente, ficando todos sobremodo satisfeitos, maximé porque nesse mesmo dia (22) Villegaignon confirmou a sua fé perante toda a congregação.

(22) A Santa Ceia foi celebrada pela primeira vez, em terras da America, no forte de Coligny, em um domingo, 21 de março de 1557 (Lery, ed. citada,1-90). Villegaignon foi o primeiro a apresentar-se à Meza do Senhor e, de joelhos, recebeu o pão e o vinho das mãos do ministro (p. 97), fazendo, então, duas preces em alta voz, que Lery registrou em seu livro (I-90).

Entretanto, a autoridade dos ministros e o facto de haverem estes se dirigido a elle sómente irritaram de novo a Cointac, o qual guardou em seu coração um profundo resentimento.
Participaram, pois, da Santa Ceia, Villegaignon, Cointac e os que pareciam dignos de ser a ella admittidos, fazendo todos os mais vivos protestos de que esqueceriam as quizilias havidas.
Dias depois queixou-se Cointac particularmente a Villegaignon da humiliação por que o ministro o fizera passar em plena Egreja. E, despertando as questões que estavam já como adorrnecidas, concertaram ambos um meio de calumniar a instituição desta, comparando os antigos com os modernos, marcando-lhes as differenciações e formando um ritual cujos preceitos deveriam ser observados á risca. Não hesitaram, até, em declarar que a Egreja de Genebra era mal governada e dirigida por herejes, isto porque entendiam que ella, pelos seus ministros, os havia censurado.

Não aceitavam todos os pontos do Papado, em que viam muitos erros. Dos Allemães queriam conservar o que se lhes afigurasse bom, accrescentando e tirando á doutrina segundo lhes ditava a sua fantasia.
Era do seu novo estatuto que o Baptismo se fizesse tambem com sal, oleo e saliva ; que, ficando o pão da Santa Ceia consagrado pelas palavras sacramentaes proferidas pelo ministro, não se devia ïnquirir si o commungante exercia ou não a fé christã ; que era necessario levar as sobras deste pão aos doentes e aos que as solicitassem ; emfim, artigos outros que seria enfadonho descrever.
A imposição determiinou graves discordias, que augmentavam dia a dia.
Este mau começo foi assás favorecido por alguns que lhe não previam as futuras consequencias, pois advertiram a Villegaignon que em França havia rumores de que os Lutheranos estavam fazéndo a travessia em flotilhas e que, portanto, era bem possivel conseguissem persuadir o rei a causar-lhe muitos desgostos, taes como : tomar-lhe os navios, confiscar-lhe os bens e impedir que alguem lhe prestasse soccorro.
Villegaignon reflectio demoradamente sobre isto e, parecendo-lhe que a coisa poderia vir a consummar-se, resolveu por-se ao abrigo de tal eventualidade.
Passados alguns dias realizaram-se dois casamentos, havendo comparecido à cerimonia a maioria da officialidade e dos marujos. Era a semana de Richier e o thema sobre que ia discorrer nesse dia era o baptismo de João.

O orador entrou francamente no assumpto e, com a maior energia, insistio em asseverar que aquelles que não trepidaram em corromper este sacramento com a introducção de sal, oleo e saliva eram imprudentes e falsarios.
A prédica escandalizára immenso a Villegaignon, o qual violentamente encolerizado contradictou ao ministro perante a congregação, sustentando que os que haviam feito taes accrescimos eram melhores que Richier e seus companheiros e que elle, Villegaignon, não estava disposto a abrogar o que se observava ha mais de mil annos para acceitar uma nova cerimonia calvinista. Disse ainda outros insultos e revelou propositos malignos.
Resolveu não mais assistir aos sermões e ás reuniões de oração e, até, de abster-se de comer com os ministros.
Procurou Richier explicar-se para rebater as calumnias que lhe eram assacadas por Villegaignon e Cointac, porém não conseguio que o escutassem.
Então os mais influentes, em extremo desgostosos com estas discordias, entenderam-se com ambas as partes, ponderando-lhes muitas coisas, e persuadiram-n'as a se harmonizarem, o que Villegaignon e Cointac prometteram fazer, comtanto que se coordenassem os pontos em litigio, os quaes deveriam ser submettidos ás Egrejas da França e da Allemanha, para que ellas decidissem a respeito. E, no sentido de chegar-se a um resultado mais seguro, escolheram o mais joven dos ministros, isto é; a Chartier, para ser o portador da consulta; mas a verdade é que isto não passava de um ardil de Villegaignon e Cointac para se desembaraçarem deste prégador, como o almirante o confessou mais tarde.
Quanto a Richier, este ficaria e teria liberdade para prégar, desde que se abstivesse de falar sobre os sacramentos e os demais artigos em questão.

Posto que iniquas e muito prejudiciaes, a congregaçào, todavia, acceitou estas condições por amor à paz e porque esperava fossem inviolavelmente respeitadas as decisões procedentes da França e da Suissa.
Porém Villegaignon e Cointac tinham já o proposito de não acceitar coisa alguma que fosse resolvida por estas Egrejas e o de submetter-se unicamente à Sorbonne de Paris.
Si Villegaignon quizesse logo impedir a prégação do Evangelho, como fez mais tarde, estas contendas não lhe causariam estorvo, por isso que ainda se achavam ancorados no porto os navios que conduziram a comitiva. Reconheceu, entretanto, que, si a recambiasse para a França, em cumprimento á sua promessa, importaria esse acto não só grande deshonra, mas tambem grave inconveniente, porque ver-se-ia quasi sòsinho para enfrentar os Portuguezes e os selvagens.
Com o intuito de encobrir o seu mau designio e de não perder a boa reputação que a sua correspondencia lhe conquistára em França, Villegaignon a todos affirmou que outra coisa não desejava sinão a paz e a união da Egreja e bem assim que assumia o compromisso de esperar a resolução dos pontos controvertidos.
Entrementes, e para ractificar a alliança de perfeita amizade com Villegaignon, pedio e obteve Cointac em casamento a uma joven, natural de Rouen, de quem se enamorára, e a qual herdára alguns bens de um tio que fallecera no Brasil, mas teve que sujeitar-se á condição de que não a deixaria nunca passar privações. Richier foi o celebrante deste casamento na Egreja.
Appropinquou-se o momento da partida dos navios, num dos quaes seguiam Chartier e outros companheiros, como portadores dos artigos em questão e a resposta aos quaes deveria ser enviada seis mezes depois da sua chegada á França. Quando Villegaignon e Cointac viram que estes não podiam mais regressar aos que com elles ficavam em terra) declararam-lhes então terminantemente que não acceitariam nenhuma resolução que não procedesse da Sorbonne ; e, contra o parecer de Cointac, addicionou, ainda, Villegaignon outros artigos, a saber: a transubstanciação, a invocação dos Santos, as orações pelos mortos, o purgatorio e o sacrificio da Missa.
Desde esta data (23) Cointac começou a suspeitar de Villegaignon, por faltar ás suas promessas tantas vezes reiteradas.
O trabalho dos pobres operarios era augmentado na razão directa da fome que experimentavam.
Alguns delles animaram-se a reclamar contra este estado de coisas, mas foram repellidos tão grosseiramente e com tantas ameaças que se não atreveram dahi em diante a formular nenhuma queixa.
Limitaram-se apenas a retirar-se para du Pont e Richier, sob cujo patrocinio haviam ido para a nova terra. Por seu turno Richier e du Pont, vendo-se completamente ludibriados pelo almirante, lastimavam a sua propria condição.
Este desdenhava os sermões de Richier e, caprichoso, exigia que pregasse ora sobre um assumpto ora sobre outro, ao que Richier sempre se recusava.
Assim, Villegaignon absteve-se de comparecer aos serviços divinos, no que foi seguido por alguns da companhia, pois uma grande parte entendia que o que se passára era tão pernicioso e mau que a causa da Religião estava, ali, irremediavelmente perdida.


(23) 4 de junho de 1557, dia da sahida de Chartier da bahia da Guanabara.


Odio de Villegaignon contra Thoret

Devemos, outrosim, relatar um facto posterior à sahida dos navios.
Villegaignon nomeára commandante do forte a Thoret, homem de vivaz intelligencia e que havia seguido a carreira das armas em Piemonte, o qual durante algum tempo foi muito estimado por aquelle.
Quando, porém, o almirante se certificou que Thoret não lhe dava a sua solidariedade nas questões de ordem religiosa, converteu a sua sympathia em desamor, occasionando-lhe muitos desgostos.
Mas passemos ao facto: Tendo-se apresentado na ilha diversos selvagens para receberem o pagamento de alguns escravos que haviam vendido a Villegaignon, este encaminhou-os ao recebedor de mercadorias vindo de Paris, La-Faucille, com quem, entretanto, não puderam entender-se, pelo que procuraram de novo o almirante, obtemperando-lhe que desejavam retirar-se e que, por conseguinte, ordenasse lhes fosse realizado o embolso a que tinham direito.
Villegaignon encarregou então a Thoret de regularizar o negocio.
No desempenho da sua missão, Thoret observou a La-Faucille que elle agia mal, compromettendo-se por coisa de somenos importancia.
La-Faucille não recebeu de bom humor o reparo de Thoret e ambos se encolerizaram, sendo que este, provocado pelas respostas offensivas daquelle, teve que desmentil-o em plena face.
Ora o Conselho havia estabelecido uma lei segundo a qual ninguem podia desmentir a outrem que lhe fosse igual ou superior na escala social, sob pena do infractor ter que fazer reparação de honra, de joelho em terra e de bonet na mão, perdendo, ainda, por tres mezes, o emprego que tivesse.

Villegaignon e Cointac, testemunhas presenciaes do desmentido, instigaram La-Faucille a exigir satisfação de honra segundo a lei, embora este se incÍinasse antes a reconciliar-se, como, de facto, era a sua disposiçào. Elles mesmos lhe redigiram a queixa e, no dia do Conselho, chamaram a Thoret, o qual muito estranhou a malevola interferencia de Villegaignon num caso que, ao contrario de esforçar-se por desnaturar ao ponto de parecer que era a um tempo juiz e parte, devera elle ser o primeiro a solucionar particularmente, visto que occorrera por questões de seus serviços.
Perante o Conselho confessou Thoret haver, com efeito, desmentido a La-Faucille e cujo acto ainda mantinha, tanto mais quanto fôra elle o provocado, e isto em demasia. Requeria, pois, se interpretasse a letra e o espirito da lei sem quaesquer paixões, porquanto estava prompto a submetter-se a ella.
O Conselho entendia que ambos eram delinquentes e que se deviam nomear dois arbitros para decidirem a questão. Seu parecer era que a lei, neste particular, devera ter outra amplitude, visto como, si offensor e offendido eram culpados, seria logico que as penas da mesma fossem applicadas a um e a outro.
Villegaignon e Cointac recusaram o seu apoio ao alvitre suggerido é insistiram em reclamar que se cumprisse a lei, applicando-se as suas penalidades a Thoret que confessára a injuria. Villegaignon, presidente do Conselho, lavrou, em seguida, a sentença condemnatoria de Thoret, contra o voto da maioria dos que o compunham,

Valoroso e habilissimo no manejo das armas, Thoret relutou muito em se conformar com a sentença, que reputava iniqua e procedente de seus inimigos.
Cedendo, entretanto, ás supplicas de Richier e du Pont, que o exhortavam a supportar com paciencia o mal que os impios lhe faziam, e para não occasionar perturbações á Egreja, submetteu-se á sentença e cumprio as suas penalidades.
Destituido Thoret do commando da fortaleza, Villegaignon e Cointac zombavam dos Genebrinos, qualificando-os de pusillanimes ; e lisongeavam-se de haver obrigado Thoret a fazer publica confissão de delicto, coisa por elles, seus inimigos, considerada um estigma por demais infamante.
Tão frequentes zombarias de tal modo irritaram e desgostaram Thoret que este praticou a temeridade de atravessar secretamente um braço de mar de duas leguas sobre tres pedaços de madeira ligados entre si á guiza de balsa, para embarcar em um navio breton, ancorado num porto a trinta leguas de distancia, e o commandante do qual o acolheu com muita sympathia.

Villegaignon afflige a Egreja

Si as circumstancias o favorecessem, Villegaignon prosseguiria nas crueldades que desejava executar e a que esta dera inicio ; porquanto a paciencia e a modestia dos pobres fieis augmentavam de tal maneira sua audacia que não pensava sinão em subverter e destruir a ordem ecclesiastica e civil que elle proprio estabelecera e confirmára com tamanho interesse. Declarou nullo o Conselho, passando elle a resolver tudo segundo os desejos e caprichos do seu coração ; e mais : prohibio absolutamente a Richier de prégar e de reunir os crentes para oração, à menos que o ministro se dispuzesse a rectificar a formula das preces, as quaes, segundo o almirante, eram erroneas.

Evidentemente, o seu fim era constranger os fieis, por medidas extremas, a acceitarem uma nova religião que o seu cerebro architectára.
A desolação da Egreja era indescriptivel, maximé porque estes males sobrevinham num momento em que os fieis não podiam regressar para a França.
Frequentes vezes solicitaram a Villegaignon que lhes permittisse reunirem-se publicamente emquanto aguardavám a chegada dos navios, allegando que em sã consciencia não podiam retirar-se sem diffundirem entre os selvagens a luz do Evangelho.
Jámais, porém, foram nisto attendidos.
Villegaignon recusou-lhes, outrosim, as passagens, dizendo lhes que eram tão miseraveis e abjectos que as proprias ondas se negariam a transportal-os e que, por conseguinte, elles occasionariam a perda infalível do navio em que partissem.
Si alguem se tem achado em perplexidade, estes fieis o estiveram mais que quaesquer outros, pois nenhuma das suas justas pretenções mereceram o despacho desejado.
Neste comenos, chegára do Havre um navio francez, que não pertencia a Villegaignon nem aos seus alliados.
O commandante revelou-se muito favoravel a du Pont e Richier e entre elles ficou ajustado o preço de cem escudos pela passagem de dezeseis pessoas e por cuja importancia se obrigava du Pont.
Restava, entretanto, obter as licenças, sem o que o embarque não se poderia effectuar.
Villegaignon, sabendo que o commandante concedera as passagens, ficou sobremodo indignado e, em represália, quiz impedil-o de carregar o seu navio é de traficar com os selvagens. Estes, porém, haviam já promettido ao commandante e aos officiaes que lhes forneceriam tudo o que requisitassem.
Negou, ainda, as licenças pedidas por du Pont e Richier, allegando que elles se comprometteram a fazer-Lhe companhia até a chegada dos seus navios. Mas responderam-lhe que essa razão estava prejudicada, visto que elle violára as primeiras promessas; prohibindo-os, contra a sua própria fé, de prégarem e de se reunirem em commum para oração, o que importava prival-os do maior bem que podiam desejar. E accrescentaram que, como dias antes manifestasse propositos sinistros, ameaçando-os de exterminal-os, resolveram então adoptar o expediente mais satisfatório ao almirante e a todos retirarem-se para a França pelo navio que acabára de chegar. De resto, disseram-lhe que era coisa bem estranha que ha pouco quizesse expulsal-os e que, entretanto, agora os pretendesse reter.
Concluiram, pois, fazendo-lhe sentir que queriam voltar para a França com licença ou sem ella, porque assim era necessario; e, empregando palavras rudes e incisivas, declararam-lhe que, visto haver-se elle apartado da fé, não mais o consideravam suzerano e, sim, apostata, tyranno e inimigo da Republica.
Em os ouvindo falar tão audaciosamente, Villegaignon não só lhes concedeu as licenças na forma em que as desejavam, mas intimou-os, até, a deixarem a ilha o mais depressa possível. (24) .

(24) Os fieis sahiram de Coligny e passaram-se para o continente em fins de outubro de 1557.

Quando se retiravam, não houve mala ou embrulho que Villegaignon não revistasse, com o intuito de apanhal-os em flagrante delicto de furto. As ferramentas dos operarios e os livros de Richier e du Pont, tudo arrebatou sob o fundamento de que fôra adquirido com o seu dinheiro, segundo uma das leis que o Conselho em tempo estabelecera.
A bagagem, entretanto, não poude ser transportada toda de uma vez, motivo por que dois operarios tiveram que aguardar segunda viagem do barco, no ponto de embarque, ao lado das que lhes pertenciam. Um delles era torneiro e o outro marceneiro.
Em poder daquelle encontrou Villegaignon pequenos objectos de ébano torneados, os quaes o pobre homem fizera nos seus momentos de lazer, quando não trabalhava para o almirante, afim de poder arranjar algum dinheiro em França por occasião do seu regresso, pois tinha filhos a sustentar.
Villegaignon, que não podia mais conter a sua ira, chamou de ladrão ao torneiro e por duas ou tres vezes levantou contra elle o punho para o maltratar.
Surprehendido, todavia, por um de seus familiares, conteve-se e limitou a sua vingança a quebrar com os pés taes artigos, ao mesmo tempo que blasphemava o nome de Deus.
Acalmada a colera, Villegaignon cahio em si, reconhecendo o grande mal praticado contra o operario e que o facto daria á posteridade um testemunho da sua crueldade, além de evidenciar á companhia que, si elle se imaginasse o mais forte, teria decerto passado todos ao fio da espada.
No presupposto de que a lembrança desta sua iniquidade se apagaria caso indemnizasse com alguma coisa o damno do torneiro, assim ordenou que se fizesse.

Os gentis homens e grande numero dos amigos e servos de Villegaignon muito se entristeceram com a superveniencia destes acontecimentos, considerando que haviam sido por elle cathechizados e instruidos, que com elle resistiram ás primeiras contrariedades, que, emfim, eram testemunhas dos desgostos, rebelliões e lutas que occorreram desde o começo e de cujos males o Senhor a todos livrára.
Mas o almirante, vendo-os muito affeiçoados a Richier, procurou dissuadil-os de seguirem a heresia dos modernos, que, consoante dizia, repugnava, in totum, ás tradicções dos primeiros padres da Egreja, os quaes haviam deixado um systema absolutamente conforme aos preceitos dos Apostolos. Assim, por meios suasorios, intentava attrahil-os aos deveres religiosos. Como, porém, este recurso não désse resultado positivo, ameaçou a diversos, maltratou a alguns e a outros forçou-os a irem descobrir terras longinquas. Em resumo, não houve meio de que não lançasse mão para os obrigar a mudar de convicções, esperando obter pela prepotencia o que não lográra alcançar pela persuasão.

Cointac, expulso de Coligny, amaldiçoa o dia e
a hora em que conheceu a Villegaignon !

Du Pont, Richier e os seus companheiros estavam já no continente, a meia legua de distancia do forte de Coligny, numa aldeia (25) construida mezes antes por alguns pobres Francezes que Villegaignon expulsára da ilha como bocas inuteis e entre os quaes se contava o proprio Cointac !
Este apercebera-se do mal occasionado pela sua, desenfreada ambição, quando se vio entregue ao abandono e exilado como pessoa de nenhum valor entre os selvagens, e isto por Villegaignon, de quem esperava ser cumulado de distincções e recompensas.

(25) Briqueterie (Olaria), à esquerda de quem entra em Guanabara; esclarece Lery.

Por isso, nesta nova phase, amaldiçoava, com grandes imprecações, o dia e a hora em que havia conhecido o almirante.
Du Pont, Richier e os demais alimentavam-se, ali, de raízes, fructas e legumes que os selvagens lhes traziam a troco das suas roupas, pois aquelles não tinham mercadoria alguma nem os meios de adquiril-a, até a partida do navio.

Villegaignon procura embaraçar o embarque dos Genebrinos

Por outro lado, Villegaignon trabalhava no sentido de impedir que o commandante os embarcasse, não trepidando de, com este objectivo, accusar tanto a officiaes como a alguns marinheiros de crimes enormes. Resultou dahi uma sublevação de uns contra os outros: queriam os officiaes manter a sua promessa, porque o seu cumprimento dar-lhes-ia não pequeno resultado pecuniario ; contrarios a ella eram os marinheiros, visto não terem parte alguma nesse beneficio.
Entretanto, vendo frustrado o seu plano, e reconhecendo que em vão se esforçava por mudar as convicções religiosas que implantára em seus subalternos, Villegaignon buscava ensejo de praticar um acto violento, afim de intimidal-os e movel-os a deixarem a pertinacia das suas opiniões.

Villegaignon maltrata os seus mordomos por serem calvinistas

Dirigindo-se ao seu mordomo, que o acompanhava desde o embarque em Honfleur e que o servia fielmente em todas as conjuncturas, interrogou-o sobre a sua attitude e disposições no momento, Explicou-se este sufficientemente e de modo o mais respeitoso lhe supplicou licença para se retirar com os outros para a França, assim por saber que os seus serviços deixaram de ser-lhe agradaveis, como em razão de não existir mais na nova terra siquer um resto de Egreja.
Villegaignon discutio longamente o assumpto e ameaçou de mandar açoitar o mordomo e de prendei-o com grilhões.
Por fim, cançado dos seus reiterados pedidos, tirou-lhe as roupas que lhe havia dado e expulsou-o brutalmente da fortaleza, sem tomar na mínima consideração os seus tres annos de serviços abnegados.
Oito dias depois o substituto do mordomo, porque censurasse aos que blasphemavam e empregasse o melhor e mais ingente de seus esforços em moralizar aquelles sobre quem exercia autoridade, embora evitando os castigos de pauladas e algemas, foi accusado de ser um ministro, o que lhe valeu muitas injurias e maus tratos, a perda da maior parte dos seus haveres e a sua expulsão violenta da ilha. Este procurou tambem a companhia de Richier e du Pont, á qual se unio.

Crueldade de Villegaignon

Outros factos igualmente condemnaveis merecem registro.
Villegaignon assalariára diversos artezãos por dois annos, no transcorrer de cujo praso alguns morreram extenuados pelo trabalho e outros pela extrema escassez de alimento. Os de constituição mais robusta puderam resistir a tudo isto, mas, emquanto esperavam a terminação daquelle praso, um dia parecia-lhes um anno. Não tinham descanço e eram obrigados a trabalhos pesadissimos.
Sua alimentação consistia apenas de farinha, que lhes era distribuída em proporção insufficiente – uma quarta parte da necessaria. E mais veneno do que agua era a que bebiam, por isso que procedia de uma cisterna suja e infecta, Um delles, não podendo continuar a passar desta maneira, pedio a Villegaignon que o deixasse ir viver entre os selvagens, o que lhe foi permittido sob condição de renunciar aos seus salarios, devendo o acto ser legalizado perante o notario, ao que o operario se submetteu, pois desejava obter a sua liberdade.
Permaneceu elle entre os indígenas algum tempo, os quais o alimentavam a troco de peças do vestuario. Quando, porém, nada mais lhe restava que a camisa, não lhe forneceram mais alimento e expulsaram-n’o.
Ficou, pois, o pobre homem reduzido a extrema penuria, comendo herva e quaesquer fructas, sem inquirir si lhe eram ou não prejudiciaes á saude.
Acossado pela miseria, implorou por diversas vezes a Villegaignon que pelo amor de Deus se compadecesse delle.
O almirante, porém, jámais attendeu ás suas instantes rogativas.
Certa manhã, sob uma arvore, foi o infeliz encontrado morto á fome...

No continente os Genebrinos experimentam ainda grandes provações

Entretanto, Richier, du Pont e os seus companheiros estavam no continente em circumstancias muito criticas, quer pela falta de comestíveis, quer pela sua longa estadia no mesmo, a que a demora da partida do navio os obrigava ; e a situação era, ainda aggravada pela exigencia feita pelos marinheiros, em virtude da qual cada um teria que arranjar uma provisão de dois alqueires de farinha, sob pena de não consentirem no seu embarque.

Mas era tão intenso o seu desejo de libertação do jugo despotico do almirante, que de boa, vontade alienaram parte das suas roupas para attender á imposição dos marujos.
Emquanto isto se passava, alguns subalternos de Villegaignon, que de quando em vez iam ao continente, começaram a fomentar intrigas : a Richier e du Pont diziam que o almirante lamentava não haver sacrificado todos os dezesseis e que, si lhe cahissem nas mãos outra vez, não escapariam á sua vingança ; a Villegaignon referiam que du Pont e Richier se recriminavam a si mesmos pela sua pusillanimidade em terem supportado tantos aggravos de um tyranno pestillento, a quem não se devia deixar que reinasse por mais tempo, accrescentando, ainda, que estes huguenottes promettiam voltar bem acompanhados e equipados para o expulsarem e aos seus cumplices.
Os delatores constituem verdadeira praga, que enfraquece as Republicas e os Governos, e aquelles de que falamos irritaram immenso a ambas as facções, pois conseguiram fazer-se acreditar.
Aproximando-se o dia da partida de Richier e du Pont, previo Villegaignon que elles podiam causar-lhe grandes prejuízos e annullar-lhe, em França, a boa fama que adquirira uns annos precedentes. Assim, e para obviar a este maleficio, deliberou catalogar certos pontos sobre os quaes prégára Richier e respondel-os ao sabor dos Papistas, pois sentia-se desamparado pelos Reformados.

E, afim de não trabalhar em falso, instruio reservadamente um de seus amigos, o qual nestas questões secollocára ao seu lado constrangido por sérias ameaças; e encarregou-o de saber de Richier a sua opinião sobre os Sacramentos e outros artigos.
O emissario do almirante, no desempenho da sua missão, procurou o ministro, a quem se revelou muito interessado em instruir-se relativamente a alguns pontos doutrinarios, de que não possuía conhecimentos bastante solidas. Richier, longe de suspeitar das intenções malevolas do inquiridor, acreditou na sua sinceridade e expoz-lhe verbalmente tudo o que pensava sobre as questões propostas.
O consulente reduzio a escripto todas as respostas e, sem as mostrar ao ministro, passou-as ás mãos do almirante, quedas seleccionou a seu belprazer.
Soubesse Richier que o tyranno é que mandára solicitar-lhe tal parecer, e tel-o-ia escripto de proprio punho, com mais ordem e profundeza de doutrina do que o que Villegaignon publicou depois em seu livro (26).
Ora o almirante, temendo, outrosim, que muitos dos seus subalternos o abandonassem por causa dos maus tratos, resolveu afastar dezoito de entre elles, enviando-os num navio ao rio da Prata, a 5oo leguas do Polo Antarctico, e dando-lhes um pagem para os servir. Nomeára, porém, commandante a um de seus servos mais fieis, e mestre a um marinheiro que retivera da ultima viagem, homem, aliás, muito immoral e sem nenhum temor de Deus.
Duplo era o fim desta, expedição : separar uns dos outros, como já referimos, e procurar minas de ouro ou. prata para serem offerecidas ao rei Henrique.

(26) Este livro é, talvez, o intitulado – Ad articulos Calviniae de sacramento eucharistiae traditiones responsiones per N. Villegainon, Paris, 1560.

Na vespera da partida foi o adestre denunciado ao commandante como autor de execravel delicto um acto de sodomia praticado contra um mocinho, parente daquelle. O commandante e os tripulantes possuíram-se de forte indignação, notadamente o primeiro porque o crime fôra perpetrado no seu departamento. Sem embargo, depois de interrogai-o e porque persistisse em negar o crime, o commandante mandou apresentai-o a Richier, que continuava sendo considerado ministro, pois Villegaignon não o depoz nunca desse cargo.
Richier fez sentir ao marinheiro o seu horrendo peccado e mostrou-lhe a severidade da Lei Divina sobre os que fazem taes coisas. Comprehendeu, então, o criminoso a enormidade da sua culpa e, temendo os juízos inflexíveis de Deus, tentou, no seu desespero, atirar-se ao mar com o intuito de suicidar-se, declarando ao mesmo tempo que se achava arrependido do acto hediondo que praticára.
Em face desta confissão, o ministro aconselhou o commandante a levar na expedição o marinheiro, a quem devia ameaçar de morte si viesse a demonstrar, que era falso o seu arrependimento.
No dia seguinte sahio o navio, tendo a bordo este marinheiro, cujos serviços eram indispensaveis, porque ninguem, como elle, conhecia as manobras da nau.
A versão de que Richier perdoára o marinheiro a troco de uma barrica de pimenta é absolutamente falsa, como ficou provado pelo depoimento do criminoso. Este, quando voltou da viagem, e no momento da sua morte, declarou perante Villegaignon e mais O de cincoenta pessoas dignas de fé, que tal accusação não era verdadeira ; que, com effeito, havia vendido uma barrica de pimenta a du Pont e Richier, isto quinze dias antes do seu crime, e que lh’a pagaram muito bem, mesmo acima do justo valor.
As testemunhas viveram muito tempo e algumas voltaram á França.

Richier, du Pont e outros fieis regressam á França

Concluído o carregamento do navio, (27) O commandante embarcou du Pont, Richier e os demais fieis, ao todo dezesseis pessoas, e, levantando ferros, a nau fez-se ao largo e deixou Coligny(28), com grande pezar para Villegaignon e tambem para alguns marinheiros que se haviam esforçado por impedir-lhes o embarque e que iam causar-lhes muitos desgostos durante a viagem, de modo a que a recordação da mesma jámais se apagasse da memoria dos passageiros.
Estes marujos eram apenas serventes e não participavam dos lucros da nau e, por conseguinte, oppunham-se ao embarque dos passageiros, tendo em vista os poucos mantimentos existentes a bordo. Demais, dizia-se que Villegaignon subornára cinco dos mais viciados, promettendo-lhes grandes vantagens, afim de entregarem du Pont e Richier á Justiça quando chegassem á França, o que ficou depois provado ser exacto (29).

(27) Chamado Jacques.
(28) A 4 de janeiro de 1558.
(29) Lery. em seu livro II – 145, pormenoriza melhor este ponto : «Villegaignon entregou ao commandante do navio um cofre envolvido em panno encerado, contendo cartas para diversos, e no qual, sem que o soubessemos, incluio tambem um processo por elle feito contra nós, cem ordem expressa ao primeiro juiz a quem fossemos entregues em França, de prender-nos e queimar-nos como hereges.» Mais adiante (II,177), Lery refere que á chegada dos huguenotes, o cofre, com effeito, foi entregue, em França, a pessoas da justiça, as quaes, felizmente, eram favoráveis aos Reformados, a quem trataram melhor do que o podiam fazer, oferecendo recursos aos que se achavam preciza-dos de emprestando dinheiro a du Pont e a alguns outros,

O navio, após ter navegado 25 ou 26 leguás, começou a fazer agua de todos os lados, fosse por ser já muito velho, fosse por estar carregadissimo.
Todos a bordo receavam perecer. A tripulação trabalhava dia e noite para esgotar toda a agua e perdia a esperança de conseguil-o. Commandante, officiaes e passageiros achavam-se tão amedrontados que preferiam estar ainda no porto de Coligny. Na popa havia um barco, de que os marinheiros pensaram logo apossar-se afim de fugirem para terra durante a noite ; mas o commandante e os officiaes, tendo-lhes a tempo descoberto o plano, tornaram as precisas precauções, de modo a frustrar esse perverso designio, Sobreveio ainda outro mal não inferior : a agua penetrára na despensa dos biscoitos, inutilizando a maior parte destes, o que desalentou ainda mais a tripulação. Os passageiros, na sua maioria, vendo o desanimo dos marinheiros, pediram ao commandante que lhes désse o barco para alcançarem a terra, ao que se recusou peremptoriamente, por isso que seria grande o seu prejuízo si elles desembarcassem.
Entrementes, communicaram ao commandante que era possível dar sahida a toda a agua e suggeriram-lhe a conveniencia de mandar embora alguns passageiros para darem logar aos outros. Richier e du Pont dispunham-se já a entrar no barco, quando a isso foram obstados pelo commandante, que os encorajou, affirmando-lhes que tudo iria melhor do que se esperava. Accrescentou, porém, que de boa vontade daria o barco a quaesquer outros passageiros que quizessem voltar para terra, visto serem insufficientes as provisões de boca existentes no navio.
Cinco dos passageiros, entretanto, acceitaram o offerecimento do commandante contra o desejo dos seus companheiros, que previam que Villegaignon decerto os maltrataria. Não pensavam deste modo.

Os cinco, mas, ao contrario, esperavam ser bem acolhidos, por isso que jamais offenderam o almirante, a quem sempre serviram com muita dedicação (3o).
Despedindo-se, pezarosos, dos seus companheiros e amigos, e recommendando-se á protecção Divina, tanto os que seguiam como os que voltavam, entraram os cinco huguenotes no barco e, retrocedendo, navegaram com rumo a Coligny, onde tres delles, como passaremos a narrar, perderam a vida pela defensa do Evangelho de Jesus Christo.

(3o) Eis os seus nomes : Pierre Bourdon, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, André la Fon e Jacques le Balleur. Outrosim, declara Lery (pag. 15o) que elle proprio se decidira a voltar com os cinco ao forte de Coligny, chegando mesmo a entrar no escaler, e só a instancias de um amigo desistiu de voltar com aquelles, proseguindo na viagem a bordo do Jacques. A esta sábia resolução devemos a narrativa que elle nos deixou sobre taes acontecimentos.

















FIM




OS PROTOMARTYRES


Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e Pierre Bourdon




Aquelles que, no mar, sahiram incólumes de innumeros perigos; aquelles que os vagalhões raivosos não ousaram sorver e sepultar no abysmo ; aquelles contra quem nada poude o furor inexoravel de tantas procellas; aquelles que os barbaros se abstiveram de atacar; aquelles que as proprias feras respeitaram : apparecem-nos como exemplos da mais acrisolada paciencia, mostrando-nos, ao vivo, a desumanidade e a crueza inexcedíveis dos falsos crentes e dos apostatas da verdadeira Religião, a barbaria dos quaes assombra pelo seu extremo requinte e excede, em muito, á dos peares selvagens que teem vivido sobre a face da terra.



Já vimos o modo por que, no Brasil, foram tratados os fieis Calvinistas e, mediante este preparo, estamos agora habilitados a fazer deducções acertadas, quanto á execução dos tres martyres que, quaes sellos preciosos, authenticaram com a perda de suas vidas a prégação do Evangelho nesse paiz distante e estrangeiro. A narrativa, feita, aliás, por, pessoa Fidedigna, é confirmada por outras de toda a honorabilidade, que testemunharam os factos e ‘na maioria dos quaes tornaram parte. O ponto longínquo em que se desenrolaram não poude occultar acontecimentos tão barbaros quantos memoraveis.

Estejamos certos de que o sangue derramado pelos fieis martyres a seu tempo produzirá os fructos que sempre resultam dos que são immo1ados pela causa sacrosanta de Jesus Christo ; e grande estimulo recebem, por sem duvida, os christãos em geral, cuja fé se lhes robustece, quando veem os seus irmãos possuídos de tanta coragem e intrepidez, em terra e no mar, por sobre as aguas e entre os penhascos, suportando a fome, a sede, a nudez e toda a sorte de privações.
Os cinco huguenotes, ao deixarem o navio, podiam estar a 18 ou 20 leguas da costa, mais ou menos. As despedidas foram sentidissimas de parte a parte e a separação tanto mais dura quanto os perigos eram quasi iguaes de ambos os lados.
Ora, os retrocedentes eram bisonhos em materia de navegação, que desconheciam quasi por completo, pois não haviam emprehendido outra viagem sinão a da França para o Brasil. Apenas sabiam dar a conveniente direcção ao barco para entrar em Coligny ou em qualquer outro porto. Demais, o barco não tinha mastros, nem velas, nem outras coisas in-dispensaveis ; porquanto, ao descerem do navio, todos estavam ali tão occupados em estancar a agua que lhes não deram o necessario, nem os huguenotes por sua vez se lembraram de reclamal-o – tal a sua consternação nesse momento.
Para solucionarem o problema, á guisa de mastro ergueram um remo, de dois arcos formaram a gavea, das suas camisas improvisaram uma vela e, juntando os cintos de todos, fizeram com elles a escôta, as bolinas, todos os cordames, emfim, da embarcação.

Durante quatro dias remaram em mar bonançoso. A’ tarde do quinto, porém, quando pensavam avisinhar-se de terra, grossas nuvens, de subito, adensaram a atmosphera, sopraram ventos rijos, as vagas tornaram-se furiosas e temíveis, cahia chuva abundante e trovejava. medonhamente. Perderam, então, o rumo e bem assim se viram impotentes para governar o barco, que vogava ao capricho das ondas bravias, e, nesta conjunctura, es navegantes nem se atreviam a içar a vela. A’ noite a borrasca augmentou ainda mais e passariam por estreitos e entre rochedos perigosissimos, logares onde o mais habil piloto ter se-ia visto - seriamente embaraçado. Por fim, o mar em furia jogou-os a uma praia dominada por alta montanha. No dia seguinte procuraram em terra agua potave1 e alguns fructos; nada, porém, ali encontraram. Dirigiram-se, pois, a outro lagar, a quatro leguas de distancia, onde acharam agua e se demoraram quatro dias para refazer as suas forças. Vieram ao seu encontro diversos indígenas, que muito se alegraram com a presença dos cinco desafortunados, a quem, mediante roupas, porque muito gostavam das dos Francezes, venderam assás caro raízes e farinha, pois viam que se achavam desprovidos de mantimentos. Oueriam mesmo que se estabelecessem no logar, ao que os navegantes deixaram de acquiescer, assim pela importunice dos selvagens, como pela tristeza que lhes ia na alma pela falta do convívio dos seus companheiros. Decidiram-se, pois, a sahir d’ali e a buscar, em Coligny, a companhia dos Francezes, porque sentiam-se melhor entre christãos e pessoas da mesma língua. Dos retrocedentes alguns estavam enfermos, e eram estes que mais interessados se revelavam na partida, porque não podiam recobrar a fraude entre os selvagens isentos de sentimentos christáos. Os sãos não concordavam muito com esta opinião, por preverem que o almirante decerto os maltrataria, pela sua má vontade contra a Religião Reformada. Isto collocou-os em dificuldades durante alguns dias. Os doentes, entretanto, persuadiram aos seus companheiros de um modo tão affectuoso que, sem mais detença, todos deixaram este logar e navegaram rumo de Coligny, distante d’ali – rio dos Vasos – aproximadamente 30 leguas. Os selvagens tentaram oppor-se á sua partida, a qual os desgostou immenso.
Em virtude dos fortes ventos e grandes marés peculiares a essas paragens, gastaram os huguenotes tres dias para vencer as trinta leguas..
Entrados no porto de Coligny, não sem grandes difficuldades e enormes perigos, e mesmo sem terem certeza absoluta si esse era ou não o porto, pois densa era a cerração, entregaram-se a ventilar esta mesma duvida. Desfez-se o nevoeiro e, então, avistaram o forte de Coligny e, no continente, a aldeia dos Francezes existente a pouca distancia da fortaleza.
Desembarcaram logo e encontraram na aldeia a Villegaignon, que fôra lá a negocios particulares.
Apresentaram-se a elle e referiram-lhe as causas determinantes da sua volta e qual o perigo em que haviam deixado a nau que os levára.
Exoraram-lhe, pois, que os recebesse de novo no numero dos seus servidores, tanto mais que, em voltando para os seus serviços, faziam-n’o porque as suas consciencias não os accusavam de o terem jámais offendido. Accrescentaram, ainda, que prefeririam viver com os Francezes do que entre os Portuguezes ou de voltar para os naturaes do paiz que, no rio dos Vasos, lhes haviam dispensado bom e honesto tratamento; e mais: que, si, por causa da religião, os quizesse rejeitar ou maltratar, devera recordar-se que os mais sabias não tinham ainda decidido os pontos originarias das discussões havidas e que elle proprio não fôra nunca de um só parecer sobre taes artigos nos annos precedentes. Permittíram se, além disto, ponderar-lhe que não eram Hespanhóes, nem Flamengos, nem Portuguezes ; tampouco eram Turcos, atheistas ou epicuristas ; sim, porém; christãos baptisados em nome de Jesus Christo; naturais da França, como bem o sabia. Não eram desertores da sua patria, nem esta às expulsára por qualquer infamia ou acto deshonroso. Mas alguns delles haviam deixado mulheres e filhos para o servir nessa terra longinqua, onde tinham cumprido o seu dever, tanto quanto lh’o permittiram as suas forças. Finalmente, procuraram o favor do almirante, lembrando lhe que os infelizes atirados a qualquer porto estrangeiro pelas tempestades, os despojados dos seus haveres pela violencia das guerras e calamidades outras, são sempre recebidos com os carinhos dispensados a companheiros ; e taes eram. elles, pois nesse numero deveriam ser arrolados, porque, além da perda de todos os seus haveres, o mar puzera-os emmiserrimo estado. Sem embargo – concluíram – offereciam a elle, Villegaignon, os seus serviços e supplicavam-lhe que lhes permittisse viver como seus servos, até que o Senhor Jesus lhes deparasse o meio de regressarem para a França.

Depois de os haver escutado, Villegaignon respondeu-lhes com doçura e honestidade, dizendo que rendia graças a Deus porque os salvára dentre os outros e porque os conduzira em alto mar até o excellente porto de Coligny, a elles que não sabiam governar a embarcação. E, após ter-se informado de tudo o que occorrera e sobre a sorte do navio, consolou-os e permittio-lhes que vivessem com as mesmas prerogativas e liberdades dos demais Francezes.

Temendo que se passassem para os Portuguezes ou Brasileiros, usou de persuasiva linguagem, asseverando-lhes que com prazer ouvira as causas da sua volta, de que se maravilhava tanto mais por serem verdadeiras, e que mesmo no caso que fossem inimigos, tel-os-ia recebido em attenção ao que lhes sobreviera e assegurar-lhes-ia a hospitalidade. Observou-lhes, outrosim, que, comquanto elles e os seus companheiros se houvessem retirado descontentes e quasi como inimigos, e, portanto, lhe assistisse o direito de hostilizal-os por cahirem em suas mãos, estava prompto a esquecer as injurias passadas e a pagar o mal com o bem, entregando a Deus a Vingança, contra os seus desaffectos. Outorgava-lhes, pois, todas as regalias partilhadas pelos demais Francezes, com a condição, porém, de não revelarem nunca propositos religiosos, sob pena de morte, e de se conduzirem tão prudentemente que lhe não déssem ensejo de maltratai-os.
Villegaignon apoderou-se do barco que, de direito, pertencia aos cinco. E, embora os visse embaraçados para adquirirem mantimentos, jámais lhes restituio siquer um prego.
Esperançados, todavia, permaneceram em terra, onde começaram a recuperar as energias perdidas, dispersando lhes os compatriotas, servos de Villegaignon, boa acolhida e fornecendo-lhes roupas, viveres e outras coisas, segundo as suas posses.
Mas esta quietitude durou apenas doze dias, porque no cerebro do almirante, a partir do momento em que os interrogára, turbilhonavam as mais tetricas conjecturas sobre os informes ministrados pelos retrocedentes, quanto ao navio em que haviam partido os huguenotes.
Radicou-se-lhe a convicção de que tudo o que os cinco narraram era falso e adrede preparado. Via fraude nas palavras dos cinco e acreditou que ella era obra de du Pont e Richier, visto haverem-se retirado do Brasil contra a propria vontade, pois esperavam estabelecer-se definitivamente nessa terra, para gozarem do seu bom clima e como logar de seu futuro descanso. E taes fantasias persuadiram-n’o a crer que os cinco não eram sinão espiões, os quaes iam entender-se com os Francezes que não acompanhavam a sua devoção, para em certa e determinada noite, numa acção conjuncta : os de terra, os' do navio de du Pont e Richier, que elle suppunha escondido á distancia de tres ou quatro leguas, com o reforço dos que elle enviára ao rio da Prata – tomarem de assalto a fortaleza, destruindo-a mesmo e aos que fossem do seu partido.

De tal modo esta opinião dominava o espírito de Villegaignon que a suppoz verdadeira e nella occupava todo o seu pensamento. Desconfiava de seus servidores mais antigos e fieis, irando-se ora contra um, ora contra outro.
Pela mínima coisa injuriava-os e ameaçava-os com pauladas, grilhões e outros castigos barbaros. Tão desarrazoado era o seu proceder que todos prefeririam que a terra se abrisse e os tragasse, do que supportar um tyranno tal como Villegaignon.
Occupando se, de dia, em maltratar a sua gente, as noites eram-lhe tambem horríveis. Oual sanguinário e os destituidos do Espírito Divino, ás vezes sonhava que o decapitavam e que Richier e du Pont, com grande numero de pessoas, o sitiavam sem lhe propor qualquer acommodação.
Em seu falso presupposto de que os cinco Calvinistas eram traidores e espiões, entendeu que era imprescindível assassinàl-os para manter a sua grandeza. Estudou muitos meios para fugir á queixa e recriminações dos homens, a quem desejava convencer que aquelles incorreram em traição.

Entretanto, considerando que isto não se podia provar por simples conjecturas ou verosimilhanças, e que, por conseguinte, si lançasse mão de tal recurso, não haveria como evitar a nota de infamia, mesmo pelos indifferentes em religião, lembrou-se elle que os cinco eram da opinião de Luthero e Calvino e que, como logar-tenente do rei em Coligny, poderia, em face das ordens emanadas de Francisco e Henrique II, exigír-lhes a razão da sua fé, confessada em publico, em que sabia estarem maravilhosamente firmes e que nunca a renegariam embora lhes custasse a vida.
Achára, portanto, o meio de eliminal-os, e até com grande honra para elle, segundo pensava ; porque sabia que a maioria da Côrte teria grande prazer no sacrificio dos Reformados.
Isto, porém, é um testemunho inilludivel de que Villegaignon, ao contrario do que declarára tantas vezes perante o mundo, jámais teve em seu coração o mínimo temor de Deus e muito menos o desejo de ampliar o reino de Jesus Christo.
Com intuito de pôr em execução o seu maligno projecto, formulou um questionario sobre materia de fé e enviou o aos cinco Calvinistas, assignando-lhes o prazo de doze horas para que o respondessem por escripto. Os artigos respectivos conhecer-se-ão pela Confissão de Fé mais adiante exarada.
Os Francezes do continente procuraram dissuadil-os de darem as razões da sua fé ao tyranno, que outra coisa não buscava sinão tirar-lhes a vida, e aconselhavam-n’os a se retirarem para os indígenas, d’ali afastados trinta ou quarenta leguas, ou então a se entregarem á mercê dos Portuguezes, por quem seriam incomparavelmente mais bem tratados do que pelo despota e cruel Villegaignon.
Não acceitaram, porém, estes conselhos. Jesus Christo encheu-os de forte animo e simplesmente admiravel era a confiança que revelavam. Podendo escapar ás garras de Villegaignon, que não podia tolher-lhes a fuga, preferiram, entretanto, manter-se firmes no seu dever, por comprehenderem que era chegada a hora em que importava offerecerem uma prova do precioso conhecimento que o Senhor lhes dera das coisas espirituaes.
Depois de impetrado o auxilio do Espírito de Jesus Christo para serem abundantemente inspirados, começaram, da melhor boa vontade, a elaborar a resposta ás questões de Villegaignon.
Estes envolviam os pontos mais difficeis das Santas Escripturas e mesmo um grande theologo, com todas as obras necessarias á mão, ver-se-ia embaraçado para, de modo amplo, os responder em um mez. Entretanto, os cinco fieis apenas dispunham de um exemplar das Sagradas Letras para se recordarem das passagens mais apropriadas, e não eram theologos mas apenas leigos, alguns dos quaes se achavam doentes e outros conturbados pela previsão do que lhes ia acontecer.

MARTYRIO DE JEAN DU BOURDEL

Para redigir a resposta, elegeram Jean du Bourdel, não só porque era o mais velho de entre elles, como em razão de ser o mais letrado e de possuir conhecimentos da língua latina. Aliás, era o que mais se distinguia pelos seus dons e attractivos peculiares.
Frequentemente, quando via os seus companheiros um tanto esmorecidos, procurava despertal-os, infundindo-lhes coragem e emprazando-os a se manterem sempre fieis ao Divino Mestre, em quem depositavam toda a confiança.
Jean du Bourdel, concluida a redacção da resposta aos artigos do almirante, procedeu repetidas vezes á sua leitura perante os seus companheiros, interrogando-os a proposito de cada ponto.

Todos acharam catholica a Confissão e fundada na Palavra da Verdade, declarando-se, mesmo, dispostos a morrer, caso fosse esta a vontade de Deus,
Cada um a assignou de seu proprio punho, para significar que a recebiam como propria.
E, leitor amigo, quizemos communicar-vol-a nesta narração, mediante a sua transcripção, ipsis verbis, do respectivo original (31). Si não é tão extensa quanto fôra para desejar, pedimo-vos considereis o logar onde se achavam os seus pobres autores, a sua perplexidade, as suas afflicções, assim do espírito como do corpo, o seu desamparo, a sua falta de auxilio de pessoas e de livros, de tudo, emfim que lhes pudesse facilitar uma comprehensão mais vasta dos ensinos escripturisticos. De resto, os dons de Deus não são distribuídos igualmente a todos, pelo que ha pessoas mais favorecidas que outras, segundo convem.

(31) Esta Confissão foi communicada a Crespin, editor, por Jean de Lery, como o declara na obra – Histoire d’un voyage fait en la terre du Brésil (ed. Gaffarel, 1880, tomo II, p. 180: «Reconhecendo que, mais do que a qualquer outro, cabia a mim a injuncção de velar pela Confissão destes fieis, para que fosse comprehendida no catalogo dos que experimentaram a morte pelo testemunho do Evangelho, entreguei-a, neste mesmo anno de 1558, a Jean Crespin, impressor, afim de que com o relato das difficuldades do regresso, a Colig0y, dos cinco companheiros, a inserisse tambem no livro dos Mártyres, ao qual encaminho o leitor >. Vê-se, pois, que é indubitavel que Lery forneceu a Crespin, quando não o proprio texto, pelo menos todos os informes necessários á coordenação da narrativa.











Eis a

CONFISSÃO DE FÉ : (32)

Segundo a doutrina de S. Pedro Apostolo, em sua primeira epistola, todos os Christãos devem estar sempre promptos para dar razão da esperança que nelles ha, e isso com toda a doçura e benignidade, nós, abaixo assignados, Senhor de Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos ha concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e começando no primeiro artigo :

I. Cremos em um só Deus, immortal e invisivel, creador do céo e da terra, e de todas as coisas, tanto visiveis como invisiveis, o qual é distinto em tres pessoas : o Pae, o Filho e o Santo Espirito, que não fazem sinão uma mesma substancia em essencia eterna e uma mesma vontade ; o Pae fonte e começo de todo o bem ; o Filho eternamente gerado do Pae, o qual, cumprida a plenitude do tempo; se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espirito, nascido da Virgem Maria, feito sob a Lei para resgatar os que sob ella estavam, afim de que recebessemos a adopção de proprios filhos; o Santo Espirito, procedente do Pae e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos Prophetas, suggerindo todas as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Christo aos Apóstolos. Este é o unico consolador em afflicção, dando constancia e perseverança em todo bem.
Cremos que é mistér sómente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a magestade de Deus em fé ou particularmente.

II. Adorando nosso Senhor Jesus Christo, não separamos uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana n'Elle inseparaveis.

III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espirito, o que a Palavra de Deus e a doutrina apostolica, e o symbolo, nos ensinam.

IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Christo virá julgar os vivos e os mortos, em fórma visivel e humana como subiu ao Céo, executando tal juizo na forma em que, nos predisse em S. Matheus, vigesimo quinto capitulo, tendo todo o poder de julgar, a Elle dado pelo Pae, em tanto que é homem.
E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pae apparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que o poder do Pae, dado ao Filho, será manifestado no dito juizo, não todavia que queiramos confundir as pessoas, sabendo que ellas são realmente distintas uma da outra.

V. Cremos que no Santíssimo Sacramento da Ceia, com as figuras corporaes do pão e do vinho, as almas fieis são realmente e de facto alimentadas com a propria substancia de nosso Senhor Jesus como nossos corpos são alimentados de viandas, e assim não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados no corpo e sangue d'elle, porque o pão continua em sua natureza e substancia, similhantemente o vinho, e não ha mudança ou alteração.
Distinguimos todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso commum, sendo que este nos é um signal sacramental, sob o qual a verdade é infallivelmente recebida.
Ora esta recepção não se faz sinão pormeio da fé e nella não convem imaginar nada de carnal, quem preparar os dentes para o comer, como santo Agostinho nos ensina, dizendo : « Porque preparas tu os dentes e o ventre ? Crê, e tu o comeste »
O signal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada ; mas nosso Senhor Jesus Christo, por seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz participantes de sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus benefícios.
Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Christo:
«Este pão é o meu corpo». Tertuliano, no livro quarto contra Marcion, explica estas palavras assim : « Este é o signal e a figura do meu corpo ».
S. Agostinho diz : « O Senhor não evitou dizer :- Este é o meu corpo, quando dava apenas o signal de seu corpo ».
Portanto (como é ordenado no primeiro Canon do concilio de Nicéa), neste santo Sacramento não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrahir no pão e no vinho, que nos são nelles propostos por signaes, mas levantar nossos espiritos ao Céo para contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado á dextra de Deus, seu Pae.
Neste sentido podiamos juntar o artigo da Ascenção, com muitas outras sentenças de santo Agostinho, que omittimos, temendo ser longas.

VI. Cremos que, si fosse necessario pôr agua no vinho, os evangelistas e São Paulo não teriam omttido uma coisa de tão grande conseqüência.
E quanto a que os doutores antigos o têm observado (fundamentando-se sobre o sangue misturado com agua que sahio do lado de Jesus Christo, desde que tal observancia não tem nenhum fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da instituição da Santa Ceia isso aconteceu ), nós a não podemos hoje admittir necessariamente.

VII. Cremos que não ha outra consagração que a que se faz pelo ministro, quando se celebra a Ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem conhecida, a instituição desta Ceia litteralmente, segundo a fórma que nosso Senhor Jesus Christo nos prescreveu, admoestando o povo da morte e paixão de nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração e a palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente pronunciadas sobre os signaes não podem ser a consagração como apparece da instituição que nosso Senhor Jesus Christo deixou aos seus Apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discipulos presentes, aos quaes ordenou tomar e comer.

Vlll. O Santo Sacramento da Ceia não é vianda para o corpo como para as almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo quinto) recebendo-o por fé, a qual não é carnal.

IX. Cremos que o baptismo é Sacramento de penitencia, e como uma entrada na Egreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Christo. Representa-nos a remissão de nossos peccados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente só pela morte de nosso Senhor Jesus.
De mais, a mortificação de nossa carne ahi nos é representada, e a lavagem, representada pela agua lançada sobre a creança, é signal e sello do sangue de nosso Senhor Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos Apostolos observaram usando de agua em nome do Pae, do Filho e do Santo Espirito.
Quanto aos exorcismos, abjurações de satan, chrisma, saliva e sal, nós os registramos como tradições dos homens, contentando-nos só com a fórma e instituição deixada por nosso Senhor Jesus.

X. Quanto ao livre-arbitrio, cremos que, si o primeiro homem, creado á imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só elle conheceu o que era o livre arbitrio, estando em sua integridade. Ora, elle nem apenas guardou este dom de Deus, assim delle foi privado por seu peccado, e todos os que descendem delle, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma scentelha do bem.
Por esta causa, diz São Paulo, que o homem sensual não entende as coisas que são de Deus. E Oseas clama aos filhos de lsrael : «Tua perdição é de ti, Ò lsrael».
Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espirito.
Quanto ao homem christão, baptizado no sangue de Jesus Christo, o qual caminha em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Christo restitue nelle o livre arbitrio, e reforma a vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este Santo Apostolo declara, no setimo capitulo aos Romanos, dizendo : « Tenho o querer, mas em mim não acho o perfazer ».
O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cahir em impenitencia.
A este proposito, S. João diz que elle não pecca, porque a eleição permanece nelle.

XI. Cremos que pertence só á Palavra de Deus perdoar os peccados, da qual, como diz Santo Ambrosio, o homem é apenas o ministro; portanto, si elle condemna ou absolve, não é elle, mas a Palavra de Deus que elle annuncia.
Santo Agostinho neste logar diz que não é pelo merito dos homens que os peccados são perdoados, mas pela virtude do Santo Espirito. Porque o Senhor dissera a seus apostolos : « Recebei o Santo Espirito » ; depois accrescenta : « Si perdoardes a algum, seus peccados », etc.
Cypriano diz que o servidor não pode perdoar a offensa contra o Senhor.

XII. Quanto á imposição das mãos, essa servio em seu tempo, e não ha necessidade de conserval-a agora, porque pela imposição das mãos não se pode dar o Santo Espirito, porquanto isto só a Deus pertence.
Tocante á ordem ecclesiastica, cremos no que São Paulo della escreveu na Primeira Epistola a Timotheo, e em outros logares.

XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por casamento não se póde fazer sinão por causa de adulterio, como nosso Senhor ensina. Matheus, capitulo XIX: ver. 5. E não sòmente se pode fazer a separação por essa causa, mas, tambem, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, se não podendo conter, póde casar-se, como São Ambrosio diz sobre o capitulo VII da Primeira Epistola aos Corinthios. O magistrado, todavia, deve nisso proceder com madureza de conselho.

XIV. São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que lhe seja licito tornar-se a casar, mas o Santo Apostolo condemna a bigamia a que os homens daquelles tempos eram muito affeitos ; todavia, nisso deixamos o julgamento aos mais versados nas Santas Escripturas, não se fundando a nossa fé sobre esse ponto.

XV. Não é licito votar a Deus, sinão o que elle approva. Ora, é assim que os votos monasticos só tendem á corrupção do verdadeiro serviço de Deus. E' tambem grande temeridade e presumpção do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto que a Santa Escriptura nos ensina que a continencia é um dom especial. Matheus XV e I Epist. de S. Paulo aos Corinthios, VII. Portanto, segue-se que os que se impõem esta necessidade, renunciando ao matrimonio toda a sua vida, não pódem ser desculpados de extrema temeridade e confiança excessiva e insolente em si mesmos.
E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da continencia é em alguns apenas temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os monges, padres e outros taes que se obrigam e promettem viver em castidade, tentam contra Deus, por isso que não está nelles cumprir o que promettem. São Cypriano, no capitulo onze, diz assim : « Si as virgens se dedicam de boa vontade a Christo, perseverem em castidade sem defeito ; sendo assim fortes e constantes, esperem o galardão preparado para a sua virgindade; si não querem ou não pódem perserverar nos votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo da lascivia por seus prazeres e delicias». Quanto á passagem do apostolo S. Paulo, é verdade que as viuvas, tomadas para servir á Egreja, se submettiam a não mais casar, emquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes reputasse ou attribuisse alguma santidade, mas porque não se podiam bem desempenhar de seus deveres, sendo casadas ; e, querendo casar, renunciassem a vocação para que Deus. as tinha chamado, comtudo que cumprissem as promessas feitas na Egreja, sem violar a promessa feita no baptismo, na qual está contido este ponto : « Que cada um deve servir a Deus na vocação em que foi chamado ». As viuvas, pois, não faziam voto de continencia, sinão no que o casamento não convinha ao officio para que se apresentavam, e não tinham outra consideração que cumpril-o. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes permittido casar-se que abrazar-se e cahir em alguma infamia ou deshonestidade.
Mais, para evitar tal inconveniente, o Apostolo São Paulo, no capitulo citado, prohibe, que sejam recebidas para fazer taes votos sem que tenham a edade de sessenta, annos, que é uma edade commumente fóra da incontinencia. Accrescenta que os eleitos só devem ter sido casados uma vez, afim de que por essa fórma, tenham já uma approvação de continencia.

XVI. Cremos que Jesus Christo é o nosso unico Mediador, Intercessor e Advogado, pelo qual temos accesso ao Pae, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e por elle já reconciliados teremos plena victoria contra a morte.
Quanto aos santos defuntos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do Reino de Deus, e que o numero dos eleitos se complete ; todavia não nos devemos dirigir a elles como intercessores para obterem alguma coisa, porque desobedeceriamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, emquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escripturas.

XVll. Quanto aos mortos, São Paulo na 1 Epistola aos Thessalonicenses, lV capitulo, nos prohibe entristecer-nos por elles, porque isto convém aos pagãos, que não têm esperança alguma de resuscitar. O Apostolo não mandá e nem ensina orar por elles, o que não teria esquecido, si fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Psalmo XLVlll, diz que os espiritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida ; que, si nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos.
Esta é a resposta que damos aos artigos por vós enviados, segundo a medida e porção da fé, que Deus nos deu, supplicando que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes produza fructos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar n'ella, lhe rendamos graças e louvores para sempre jamais. Assim seja.

* Confissão escrita por Jean du Bourdel entre 04/01/1558 e 09/02/1558

- Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fon.




(32) «Definições concisas, de profundeza, porém, admiravel - é a caracteristica da Confissão dos martyres de Villegaignon.
A mentalidade de du Bourdel era, por certo, de um poder admiravel, para produzir, em circumstancias de tanto sofrimento, respostas precisas e profundamente theologicas como as que ahi se vêm.
E' um documento interessantissimo. Revela o estudo que nesse tempo se fazia dos Padres da Egreja ; o conhecimento invejavél de doutrina que os leigos de então possuiam.
E' uma confissão calvinista; è a confissão dos nossos maiores ; responde particularmente às heresias de Roma - é a primeira confissão redigida na America, na primeira Egreja do Brasil.
E foi sellada com sangue »,


Erasmo Braga (traductor desta Confissão)







Em seguida foi esta Confissão enviada ao almirante, que ponderou todos os seus termos a seu modo, guiado sempre por um intento perverso. Declarou hereticos e pestíferos varios artigos, notadamente os relativos aos sacramentos e aos votos, que lhe causaram grande horror. Não tinha pejo em referir que se não devia permittir vivessem por mais tempo os seus signatarios, afim de não serem os outros da companhia attingidos pelo seu veneno.
Tendo, pois, resolvido em definitivo tirar-lhes a vida, procurou ingenuamente dissimular o seu sinistro proposito, pois receava que alguem os prevenisse da traição contra elles preparada. Não comunicou mesmo coisa alguma a quem quer que fosse e manteve o sigillo, até a sexta-feira trágica – 9 de fevereiro de 1558.
Informado de que na vespera deste dia, pela manhã, o seu barco iria ao continente para transportar mantimentos, ordenou aos tripulantes que lhe trouxessem Jean du Bourdel e os seus companheiros, todos domiciliados na aldeia dos Francezes.
Ao receberem a intimação, e presentindo que iam ser julgados pela sua Confissão de Fé, ficaram em extremo atemorizados e trementes. Os Francezes, chorando, dissuadiam-n’os, com grande instancia, de se encaminharem ao matadouro. Mas Jean du Bourdel, homem virtuoso e possuidor de uma confiança maravilhosa, rogou aos Francezes que descontinuassem de intimidar os seus companheiros, a quem exhortou e animou não só a comparecerem perante o tyranno, mas a se resignarem a, morrer, si tal fosse a vontade divina. Eis as suas palavras: «Meus irmãos, vejo que Satanaz se esforça por todos os meios para nos impedir de, resolutamente, defendermos hoje a causa de Christo Jesus Senhor nosso, e que alguns de nos revelam uma timidez fóra do rasoavel, equivalente mesmo a uma duvida acerca do soccorro e favor do nosso bom Deus, em cujas mãos, sabemos, estão nossas vidas, que ninguem nos poderá tirar sem as determinações dos seus sabios conselhos. Ora, eu vos peço que commigo considereis o modo e o motivo por que viemos a este paiz : Quem nos moveu á travessia do oceano numa extensão de duas mil leguas? Quem nos preservou de tantos perigos? Acaso não foi aquelle que tudo governa, que dirige todas as coisas pela sua bondade infinita, que ampara os seus por meios admiraveis? E’ certo que contra nós militam tres inimigos poderosos : – o Mundo, o Diabo e a Carne, e que por nós mesmos não podemos resistir-lhes. Mas, si acorrermos ao Senhor Jesus, que os venceu por nós, elle nos assistirá consoante a sua promessa, que sempre cumpre, por isso que é fiel e Todo-Poderoso. Apeguemo-nos a elle, e nelle inteiramente repouzemos. Coragem, pois, meus irmãos! Que os enganos, que as crueldades, que as riquezas deste mundo não nos embaracem de irmos a Christo!»
Esta breve allocução encheu de inenarravel consolo os seus companheiros, e todos, com muito zelo e grande vehemencia, oravam ao Senhor, pedindo-lhe os assistisse com o seu Santo Espírito, para que este os inspirasse a externarem perante os homens o conhecimento precioso que lhes havia dado do seu Evangelho.
Depois, como o barco os estivesse esperando, transportaram-se nelle para a ilha de Coligny os Calvinistas Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil e André la-Fon, tendo ficado enfermo, no continente, Pierre Bourdon, por cuja causa não poude então embarcar.
Chegados á ilha, Villegaignon fel-os comparecer á sua presença.

Apontando para a Confissão de Fé que segurava em uma das mãos, perguntou-lhes si fôra escripta e assignada por elles e si estavam promptos a sustental-a. Todos lhe responderam na affirmativa e cada um reconheceu a sua propria assignatura, pois reputavam christã a Confissão, visto haver sido extrahida das Santas Escripturas e porque era concordante com os ensinos dos apostolos e martyres da Egreja Primitiva. E por isso mesmo estavam firmemente resolvidos a mantel-a, com a graça de Deus, em todos os seus pontos, ainda mesmo que o Senhor permittisse que o seu testemunho 1hes custasse a vida. Não se recusavam, entretanto, a submeter-se aos que tivessem mais luzes do que elles da Palavra de Deus.
Diante desta declaração, demonstrou o almirante, pela subita mudança da sua physionomia, a grandeza do seu odio irreprimível, e ameaçou-os de morte immediata, caso se obstinassem em sustentar a sua opinião infeliz e damnosa, como a qualificava.
A seguir ordenou ao carrasco que lhes prendesse as pernas com grilhões e que em cada cadeia dos mesmos collocasse um peso de 50 a 60 libras.(Villegaignon dispunha de muitos instrumentos de tortura com os quaes castigava os se1vagens, em vez de procurar attrahir estes ás doces influencias da Religião Christã). E não satisfeito com os haver agrilhoado, mandou ainda encerral-os numa prisão estreita e escura, com sentinellas á vista convenientemente armadas.
Entretanto, os condemnados consolavam-se e regosijavam-se em suas cadeias, orando e cantando, com extraordinario fervor, psalmos e louvores a Deus.

Os da ilha ficaram muito consternados com este acto e todos se possuíram de grande temor. Sem embargo, alguns delles, aproveitando os momentos em que o almirante repouzava ou se occupava em outros assumptos, visitavam os prisioneiros, fornecendo-lhes alimento, consolando-os e dando-lhes esperança. Não havia, porém, no forte uma pessoa de certa preponderancia e autoridade que pudesse demonstrar a Villegaignon a enormidade da sua injustiça e tyrannia. Assim, os condenados não podiam contar, na fortaleza, com o auxilio de quem quer que fosse. Além disto, Villegaignon prohibira, sob pena de morte, a sahida, naquelle dia, de qualquer embarcação, para que os do continente ignorassem o que ali se passava. Visivelmente excitado, o almirante dequando em vez passeava em torno da fortaleza, indo repetidas vezes verificar si as portas das prisões estavam bem fechadas e si as fechaduras não haviam sido forçadas. Apoderou-se das armas que os soldados e os artezãos tinham em seus quartos para a defesa do fortim. Era o receio de que o povo se sublevasse contra elle.
Tudo assim disposto, começou Villegaignon a reflectir sobre o genero de morte a applicar aos sentenciados: decidio, por fim, estrangulal-os e, afogal-os no mar, pois o seu carrasco não possuía o conveniente preparo para os eliminar por outro meio. Firme nesta resolução, não descançou durante a noite, mas, de hora em hora, mandava examinar, as prisões.
Entrementes, Jean du Bourdel continuava a exhortar os seus companheiros, concitando-os a louvarem a Deus pelo privilegio que lhes concedia de serem achados dignos de soffrer pelo seu Santo Nome num paiz barbaro e estrangeiro ; e dava-lhes, outrosim, a esperança de que Villegaignon não seria tão louco e deshumano que os executasse, mas sómente, decerto, se limitaria a escravizal-os por toda a vida.

Os companheiros, porém, não acariciavam tal esperança, porque conheciam sobejamente o natural de Villegaignon, tanto mais que ha muito procurava elle o ensejo que então se lhe deparára.
Na manhã do dia seguinte (sexta-feira), bem armado e acompanhado de um pagem, desceu Villegaignon a uma pequena sala, onde fez comparecer, em cadeias, a Jean du Bourdel, a quem exigio explicasse – e provasse com as palavras de Santo Agostinho – o artigo sobre os sacramentos, na parte em que asseverava que o pão e o vinho eram signaes do corpo e sangue de Jesus Christo.
Ia Jean du Bourdel citar a passagem para confirmar a asserção, sinão quando o almirante, num accesso de colera, o desmente, vibrando-lhe ao mesmo tempo, em pleno rosto, tremenda bofetada, em consequencia da qual o sangue jorrou, abundante, do nariz e da boca do paciente. E, em lhe batendo, pronunciou estas palavras : – «Mentes, impudico! Santo Agostinho jámais o entendeu assim, e hoje, antes que eu prove qualquer alimento, dar-te-ei o fructo da tua obstinação!»
Du-Bourdel, deste modo ultrajado, preferio remeter-se ao silencio. E como, pelas faces, lhe rorejassem, com o sangue, tambem algumas lagrimas, tal a violencia da aggressão, o almirante, zombando, chamou-o de homem effeminado e tão sensível que chorava por um simples piparote.
De novo Villegaignon lhe perguntou si continuava a manter o que escrevera e assignára. Du Bourdel respondeu-lhe affirmativamente e que de parecer não mudaria ate que o convencessem, pela autoridade das Escripturas, que laborava em erro.

Diante da sua irreductivel firmeza, ordenou Villegaignon ao carrasco que algemasse os braços e as mãos do paciente e que o conduzisse á rocha que elle, almirante, havia já designado e acima da qual, nas preamares, as aguas se elevam tres pés.
De armas na mão, Villegaignon e seu pagem acompanharam-n’o até o rochedo. Mas Jean du-Bourdel, ao passar junto da prisão em que estavam os seus companheiros, gritou-lhes em alta voz que tivessem coragem, pois iam ser logo libertados desta vida miseravel. E, caminhando para a morte, entoava psalmos e louvores a Deus, o que causava grande espanto a Villegaignon e ao carrasco.
Quando já sobre o recife, foi-lhe apenas permittido que, antes de partir deste mundo, se dirigisse a Deus em oração, pois o almirante apressava o carrasco; e, assim, de joelhos, fez Jean du Bourdel confissão de seus peccados a Deus, a quem impetrou graça e perdão em nome de Jesus Christo, em cujas mãos entregava o seu espírito.
Depois, posto em camisa, entregou-se á mercê do carrasco, pedindo-lhe, entretanto, não o deixasse desfallecer.
O almirante, vendo que a execução se prolongava muito, ameaçou ao carrasco de mandar açoital-o, caso não a concluísse logo. Então, num movimento brusco, o algoz atirou ao mar o paciente que invocava o auxilio de Jesus Christo, até que, asfixiado, e de modo tão violento e cruel, rendeu o espírito ao Creador.

MARTYRIO DE MATTHIEU VERNEUIL

Executado Jean du Bourdel, o carrasco conduzio ao rochedo Matthieu Verneuil, que estava assombrado com a morte do seu companheiro. Comtudo, permaneceu firme e confiante. Já no logar da execução, o almirante, que não tinha contra Verneuil o mesmo profundo odio que votava a Jean du Bourdel, interrogou-o sobre si queria arruinar-se e perder-se. Elle, porém, repellio o nobremente. Entretanto, isto não impedio que, ao despir-se sobre o recife, se arre-ceiasse da morte e pedisse as razões por que o executavam: – «Senhor Villegaignon, disse elle, acaso havemos nós praticado algum roubo ou ultrajado o menor de vossos servos? acaso havemos nós conspirado contra a vossa vida ou procurado a vossa deshonra? Si assim é, trazei aqui os nossos acusadores».– «Não, desbriado! respondeu Villegaignon, tu e os teus companheiros não experimentaes a morte por nenhuma destas coisas, mas, sim, porque, sendo umas pestes perigosissimas, e estando separados da Egreja, importa sejaes cortados como ramos podres, afìm de não corromperdes o resto da minha companhia». Mas Verneuil retorquio-lhe ; – <Ora, visto que vos acobertaes com o manto da Religião, dizei-me: Não é verdade que ha oito mezes passados fizestes ampla e publica confissão desses mesmos pontos doutrinarios pelos quaes nos daes a morte?»
Em seguida orou : – «O’ Deus eterno, visto que pela causa de teu filho Jesus Christo hoje morremos; visto que pela defensa da tua santa Palavra e doutrina nos conduzem á morte : lembra-te dos teus servos e assiste -os, toma em tuas mãos esta causa, afim de que nem Satanaz nem os poderes do mundo alcancem victoria sobre nós. »
E, voltando-se para Villegaignon, pedio-lhe não o fizesse morrer mas o tornasse por seu escravo.
Villegaignon, confundido, não sabia o que responder ás petições lancinantes do pobre paciente, sinão que o considerava menos do que ás immundicias do caminho e que, por isso mesmo, nenhum serviço tinha em que pudesse aproveital-o. Sem embargo, si Verneuil quizesse retractar-se da sua Confissão de Fé e declarar que estava, em erro, promettia-lhe pensar no assumpto.

Verneuil, então, vendo que a esperança que se lhe dava, além de problematica, lhe era prejudicial á salvação da alma, declarou, de modo resoluto e altissonante, que preferia antes morrer para viver eternamente com o Senhor, do que conservar a vida do corpo por mais algum tempo e morrer espiritualmente para sempre com Satanaz.
Após orar de novo sobre o rochedo e de recomendar a sua alma a Deus, entregou-se ao carrasco e, gritando : « Senhor Jesus, tem piedade de mim», rendeu o espírito.


ANDRÉ LA-FON

ESTE NÃO PERMANECEU FIRME E Só A TITULO HISTORICO NOS
OCCUPAMOS DELLE NA PRESENTE NARRATIVA.

O terceiro huguenote, André la-Fon, alfaiate, foi conduzido pelo carrasco ao mesmo logar de supplicio. Pelo caminho pedia que, si a alguem tivesse offendido, lhe perdoassem, visto ser do agrado de Deus que elle morresse por causa da confissão do seu Santo Nome.
Ora Villegaignon quizera poupar a este em virtude dos serviços profissionaes que lhe podia prestar, visto que entre a sua gente não havia nenhum alfaiate ; comtudo, não podia deixar ele castigal-o, para que se não dissesse que era de uma parcialidade iníqua. Murmurava-se que elle ordenára a um de seus pagens revelasse a la-Fon o seu intento.

Esse pagem e um outro advertiram ao paciente que, si quizesse salvar a vida, deveria dizer a Villegaignon que elle, alfaiate, não era muito versado nas Escripturas para responder a todas as questões que lhe fossem propostas.

La-Fon, porém, não deu ouvidos a estes conselhos, entendendo que o perdão dos homens não era o que lhe importava e, sim, o de Deus. Os pagens fizeram retardar a chegada do carrasco e, neste comenos, foram procurar Villegaignon, que se achava perto, supplicando-lhe poupasse o alfaiate ; porquanto, após alguma reflexão, não se revelava obstinado nas suas idéas e poderia com o tempo abandonal-as por completo, mesmo porque não tinha estudos. Demais, allegavam que o alfaiate ser-lhe-ia muito util e substituiria outro que lhe acarretasse grandes despesas. A princípio o almirante indeferio rudemente este pedido, asseverando que la-Fon estava muito dominado pela opinião dos seus companheiros, o que sobremodo o desgostava. Entretanto, como o reconhecia homem pacifico, perdoal-o-ia caso confessasse o seu erro; do contrario, seria morto. Neste sentido, ordenou fosse o paciente inquirido antes de ser estrangulado pelo carrasco. Entenderam-se, pois, estes dois pagens com o alfaiate, a quem rogaram e concitaram a retractar-se ou a prometter reconhecer o seu erro, ou, pelo menos, a protestar que não desejava ser ferrenho na sua opinião; porque, de outro modo, accrescentaram elles, não haveria possibilidade de salvar-se.

Finalmente, la-Fon deixou-se persuadir por estes conselhos e, para escapar á morte, condescendeu em declarar que não desejava ser pertinaz e obstinado em suas idéas calvinistas e, emphaticamente, se compromettia a retractar-se, quando lhe provassem os seus erros pela Palavra de Deus.

Villegaignon; entendendo que o paciente se revelava disposto a abjurar o que antes abraçára com tanta confiança, ordenou ao carrasco que lhe tirasse as algemas e o deixasse ir em paz, ficando-lhe, porém, por prisão a fortaleza, onde permaneceu captivo e como alfaiate do almirante e de toda a sua gente.
Tudo isto se passou antes: das nove horas da manhã desse dia, para que a maioria das pessoas existentes na ilha não fosse avisada de taes execuções. Mas, quando se espalhou a noticia de tamanha crueldade e barrbaria, todos mui justamente se recri-mínavam a sí mesmos, por motivo de não ter havido alguem entre elles que oppuzesse embargos á effusão do sangue innocente.
Entretanto, como ali não houvesse pessoa alguma capaz desta attitude, deixaram-se todos ficar nas suas casernas, sem ousarem externar uma palavra do que pensavam.
E , assim, poude Villegaignon praticar, sem a mínima difficuldade e conforme melhor lhe aprouve, tão hedionda crueza.

MARTYRIO DE PIERRE BOURDON

Não estava, porém, concluído todo o sacrifício sanguinolento sobre o rochoso cadafalso de Coligny: restava ainda executar o quarto huguenote, Pierre Bourdon, torneiro; a quem o almirante votava um odio profundo. Aquelle ficára no continente muito enfermo e não pudera par isso embarcar com os seus companheiros.

Para completar a execução, o almirante dirigia-se a terra num bote em que o acompanhavam alguns marinheiros, pois receava que o torneiro, na sua ausencia, houvesse conquistado sympathias entre os seus servos, que bem poderiam oppor-lhe resistência.

Penetrou elle em casa de Bourdon seguido do subalterno que commandava os outros marujos, os quaes não sahiram do barco. Ali exigio que lhe trouxessem o doente, que estava semi-morto. A primeira saudação que lhe dirigio foi ordenar-lhe que se levantasse para embarcar no bote immediatamente. E, como Bourdon lhe fizesse ver por palavras e pelo seu estado que se considerava inutil, no momento, para qualquer trabalho, respondeu-lhe o almirante que era para o tratar que o conduzia. Constatando, porém, que elle não podia ter-se de pé, e menos ainda caminhar, fel-o transportar até a chalupa.
Quando o carregavam, perguntou o doente si lhe destinavam alguma occupação. Mas ninguem lhe respondeu uma só palavra. Durante a viagem interrogou-o Villegaignon sobre si queria manter a Confissão de Fé que assignára ; e o torneiro retorquio-lhe que pensaria nisso. Não obstante, sem o menor aviso, tão logo chegaram á fortaleza, o carrasco, segundo a ordem prévia que recebera do almirante, algemou o torneiro, levando-o ao mesmo logar de suplicio e recommendando-lhe que pensasse na alma. Então, o condemnado, olhos fitos no céo e braços cruzados, não se entristeceu, presentindo que naquelle mesmo logar os seus companheiros haviam alcançado victoria sobre a morte. Depois, em alta voz, recomendou o seu espírito ao Creador, dizendo :<<Senhor Deus, sou tambem como aquelles meus companheiros que com honra e gloria pelejaram o bom combate pelo teu Santo Nome, e, por isso, peço-te me concedas a graça de não succumbir aos assaltos de Satanaz, do Mundo e da Carne. E perdoa, Senhor, todos os peccados por mim commettidos contra a tua majestade, e isto eu t’o impetro em nome do teu filho muito amado Jesus Christo» .
Após esta prece, voltou-se para Villegaignon e inquirio-o sobre o motivo da sua morte. Foi-lhe respondido que a razão era a assignatura que lançára numa Confissão heretica e escandalosa. Queria o paciente saber o ponto doutrinario pelo qual fôra elle considerado hereje, visto que não havia sido examinado a respeito do mesmo. Suas observações, porém, não tiveram effeito algum, porque não era mais tempo de discussão e, sim, de pensar em si proprio, como dizia ao torneiro o almirante, ordenando em seguida: ao carrasco que se désse pressa em fazer a execução.

Pierre Bourdon, vendo que as leis divinas e humanas, que todas as prescripções civis e christãs estavam como sepultadas, submetteu-se resolutamente ao algoz, que, depois de o haver suffocado e estrangulado, lançou ao mar o seu corpo, tal como fizera aos outros dois fieis.
E, assim, este martyr expirou no Senhor.

Estava, finalmente, consummada a tragedia sangrenta e tenebrosa (33). ViIlegaignon experimentou, nesse momento, um grande allivio em seu espírito, quer por ter executado o que ha longo tempo premeditára, quer por haver dado aos que o cercavam uma prova do seu poder e da sua tyrannia.

[33] A narrativa nada nos diz sobre o quinto huguenote – Jacques la Balleur. Mas Rocha Pombo ( Historia do Brasil, vol, III, pag. 514), firmado no estudo historico do dr. Alvaro Reis, pastor presbiteriano, tem como certo que o Bollés enforcado no Rio de Janeiro em 1567, em cuja execução José de Anchieta fez de mestre ele carrasco, não é outro sinão Jacques le Balleur.
( Vide Alvaro Reis, O Martyr le Balleur ).

As dez horas desse dia – sexta-feira, 9 de fevereiro de 1558 – o almirante reunia toda a sua gente, a quem dirigia a palavra, exhortando a todos a evitarem a seita dos Lutheranos, de que deveriam fugir e á qual elle proprio adherira em tempo, mas de cujo acto se penitenciava, pois não havia perlustrado os escriptos dos Padres da Egreja Primitiva. E a quantos se obstinassem nas idéas dos Reformados ameaçou de morte ainda mais horrenda que a inflingida aos tres martyres, assegurando-lhes, de modo emphatico, que seria para com elles mais rigoroso do que o fôra para com estes. Recomendou-lhes, pois, tomassem todo o cuidado a este respeito e se mantivessem em tudo adstrictos ao que os Padres da Egreja haviam tão escrupulosamente instituído e praticado.
Em signal ele regosijo pela execução dos tres fieis, nesse mesmo dia mandou Villegaignon fazer aos seus servos uma larga distribuição de viveres. (34)
Mas, a partir do momento de tão monstruosa crueldade, o almirante foi de mal a peor, correndo-lhe sempre ás avéssas os seus negocios,

[34]Termina aqui o livro Histoire des choses mémorables survenues en la terre du Brésil que Crespin se limitou a reproduzir. Aqui, outrosim, finaliza a narrativa de Crespin. Os paragraphos seguintes não se acham na ultima edição por elle publicada (1570), nem mesmo na seguinte (1582), mas figuram nas de 1597, 1608 e 1619.
E eis porque escreveu a alguns cortezãos, dizendo-lhes que, si não o processassem por haver, no Brasil, durante algum tempo, propagado o Calvinismo, comprometia-se, por seu turno, a eliminar pela morte (ou, na sua expressão, a fazer emmudecer) os ministros que haviam estado na sua companhia.
Mallogrados os seus chimericos planos sobre a America, regressou Villegaignon á França e, para alcançar favores, publicou em latim, na cidade de Paris, diversas diatribes contra a sã doutrina (35), Refutaram-n’o, porém, sob o nome de P. Richier ( 36), e de maneira tão energica e víctoriosa. que Villegaignon, ao em vez ele conquistar gloria, se tornou odioso a todos e foi havido por homem realmente louco.
Sob o reinado de Francisco II, Villegaignon atacou, a princípio de viva voz e depois por escripto, a Simão Brossier, ministro de Loudun e então prisioneiro do arcebispo de Tours; mas Brossier repellio-o vigorosamente, de sorte que todos viam no almirante um perturbador, uma pessoa destituida de qualquer sentimento religioso.

[35]Sobre os títulos destes escriptos, vide :La France Protestante, 2a ed., t. V, col. 983 ,art. Durand de Villegaignon.
(36) Allusão a pamphletos contra Villegaignon publicados em 1561, de autor anonymo, sendo, porém, attribuidos a Richier, e os quaes se acham na Bibliotheca do Arsenal, appensos ao exemplar do livro - Histoire des choses memorables survenues en la terre du Brésil.

Finalmente, depois de, no ultimo quartel da sua existencia , haver vivido como parasita de alguns fidalgos, que o sustentavam e delle zombavam, pedindo-lhe referisse as historias das novas terras, Villegaignon começou a ser flagellado por um padecimento secreto, uma enfermidade horrível que o consumia pouco a pouco: e, assim, com morte cor-
respondente ás crueldades que praticára, acabou elle os seus desgraçados dias neste mundo, sem se arrepender da sua apostasia nem dos males que da mesma resultaram (37).





FIM




















A P P EN DI C E



A RELIGIÃO CHRISTÃ REFORMADA NO BRASIL NO SECULO XVII







(Actas dos Synodos e Classes do Brasil, no seculo XVII,
durante o domínio hollandez)


PELO


Dr.Pedro Souto Maior
(Socio effectivo do Instituto Historico e Geographico Brasileiro)






















A RELIGIÃO CHRISTÃ REFORMADA NO BRASIL,
NO SECULO XVII

Das pesquizas a que procedi nos archivos hollandezes, no anno de 1911, tive ensejo de, entre muitas outras causas de palpitante interesse para a nossa historia, ler curioso trabalho sobre a Religião Christã Reformada no Brasil, no seculo XVII.

Traduzindo do hollandez esse trabalho, que foi conhecido graças á permissão da administração da egreja provincial de Utrecht, e que consta de cópias entregues pelo Synodo provincial da Hollanda do Norte ao Synodo provincial de Utrecht, penso concorrer para o esclarecimento de um capítulo da nossa historia.

A traducção que se segue foi feita do Kronick van het Histo-risch Genootschap Gevestingd te Utrecht.– Zesde Serie Vierde Deel.

As actas da classe do Brasil constituem a historia da divisão da Egreja Reformada Neerlandeza.

De sua leitura colhem-se fartas informações sobre a instrucção, a moral e costumes d'aquella colonia.

I

Actas da primeira Classe de Pernambuco reunida no Recife, em, 16 de Dezembro de 1636

Compareceram á sessão : Predicantes: DD. Daniel Schagen, Samuel Batiler, Jodocus a Stetten, Cornelius van der Poel, Johannes Oosterdagh, Joachimus Soler, J. Theodorus Polhemius, David a Dorenslaer; Anciãos: Srs. Wilhelin Shot, Paulus Serotskerken, Cap. Richart Lavei, Johan Robberts; Singr : Jan Rooman.
Após a invocação do Santo Nome de Deus, foram eleitos para : Presidente, D. Daniel Schagen ; Assessor, D. Samuel Batiler; Escriba, D. Jodocus a Stetten.

SESSÃO PRIMEIRA

D.Thomas Kempius fez uma dissertação sobre o Evangelho de S. João B[8] : 16, que agradou ao auditorio.

SESSÃO SEGUNDA

D. Samuel Batiler foi escolhido para examinador, e procedeu ao exame em latim. Os irmãos da classe, sendo interrogados como julgavam a resposta do candidato de Theologia, declararam-se satisfeitos com ella; foi elle, portanto, admittido por voto unanime como proponente na língua ingleza, devendo servir no acampamento em Serinhaem e ser-lhe dado para esse fim um título pelo deputado da classe.

SESSÃO TERCEIRA

1 – Como fosse entregue ao D. Presidente uma missiva em que se manifestava descontentamento da parte de membros da Classe sobre a circular de S. Ex., escripta por ordem.do Conselho Ecclesiastico do Recife para a convocação da actual Classe, a assembléa, estudando a questão, ficou bem convencida que D. Schagen fizera bem em cumprir a ordem do Conselho Ecclesiastico.
2 – Perguntaram porque não fizeram chamar D. Samuel Fol-keri, actualmente em serviço na egreja da Parahyba?
A resposta foi – por causa das actuaes difficuldades daquelle logar e tambem porque não convinha á egreja a ausencia dos dous predicantes.
3 – D. Polhemius, empregado no serviço divino no acampamento, continuará até decorrerem os seus tres mezes de serviço ; prazo que será observado dóravante para os que forem successi-vamente para o serviço do acampamento, devendo substituil-o D. Schagen ; a esse substituirá D. Dorenslaer.
4 – Para o serviço da egreja do Recife estão indigitados D. Schagen e D. van der Poel. Para a egreja de Itamaracá D. Jodocus a Stetten. Para a egreja do Cabp de Santo Agostinho D. Polhemius. Para a egreja da Parahyba na cidade D. Dorenslaer.
A egreja neerlandeza acha-se no Forte e é servida por D. Folkerus.
A ingleza está no mesmo forte e e servida por D. Batiler.
D. Oosterdagh continuará no serviço do acampamento até ordem ulterior.

SESSÃO QUARTA

Não estando D. Polhemius satisfeito com o cargo para o qual foi nomeado, a illustre Assembléa resolveu que a nomeação fosse provisoria, até expirar o seu prazo de serviço no acampamento. Ficou resolvido que os deputados da Classe solicitassem em termos do Conselho um edital em hollandez e portuguez contra os que estão vivendo incestuosamente neste paiz.

SESSÃO QUINTA

1 – Tratou-se da questão de Johannes Oosterdagh a respeito do casamento no Recife de uma mulher chamada Sara Hendricks contra a opinião e aviso do Conselho da Egreja. Foi o mesmo censurado pela má interpretação dada na sua carta sobre a citação de S. Matheus, 19:9. Perguntando-se-lhe si não fizera mal, respondeu sim, promettendo proceder com mais prudencia no futuro ; tambem renunciou a sua falsa opinião.
A nobre Assembléa, vendo a sua submissão e humildade, supplica para que os irmãos o relevassem por essa vez ; perdoa-ram-no pelo erro e falta, com uma forte exhortação para que procedesse criteriosamente no futuro e em caso de reincidencia se veriam forçados a agir com mais rigor.
Tambem ficou resolvido que ao chegar ao acampamento désse o verdadeiro sentido do Espírito Santo ao Vers. 19 de S. Matheus, e informasse disso aos que por acaso tivessem conhecimento da sua falsa interpretação.
2 – Os deputados da Classe são encarregados de solicitar dos Srs. do Conselho que a referida Sara Hendricks, que ainda vive em adulterio, seja trazida do acampamento, afim de ser mandada para a patria.
3 – A respeito da questão suscitada entre o Cap. Stalpaert e Polhemius, a III. Assembléa comprehendeu, quanto ao que concerne a Polhemius, que de certo modo procedera mal e inconsideradamente.
D. Presidente fez-lhe uma exhortação em nome da III. Assem-bléa, recommendando-lhe proceder mais criteriosamente no futuro.
4 – D. Samuel Batiler, tendo requisitado 2 Consoladores de enfermos neerlandezes, um no forte e outro na Aldeia fundada perto delle, responderam-lhe que elle, assim como o Conselho da egreja, poderia achar lá mesmo em pouco tempo duas pessôas capazes de serem investidas naquelle cargo.
Foram nomeados deputados da Classe D. Schagen, D. Batiler e D. Soler.
6 – Os Srs. Deputados são encarregados de solicitar do Supremo Conselho um determinado ordenado para D. Johannes Oosterdagh, desde a data da sua nomeação para predicante.
7 – E que seja egualmente concedido um determinado ao D. Kempius como proponente.
Depois de praticada a Censura Morum, a Assembléa dissol-veu-se em paz e amor. – Daniel Schagen p. t. Preces ; Samuel Ba-tiler, Assessor ; Jodocus a Stetten, Escriba.







II


Assembléa da Classe, que funccionou em Pernambuco, em 3 de Março de 1637

Compareceram a esta honrada Assembléa: Predicantes: D. Jodocus a Stetten, Itamaracá; D. Samuel Batiler, Forte Norte da Parahyba ; D. Frederico Kesselerus, Recife ; D. Cornelius van der Poel, Recife ; D. Joachimus Solerus, Recife ; D. Theodorus Polhe-mius, Cabo de Santo Agostinho ; D. Samuel Folkerus, Forte Sul da Parahyba; D. David van: Dorenslaer, Frederica; o Sr. Jan Robber-tes, ancião no Recife; o Sr. Major Goedlad, ancião na Parahyba.
Após a invocação do Santo Nome de Deus por D. Cornelius van der Poel, D. Kesselerus apresentou a sua carta de nomeação e commissão, dada pela Illustre Classe de Amsterdam, na qual é declarada a sua nomeação para auxiliar no serviço da palavra divina e para ajudar a fundar e estabelecer a egreja de Deus, com optimos attestados de sua pessôa, quanto á instrucção, vida e aptidões para o governo ecclesiastico.
A Classe apressa-se a reconhecel-o como tal e em acceital-o como um dos seus membros, agradecendo a Deus e louvando-o de todo o coração, por lhes mandar um bom pastor e mestre, que com o seu divino auxilio poderá fazer grande edificação, para o que Deus lhe dará a sua benção.
Depois disso foram eleitos pela Assembléa : para Presidente, D, Fredericus Kesselerus : Assessor, D. Cornelius van der Poel; Escriba, D. David van Dorenslaer. E feita mais uma. vez a oração pelo D. Presidente, abriu-se a sessão.

SESSÃO PRIMEIRA

1 – É lida certa instrucção dada a D. Frederico Kesselerus pela Classe de Amsterdam, sobre a qual, tendo ouvido uma declaração de S. Ex., a classe ficou satisfeita.
2 – E’ tambem lida uma missiva mandada pela Classe de Amsterdam, assim como pela de Walcheren para o Conselho Eccle-siastico do Recife, na qual se queixam da negligencia do mesmo Conselho sobre a communicação do estado das egrejas ni) Brasil e.sobre o mau comportamento de alguns funccionarios desse serviço nesse paiz, com uma seria exhortação para que no futuro não omittam essas noticias ; sobre esse assumpto tratar-se-á mais tarde.
3 – São lidas depois disso as actas dá. Classe anterior e em seguida trata-se da verificaçâo dos irmãos presentes, observando-se que todos ou a maioria dos anciâos do Conselho da Egreja do Recife estavam presentes ; suscitou-se então uma duvida, si; não convinha combinar-se sobre o numero de anciãos que deviam ser mandados á Assemblea da Classe.
Ficou entendido que se regulariam neste assumpto pelo Sy-nodo Nacional, que teve logar ultimamente em Dordrecht, isto é, que deve ser mandado um ancião de cada egreja, devendo tanto os predicantes como os anciãos apresentar á Classe as competentes credenciaes.
4 – Devido á promoção de D. Kempius a proponente (do que se tratou na primeira sessão) perguntaram si no futuro se contra-ctaria ou promoveria alguem para predicante a não ser em caso de extrema necessidade? Responderam que não, visto se poder obter da metropole numero sufficiente de predicantes e assim não diminuir a liberdade desta Classe.
5 – Na occasião em que na 3.a sessão se deu o motivo porque D. Daniel Folkerius não foi chamado, para a Classe, ficou ' resolvido convocar dóravante sem excepção alguma todos os membros da Classe, deixando a qualquer egreja-a liberdade de nomear. os seus deputados,

6 – E’ tambem resolvido que sejam adjudicados pela Assembléa Classical aos predicantes chegados aqui da metropole os cargos em que forem precisos os seus serviços, ou si ella de fórma alguma não se puder reunir, póde o mesmo ser feito provisoriamente pelos deputados da Classe.
7 – Julga-se desnecessario ter mais de um predicante no acampamento, além do D. Kempius, a não ser que o acampamento seja dividido em dous e em pontos distantes, e então os Deputados ficam encarregados de resolver si ha ou não necessidade de mais um predicante, e de nomear um, si realmente for preciso.
E visto D. Planté juntamente com o proponente prestar o serviço no acampamento, fica David van Doorenslaer incumbido de substituir a Schagen, até contra-ordem,
8 – Os predicantes não mais poderão ter cavallos sob pretexto de serviço do acampamento ; mas a Classe solicitará ao Supremo Conselho se digne fornecer um cavallo ao predicante que tenha de ir para o acampamento.
9 – Os deputados commumicam que solicitaram do Supremo Conselho (conforme foram encarregados na 4.a sessão) que publicasse um edital contra os que estão vivendo incestuosamente neste paiz, mostrando que S.S. EEx. deviam cuidar do assumpto; mas como ainda não tenha apparecido resultado algum daquelle passo , são os mesmos encarregados novamente de representar sobre isso a S. Ex. e ao Supremo Conselho.
10 – A proposito disso, ficou resolvido pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho, quanto á judia da Parahyba, culpada de horrível sacrilegio contra o nosso salvador Jesus Christo e o Santo Baptismo, que SS. EEx. se dignem punil-a conforme o gráo da sua culpa, o que ainda não se fez.
11 – Do D. Johannes Oosterdagh (de quem se tratou na 5.a sessão) se falará mais tarde.
12 – Quanto a Sara Hendricks, ficou resolvido solicitar a S. Ex. e ao Supremo Conselho que a mandem buscar do acampamento e a enviem para a metropole.
E, como a egreja de Deus é cada vez mais difamada por causa do casamento illicito de Sara Hendricks, resolveram mais ouvir sobre isso, na primeira opportunidade, D. Schagen e D. Oosterdagh, ambos actualmente no acampamento, visto terem sido elles que realizaram o casamento da dita Sara Hendricks ; e ao mesmo tempo perguntar ao D. Oosterdagh si declarou tudo sobre o texto de Matheus, como a Classe lhe impoz.

SEGUNDA SESSÃO, Á TARDE

1 – Os Rev. Deputados communicam que, cumprindo a in-cumbencia dada na 5.a sessão, requereram e obtiveram um esti-pendio para D. Oosterdagh e D. Kempius.
2 – Depois disso o D. Presidente fez uma investigação sobre o estado das egrejas no paiz, quanto ás orações, o serviço da communhão, o exercício da disciplina ecclesiastica, o funcciona-mento dos consistorios, o registro das actas, o numero de membros, a visita domiciliar para o serviço da communhão e outras baterias concernentes.
E como,encontrasse faltas em muitas dellas foi resolvido corrigil-as muito seriamente e especialmente tomar estrictas providencias para que se observem as attestações dos membros, que se faça a visita domiciliar para o serviço da com-munhão, que sejam assignados os nomes dos que forem á commu-nhão, assim como dos que se baptizarem ou se casarem, e principalmente se pratique a disciplina ecclesiastica, como é mistér.
3 – Resolveram mais que o Conselho Ecclesiastico no Recife se reuna uma vez por semana e onde for possível diariamente, mas o da Parahyba todos os mezes, pois como serve a varios logares não póde reunir-se mais vezes.
4 – Tambem deve ser observado que em todos os logares em que ha creanças, e especialmente no Recife, se fundem escolas; neste ultimo deve haver além disso um mestre portuguez.
5 – Recebeu-se informação que são precisos consoladores (hollandezes) de enfermos em itamaracá, na Restinga e em Muri-beca; providenciar-se-á sobre essa falta, na primeira opportunidade.
6 – Visto tambem convir que os predicantes se interessem pela catechese dos índios, portuguezes e negros, e nada se póde conseguir nesse sentido sem os convenientes meios, apresentamos agora um plano para tal fim :
Em primeiro logar deve-se fazer um resumido catechismo na língua hespanhola com algumas orações.
Sendo D. Joachimus Soler encarregado dessa empresa, declarou já ter feito um esboço desse pequeno livro.
Em segundo logar, que se solicite a S. Ex. e ao Supremo Conselho se dignem manter alguns índios no Recife á custa da Companhia, afim de que sejam instruídos na egreja da Religião Christã, por Joachimus Soler, que promette applicar-se a esta obra.
O terceiro meio é de estabelecer mestres de escolas, tanto hollandezes como índios, si for possível, nas aldeias de índios.
Tendo sido approvado esse projecto, ficou resolvido apre-sentai-o a S. Ex. e ao Supremo Conselho, e os Deputados são encarregados de se esforçarem por conseguir a sancção dos mesmos.
7 – Tambem é julgado necessario que as pessôas que se queiram casar, compareçam ante todo o Conselho Ecclesiastico, ou de qualquer fórma a tantos membros quantos estiverem reunidos.
8 – Item – pedir que nos sejam communicadas as Actas do Synodo do Norte da Hollanda do anno 1620 e dahi em diante de anno a anno.
9 – Item – mandar-nos tudo que ha de assentado e firmado segundo as ordenanças matrimoniaes na metropole ; as pessôas que se apresentam como casadas devem comparecer ante o Conselho Ecclesiastico para darem provas disso.

TERCEIRA SESSÃO, DE MANHA

1 – Christiaen Christiaenss, consolador de doentes no Cabo de Santo Agostinho, apresentou-se á Classe requerendo que, visto já haver residido 40 mezes neste paiz, dos quaes 36 como consolador de doentes, que a Illustre Classe se digne conceder-lhe augmento de ordenado que agora é apenas de 20 florins, promettendo que, si o despacharem favoravelmente, elle continuará assíduo e diligente no serviço da Companhia, O seu requerimento (visto ficar provado que elle é diligente no seu serviço e de vida exemplar) foi deferido pela Assembléa.

2 – A Assembléa tambem recebeu uma communicação de que certa mulher de Sedan, chamada Antonette Cantei e filha de um predicante, vinda para este paiz com um soldado, chamado Lucas Harmon, pertencente á Companhia do Capitão Doncker, dão-se por casados, mas se descobriu que vivem em concubinato; e mais ainda em adulterio, tendo deixado o legitimo marido, um servidor da palavra divina, o qual ella abandonou na patria para lançar-se á prostituição. Que por isso já o Conselho Político foi solicitado pelo Conselho Ecclesiastico do Recife, afim de mandal-a para a metro-pole; mas que isso foi obstado por qualquer motivo.
Portanto, pergunta-se o que se deve fazer agora. Ficou resolvido intimar Harmon e Antonette Cantei a comparecerem a essa Assembléa e interrogai-os aqui depois; encontra-se a continuação deste caso nos arts. 4.o e 6.o.

3 – Tendo D. Presidente referido que Christianus Wachtelo chegara á metropole com tão bons e honrosos attestados que a Ill. Classe de Armsterdam, apesar de estar informada da sua má e escandalosa conducta neste paiz, teve de se mostrar satisfeita com elle.
E está, entretanto, provado que não lhe foi dado pelo Conselho do Recife outro attestado a não ser o que em nada o recom-menda.
Ficou, portanto, resolvido explicar isso á Classe de Amster-dam, afim de que possa saber que pessôa é esse Christianus e dizer a verdade a outros, entre os quaes elle se achar.

4 – Compareceu Lucas Harmon, o qual sendo perguntado si tinha aqui a sua legitima mulher, declarou com muitas palavras que sim ; não apresentou, entretanto, prova alguma e caiu em contradicções.

5 – Vendo-se, pelo exemplo de Christianus Wachtelo, que alguns sabem arranjar attestados falsos, ficou resolvido que os attestados dados pelos predicantes e consoladores de enfermos a pessôas que vão para a metropole deverão ser registrados no livro da egreja, e deverá ser mandada uma copia delles extrahida para a respectiva Classe da metropole: assim como nenhum pre-dicante ou ancião poderá fornecer attestados a quaesquer membros sem a approvação do Conselho Ecclesiastico.

6 – Antonette sendo interrogada si era casada com Luc. Harmon continuou obstinadamente a dizer que sim, e quanto ao seu anterior marido, sustentou sempre que morrera, mas varias vezes caio em contradicção.

Tambem as declarações de ambos não estão de accordo. Ella diz que os proclamas foram feitos na egreja de Amsterdam ; elle declarou que em Haya. Ella diz que recebera do predicante,
em Amsterdam, uma certidão do matrimonio, que fôra entregue a Camara dos Srs. Directores ; elle declarou que jámais recebera uma certidão de predicante algum.

7 – Sendo evidente que essas duas pessôas : Lucas Harmon e Antonette Cantei, não estão legalmente casados, nem podem provar o divorcio do marido della, que ouvimos dizer estar ainda vivo, ficou resolvido communicar a questão a S, Ex. e ao Supremo Conselho e incitar seriamente SS. EEx. a que appliquem a merecida pena a taes maldades.

8 – A Classe, sendo solicitada pelos Deputados do Supremo Conselho Ecclesiastico da Parahyba se digne coadjuvar com a sua autoridade o dito Conselho em requisitar de S. Ex. e do Supremo Conselho um director para o hospital da Parahyba, visto ser bem preciso haver alli, podendo para esse cargo aproveitar-se um que está empregado lá com as milícias, acceitou de boa vontade a incumbencia.

9 – Foi suscitada a seguinte questão ; si os anciãos mudando-se de um para outro logar, deveriam ser reconhecidos sem nova eleição do Conselho Ecclesiastico ; a Classe respondeu que não. A proposito disso a Classe tambem recommenda que dóravante se tome muito em consideração que para anciãos não devem ser escolhidos os homens sómente pela sua dedicação á Egreja Reformada, mas tambem pela sua bôa reputação. Tambem não deverá ser nomeado por mais de 2 annos ; comtudo, si for necessario, póde ter uma prorogação do prazo.

10 – D. Batiler requereu que a Classe se digne empenhar-se com S. Ex. e o Supremo Conselho, afim de que Samson Calvert, tendo servido durante o prazo de um anno como leitor no forte Norte da Parahyba, durante o qual tempo se portou bem e foi diligente (ainda que depois se tornasse negligente), seja inscripto como tal no livro da Companhia. E’ deferido o requerimento.

11 – Perguntaram si uma egreja particular pode sem conhecimento de outra examinar e promover um consolador de enfermos. Ficou decidido que isso compete exclusivamente á Classe.

12 – Ficou resolvido que se funde uma egreja no Cabo de Santo Agostinho (o que até agora não teve logar), ficando os deputados da Classe incumbidos da realização desse projecto.

13 – A proposito do que foi communicado a esta Classe, isto é, que um sargento, havendo ajustado casamento com uma filha de portuguez, pedira que um predicante daqui fosse ao sítio, onde ella mora, e que o Conselho Ecclesiastico daqui não pôde negar por importantes razões; foi proferida sobre isso a seguinte sentença: o Conselho Ecclesiastico procedeu sabiamente nessecaso, mas tambem isso nunca mais deve ser permittido, e os que quizerem casar, devem ir ao logar onde se costuma celebrar essa solenni-dade, a menos que a Classe não venha a resolver de outra fórma.

QUARTA SESSÃO, Á TARDE

1 – Visto D. Jodocus a Stetten haver-nos communicado que não encontra material donde escolher anciãos na sua freguezia, ficou resolvido que os visitadores por occasião de sua inspecção ás egrejas, segundo a situação da egreja, se encarregassem tambem disso.

2 – Tambem D. Jodocus a Stetten communicou a esta Classe que um tal Pieter van Haesten foi descoberto como tendo furtado dinheiro dos pobres e condemnado a restituir o dinheiro, o que até agora não fez.
Ficou resolvido falar-se sobre isso ao Sr. Fiscal.

3 – Quanto á profanação dos domingos, que aqui se com-mette grosseiramente com cantos, pulos, fazendo-se publicamente trabalhos, comprando e vendendo, embriagando-se e jogando e praticando-se muitos abusos e excessos, provocando altamente a colera divina, é julgado de extrema necessidade representar a S. Ex. e ao Supremo Conselho, com toda a insistencia e ardor, para que sejam immediatamente abolidas tal profanação e violação do domingo. Quando tambem se tiver de fazer predica publica durante a semana, que o serviço divino não seja interrom-pido por algazarra na rua, ao redor ou junto á egreja (como succede muitas vezes no Recife).

SESSÃO QUINTA, PELA MANHÃ

Visto as missivas das Illmas. Classes de Amsterdam e Walcheren, mandadas ao Conselho Ecclesiastico do Recife e lidas novamente agora, se queixarem da má vida, não sómente dos fieis, mas tambem de alguns predicantes aqui no paiz, foi resolvido fazer-se uma investigação nesta Assembléa sôbre o comportamento de cada um.

SESSÃO SEXTA, Á TARDE

1 – Fazendo-se a investigação quanto a pessôa de D. Polhemius, foi referida alguma causa contra a sua vida, resolvendo a Classe admoestai-o por esse motivo.

2 – Tambem se achou que D. Jodocus a Stetten, apesar de haver sido antes admoestado e censurado, entretanto tem continuado na sua conducta escandalosa; por esse motivo a Classe julgou não serem mais convenientes os seus serviços á egreja de Deus neste paiz, e, portanto, resolveu que regressasse á metropole, no prazo de 5 a 6 mezes.

3 – Tendo D. Samuel Folkerus requerido á Classe que se digne dar-lhe a licença para partir para a metropole com um attes-tado sobre a sua pessôa, foi-lhe concedida a licença ratificada por S. Ex. e Supremo Conselho, tanto mais por quanto se julgou illegal a sua nomeação para o cargo de predicante e além disso elle foi encontrado em falta tanto no que diz respeito á sua conducta, como principalmente aos seus conhecimentos. Foi-lhe tambem concedido um attestado, cuja cópia ficará registrada no livro da Classe.

SESSÃO SETIMA, DE MANHÃ

1 – Tendo sido feita a pergunta – si se devia fazer investigação nesta Classe sobre o comportamento de D. Schagen e D. Oosterdagh, ambos ausentes da Assembléa, concluiu-se que sim ; entretanto não se deve proferir sentença definitiva antes de serem elles proprios ouvidos, ou em presença da classe de Deputados ou de outros que forem autorizados para isso por esta Classe.

2 – Por esse motivo a seguinte investigação foi quanto ao D., Schagen c depois quanto ao D.Oosterdagh, e sendo allegadas muitas causas contra os dous sobre as quaes ambos deveriam ser ouvidos, foram autorizados para isso os Deputados desta Classe, juntamente com o Conselho Ecclesiastico do Recife, assim como para liquidar definitivamente essas questões.

3 – Ficou resolvido permittir queos proponentes, que forem empregados neste paiz, compareçam como ouvintes a todas as sessões da Classe, não tendo voto deliberativo ou definitivo, devendo tambem sair do recinto, quando se tratar de questões pessoaes.

4 – São nomeados Deputados da Classe D. Freder, Presidente ; D. Kesselerus e D. Joachimus Solerus.

5 – Ficou tambem resolvido cumprimentar o Supremo Conselho, por meio dos dous actuaes anciãos, e pedir que, visto o decreto da Camara dos XIX dizer – que do mesmo modo que todos os outros os predicantes recebam etapa, – que SS. EEx. se dignem zelar pelos que têm que alimentar mulher e filhos neste paiz.

SESSÃO OITAVA, A TARDE

1 – Os 2 irmãos anciãos referem que, havendo apresentado o requerimento ao Conselho Supremo, receberam como resposta, que SS. EEx., quando se fizesse a distribuição das etapas, sería o o momento opportuno para lhes recordarem.

2 – D. Jacobus Dapper, tendo chegado hoje no navio Oran-gien, entregou a esta Assembléa suas cartas da parte da Classe de Schauwen e outras da Classe de Walcheren, nas quaes são declaradas a sua profissão e commissão para o serviço da palavra divina e a fundação da Egreja de Christo no Brasil, com optimos attes-tados sobre a sua pessôa.
Portanto, os irmãos da Classe o reconheceram unanimemente como tal, agradecendo com alegria ao Senhor nosso Deus que se digna usar de tão bom e paternal cuidado para a sua pobre egreja, aqui enviando tão piedosos e competentes pastores ; além disso acceitaram S. Ex. como membro desta Assembléa, rogando a Deus lhe lance a sua rica benção.

3 – Sobre o baptizado de filhos de Indios e Negros, suscita-ram-se duas questões: uma, quanto aos filhos, cujos paes não são baptizados; a outra quanto aos filhos, cujos paes foram baptizados.
Os irmãos responderam unanimemente que os filhos de paes não baptizados não poderão receber o baptismo, antes que os paes sejam instruídos na verdadeira religião christã e depois baptizados.
Mas quando já são baptizados e reconhecem Jesus Christo, então deve-se e cumpre deixar levar os seus filhos ao baptismo.
Esta resolução será levada ao conhecimento das illustres Classes de Amsterdam e Walcheren, afim de communicarem ao Synodo para dar sentença sobre a mesma.

4 – Foi proposto que os paes que pretendam apresentar os filhos ao baptismo sejam obrigados a avisar de vespera um predi-cante. O que é desejado por todos assim fosse, mas visto não ser possível estabelecer tão estrictamente essa medida, ficou resolvido deixar esta questão seguir o seu curso natural. E deve entender-se essa regra, não só com os Indios ou Negros, mas tambem com os da nossa nação.

5 – Visto haver a Classe de Walcheren enviado uma missiva ao Conselho Ecclesiastico do Recife em que requer que seja aqui empregado como proponente um certo Jan Michiels, mandado ha tempos de lá para tal fim, pergunta-se si esse ]an Michiels deve ser acceito como proponente. Responderam que, tendo-lhe sido dado pelo Conselho Ecclesiastico do Recife um texto como prova, essa foi considerada tão má, que não se julgou dever acceital-o para proponente ; portanto, deve esta Classe rejeitai-o pelo mesmo motivo.

SESSAO NONA, DE MANHÃ

1 -- Julga-se serem precisos actualmente 7 predicantes hollandezes para o Brasil, a saber :
Tres no Recife, junctamente com Antonio Vaz, para os quaes logares são nomeados D. Presidente, Fred. Kesselerus, Jacob Dapperus: do terceiro se falará, depois que S. Ex. vier do acampamento.
A egreja da Parahyba deve ser servida por D. Cor. van der Poel e D. David van Doorenslaer, os quaes devem fixar residencia na cidade, devendo tambem se encarregar alternativamente do forte Sul.
O cabo de Santo Agostinho continuará a ser servido por D. Theodurus Polhemius, que deve fazer o possível para manter lá em bom estado a egreja. Tambem os irmãos da Classe deverão lembrar-se delle por occasião.
Quanto a D. Plante, que se encontra actualmente com S. Ex. no acampamento, foi achado conveniente ouvir a S. Ex. antes de lhe indicar qualquer logar.

2 – O Sr. Gijseling, do Supremo Conselho, mandou, ha pouco, entregar a esta Assembléa uma certa missiva, mandada pela Ill. Classe de Walcheren, vinda junctamente com a missiva da Ill. Classe de Amsterdam, sobre o que já se tratou nas sessôes 5a e 6a. Ficou resolvido que nada mais ha a dizer sobre a presente missiva.

3 – Visto haver-se achado que, além dos predicantes que estão aqui no paiz, são precisos mais dous, ficou resolvido requerer ás Classes de Amsterdam e Walcheren, assim como á Assembléa dos XIX, que se dignem prover a egreja daqui de mais dous varões illustrados, piedosos e experimentados.

4 – Tambem foi resolvido responder ás Classes de Amsterdam e Walcheren sobre suas missivas e mandar as actas desta Classe aos seus Lll. Membros, para maior contentamento, por onde vejam o que temos feito, e junctamente requerer que os Ill. Membros se dignem communicar as ditas actas ás egrejas da Hollanda do Norte e de Mosa, visto que no presente não ha tempo, nem opportunidade aqui para se fazerem tantas copias.

5 – Visto que tambem não convem acceitar-se ligeiramente accusações contra um ancião ou predicante, ficou resolvido que se não podem trazer á Classe queixas contra algum dos membros da mesma, antes que seja interrogado em particular sobre isso, e, si não prestar attenção, então será primeiro admoestado pelo Conselho Ecclesiastico.

6 – Ficou, emfim, tambem resolvido que a Classe se reunirá todos os annos no Recife, em duas sessões ordinarias, no princípio e no fim do verão. O dia da reunião será communicado em tempo pelos DD. Deputados.
Depois disso, feita a exhortação do D. Presidente aos irmãos quanto ao zelo no serviço e a invocação do Santo Nome de Deus, a Assembléa se separou em bôa paz e harmonia.
Estava assignado – Fredericus Kesselerus, Classe p. t. Preses. Cornelio van der Poel Ass. David van Dorenslaer, p. t. Scriba Classis.

III

Assembléa Classical do Brasil, reunida a 5 de Janeiro de 1638, em Pernambuco

Compareceram á assembléa : da egreja do Recife: D. Joachi-mus Solerus, D. Fredericus Kesselerus, D. Jacobus Dapperus, pre-dicantes ; Jacob Altrichs, ancião; da egreja de Itamaracá: D. Jo-hannes Theodorus Polhemius, predicante, Jan Huggen, ancião; da egreja da Parahyba : D. Samuel Batiler, D. Cornelio van der Poel, D. David van Dorenslaer, predicantes ; Pieter ter Weyden, ancião; D. Franciscus Plante e D. Johannes Oosterdagh, predicantes, des-culparam-se de não comparecer por causa do serviço do acampamento.

SESSÃO PRIMEIRA

1 – Após a invocação do Santo Nome de Deus procedeu-se á leitura das credenciaes e acharam todas em ordem. Os de Itama-racá não puderam apresentar as suas, por não ter havido reunião do Conselho Ecclesiastico e foram desculpados.

2 – Passou-se á eleição, e foram eleitos por maioria de votos para presidente, D. Dapperus; assessor, D. Kesselerus; escriba, D. Polhemius.

3 – Feita novamente a oração pelo D. Presidente são lidas as actas da Classe anterior, reunida no Recife em 3 de Março de 1637. Tratou-se do seguinte .

4 – Quanto á pessôa do D. Kempius acceito pela Classe como proponente, os Deputados informaram que lhe foi concedida licença a instantes pedidos seus para ir para a Metropole, com approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, por causa da grande fraqueza physica.
A Classe acquiesceu a isso.

5 – Sobre o art. 8.º, sessão primeira – a respeito da acquisi-ção de um cavallo para os que servirem no acampamento, os De-putaram referiram que foi permittido e promettido por S. Ex. e o Supremo Conselho.

6 – Os DD. Deputados referem que, conforme foram encarregados na sessão primeira, art. 9.º, afim de obter autorização para se publicar um edital contra o incesto, tiveram o consentimento; mas, como isso ainda não se désse, foram novamente encarregados de repetir o pedido.

7 – Sobre a sessão primeira, art. 10, a respeito da judia da Parahyba, foi referido pelos DD. Deputados que o Supremo Conselho permittira que se tirasse informação com o Juiz daquella cidade ; mas, visto os Ill. irmãos da Parahyba nos haverem communicado que ella tem ido assiduamente á egreja e dado grande esperança de conversão, ficou assentado que se espere mais algum tempo, e recommendou-se aos irmãos da Parahyba para observal-a attentamente.

8 – Art. 12 da primeira sessão :
Foi communicado pelos DD. Deputados que o Supremo Conselho resolvera repatriar Sara Henrick por causa do seu casamento illicito ; mas, como não tenham ainda effectuado essa medida, a Classe requer que os DD. Deputados insistam sobre a sua execução.

9 – D. Schagen, sendo interrogado sobre esse casamento illicito, respondeu que julgara ser melhor que estivesse casada do que vivesse na prostituição : os DD. Deputados, assim como toda a classe, consideraram inconveniente essa opinião e contribuíram para que lhe dessem a demissão.
10 – Quanto a D. Johannes Oosterdagh, tratar-se-á delle mais tarde.

11 – Foi interrogado na Segunda Sessão, art. 2.o, si, segundo a resolução da Classe precedente, eram cumpridos os deveres ecclesiasticos, como sejam : – catechese, pratica da disciplina ecclesiastica, reunião de consistorios, assignatura das actas, a visita domiciliar para a communhão. Acharam que graças a Deus, tudo tem sido, quanto possível, observado e cumprido especialmente no Recife e na Parahyba. Os de Itamaracá promettem egualmente fazer o mesmo.

12 – Quanto ao art. 4.o da Sessão Segunda, acharam que todas as escolas são mantidas, segundo as circumstancias das suas localidades.

13 – Por occasião da Sessão Segunda, art. 5.o, os DD. Deputados representaram que havia muito poucos consoladores de enfermos, tanto no mar como em terra, e a Classe ao ter conhecimento disso, resolveu que sejam solicitados mais outros á Assembléa dos XIX.

14 – Sobre a Sessão Segunda, art. 6.o, relativa aos meios da catechese dos indios os DD. Deputados informam o seguinte :

1 – que D. Solerus mandara para a metropole um breve compendio da religião christã, com algumas orações, cujos exemplares são aqui esperados.

2 – Quanto a manter aqui alguns indios á custa da Companhia, para aprenderem a religião christã, o Supremo Conselho ponderou que talvez a classe nesta reunião descubra melhores meios.

15 – Indagando-se dos DD. Deputados si haviam pensado em melhores meios para a conversão dos indios, elles communicaram que achavam que se devia collocar um predicante nas Aldeias para prégar a palavra de Deus, ministrar os Sacramentos e exercer a disciplina religiosa; e que se devia juntar a esses para os auxiliarem dous preleitores, versados na língua hespanhola afim de ensinarem as crianças e os adultas a ler e escrever e instruil-os nos elementos da religião christã.
Esse parecer agradou aos Ill. Irmãos da Classe, tanto mais quanto os Irmãos da Parahyba communicaram que os Indios com quem estiveram servindo algum tempo se mostravam anciosos por terem predicantes, e requereram expressamente essa providencia á Ill. Assembléa.
A Assembléa, deliberando sobre esse assumpto, resolveu pedir ao D. David van Dorenslaer, cuja competencia e zelo, assim como o seu conhecimento da língua portugueza, eram notorios, se dignasse acceitar este appello christão.
E effectivamente rogaram áquelle digno consocio com argumentos, promettendo prestar-lhe todo o auxilio com conselhos e orações a Deus, e continuando elle como membro do Conselho Ecclesiastico da Parahyba e desta Classe.

16 – D. David van Dorenslaer, tendo ouvido o sério appello e as boas intenções da Classe e convencido da necessidade é im-portancia da questão, acceitou-o, acatando a vontade divina. Os Deputados da Classe foram incumbidos de solicitar a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.

SESSÃO SEGUNDA

I – Acham que o conteúdo da Sessão Segunda, art. 7.º, a saber que as pessôas, que quizerem contrahir matrimonio, devem comparecer ao Conselho ecclesiastico para ser celebrado o acto, está sendo practicado por toda a parte.

2 – Visto não termos até agora resposta alguma da Metropole a respeito da requisição que fizemos das actas synodaes e dos regulamentos sobre os casamentos, segundo os arts. 8.' e 9.º, Sessão Segunda, é julgado conveniente pedil-as novamente.

3 – Sessão Segunda, art. 9.o. Os irmãos são ordenados mais uma vez que examinem as pessôas que se dizem casadas e que exijam as certidões do acto religioso.

4 – De conformidade com a Sessão Terceira, art. 7.o, Anto-nette Cantei, vivendo em adulterio com Lucas Harmon, foi mandada pelo Supremo Conselho para a Republica.

5 – DD. Irmãos Deputados respondem que de conformidade com a Sessão Terceira, art. 12, elles deviam ter ido ao Cabo de Santo Agostinho para formar alli uma parochia mas, como fossem informados pelo irmão Polhemius de que existe lá pouco material para isso, desistiram da empresa.

6 – Sessão Quarta, art. 1.o, os DD. Deputados relataram que, tendo estado em Itamaracá, achando-se o predicante ausente e a egreja muito desolada, não acharam conveniente fundar um conselho ecclesiastico antes que haja lá um predicante effectivo.

7 – Sessão Quarta, art. 2.o, quanto a Peter van Haerlem, que fez alguns furtos da caixa das esmolas em Itamaracá, resolveu-se que o predicante dalli se informe e communique aos Deputados o resultado da investigação para se poder providenciar.

8 – Os Deputados, a respeito da Sessão Quarta, art. 3.o, referente á consagração dos domingos, declaram que esse preceito é observado no Recife, mas não succede o mesmo noutros logares; ficou, portanto, resolvido que se solicite de S. Ex. e do Supremo Conselho a publicação de um edital nesse sentido.

9 – Os Deputados communicam que, de conformidade com a Sessão Sexta, art. 2.o, D. Jodocus a Stetten deixara o cargo em Itamaracá.

10 – D. Samuel Folkeri, segundo a resolução da Sessão Sexta, art. 3.o, foi mandado para a Republica com a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, e foram-lhe entregues alguns attestados, conforme aprouve á Classe.

11 – Sobre a Sessão Setima, art. 2.o, referente á pessôa de D. Schagen, communicaram os DD. Deputados que elles, conforme foram encarregados, se reuniram com o conselho ecclesiastico do Recife, e deram prova disso, fazendo a leitura da acta do protocolo da egreja; a Classe ficou satisfeita e elogiou-os.

12 – A proposito do art. 3.o, Sessão Oitava, foi lida certa missiva dos delegados da Classe de Walcheren nos negocios eccle-siasticos da Companhia das Indias Occidentaes, e que contém o seguinte :

1 – Approva a nossa resolução quanto ao baptizado dos filhos de indios e negros, o que tambem é praticado pelos irmãos.

2 – Que os Directores da Camara da Zelandia se queixam que nem os XIX, nem elles, têm recebido noticias da Classe, ou do serviço ecclesiastico.

Os moderatores Classis declaram que elles, não obstante, haviam escripto aos XIX em Março de 1637, enviando as actas da Classe.

3 – Renova o pedido para que Jan Michieles seja acceito como proponente e tambem se junte a este Marcus de Foer.

O que sendo posto a votos,

I – A Classe resolveu que Jan Michieles, visto os supramencionados irmãos se mostrarem insistentes na promoção de sua pessôa e como vieram bons attestados de sua vida religiosa e do seu progresso na instrucção, seja examinado novamente e se procederá conforme o julgamento dos DD. Deputados sobre o seu merecimento e competencia.

2 – A respeito de Marcus de Foer, devido á velhice e fraqueza que apresenta, resolvem os irmãos dispensal-o aqui.

SESSAO TERCEIRA

1 – E’ declarado pelos DD. Deputados que, por communi-cação de S. Ex., D. Plante será o terceiro predicante no Recife.

2 – A respeito da Sessão Nona, art. 4o, de conformidade com a resolução da Classe, escreveu-se aos XIX e ás Camaras de Ams-terdam e Zelandia, pedindo que se dignem mandar mais dous predicantes.

3 – São apresentadas pelos DD. Deputados varias razões porque a Classe não se reuniu no tempo determinado; a Classe achou-as justas e deu-se por satisfeita.




SESSAO QUARTA

Gravamina Geraes


1 – Ha uma reclamação sobre a grande liberdade dos Papistas, mesmo nos logares onde se submetteram aos nossos aqui no paiz, sem ter feito accôrdo. Pois prégam sem impedimento em egrejas publicas, os frades habitam em conventos e gozam de suas rendas, fazem procissões nas vias publicas, edificam templos sem o conhecimento da autoridade, casam mesmo a Neerlandezes sem proclamas, o que não é permittido entre nós por varias razões, e ouvem em confissão aos condemnados á morte.
A Classe resolveu falar a esse respeito e pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho que prohibam no futuro taes abusos de que não lia precedentes na Republica.

2 – Nesse entretanto, Jan Take foi chamado para ser examinado afim de se ver si era apto a servir de preleitor nas Aldeias dos indios.
Mas, como se soube que elle ainda não tinha a necessaria instrucção para esse fim, e tambem recebendo-se aviso de que chegava aqui sem instrucção alguma religiosa, é recusado por esta vez e se escreverá á Classe a esse respeito.

3 – Carel Carelss, preleitor e consolador de enfermos no Recife, compareceu e requereu á Classe para por sua intercessão receber a sua ração sem prejuízo de seus vencimentos e que esses fossem melhorados em attenção ao seu serviço escolar; recebeu em resposta que se dirigisse ao Conselho Ecclesiastico no Recife, pelo qual já foi encaminhado esse requerimento a S. Ex. e ao Supremo Conselho.

4 – Tambem não são poucas as reclamações sobre a grande liberdade que gozam os judeus no seu culto divino, a ponto de se reunirem assás publicamente em dous logares no Recife, alugados por elles para esse fim.
Tudo isso contraria á propagação da verdade, escandalizando os crentes e os Portuguezes, que julgam que somos meio judeus, em prejuízo da Egreja Reformada, onde esses com outros que taes inimigos da verdade gozam de igual liberdade.
Sobre isso julgam urgente recommendar muito seriamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho que empreguem a sua autoridade para impedir semelhantes abusos.

5 – O terceiro gravamen é a grande desordem e irreligião commettidas quanto aos negros, como sejam :

1 – Não virem á egreja ;
2 – Na compra e venda muitas vezes as pessôas casadas são separadas ;
3 – Commettem adulterio e prostituição, sem soffrerem pena;
4 – Trabalham no domingo.

A Classe entende que, como remedio a isso, se deve estabelecer o seguinte, sem, entretanto, se cogitar actualmente si é licito a um christão comprar e vender negros para escravizal-os;

l.o – Remedium. Visto que os doutores christãos opinam que o principal fim da acquisição dos negros é o de trazei-os ao conhecimento de Deus e á salvação, deve-se, portanto, leval-os á egreja e instruil-os na religião christã, quando as circumstancias o permittirem, não importando de que religião sejam os donos; essa condição deve ser imposta na venda dos negros.
Tambem se devem nomear capitães piedosos e caridosos que os façam ir á egreja.

2.o Remedium. Deve-se tomar cuidado na compra e venda para que se não separem as pessôas legalmente casadas.
3.o Remedium. O adulterio e a prostituição devem ser prohibidos pela autoridade entre elles, como entre os christãos, e os que infringirem a lei devem ser punidos.
4.o Remedium. Devem observar o preceito do descanso dominical, não trabalhando nem para os senhores, nem para si mesmos, ficando os donos com quem estiverem responsaveis por qualquer transgressão nesse sentido.
A Assembléa entende que convém publicar essas resoluções por meio de um edital, que deverá ser solicitado a S. Ex. e ao Supremo Conselho.

6 – Em quarto logar é reclamado que os peccados de prostituição e adulterio são commettidos em tão grande escala e portantos que não causaria surpresa que a colera de Deus abrangesse a toda esta terra.

A Assembléa entende que poderão ser empregados os seguintes meios como remedios :

1.o Requisitar de S. Ex. e do Supremo Conselho um edital sobre o casamento em geral e especialmente sobre esses peccados e que o façam executar pelos officiaes;

2.o – Solicitar com todo o respeito ao Collegio dos XIX se digne impedir a vinda para este paiz de qualquer mulher em companhia de um homem, sob o pretexto de haverem contractado casamento e de prometterem casar-se aqui ; nem as mulheres que dizem estar o marido aqui, nem as que pretendem ser noivas de homens aqui no paiz, sem primeiro ter prova sufficiente, visto que isso póde muitas vezes produzir aqui grande mal.
Umas vezes têm outro marido ou mulher ainda vivos; outras vezes estão compromettidas com outro na Metropole ; algumas vezes ficam morando juntos longo tempo aqui no paiz, até se descobrir que não são casados;

3.o Deve ser feito á sua chegada aqui rigoroso inquerito pela egreja, afim de saber si são casados legalmente; para esse fim devem as mulheres ser obrigadas pelos officiaes a comparecerem ao Conselho Ecclesiastico, logo que aqui chegarem, para exhibir provas e os papeis do casamento, conforme foi resolvido na Classe precedente, Sessão Segunda, art. 9o.

7 – Em quinto logar referem que alguns dos nossos toleram que no princípio da moagem, segundo o uso dos papistas, os seus engenhos sejam consagrados com benção, ceremonias religiosas, orações e com aspergimento d’agua benta, tanto dentro como fóra das casas.

O remedio contra isso é o seguinte :
O predicante mais proximo deve procurar e exhortar os senhores de engenho para que não permittam isso outra vez.


SESSÃO QUINTA

1 – Figura como 6o gravame o seguinte:

Como cada vez mais se generalize o costume de jurar e praguejar entre moços e velhos, especialmente entre os militares e marítimos, já não sendo quasi considerado por muitos como peccado, é de receiar que provoquem dessa fórma a colera de Deus contra nós.
Foi resolvido que não sómente se verbere energicamente do pulpito contra isso, mas em todas as occasiões se advirta aos officiaes de terra e mar que devem punir os soldados e os marinheiros, segundo as ordenanças, dando assim um bom exemplo.

2 – Como 7o gravame foi apresentada uma reclamação unanime dos irmãos que não lhes é possível passar com a pensão que têm; ver-se-ão obrigados por isso a pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho por intermedio dos DD. Deputados o augmento da mesma.

3 – Gravame especial 1 :

Apresentaram uma representação contra os Portuguezes que, nos logares em que acceitaram o nosso domínio por meio do accôrdo, exorbitam tanto da liberdade sobre o seu serviço divino que não se contentam com a permissão do culto dentro dos templos, mas ostentam publicamente as suas procissões e canticos em honra dos seus santos. Entre outras cousas fincam um poste com uma bandeira no tope, dando-se um premio ao que a tirar ; o que póde causar grande mal aos nossos, pois confundir-se-ão com elles pela cubiça dos premios na sua idolatria.
Pergunta-se si não é necessario dar um remedio a isso.
Responderam ser preciso representar a S. Ex. e ao Supremo Conselho e pedir-lhes um edital contra esses abusos, que podem causar grande mal.

4 – Gravame especial 2 :
Os irmãos Deputados da egreja da Parahyba communicam a esta Ill. Assembléa que grande escandalo produz a prostituição franca e publica de Elske Groenwalle, que faz parte daquella Communa.
A esse respeito o Conselho Ecclesiastico, afim de impedir, quanto possível, o escandalo, após rigoroso inquerito e de adquirir provas evidentes de quatro testemunhas, que a surprehenderam e que estavam promptas a attestar sob juramento, e ainda uma quinta a quem Elske manifestara o seu delicto, e tendo ella confessado além disso ser verdadeiro o que disseram essas testemunhas, resolveu falar-lhe sobre isso e tanto quanto possível fazei-a reconhecer os peccados e arrepender-se.
Tendo-se feito isso por varias vezes, indo a sua casa pessôas.
enviadas pelo Conselho Ecclesiastico, visto ella não poder comparecer daquella Assembléa pelo seu estado de fraqueza, entretanto negou sempre a verdade evidente sem mostrar signal algum de pesar ou de arrependimento, infamando e injuriando mesmo os que a admoestavam.

Pelo que o Conselho Ecclesiastico resolveu apresentai-a occultando-lhe o nome, á Communhão Christã como impenitente, afim de rogar ao Omnipotente para a perdoar e converter.
Depois disso o Conselho Ecclesiastico proseguiu assídua e diligentemente, já a convidando tres vezes a comparecer ao Conselho, o que ella recusou sempre, apesar de nesse ínterim ser visitada muitas vezes por dous predicantes mandados pelo Conselho Ecclesiastico, que a exhortaram amigavelmente e com toda a brandura a reconhecer o erro e fazer penitencia.
Comtudo, nada mais puderam conseguir do que uma ou duas vezes haver ella reconhecido o erro e lastimar-se, assim pareceu, mas retractou-se depois, dizendo que isso fizera constrangida e inconscientemente, e que realmente não desejava comparecer ao Conselho Ecclesiastico.
Aquelle Conselho encarregou aos Srs. Deputados de expôr á actual Classe toda essa questão e, si esta approvar, applicar a segunda pena. E si a supra mencionada Elske ainda persistir na sua obstinação, que Deus nos livre, applicar-lhe a excommunhão, sem esperar mais pela Classe, pois a situação da sua egreja não póde supportar tão grande demora.

Os irmãos da Classe, procurando bem interpretar a vontade de Deus, após madura deliberação, resolveram o seguinte :

Visto Elske Groenwalle nunca haver gozado de bôa reputação e visto persistir na sua obstinação, que se tenha paciencia por mais dous mezes, e nesse ínterim os irmãos do Conselho Eccle-siastico na Parahyba admoestem-na seria e constantemente, e si ainda nada houverem conseguido, appliquem o segundo meio, seja com o nome patente ou occulto, conforme o Conselho Eccle-siastico achar melhor. E si nos quatro seguintes mezes não puder vencer por continuas exhortações a sua obstinação, a egreja da Parahyba tem então o direito de empregar a excommunhão ou eliminação contra ella e praza a Deus que a sua alma se salve por esse meio.

5 – Questiones.

1. Si os filhos de negros escravos, que não são baptizados, o devem ser na religião dos seus senhores.
Responderam que não, e deve-se respeitar a resolução da Classe precedente, Sessão Oitava, art. 3o.
6 – Si um predicante, demittido por ter vida desregrada, póde continuar aqui no paiz em outro cargo, extranho ao serviço divino. A Classe entende que isso se não póde dar sem grande escandalo, por causa da fraqueza da egreja aqui.

E visto encontrar-se aqui entre nós um nesse caso a saber : Jodocus a Stetten, como se vê acima, Sessão Segunda,-art. 9o, resolveram solicitar de S. Ex. e do Supremo Conselho a sua reti-rada daqui, a menos que não dê satisfação á egreja.
7 – Interrogados os DD. Deputados sobre o que haviam feito quanto á pessôa de D. J. Oosterdagh, declararam que o tole-raram no acampamento até agora, não porque tenham a intenção de deixai-o permanecer aqui, mas por falta de outro.

A Classe delibera e resolve que já se tem esperado bastante que venha um outro da Metropole e que o D. Deputado junctamente com o Illm. Conselho Ecclesiastico do Recife o mandem chamar e vejam os seus papeis.

8 – Quanto á ordem dos logares no serviço das egrejas no Brasil, os irmãos deixam estar, conforme foi resolvido pela Classe precedente, Sessão Nona, art. 1o.

9 – Os Deputados communicaram que nomearam para substituir D. Judocus a Stetten em Itamaracá D. Polhemius, que estava no Cabo de Santo Agostinho afim de servir como pastor effectivo daquella Freguezia, com approvação de S. Ex. e Supremo Conselho e ratificação da Classe, que ficou satisfeita e approvou a nomeação.

10 – Perguntam si Dominus Doorenslaer deve ir no dia 1o para as aldeias dos indios, ou si deve esperar que venha um outro predicante da metropole para o substituir no seu logar.
Responderam que deve partir no dia I e nesse ínterim D. van der Poel tome conta do serviço da egreja da Parahyba conforme puder.

SESSÃO SEXTA

1 – Visto serem muitos os engenhos de assucar comprados por Neerlandezes que nelles passam a residir, mas achando-se alguns situados em pontos tão distantes que não podem frequentar o culto publico noutras freguezias, e, entretanto, mora alli um numero regular de pessôas, esta Assembléa julga necessario que esses, especialmente os engenhos nas cercanias de Goyanna, sejam providos de tal fórma que varios engenhos sejam servidos por um predicante, ficando membros desta Classe e sujeitos ás leis desta, como o outro predicante; e que se combine sobre isso com S. Ex. e Supremo Conselho, e com os senhores de engenho, em nome desta Assembléa.
Provisoriamente o predicante situado mais proximo deve visital-os algumas vezes e fazer uma predica, e esforçar-se para que a gente faça alli as orações da manhã e da tarde.

2 – Nessa occasião fez-se uma indagação sobre os logares no Brasil, onde haja necessidade de predicantes. E foi julgado necessario prover em primeiro logar: mais um na Parahyba, mais um no Cabo de Santo Agostinho, um em Boverson, um no grande forte Mauritius no Rio Francisco, um em Goyanna, um para o acampamento. A Classe resolve representar sobre isso ao Collegio dos XIX e pedir que nos mande com urgencia esse numero de predicantes.

3 – E visto haver muito poucos consoladores de enfermos em terra e apenas dous em toda a esquadra, e entretanto se vê que em muitos logares ha falta delles, como por exemplo no acampamento : um Hollandez, um Inglez, um Francez ; um nas Cinco Pontas, um no forte Ernesto, um em Goyanna, um no forte Orange em Itamaracá, um em Serinhaem, um no Ceará, e mais alguns para preencher as vagas dos que acabarem o tempo de engajamento e se retirarem para a metropole. Resolvem, portanto, pedir ao Collegio dos XIX que nos mandem mais alguns.

4 – Visto a cidade de Olinda se tornar cada vez mais povoada e os da aldeia junto a... poderiam facilmente ir lá, a Classe julga que se deve pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho que se funde uma egreja naquella cidade, onde se pratique o culto divino.

5 – Foi communicado á Classe que Frederico Alken, conso-lador de enfermos no Rio Grande, não se portara bem ; a Classe entende que se deve tomar informações a esse respeito e que se resolva conforme as circumstancias.

6 – Perguntaram si não era preciso um proponente na língua ingleza em logar de D. Kempius; acharam que não.

7 – A Classe, além de D. Kesselerus, em logar de D. Sole-rus, nomeou D. Dapperus para Deputado.

8 – A Classe ordenou que sejam assignados no Protocollo da Classe os nomes dos predicantes e consoladores de enfermos e a data em que a Classe começou a reunir-se.

9 – Fazendo-se a Censura moris, graças a Deus, nada se encontrou que merecesse pena, pelo que D. Presidente encerrou a convenção com uma oração e os irmãos se separaram em bôa paz e harmonia.

Estava assignado : Jacobus Dapper, Presidente da Classe. – Fredericus Kesselerus, Assessor. – Johannes Theodorus Polhemias, Scriba.



IV

Classe Reunida no Recife de Pernambuco, em 29 de Outubro do anno de Nosso Senhor


Compareceram a essa Assembléa: – Da egreja do Recife : DD. Jacobys Dapperus, Fredericus Kesselerus, Joachimus Solerus, Franciscus Plante, Predicantes ; o Sr. Escabino Samuel Halters, Ancião. Da egreja de Itamaracá: D. Johannes Polhemius, Predi-cante e Cap. Bartolomeus Metting, Ancião. Da egreja da Pa-rahyba: DD. Samuel Batiler, Cornelius van der Poel, David a Doorenslaer, Predicantes; o Sr. Escabino Isaac de Rasiere, Ancião.
Depois de D. Jacobus Dapperus invocar o nome de Deus, são apresentadas as cartas credenciaes e são acceitas como bôas. D. Johannes Oosterdagh, que, por estar em serviço no acampamento, não poude comparecer, é dispensado pelo mesmo motivo.
Seguiu-se a eleição e foram eleitos por maioria de votos :
Para Presidente, D. Fredericus Kesselerus; para Assessor, D. Jacobus Dapperus; para Scriba, D. David a Doorenslaer.
Depois de ser invocado novamente o Nome do Senhor pelo D. Presidente, passou-se a tratar do assumpto.

SESSÃO PRIMEIRA – DE MANHÃ

1 – Foram lidas as actas da ultima Classe, e em seguida os DD. Deputados referiram acerca do art. 6o, Sessão Primeira, quanto a um edital contra o incesto, que insistentemente pediram e que S. Ex. e o Supremo Conselho não sómente autorizaram a publicação de um, mas ordenaram tambem que se redigisse um esboço, o que todavia não fizeram ; resolveu-se, portanto, insistir-se seriamente sobre isso com S. Ex. e o mesmo Conselho.

2 – Sobre o art. 7o, Sessão Primeira, que trata da judia na Parahyba, visto a mesma continuar no princípio da conversão, resolveu-se persistir na ultima resolução.

3 – Quanto ao que concerne a Sara Hendricks (Sessão Primeira, art. 8o), visto ainda não ter sido mandada para a Metro-pole, deve-se fazer que seja cumprida a resolução da Classe, pois já é tempo de acabar com esse escandalo.

4 – Os irmãos declaram que quanto aos deveres ecclesiasti-cos (art. 11, Sessão Primeira), se tem cumprido tudo conforme as circumstancias.
Que as escolas (art. 12, Sessão Primeira), tambem se acham em bôa ordem, sendo apenas de desejar que haja discípulos, e para esse fim deve-se falar com os paes.

5 – Quanto ao art. 12, Sessão Primeira, que manda pedir alguns consoladores de enfermos aos Illms. Srs. XIX, já se fez o pedido-e foram mandados mais alguns.

6 – Sobre o art. 14, Sessão Primeira, que trata da catechese dos indios, resolveu-se que, visto não haver voltado o pequeno livro do D. Soler, mandado antes para a metropole, os DD. So-lerus e Doorenslaer devem collaborar na composição de um breve, solido e claro compendio da religião christã, que será revisto em nome da classe por D. van der Poel e D. Polhemius, e enviado depois á metropole para imprimir ; e nos serviremos delle até que Deus nos dê maior conhecimento da língua dos indígenas.

7 – Quanto ao art. 15, Sessão Primeira, communicam que a resolução da Classe, de collocar o predicante D. Doorenslaer nas Aldeias foi approvada por S. Ex. e o Supremo Conselho, e que D. Doorenslaer já tornara a tempo conta do serviço ; sendo interrogado sobre esse serviço, D. Doorenslaer declarou que, Somando-se em consideração o espaço de tempo e a raça, o resultado é satis-factorio, comparecendo a gente ás orações e cantos diarios e ouvindo a palavra de Deus, escutando tambem com attenção as admoestações do seu predicante, sómente não sendo ainda oppor-tuno ministrar-lhe a communhão.

A proposito disso ficou resolvido, para maior edificação dos Indios, solicitar a S. Ex. e Supremo Conselho que a ordem do governo das Aldeias estabelecida recentemente por S. Ex. e Su- premo Conselho fosse communicada e introduzida nas Aldeias.

8 – D. Jodocus a Stetten compareceu á Sessão, declarando que, tendo sido anteriormente demittido do serviço por esta Classe, devido a algumas faltas,commettidas por elle, comparece agora humildemente ante a mesma, afim de lhe dar satisfação e pedir-lhe que o perdôe e o readmitta no serviço, promettendo proceder dóravante de tal modo que ella não terá motivo algum de arrepender-se da sua admissão. Pelo que a Classe, movida por compaixão christã para com o irmão decaído, julgou bom, depois de fazer um inquerito, deferir, sendo possível, o seu humilde requerimento.

Antes de tudo fizeram uma investigação sobre o seu procedimento desde a sua demissão, especialmente com os irmãos de Itamaracá, onde ao faltas foram comettidas ; esses, assim como muitos outros irmãos, deram optimos attestados de D. Stetten, de tempos a esta parte, do seu abatimento e bom procedimento, quer publico, quer privado.
Depois os irmãos deliberaram sobre o pedido de D. a Stetten até depois do meio dia, por causa de sua importancia,

SESSÃO SEGUNDA, Á TARDE

1 – Sobre a questão de D. a Stetten trataremos de resumir o que se passou: visto elle se offerecer a dar uma satisfação á egreja sobre os erros commettidos, a assembléa acceitou a proposta e ordenou que a fizesse solemnemente, tanto ante esta assembléa, como ante a egreja de Itamaracá, onde commettera os erros, a saber : que mostre aqui o seu arrependimento e pesar e o mesmo deve ser communicado na sua presença á egreja de Itamaracá.
Essa resolução foi, portanto, exposta pelo D. Presidente ao D. a Stetten, que foi interrogado si reconhecia com profundo arrependimento os passados erros e si queria fazer esquecer com um pio proceder os escandalos causados por elles, dando aos outros um bom exemplo.
D, a Stetten respondeu: Sim. E mostrou grande desanimo com humildade, tendo tambem concordado que se expuzesse a sua contrição á egreja de Itamaracá, accrescentando ficar satisfeito com a resolução da assembléa, e pede a Deus que o fortifique por meio do Espírito Santo nesta bôa empresa.
Depois foi resolvido, tanto por causa da dita satisfação e bom attestado dos irmãos de Itamaracá, como tambem de outros, readmittir D. a Stetten no serviço divino; mas a sua nomeação só terá logar depois de feita a communicação á parochia de Itamaracá, o que se deve fazer logo.
Depois que os Deputados hajam feito por mais algum tempo investigações sobre sua vida, e saindo tudo segundo a esperança e o desejo, então dêm posse ao D. a Stetten com a communicação do predicante situado mais proximo. Recebeu a assembléa por esse motivo os agradecimentos de D. a Stetten, desejandolhe depois a rica benção de Deus.

2 – Sobre o art. 2, Sessão Segunda, foi communicado que a Classe de Amsterdam mandou resposta a respeito da requisição das actas synodaes e ordenanças matrimoniaes, o que será depois mostrado á Classe.

3 – O art. 3, Sessão Segunda, sobre o exame dos que se apresentam como casados, tem sido cumprido por toda a parte.

4 – Quanto ao que concerne a Peter van Haerlem, que furtou dinheiro da caixa de esmolas e tendo sido condemnado a restituir o furto, foi resolvido mais pedir-se informação sobre o cumprimento daquella sentença.

5 – Quanto ao art. 8, Sessão Segunda, os Deputados referem que pediram a S. Ex. e Supremo Conselho um edital geral contra profanação dos domingos, o que lhes foi promettido; mas, como o edital ainda não apparecesse, os Deputados devem insistir sobre o assumpto.


6 – E’ communicado pelos Deputados que, de conformidade com o art. 12, Sessão Segunda, procederam ao exame de Jan Michiels e ficaram tão safisfeitos que o promoveram a proponente, o que foi approvado pelos irmãos, tanto mais quanto souberam que elle desempenha a contento o seu serviço.

7 – Quanto ao gravame da grande liberdade dos Papistas (de que trata a Sessão Quarta, art. 1o), os Deputados declaram que se queixaram a esse respeito a S. Ex. e Supremo Conselho e pediram-lhes que procedessem contra isso com a sua autoridade. Receberam como resposta que fôra concedida e permittida liberdade aos Papistas; entretanto, S. Ex. e o Supremo Conselho providenciaram, afim de que o serviço divino dos Papistas se realizasse dentro das egrejas, e que tambem os padres que casassem sem fazer proclamas haviam de ser punidos ; mas que, entretanto, e apesar disso, a liberdade e insolencia dos Papistas crescem e se desenvolvem, motivo por que é julgado urgente insistir-se sobre isso mais seriamente, afim de cessar esse gravame e pedir uma interpretação sobre a extensão da liberdade dos Papistas, para tranquillizar a nossa consciencia sobre isso e para mostrar que não pactuamos com a idolatria.

8 – Sobre o art. 4o, Sessão Quarta, ácerca da excessiva liberdade e audacia dos Judeus, os Deputados referem que apesar de S. Ex. e do Supremo Conselho declararem que os Judeus não têm tal liberdade e encarregaram, portanto, de sua repressão ao fiscal, comtudo a sua audacia augmenta cada vez mais, tanto no Recife como na Parahyba, onde têm á disposição o esculteto, que tratou da pretensa liberdade.
Sendo esse abuso completamente escandaloso e prejudicial aos fins e á honra de Deus, os Deputados são novamente encarregados de tratar com S. Ex. e o Supremo Conselho, afim de que se dignem reprimir tal audacia.

SESSÃO TERCEIRA, DE MANHÃ

1 – Compareceu D. Kempius, que fôra á metropole e exercera o cargo de proponente. Elle pediu para ser acceito como tal, ou em qualquer outro serviço, conforme as circumstancias da egreja, não podendo, entretanto, apresentar attestado da egreja da metropole, nem commissão da Camara de Amsterdam.
Por esse motivo, e especialmente porque não ha actualmente necessidade aqui de um proponente inglez, a Classe não o póde admittir como proponente, segundo o art. 6o, Sessão Sexta, da Classe precedente.
Desejaria bem, entretanto, aproveital-o em qualquer outra causa; e por esse motivo, examinando-o, afim de ver si tinha algum conhecimento da língua portugueza e achando-o assás apto para dar instrucção aos indios, a Classe resolveu empregal-o nesse mistér. Deviam, portanto, os Deputados communicar essa resolução a S. Ex, e ao Supremo Conselho, requisitando o competente ordenado. Deviam tambem lembrar-se de exhortar ao D. Kempius a desempenhar bem o seu logar.

2 – Sobre o 3.o, gravame, exposto no art. 5.o, Sessão Quarta, que trata da desordem e irreligião entre os negros, os Deputados referem que S. Ex. e o Supremo Conselho não somente approva-ram os remedios lembrados e resolvidos contra esse mal, como prometteram publicar um edital, pondo em pratica os ditos reme-dios, pelo que os Deputados nada mais tinham a fazer, sinão recommendar que cumpram a promessa.

3 – Os Deputados referem que S. Ex. e o Supremo Conselho julgam da maior necessidade um edital contra a prostituição e o adulterio (de que trata o art. 6o, Sessão Quarta), pelo que já haviam dado ordem para a sua publicação.

Mas, como esse mal cada vez mais se desenvolva e ainda não tenha apparecido o edital, a Assembléa, que esperara algum resultado daquella medida, affligindo-se muito, tanto porque isso redunda em grande deshonra para o Santo Evangelho e para o Santo Nome de Deus, como porque, permittindo essa praga, se attrahiria a colera de Deus sobre este paiz, encarrega mais uma vez aos Deputados de insistirem com S. Ex. e o Supremo Conselho, pedindo e incitando para que publiquem o promettido edital.

4 – Compareceu Daniel Hesta Bellombre, consolador de enfermos, francez, pedindo licença para partir para a metropole ; mas, como não tenha sido nomeado, ha muito tempo, para esse cargo, a Classe entende que lhe não deve conceder o pedido, sem se haver antes aproveitado um tanto dos seus serviços.

Deve, portanto, servir aqui pelo menos um anno.

5 – O remedio contra as praticas supersticiosas antes de começarem os engenhos a moer, de que trata o art. 7o, Sessão Quarta, tem-se applicado por toda a parte, e ainda se applicará onde fôr preciso.

6 – Sobre o gravame contra as pragas e juramentos, de que trata o art. 1o, Sessão Quinta, dizem os Deputados que pediram e lhes foi promettido um edital, mas que até agora não foi publicado, pelo que se deve ainda insistir no pedido e se deve pro-fligar seriamente nas egrejas e em qualquer parte contra esses peccados.

7 – Referem mais os Deputados sobre o art. 2o. Sessão Quinta, que S. Ex. e o Supremo Conselho approvaram o augmento dos ordenados dos predicantes e vão recommendar á Camara dos XIX.
8 – Quanto ao gravame especial contra a grande audacia dos Papistas na Parahyba, os Deputados declaram que S. Ex. e o Supremo Conselho, a pedido delles, prometteram providenciar, afim de que isso não se reproduzisse, já se vendo o resultado da promessa.

9 – Sobre Elske Groenwalle, de que trata o art. 4o, Sessão (Quinta, os irmãos da Parahyba declaram que ella reconheceu o erro e fez penitencia tanto em particular ante o predicante e o ancião, como tambem ante o Conselho Ecclesiastico, que por isso não proseguiu até a segunda pena, mas achou conveniente vigial-a por algum tempo mais, e no caso della mostrar os fructos da conversão, permittindo-lhe, si ella pedir, que volte á mesa do Senhor, de que fôra afastada pelos escandalos commettidos. A Assembléa, regosijando-se com isso, pede a Deus que complete com um fim feliz esses bons princípios,

10 – O que fôra resolvido sobre Jodocus a Stetten no art, 6o, Sessão Quinta, ficou avultado e revogado pelo art. 8o, Sessão Primeira, da Classe actual.

11 – A respeito do art. 7o, Sessão Quinta, em que os Deputados e o Conselho Ecclesiastico do Recife foram encarregados de rever os papeis de D. Oosterdagh, referem os Deputados que lhes foram apresentadas ao Conselho Ecclesiastico do Recife as queixas da Classe, e como elle se defendesse das mais graves, e as outras não tivessem importancia, e tambem porque de algum tempo para cá foram dados bons attestados sobre sua pessôa e o seu serviço, os Illms. Membros do Conselho Ecclesiastico não o qui-zeram demittir do serviço, mas resolveram empregal-o no acampamento, depois de lhe fazer uma séria admoestação.
A Classe ficou satisfeita com essa solução.

12 – Quanto ao art. 10, Sessão Quinta, foi relatado que David a Doorenslaer foi ha tempos para o serviço dos indios, e nesse ínterim o D. van der Poel esteve só na egreja da Parahyba até que se lhe juntou provisoriamente o proponente Jan Michiels, para prestar serviço no forte do Sul.

13 – Quanto á collocação de um predicante nos engenhos, especialmente nos de Goyanna, de que trata o art. Io, Sessão Sexta, os Deputados referem que S. Ex. e o Supremo Conselho approvaram a resolução da Classe, precisando apenas para exe-cutal-a que venham alguns predicantes da metropole, o que teremos de esperar.

SESSÃO QUARTA, DE MANHÃ

I – Fez-se o pedido á Camara dos XIX, de conformidade com o art. 2o, Sessão Sexta, para que enviassem alguns predicantes; mas até agora não foi mandado nenhum, pelo que se resente o culto dos nossos compatriotas, que nunca podem ouvir a palavra de Deus, nem gosar dos Sacramentos, visto que os logares se acham situados muito distantes uns dos outros, estando pelo contrario o paiz cheio de padres e sacerdotes idolatras.
Deve-se, portanto, mandar uma carta, pedindo ainda maior numero de predicantes, porquanto ha alguns outros logares preci-sando delles, por exemplo: Alagôas, Serinhaem, S. Agostinho, etc.

2 – Tambem se cumpriu o art. 3o, Sessão Sexta, que trata de mandar vir da metropole alguns consoladores de enfermos, e já nos foram mandados alguns; mas são precisos muitos mais; devendo-se tambem, por isso, escrever novamente aos XIX, pedindo que colloquem um consolador de enfermos em cada navio da Companhia.

3 – Referem os Deputados sobre o art. 4o, Sessão Sexta, que foi approvada por S. Ex. e o Supremo Conselho a construcção de uma egreja em Olinda, mas ainda não começaram as obras por falta de operarios.
Entretanto, recebendo noticias de que os papistas já fizeram alli uma egreja, além de dous conventos e requerem licença para mais dous, ficou resolvido empenhar-se com S. Ex. e o Supremo Conselho para construir a nossa egreja e prohibir que os papistas façam outra,

4 – A respeito de Frederick Alken, consolador de enfermos no Rio Grande, de que trata o art. 5o, Sessão Sexta, recebeu-se communicação que o seu serviço alli não póde ser muito edifi-cante e julgam conveniente que seja chamado e mandado para a Republica, conforme pediu.

5 – Daniel Hesta Bellombre apresentou um requerimento escripto, repetindo o mesmo que já dissera na Classe verbalmente, isto é, pedindo licença para partir para a Republica.
Visto ser este escripto feito com muita imprudencia e falta de respeito e mesmo com algumas feias calumnias contra esta Assembléa, faz-nos dar a dita licença, pois não é digno de continuar no serviço, e deve-se mostrar os seus imprudentes excessos a S. Ex. e Supremo Conselho, para que não receba ordenado de consolador de enfermos desde o tempo em que foi nomeado para esse serviço, em que nada fez. Essa resolução tambem foi appro-vada por S. Ex. e Supremo Conselho.

6 – Gravames :

  1. Os irmãos desejam unanimemente que cessem de uma vez os motivos dos velhos gravames, quanto á grande liberdade dos judeus e papistas, desregramento entre os negros, profanação dos domingos, pragas e juramentos, etc.

2) Recebeu-se a seguinte representação : Quasi todos os Senhores de engenho neerlandezes, da mesma fórma que os portu-guezes, começam a moagem nos seus engenhos no domingo, por nenhum outro motivo a não ser que tal é o uso do paiz, pois nada mais ha nisso do que a profanação do domingo e tomar-se parte na superstição dos Papistas.
Ficou resolvído, portanto, requerer a S. Ex. e ao Supremo Conselho se dignem mandar incluir particularmente este exemplo no edital contra a profanação do domingo, e prohibir esse abuso tanto aos Portuguezes, com aos Neerlandezes.

3) Representaram contra alguns consoladores de enfermos que fazem baptizados na falta de predicantes, competindo esse acto unicamente aos predicantes; ficou resolvido não permittir de de fórma alguma a continuação desse abuso.

Questiones :

1) Si as pessôas, que aqui são nomeadas para o cargo de consoladores de enfermos, não se devem ligar por certo tempo por contracto á Companhia?
Resposta : Sim. O prazo fica ao alvitre dos promotores.

2) Si não convinha que a nossa Assembléa Classical começasse por uma predica?
Resposta : Sim, e por um que deve ser eleito para isso e presentemente foi nomeado D. Praeses Kesselerus.

SESSÃO QUINTA, A TARDE

1 – Como nos seja communicado que muitos dos nossos indios, homens e mulheres, quer pelas necessidades da guerra, quer por livre vontade, estão separados dos conjuges, de certo tempo a esta parte, e não se podem casar com outro, apesar de o desejarem e de não poderem facilmente privar-se do matrimonio, desejamos saber qual o melhor meio e modo de superarmos esta difficuldade.
Resposta: O fugitivo que abandonou o conjuge deve ser citado pelo juiz por meio de um edital a reunir-se ao seu con-juge, e expirado o prazo a pessôa abandonada será livre e desem-baraçada da outra, para sempre.
Os Deputados devem, portanto, indagar de S. Ex. e do Supremo Conselho, a quem se deve requisitar tal edito.

4 – Si um homem, tendo abandonado a mulher e durante a vida desta tiver um filho com uma mulher livre, póde casar-se com esta após a morte da esposa.
Dá-se actualmente este caso em Pojuka, entre os indios, tendo o adulterio vivido muito tempo com outra mulher e não querendo ambos separar-se.

Resposta: Quanto ao caso declarado, não se deve proceder contra, visto os indios não serem ainda muito legaes ; não se deve, entretanto, fazer o casamento sem anteriormente fazerem penitencia em publico, não devendo este caso firmar precedente.

2 – A pedido dos irmãos da Parahyba, Jan Lodewikss, con-solador de enfermos, em Frederika, é permittido partir em Maio para a Republica, devido á sua velhice e estado de fraqueza, devendo os DD. Deputados lembrar-se de solicitar a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.

3 – D. Jacobus Dapperus expõe que, estando quasi expirado o prazo de dous annos por que foi nomeado aqui no paiz para servir na egreja de Deus, tem idéa de partir em Março vindouro para a sua egreja, que não o quer ceder por mais tempo e elle não quer de fórma alguma ir contra a vontade da sua parochia.
Essa declaração foi ouvida por todos os irmãos com grande tristeza, e desejaram ardentem ate que aquelle D. mudasse de idéa e prestasse serviço por mais algum tempo, dando auxilio e conselho na egreja deste paiz ; tanto mais quanto havia dous annos que não vinham predicantes da metropole, por cujo motivo egual-mente a Classe se empenhou por o persuadir a ficar mais um anno, promettendo justificar do melhor modo a continuação da sua estada comnosco á sua egreja e Classe, e sem duvida o seu zelo mais contribuiria a despertar do que a extinguir o amor dos seus irmãos e da sua egreja.

E si ainda assim elle não desistir da intenção, a Classe não tornará uma resolução decisiva, mas pede que rogue a Deus que o inspire durante o tempo que lhe resta do prazo, esperando que elle se resolva a ficar.

A Classe resolveu, entretanto, que, no caso que D. Dapperus sempre queira partir, os Deputados dêm-lhe a competente licença em nome da Classe com os attestados Classicaes, segundo o seu merito e valor.

4 – E’ lida a missiva da Classe de Amsterdam (de que já se fez referencia no art, 2o, Sessão Segunda), em que além de uma justificativa pela lentidão da correspondencia e uma declaração da sua satisfação e attenção pela egreja do Brasil, vem o seguinte :

1) Que communicou as cópias das nossas actas classicaes ás e«rejas da Hollanda do Norte e Mosa, como nós pedíramos,

  1. Que o nosso pedido para nos communicar as actas do Synodo do Norte da Hollanda, desde o anno de 1620 até agora, foi concedido, e as cópias das actas já se acham tão adiantadas que brevemente as receberemos, assim como as decisões sobre o matrimonio.

  1. Que a opinião do Synodo da Hollanda do Norte, como tambem a da Classe de Amsterdam, sobre o baptizado dos filhos de paes não baptizados, está de accôrdo com a da nossa Classe.

  1. Que a Classe empregara grande diligencia para prover a nossa egreja com dous predicantes bons e competentes e já os havia escolhido e proposto aos Srs. Directores, mas ainda não obtiveram consentimento, e que a Classe não deixaria por isso de insistir.

  1. Que a Classe de Amsterdam tratara dos papeis de D. Wachtelo, conforme as actas da nossa Classe, encontrando da parte daquelle grande trabalho e difficuldade, pois, sendo obrigado a justificar-se ante a Classe de Amsterdam, allegou tanta cousa, que a sua questão se tornou duvidosa ; que a esse respeito a Classe de Amsterdam nos envia cópias dos testemunhos que elle, Wachtelo, lhe apresentou e que o parece justificar contra as accusações.

  1. Manifesta ainda a Classe de Amsterdam o seu contentamento e applauso pela prosperidade da egreja do Brasil, assim como o seu empenho ante os Directores para nos ajudar nessa justa empresa.

Concluem, portanto, esperando fique patente do que vem referido acima, a sua bôa vontade para com a classe e a egreja do Brasil, e pedindo a Deus abençôe as nossas pessâas e a nossa empresa.

SESSAO SEXTA, DE MANHÃ

1 – Foi lida mais uma vez a missiva da Classe de Amster-dam, e visto nos pedirem na mesma uma minuciosa noticia e informações quanto á pessoa de D. Wachtelo, e os attestados dados pela egreja, a Classe, ainda que a contragosto e forçada, indagou tudo bem rigorosamente especialmente das pessôas ecclesiasticas, que serviram com Wachtelo, e por esse fidedigno inquerito a Classe julga e declara :

Primeiro – que a conducta de Wachtelo aqui no paiz não foi regular, não sendo possível á Classe dar-lhe um attestado bom ou honroso.

Em segundo logar – o testemunho ecclesiastico, apresentado por elle na metropole, só foi obtido após varias recusas a sua importunação e tendo-se-lhe préviamente feito acres exhortações e reprimendas, e não para o recommendar a alguem, não se suppondo que tal documento fosse interpretado como só agora sabem que foi.

A Classe, portanto, resolveu unanimemente mandar á Classe de Amsterdam a necessaria informação sobre toda a questão de D. Wachtelo, quanto á sua pessôa e á sua vida.

2 – Compareceram á sessão o Sr. Almirante Willem Corneliss e o Sr. Major Mansveld, pedindo á Classe lhes fornecesse um predicante e consolador de enfermos para a proxima expedição; para esse fim foi resolvido dar a esses Illms. Srs., além de um consultor de enfermos, o proponente Jan Michiels.

3 – E’ lida uma missiva da Classe de Walcheren á Classe do Brasil, em que aquelles Illms. irmãos manifestam a sua satisfação pelo que tem sido feito pela nossa Classe, dando graças a Deus e pedindo-lhe a sua benção.

Declaram tambem que expuzeram á classe da Zeelandia, conforme escrevemos, o effeito nocivo do judaísmo aqui no paiz.
Quanto ao augmento da nossa pensão, têm trabalhado para obter e continuarão nesse empenho.
Lastimam que, apesar da sua diligencia, não tenham podido remediar a nossa falta de predicantes ; mas promettem fazer ainda o possível para conseguir esse desideratum.
Os Srs. Directores da Zeelandia estão resolvidos a mandar para cá competentes consoladores de enfermos.
E concluem, agradecendo á nossa Classe pela promoção de Jan Michiels.
Ficou resolvido responder-se a essa missiva, pedindo-se de um modo attencioso que os irmãos da Classe de Walcheren per-severem na sua bôa disposição e zelo para com a egreja deste paiz.

4 – Daniel Hesta Bellombre apresenta novamente uma petição, solicitando um attestado desta Assembléa sobre a sua pessôa e vida, o que lhe é recusado por não o merecer.

5 – E’ eleito por maioria de votos para Deputado da Classe, D. Joachimus Solerus, para substituir D. Fredericus Kesselerus, cujos serviços durante dous annos foram louvados.
E no caso de que D. Dapperus venha a partir (o que esperamos não succeda), sera substituído por D. Kesselerus.
Observando-se a censura morum e nenhuma culpabilidade se encontrando, a Assembléa dissolveu-se em harmonia, depois do D. Presidente exhortar a todos os irmãos a prestarem idealmente os seus serviços e depois de dar graças a Deus.
Estava assignado: David a Doorenslaer, p. t. Scriba Classis.

V

REUNIãO EXTRAORDINARIA DA CLASSE,
REALIZADA NO RECIFE DE PERNAMBUCO, EM 25 DE MARçO DE 1639

Compareceram, como predicantes, da egreja do Recife : D. Fredericus Kesselerus, Presidente; D. Jacobus Dapperus, Assessor; D. Joachimus Solerus e D. Franciscus Plante, e o Sr. Esca-bino Samuel Halters, ancião ;
Da igreja da Parahyba : como predicantes : D. Samuel Batiler, D. Cornelius van der Poel e D. David a Doorenslaer Scriba, e o Sr. Escabino Menso Franss, a Turnhout, ancião;
Da egreja de Itamaracá : D. Thedorus Polhemius, predicante, e o Sr. Escabino Jan Wijnantes, ancião.
Após a invocação do Santo Nome de Deus abriu-se a sessão,

SESSÃO PRIMEIRA

1 – O D. Presidente communica aos irmãos o motivo da convocação da sessão extraordinaria, a saber : pelo não pequeno embaraço quanto á pessôa de D. Oosterdagh, actualmente no rio Francisco, o qual após a ultima censura, que soffreu, offendeu mais uma vez gravemente a egreja de Christo e difamou o serviço divino com certos capciosos escriptos e acções, com o que tentou ou conseguiu apanhar dinheiro de alguns, pelo que os Deputados resolveram fazel-o vir á Classe que para isso tenha competencia, dando-se préviamente noticia a S. Ex. e ao Supremo Conselho.

2 – Pelo que o D. Deputado, depois de communicar á Assem-bléa a questão de D. Oosterdagh com a indicação dos nomes daquelles que affirmavam ser seus credores e as respectivas quantias, apresentando tambem uma resposta escripta de Oosterdagh em que elle confessa algumas cousas de que é suspeitado e além disso que elle, devido a algumas faltas, fôra chamado havia pouco, declara que até o presente não podia formar um verdadeiro juízo dos particulares da questão e das condições de espírito de Ooster-dagh e portanto preferia mil vezes ser demittido do cargo a continuar assim esse serviço com o peso da sua consciencia e despeito do Santo Ministerio.

3 – Portanto, para se apurar essa questão importante, ficou resolvido proceder-se a um interrogatorio a respeito dos mencionados factos e fazer vir á presença da Assembléa o proprio D. Oosterdagh.

SESSÃO SEGUNDA

São esses os interrogatorios feitos ao D. Oosterdagh com as respectivas respostas, em primeiro logar, quanto ao caso do Sr. Jacob Coets :

1o – Si elle, Oosterdagh, recebeu de Christiaen Cobus a somma de 1.134 florins?
Resposta – Sim, tanto em dinheiro, como em despesas.

2o – Si elle ao mesmo tempo, para tranquillizar a Christiaen Cobus, não lhe passara uma letra de 1.500 florins sobre o Sr. Jacob Coets?
Resposta – Sim.

3º – Si então o Sr. Jacob Coets era devedor desses 1.500 florins a elle Oosterdagh?
Resposta – Não. Mas, certa pessôa escrevera da Metropole a elle, Oosterdagh, dizendo que o sr. Coets entregaria a elle Ooster-dagh aquella quantia. Sendo mostrado que então devia ter sido feita menção disso na letra e a referida quantia não ser pedida como dinheiro desembolsado; que além disso nenhum amigo seu seria capaz de adiantar-lhe tal importancia:
Resposta – Os irmãos, apresentando esse facto agora, com-mettem um grande abuso ; façam como lhes aprouver.

Quanto ao raso de Jan de Backer:

1o) Si elle, Johannes Oosterdagh, recebeu de Jan de Backer a somma de 300 florins?
Resposta – Sim.

2o) Si elle satisfez a Jan de Backer, quanto a essa divida?
Resposta – Não, porque não pôde conseguir entregar os ani-maes que lhe deviam e com que elle promettera pagar a Jan de Backer.
Sendo, então, perguntado, por quem fôra escripta aquella pequena carta em portuguez, que elle dera a Jan de Backer para prova de que elle tinha de receber brevemente muitos animaes :
Resposta – Por um francez. Ao que sendo replicado: é um nome portuguez, e não francez, o que está assignado ; tambem é evidente que foi escripto pelo vosso proprio punho.
Resposta – Sobre a primeira nenhuma palavra.
Sobre a segunda afirmativa, tendo vacillado algum tempo, depois de ser insistido, respondeu finalmente como que perguntando : Não me é permittido então conservar cópia de uma carta?
Depois de D. Oosterdagh haver feito essa declaração, ficou resolvido adiar a continuação do processo, devido á sua importan-cia, para o dia seguinte, e os irmãos foram exhortados a pensar maduramente para depois resolverem o que fosse conveniente á gloria de Deus e á edificação dos fieis.

SESSÃO TERCEIRA

Depois de Johannes Oosterdagh ser novamente chamado, a Classe resolveu perguntar-lhe si elle estava disposto a pagar as suas dividas; ao que respondeu que tinha esperanças de o fazer, no emtanto actualmente não tinha meios para isso.
E’ exhortado em seguida a declarar francamente sobre o que disse hontem, quando respondeu sobre a letra do Sr. Coets, que especie de abuso commettemos com isso.
Elle respondeu que a carta (apresentada no terceiro interro-gatorio concernente ao caso Coets) é delle mesmo, assim como reconhece que a outra carta a respeito dos animaes (de que se tratou no segundo interrogatorio concernente ao caso de Jan de Backer) tambem é delle proprio.

2 – Visto, portanto, ser evidente de todas essas respostas francas e da livre vontade de Johannes Oosterdagh, que elle empregou meios fraudulentos para apanhar dinheiro dos outros, forgican-do falsos escriptos, como, por exemplo, uma letra e uma carta em portuguez a respeito de uns animaes que de fórma alguma lhe pertenciam, visto ficar manifesto em suas cartas de palavras claras e simples que não póde continuar no serviço, sem prejuízo do Santo Ministerio, tambem sem se poder confiar na sua consciencia devido á sua má vida anterior e que elle não póde bem affirmar ter vocação particular e íntima para o officio, merece, pois, ser despedido.
A Classe, portanto, depois de haver invocado o Santo Nome de Deus e bem ponderar no santo temor de Deus, resolveu unanimemente demittir Johannes Oosterdagh do serviço, visto que, apesar de haver sido varias vezes censurado por sua conducta, sus-penso do serviço por tres mezes e reprehendido ultimamente, muito severamente, sob pena de remoção pelo seu máo procedimento, no emtanto, apesar de tudo isso, portou-se tão mal como jamais o fizera antes, desmoralizando de tal fórma o seu Santo Ministerio, que não se póde ou mesmo deve supportar sem provocar a male-dicencia ou escandalo dos fieis.

3 – Essa resolução, sendo lida pela Classe a Johannes Ooster-dagh, ella ficou com o espírito tranquillo, convencida de ter procedido em bôa consciencia, esperando tambem que isso sirva para sua humilhação perante Deus.

4 – Finalmente, foi resolvido communicar por meio do D. Deputado o resultado da deliberação da Classe a S. Ex. e ao Supremo Conselho, solicitando que executem a sentença.
Em seguida, visto o D. Deputado expôr o comportamento recto e pio de D. Jodocus a Stetten desde a ultima reunião Classi-cal, o que é comprovado por bons testemunhos, e visto achar-se suspenso do serviço, sendo, entretanto, agora muito conveniente a sua volta ao mesmo, ficou resolvido fazer D. a Stetten voltar ao serviço e solicitar a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.
O D. Deputado refere que a resolução da Classe a respeito da demissão de Johannes Oosterdagh foi approvada por S. Ex. e pelo Supremo Conselho.
Que tambem S. Ex. e o Supremo Conselho acharam conveniente depois disso, por causa do escandalo, mandar D. Ooster-dagh para a Europa no primeiro navio.
Referem igualmente que S. Ex. e o Supremo Conselho ficaram muitos satisfeitos com a nomeação de D. a Stetten.
Depois disso ficou resolvido communicar a S. Ex. o logar onde D. a Stetten vai exercer o serviço.
E assim terminou essa sessão da Assembléa, sendo encerrada com uma oração a Deus.
Estava assignado. – David Doorenslaer, p. t., Classis Scriba.

VI

CLASSE REALIZADA NO RECIFE DE PERNAMBUCO BRASIL
EM 20 DE ABRIL DO ANNO DE 1640 DE NOSSO SENHOR

Antes de principiar a sessão D. Kesselerus fez uma predica sobre duas Theses I v. 3, que foram acceitas como orthodoxas e portanto approvadas pelos Irmãos.
Compareceram á Assembléa pela egreja do Recife, como pre-dicantes :
D. Fredericus Kesselerus, D. Joachimus Solerus, D. Fran-ciscus Plante.
O Sr. Commissario Lintsenich como ancião.
De Itamaracá : D. Joan Theodorus Polhemius ; de Serinhaem:
" D. Joh. Eduardus ; do Cabo Santo Agostinho : D. Jodocus a Stet-ten ; do Porto Calvo : D. Nicolaus Vogelius. – Todos elles predi-cantes.
São ainda esperados D. David Doorenslaer, predicante dos Indios, assim como os Irmãos da Parahyba.
Entretanto, como se esperou debalde dous dias, resolveu-se começar a Assembléa,
Foi desculpada a ausencia de D. Rabirius Eeckott, predicante no Rio de Francisco, por causa da grande distancia.
Depois do D. Kesselerus haver invocado o Nome de Deus é apresentada e approvada a carta credencial da egreja do Recife.
A desculpa de D. Polhemius para não apresentar credencial, ou não trazer um ancião, não é acceita.
Depois disso procede-se a eleição e foram eleitos com maioria de votos para presidente, D. Franc. Plante : assessor, D. Freed. Kesselerus : Scriba, D. Joh. Eduardus.
Finalmente sendo invocado mais uma vez o Nome de Deus, começaram os trabalhos.

SESSAO PRIMEIRA

1 – Os Deputados referiram a respeito da longa demora da classe ordinaria que não foi facil convocar a Assembléa, por causa da constante vigia no mar e em terra, por cujo motivo os Irmãos não podiam abandonar as suas guarnições.

2 – Ao art. 1o Sessão Primeira. Quanto ao edital contra o incesto, recebeu-se resposta de S. Ex. e Supremo Conselho dizendo que consideram ser muito necessario expedil-o sem demora, e tinham encarregado ao Sr. Assessor de fazel-o e publical-o.

3 – Ao art. 7o Sessão Primeira. Executou-se o que se refere ao regulamento dos Indios.

4 – Ao art. 4o Sessão Segunda. Quanto a Peter van Haerlen, que tirara algum dinheiro da caixa de esmolas e até agora não deu satisfação sobre isso, encarregou-se o Conselho da Igreja de Ita-maracá de interrogal-o e apresentar o resultado do inquerito ao delegado da Classe.

5 – Art. 5o Sessão Segunda. O edital contra a profanação do domingo ainda não foi publicado, mas S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram que o mandariam fazer brevemente.

6 – Art. 7.o Sessão Segunda. Quanto á liberdade de culto dos Papistas S. Ex. e o Supremo Conselho responderam que cumpririam o seu dever, restringindo-a tanto quanto permittissem as condições do paiz ; que elles já tinham expulsado os frades.
Prometteram tambem a publicação de um edital declarando que o culto dos Papistas só podia ser exercido dentro das suas egrejas para não escandalizar aos outros e que no caso de infracção perderiam aquelle privilegio.
Tambem nenhum padre poderia casar quem quer que fosse sem os previos proclamas, sob egual pena e privação do cargo.
Como, entretanto, se tem ouvido haverem sido realizadas em alguns logares procissões publicas e comedias idolatras, deve-se pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho a publicação do edital contra isso.

7 – Compareceu Boudewijn Maarsschalck, consolador de enfermos no Cabo, pedindo para ir á Metropole buscar a sua mulher e foi resolvido recusar-lhe por causa das más consequencias.

8 – Art. 8.o Sessão Segunda. Quanto á liberdade de culto dos Judeus, S. Ex. e o Supremo Conselho, a pedido dos Irmãos, expediram apostilla, dando ordem aos Judeus a reprimirem to as as praticas que possam produzir escandalo e realizar os seus actos secretamente para não escandalizar aos que passam na rua ; os fis-caes receberem ordem para os vigiar.
Os Deputados devem tambem insistir para que cumpram o seu dever a esse respeito, e além disso empregar todos os meios afim de mais e mais lhes restringir a liberdade.

9 – Art. 2.o Sessão Terceira. S. Ex. e o Supremo Conselho deram tambem apostilla acerca da falta de religião dos Negros – que se deve determinar que assistam a predica aos domingos e que não profanem o dia do Senhor com trabalhos ou dansas. Tam-bem que cada um deve ter a sua mulher, e que se impeça entre os mesmos tanto quanto possível a prostituição e adulterio. E pro-metteram mais uma vez publicar um edital contra isso.

10 – Art. 3.o Sessão Terceira. S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram falar, no edital sobre o incesto, contra a prostituição e adulterio, devendo os predicantes fazer predicas especialmente contra isso.

11 – Art. 6.o Sessão Terceira. Temos a promessa de S. Ex. e do Supremo Conselho – que publicarão um edital contra as pragas e blasphemias, ficando o Assessor encarregado de o fazer e publicar.

12 – Art. 7.º Sessão Terceira. O relatorio feito sobre a pensão dos predicantes diz que S. Ex. e o Supremo Conselho escreveram á Assembléa dos XIX, recommendando a pretensão e promet-teram renovar o pedido.
13 – Art. 9.º Sessão Terceira. A Egreja da Parahyba refere a respeito de Elsken Groenwalle, que lhe deu um attestado, por haver ella feito acto de contrição pelos passados erros, por cujo motivo faz essa communicação ao Recife.

SESSÃO SEGUNDA

1 – Ao art. 1.o Sessão Quarta. Quanto ao numero dos predi-cantes, que continúa bem pequeno ; mas, visto ouvirmos que os XIX resolveram mandar de lá mais nove, deve-se escrever-lhes para que se dignem de cumprir a promessa. (1)

2 – Art. 2.o Sessão Quarta. Quanto ao numero de consolado-res de doentes agora é regular ; como, porém, informam que ha grandes navios e guarnições que não os têm, deve-se solicitar dos XIX continuem a mandal-os.

3 – Art. 3.o Sessão Quarta. O pedido para a fundação de uma egreja em Olinda foi concedido e trata-se da realização, e foi prohibido aos Papistas construir novas.

4 – Art. 4.o Sessão Quarta. E’ permittida a partida de consoladores de enfermos para o Rio Grande.


5 – Ao art. 7.o Sessão Quarta. Refere-se ás queixas antigas contra a grande liberdade dos Judeus, Papistas, Negros, a profanação dos domingos, pragas e blasphemias de que tratam os arts. 6, 8, 9 e 11, Sessão Primeira. Quanto aos trabalhos nos engenhos aos domingos, S. Ex. e o Supremo Conselho responderam que se providenciará a esse respeito por meio do edital contra a profanação dos domingos. Quanto aos baptizados pelos consoladores de enfermos, se dará termo a esses abusos e os delinquentes serão admoestados.

6 – Art. 1.o Sessão Quinta. Quanto ao abandono voluntario do lar, que se dá entre os indios, quando em consequencia da guerra, S. Ex. e o Supremo Conselho responderam que sendo a questão de alguma importancia vão ponderar sobre o caso.
Entretanto, recommendam aos predicantes, especialmente aos dos Indios, que se esforcem em reunir os casaes separados e para isso peçam o auxilio dos capitães das aldeias.
Mas, visto os predicantes se esforçarem o mais possível, não obtendo dahi grande resultado, deve-se pedir ao Governo para fazer uma declaração mais ampla e nomear um director, por quem os que estão separados do casal devem ser citados.

7 – Art. 3.o Sessão Quinta. Depois da Classe ter-se amavelmente esforçado, mas debalde, com D. Dapperus afim de continuar no serviço da sua parochia, foi-lhe concedida licença para voltar á Metropole.

SESSÃO TERCEIRA

1 – Nessa sessão chegaram os Irmãos da Parahyba, atrasados na viagem por calmarias e ventos contrarios ; chamavam-se elles :
  1. Samuel Batiler, predicante ; Sr. Menso Franss, ancião ; D. David Doorenslaer, predicante dos Indios. E receberam as bôas vindas da Assembléa e entregaram as suas credenciaes, que foram consideradas em regra.

2 – Julgou-se conveniente ler as actas passadas aos Irmãos da Parahyba, o que se fez immediatamente .

3 – Conforme a resolução da Classe Extraordinaria do anno 1639, D. Oosterdagh foi despedido e mandado para a Metropole e D. a Stetten nomeado e mandado para o Cabo. (2)

SESSAO QUARTA

1 – O predicante de Itamaracá communica que ha um anno que lá se não realizou nenhum consistorio e isso porque os anciãos partiram para Goyanna. Entretanto, como, não se deve deixar a egreja chegar a tal extremo, ficou resolvido mandar para lá D. Kes-selerus e D. Doorenslaer, afim de ajudarem o predicante, e para tudo que fôr mister.

(2) Acta do Synodo Sul Hollandez de 1641 : « Visto que elle foi despedido sem se allegar motivos ou faltas, o synodo julga ser conveniente e deve ser notificado por escripto, que se declare nas actas tanto as faltas c mo as censuras contra os culpados, ou de toda a fórma que por missivas secretas se diga sobre elles ao Synndo ou Classe onde os predicantes possam ir ter, para que tambem aqui no paiz se tornem precauções contra taes predicantes desregrados na doutrina, na vida ou na ordem. »
Póde-se concluir, por essa observação, que as actas classicaes da Assembléa extraordinaria de 25 de Março de 1639 não foram recebidas pelo Synodo Sul-Hollandez.

2 – Quanto aos logares, onde não ha Conselho Ecclesiastico, os predicantes devem fazer toda a diligencia para fundar uma egreja Reformada e visto que não se póde manter uma ordem tão estricta acerca da communicação, devem ter todo o cuidado em referir os nomes dos que communicarem como passageiros, tomando nota de todos os negocios ecclesiasticos e devem entreter corres-pondencia com o proximo consistorio, e tambem avisar os mesmos sobre as suas difficuldades.

3 – Recebeu-se o relatorio de D. Doorenslaer, predicante dos Indios, em que diz: «não se poder queixar do resultado de seus esforços; que os meninos progridem bem regularmente na instru-cção, até alguns já avançaram tanto pelo ensino diario que já poderiam ter recebido a communhão, si não fossem as perturbações do paíz. »
Tambem se recebeu communicação dos dous mestres de escola, D. Dionysio e D. Kempius, dizendo que tratam com dili-gencias da instrucção das crianças.

4 – Mas D. Doorenslaer queixa-se de que o regulamento feito por S. Ex. e o Supremo Conselho para a administração das aldeias de indios não foi posto em pratica e deseja que aqui se providencie sobre o caso.

5 – Queixa-se mais que algumas vezes alguns Indios se escapam, separando-se assim das mulheres, e são retidos e sustentados pelos Portuguezes. A Assembléa indica o remedio contra isso e que se peça a S. Ex. e ao Supremo Conselho que ordene nenhum Indio possa ir morar fóra da Aldeia sem licença do seu inspector e que nenhum morador possa dar-lhe agasalho sem o conhecimento do capitão da Aldeia.

6 – Queixa-se ainda D. Doorenslaer que não póde por si só dar conta de tão arduo serviço ; deseja pois que lhe mandem um dos Irmãos para que o serviço do Senhor obtenha maior resultado.
A Assembléa julgou necessario dar um auxiliar, visto que as distancias e a quantidade de Aldeias assim o exigiam.

SESSÃO QUINTA

I – Ficou resolvido falar-se a D. Eduardus, que estava indicado para o serviço, por já estar familiarizado com a língua portu-gueza, para viver com os Indios e persuadil-o com argumentos a acceitar aquella tarefa.

2 – D. Eduardus accedeu á resolução e pedido da Classe.

3 – Ordenou-se mais a D. Doorenslaer que devia tomar a direcção das Aldeias da Parahyba e D. Eduardus das de Goyanna e Tapecerica, dependendo tudo isso da ratificação de S. Ex. e do Supremo Conselho, os quaes, sendo ouvidos, approvaram.

4 – Os predicantes das Aldeias devem ser obrigados a manter estreita correspondencia e se reunirem o mais frequentemente possivel,

5 – Art. 6.o Sessão Primeira. Quanto ao catechismo organizado e revisto por alguns Irmãos, ficou resolvido mandal-o para a Metropole, afim de ser impresso em tres línguas, a saber : hollan-deza, portugueza e tupi (3)

6 – Visto os habitantes de Goyanna reclamarem já ha bastante tempo a presença alli de um predicante, resolveu-se que D. Eduardus, por ser o mais proximo situado, vá lá prégar de tres em tres semanas.

7 – Compareceram perante esta Assembléa um Judeu e uma Judia, a qual pertencera antes á Igreja Reformada e tendo um filho do primeiro marido, que tambem era dessa ultima religião, levara a creança para o judaísmo e o mandara circumcidar.

Os amigos da creança na França reclamaram contra isso e requisitaram o auxilio desta Assembléa para lhes ser entregue a cre-ança. Sendo primeiro introduzida no recinto a Judia, foi perguntada que religião professara na França?
Resp. – A Reformada.

Depois, quem fôra seu paes
Resp. – Jean Ayeur de Parier, Collegii Toarcensis.

Em seguida, onde se casara com aquelle homem?
Resp. – Em Rochella e na egreja papista.

Depois disso, renegara a primeira religião ?
Resp. – Em Amsterdam.

Perguntada – onde fôra o filho circumciso, com que edade e porque assim procedera?
Resp. – Em Amsterdam, aos 10 annos de edade, e que o filho se deixara fazer voluntariamente e que elle proprio lhe pedira.

Sendo o Judeu introduzido depois no recinto, foram-lhe feitas tambem algumas perguntas, ás quaes respondeu da seguinte fórma: era de nacionalidade franceza, seu pae era um papista, elle fôra baptizado em creança, mas passou-se sem sciencia do seu pae para o Judaísmo e foi circumciso havia mais de tres annos na Hollanda. Casara-se com aquella mulher na egreja papista em Rochella ; o seu enteado fôra circumciso havia uns 14 mezes, mas isso se dera contra a vontadè delle (padrasto) ; – que fôra a propria creança que assim o quiz ; tambem nunca pedira á mulher para abandonar a sua primeira religião. Após o interrogatorio foi resolvido que D. Deputado solicitasse a S. Ex. e ao Supremo Conselho a remoção daquellas pessôas para a Metropole e o menino fôsse entregue aos amigos do pae, afim de ser educado pelos mesmos na religião christã.

(3) Acta do Synodo Sul-Hollandez de 1641 : «Foi julgado que aquella Cia.;se não tinha competencia para tal iniciativa, muito menos para mandar imprimir em algumas línguas sem o exame e approvação dos respectivos Synodos dos Paizes Baixos, devendo ser avisada que em assumptos relativos á instrucção e ordem tem ella de ir de uniformidade, parecer e conselho com a egreja da Metropole. Pediu-se aos Senhores XIX e depois aos Directores da Camara de Amsterdam que entregassem o exemplar a este Synodo, afim de ser examinado e mandassem suspender a impressão do mesmo. E visto não haver chegado resposta alguma satisfacto-ria, officiou-se sobre isso aos Altos e Poder. Srs., os quaes mandaram imprimir em Enckhuysen, para fazerem suspender a impressão até nova ordem e resolveram communicar á Assembléa dos XIX tudo que se passou aqui sobre assumpto.
Fica isso entregue á direcção e cuidados dos Deputados ordinarias. » – Acta do Svnodo Sul-Hollandez de 1642 : – « Quanto ao Catechismo que mandaram do Brasil os Deputados, não conseguiram (apesar de empregar todos os esforços) suspender a impressão.
Por essa occasião foi declarado que um certo Florentius Streraerts do paiz de Cleef (que fôra contractado devido a recommendação) não merecia aquellas re-commendações, por causa da sua vida dissoluta, »




SESSÃO SEXTA

Gravamina :

1 – Reclama-se que muitas mulheres vivem separadas dos maridos morando noutros logares em tempo de paz, mesmo quando os maridos residem nos fortes.
Remedio : Convém que os conjuges de qualquer condição que sejam morem juntos e os Dep. se devem entender sobre isso com S. Ex. e o Supremo Conselho.

2 – Que os consoladores de enfermos não estão satisfeitos aqui com o serviço, queixando-se que o ordenado que percebem não chega para se manterem ; que ganham menos que os mestres de escola, sendo elles, entretanto, de superior categoria, e os mestres de escola recebem tanto dos meninos que dá para viver.
Remedio : Os Deput. devem pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho o augmento do ordenado dos consoladores de enfermos.

Questiones :
I – Si não é justo que os Irmãos que estão collocados perto de algumas guarnições façam nellas de vez em quando uma predica, isso sem prejuízo de suas egrejas?
Resp. – Sim, e os Deput. requeiram que assim-se faça e á custa da Companhia.

2 – Ainda que as egrejas estejam distantes uma das outras, não seria todavia conveniente que a visita das egrejas pelo D. Deput. fosse mais a miudo?
Resp. – Sim, si o puder fazer sem abandonar a sua freguezia.

3 – Quem é que póde remover os predicantes de um logar para outro ou mantel-os, quando chegam da Metropole e ainda não têm uma freguezia?
Resp. – Está bem entendido que isso só compete á Classe e quando não fôr possível ao D. Deput. e do seguinte modo : Onde ha Conselhos Ecclesisticos, elles o podem fazer com prévia com-municação e consentimento delle (D. Deput.) afim de que não pareça que os predicantes são constrangidos. Onde não houver Conselho Ecclesiastico, os Delegados ficam encarregados disso, fazendo como bem entenderem : tudo provisoriamente até a seguinte Classe e com o conhecimento e approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.

SESSÃO SETIMA

1 – Procedeu-se á leitura das cartas e em primeiro logar da certa do Exmo. Sr. Jacob Hamel, em nome dos Exms. Srs. Directores, datada de 16 de Janeiro de 1640.
Refere esta carta :
1 – A diligencia applicada por elles na questão do augmento do numero dos predicantes aqui ;

2 – A sua satisfação pela benção concedida pelo Senhor sobre o serviço de D. Doorenslaer para com os Indios.
A respeito desses dous pontos deve-se agradecer a S. Ex. com toda a cortezia.

3 – Pergunta-se si os Indios não poderiam receber instrucção tambem na língua neerlandeza como na portugueza. E é julgado em primeiro logar que se deve procurar bem dous mestres de escola, que tenham família e mandar que vão morar nas Aldeias para ensinar os filhos dos Indios a ler, escrever, etc., e afim de que essas creanças ao mesmo tempo por meio da conversação com os filhos dos mestres de escola possam aprender a língua.
Consultando-se sobre isso a S. Ex. e ao Supremo Conselho, approvaram.

4 – A Camara de Amsterdam diz que enviou as actas Syno-daes, junctamente com alguns livros e não teve resposta, accusan-do o recebimento.
2 – Depois dessa foi lida a carta da Classe de Amsterdarm contendo o seguinte :

1 – Extranha que não tenhamos recebido as Actas Syn. Norte Hollandez, que ainda esperamos.
2 – A Classe apresentara á Assembléa dos XIX a maior parte dos nossos gravames e recommendara-os com o maximo empenho. Devemos apresentar agradecimentos por esse seu empenho áquella Classe, ainda que estejamos esperando pelos resultados delle.
3 – Pede que dóravante communiquemios por escripto a S. Ex., quando acontecer que algumas pessôas ecclesiasticas forem sem attestado, qual o motivo disso ou no caso de haverem tido notas por alguns actos declaremos nos seus attestados ou em outros papeis annexos, afim de que não sejam enganados pelos primeiros, nem nutram duvidas sobre os ultimas. – Devemos fazer dóra-vante segundo dizem.

3 – Em seguida foram lidas cartas da Classe de Walcheren, contendo o seguinte :

1 – Sua bôa vontade e diligencia em zelar por nossa egreja ; por cujo motivo devemos agradecer a Ss. Exs. e rogar-lhes que perseverem nesse zelo.
2 – Um seria pedido afim de que o proponente Jan Michiels seja promovido para o serviço divino.
A Assembléa, tomando isso em consideração após madura deliberação, julgou não ser conveniente na occasião, devendo-se-lhe dizer para ter paciencia e esperar até a seguinte Assemblea e que então se tratará da sua promoção. Devia-se escrever sobre esse assumpto ao Deput. da Classe de Walcheren, dando-lhe os motivos.

V I I

Actas da Classe do Brasil, reunida no Recife de Pernambuco em 21 de novembro de 1640

Reunida a Assembléa, D. Batiler fez uma predica do Heb. 2 v. 14, recebendo geral approvação, por ser julgado edificante e conforme a palavra de Deus.

Após a invocação do Nome de Deus por D. Plante foram lidas as credenciaes dos Irmãos, que têm egrejas fundadas, e são appro-vadas.
Compareceram como predicantes do Recife os seguintes D.D.: Fredericus Kesselerus, Joachimus Solerus, Franciscus Plante, Mathys Becks, ancião ; da Parahyha, como predicantes : Samuel Ba-tiler, Cornelius van der Poel, Eduart van Munickhover, ancião; de Itamaracá : Theodorus Polhemius, predicante; Lambert Lievenss, ancião ; de Porto Calvo, Santo Agostinho, Mauritia, Tapeserica : predicantes entre os indios : Nicolaus Vogelius, Jodocus a Stetten, David a Doorenslaer, Johannes Eduardus.
D. Rabberius Echolt é dispensado em attenção á distancia do logar.
São lidas as nomeações, demissões, testemonia de Ketell, que satisfaz á Assembléa e elle foi acceitocom gosto membro da mesma.
Foram eleitos para a Directoria : Presidente, D. Fred. Kesse-lerus ; Assessor, D. Samuel Batiler ; Scriba, D. Fran. Plante.
As horas das sessões serão das 8 ás 11 da manhã e das 3 ás 6 da tarde,

SESSÃO PRIMEIRA

1 – Ao art. 1.o Sessão Primeira. Quanto ao edital contra o incesto, devido á diligencia do Sr. Walbeck, logo depois da ultima Classe, foi feito e affixado ; referem os Irmãos de Itamaracá que fizeram um accôrdo com Peter van Haerlem que ha tempos tomou algum dinheiro dos pobres, para que elle pague uma certa quantia, tanto quanto as suas condições permittirem, pelo que a Classe deve deixar o caso ficar nesse pé.

3 – Art. 5.o Sessão Primeira. O edital contra a profanação do domingo tambem foi publicado.

4 – Art. 6.o Sessão Primeira. Quanto á liberdade dos Papistas, contra o que foi promettido um edital por S. Ex. e o Supremo Conselho, ordenando que só praticassem o seu serviço divíno dentro das egrejas para não escandalizarem aos outros, sob pena de perderem os seus direitos, etc.
Elles persistem, porém, mais do que nunca, nos seus excessos; até alguns frades que daqui partiram ha tempos regressam com cartas do Papa. Foi resolvido renovar-se humildemente o pedido a S Ex. e ao Supremo Conselho para que publiquem o edital, empregando todos os esforços contra taes abusos e velhacarias.

5 – Da insolencia dos Judeus.
(Art. 8.) tratar-se-á nos gravames.

6 – Quanto ao que concerne a irreligião dos Negros, S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram determinar que fossem ouvir a Palavra de Deus, e que cada um tivesse a sua mulher, impedindo-se a prostituição e adulterio ; disseram mais que publicariam um edital a seu respeito.
Mas como não o fizessem até agora, deve-se insistir com S. Ex. e o Supremo Conselho, pedindo que publiquem o mais brevemente possível tal edital.

7 – O edital contra o adulterio, a prostituição, pragas e blasphemias já foi publicado.

8 – S. Ex. e o Supremo Conselho declaram ter recebido cartas dos illustres senhores XIX, em que communicam que os predi-cantes por cada filho aqui no paiz receberão seis florins por mez para a pensão.

9 – Quanto ao numero de predicantes, já chegaram alguns e ouvimos dizer que mais quatro estão em caminho ; portanto, podemos descansar a esse respeito.

10 – Estão prohibidos por edital os trabalhos nos Engenhos aos domingos, e foi promettido renovar-se o edital.

11 – S. Ex. e o Supremo Conselho disseram por apostilla que, por publicação de edital nas Aldeias, todos os Indios fossem avisados do compromisso de juntarem-se as esposas nos logares em que estão acostumados a morar e que se escreva seriamente aos Capitães das Aldeias para que façam cumprir o edital.
Mas, como isso ainda não se realizou, deve-se pedir por es-cripto a S. Ex. e ao Supremo Conselho que o ponham em execução sem tardança.

12 – Refere D. Kesselerus que elles (elle e o companheiro) estiveram segundo lhes fôra incumbido em Itamaracá e posto que ainda não haja lá muito serviço, nomearam duas pessôas competentes para anciãos e uma para diacono, o que mereceu a approvação da classe, que agradeceu a SS. EEx.

SESSÃO SEGUNDA

I – Compareceu Cornelis Jacobs consolador de enfermos em Pojuka, pedindo para ir o mais breve possível para a Metropole, porque de outra fórma a mulher cairia na miseria.
A resposta foi que elle tem de esperar que termine o prazo do contracto.

2 – Referem DD. Deput. que a apostilla de S. Ex. e do Supremo Conselho diz o seguinte :
« Os Capitães nas Aldeias devem ser avisados por escripto que se devem regular exactamente pelas instrucções sob pena de cassação e os desobedientes nos devem ser denunciados pelos predicantes D. a Doorenslaer e D. Eduardus, afim de que pela punição dos mesmos a nossa bôa intenção produza melhor effeito ; pelo que os Irmâos predicantes dos Indios communicam que o regulamento já foi mandado para as Aldeias. >

3 – A apostilla de S. Ex. e do Supremo Conselho contra as queixas do abandono das Indias pelos maridos é a seguinte : « Fiat, e está nos termos das suas instrucções. »
Mas, como se vê pela experiencia dos ditos Indios, só se póde remediar esse mal por meio de um edital e, portanto, seria bom que no edital....... (4) a citação dos que abandonarem voluntariamente a mulher.
Ao art. 6 da Sessão Primeira desta Classe juntou-se uma prohibição de que nenhum morador do paiz póde empregar qualquer indio ou índia sem sciencia e ainda menos contra a vontade e opinião dos que tem a direcção das Aldeias.

(4) Algumas palavras estão apagadas devido á humidade.

E deve essa prohibição extender-se tanto aos solteiros como aos casados, afim de que ninguem ao reter um casado se desculpe, dizendo ignorar que o era, o que poderia realmente succeder muitas vezes.

4 – Realizou-se tudo isso, mandando-se D. Eduardus para se demorar entre os Indios e elle declara que o seu serviço até agora não foi infructifero.

5 – Os predicantes que estão em serviço entre os Indios cor-respondem-se o mais possível.

6 – Quanto ao catechismo em tres línguas, os Deputados declaram que o mandaram aos senhores XIX, afim de ser impresso.

7 – Refere D. Eduardus que de conformidade com a ordem da Classe está prestando serviço nos Engenhos de Goyanna, mas pede que seja mandado para lá um outro predicante, visto que não póde executar bem aquella commissão, sem deixar em abandono os Indios. Deve-se prover a isso, logo que chegar algum predicante da Metropole.

8 – A respeito do Judeu e Judia com filho, referem os Deput. que o filho foi mandado para a Metropole ao D. Rivet por ser seu parente ; que tambem S. Ex. e o Supremo Conselho prometteram mandar os paes, mas ainda não o fizeram. Ficou resolvido a esse respeito pedir novamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho que realizem a promessa.

9 – Sobre a queixa sobre grande numero de casaes que não moram juntos, referem os Deputados a seguinte apostilla de S. Ex. e Supremo Conselho :

« Resolveu-se, para extincção desse desregramento aqui e noutros quiteis, que os casados fiquem juntos numa Companhia que deve ficar estacionada no mesmo ponto, afim de que a reunião dos casaes, conforme o pedido da classe, seja perpetua. » Soubes mais que a tal Companhia está formada, de sorte que a Classe ficou satisfeita, por acabarem com esses casos de desregramento.
Assim, resolveu-se pedir humildemente a S. Ex. e ao Supremo Conselho a publicação de um edital, afim de que os casados sejam obrigados a morar com as mulheres nos fortes.

10 – S. Ex. e o Supremo Conselho devem mandar pagar aos consoladores de enfermos uma pensão egual á dos mestres de escola ; isso já foi posto em pratica.

11 – As despesas dos predicantes que prestaram serviço ás guarnições proximas ou em qualquer logar, onde forem exercer a sua profissão, devem ser feitas por conta da Companhia.

12 – A visita das egrejas deve ser realizada o mais frequentemente possível.

13 – Deve-se nomear dous mestres de escola hollandezes na primeira opportunidade para as Aldeias. Tambem sabemos que chegaram da Metropole alguns livros encommendados, assim como as Actas do Synodo Norte Hollandez, desde o anno 1618 até 1637, etc. Pelo que se entende que os seguintes tem que se requisitar anno por anno.

  1. Ex. e o Supremo Conselho se encarregaram de renovar o pedido aos Srs. XIX, dos outros livros omittidos, Postillas de Scul-teto, livrinhos de psalmo.

14 – Os Deputados escreveram as cartas para as Classes de Amsterdam e Walcheren, assim como o attentado de Johannes Mi-chiels ; conforme foram encarregados pela Classe.

15 – Comparece Peter Willemss, consolador de enfermos no forte de Orange, solicitando ir o mais breve possível para a Metro-pole. Foi-lhe recusado.

16 – O segundo artigo, Sessão Oitava, só se entende com a correspondencia.

17 – E’ cousa assentada ser necessario que se nomêe mais predicantes para as Aldeias. D. a Doorenslaer demonstra a conve-niencia de se promover D. Kemp, actual mestre de escola dos In-dios, a predicante.
Responderam-lhe que apresentasse proposta escripta, visto já ter sido aqui mestre de escola e estar familiarizado na língua portugueza, possuindo attestados de seus bons serviços e zelo, e que, entretanto, sobre o seu maior........ na Classe seguinte to-mar-se-á em consideração. Junto a essa deve se requerer a alteração do seu ordenado como proponente.

18 – D. Dionysius, mestre de escola dos Indios, tambem requer o mesmo. A Assembléa acceita a sua proposta e diz que na seguinte Classe se tratará della.
Mas, como elle tem mulher e filhos, não lhe chegando o ordenado, pedir-se-á o augmento do mesmo a S, Ex. e ao Supremo Conselho.

SESSÃO TERCEIRA

1 – Trata de saber dos membros da Assembléa a respeito dos deveres ecclesiasticos, si são convenientemente observados, praticadas as disciplinas ecclesiasticas, os consistorios reunidos, o serviço da Paschoa, as visitações realizadas, etc.
Foi encontrada bôa ordem em muitos logares e noutros regular, conforme a possibilidade e situaçâo.

2 – D. a Doorenslaer, referindo-se ao progresso dos Indios na religião, declara ter chegado a tal ponto que elle administrou a Paschoa a alguns delles.

3 – D. Eduardus communica ter feito o possível na catechese e no ensino da doutrina christã ; que tambem os dous mestres de escola prestaram bons serviços. Espera com a graça de Deus que o seu trabalho não será infructifero.
Nessa occasião foi renovada a resolução da Classe do anno de 1638 – dizendo para se exhortar os paes a mandarem os filhos á escola.

4 – D. Soler expõe que ha um Indio na Aldeia de S. Ex. e tendo o conhecimento de doutrina christã e sabendo ler e escrever, apto, portanto, para o ensino dos Indios.
Pergunta-se si o auxilio daquelle Indio não seria conveniente alli.
Eduardus faz declaração identica sobre um indio existente na aldeia, onde elle faz a sua residencia.

Responderam pela affirmativa e que se deve solicitar de S. Ex. e do Supremo Conselho um ordenado para ambos.

5 – Compareceu Carel Carels, consolador de enfermos, apresentando as instrucções, desejando ao mesmo tempo que se indique o logar da sua residencia. Ficou resolvido, de accôrdo com a opinião de S. Ex. e Supremo Conselho, que elle fique no Recife, emquanto durar a ausencia do actual consolador de enfermos, que vai partir brevemente e que sejam transferidos o mestre de escola aqui em Mauritia e o consolador de enfermos.

6 – Pergunta-se si tambem um proponente em falta ou au-sencia de predicante tem licença para fazer casamentos.
A resposta foi affirmativa.

7 – Pergunta-se tambem si pessôas, que tiveram os procla-mas sem haver impedimento algum, podiam casar-se nas suas casas particulares, especialmente noiva ou noivo gravemente doente e exigindo a urgencia da confirmação.
Responderam – não na regra geral, mas é permittido nesses casos especiaes, com o conhecimento do Conselho Ecclesiastico.

SESSÃO QUARTA

1 – Compareceu Jan Loderijcks, consolador de enfermos, apresentando as suas instrucções e attestados, que satisfizeram á Assembléa, procurando saber onde deve estabelecer a sua residen-cia. Fica entendido que logo que o consolador de enfermos, actualmente no hospital, partir para Santo Antonio, visto que elle é inglez e a maioria da gente alli é dessa nacionalidade, Jan Loderi-jcks o substituirá no hospital.

2 – Philippina Penbrock, viuva de S. Jan Bernaerts, residente na Parahyba, pede á Assembléa que faça Domingo Strigt, porta-insígnia do Capitão Robbert, cumprir as promessas de casamento que lhe fizera. Foi essa questão recommendada aos Irmãos da Parahyba, onde ella reside.

3 – Pergunta-se si não se deve esforçar tanto pela conversão dos Portuguezes, como pela dos Indios... para o que, visto D. Soler apresentar os seus serviços com as predicas... S. Ex. e o Supremo Conselho são consultados em que logar desse... póde realizar-se.
Visto como tambem noutros logares ha predicantes familiares naquella língua, devem procurar converter os Portuguezes. Mas como são poucos os predicantes, especialmente os jovens, a estudarem o mais possível aquella língua D. Kesslerus e D. Plante devem communicar essa resolução a S. Ex. e ao Supremo Conselho.

4 – Reguerem e perguntam os Irmãos da Parahyba si não convém que Pieter de Bruyn, ex-consolador de enfermos na Para-hyba, á vista do seu mau procedimento, que ainda persiste e da calumnia contra Jan Michiels, de que se confessou culpado, siga para a Metropole, conforme lhe foi ordenado, para que os Illustres Senhores depois que elle foi demittido do serviço deram consentimento.
Os deputados devem tratar disso novamente com S. Ex. e o Supremo Conselho.

5 – Pergunta-se si um predicante, que não merecer mais a confiança para continuar no serviço da egreja de Christo aqui no paiz, e a quem foi recusado attestado honroso por occasião da demissão e não puder fazer predica Valeet (sic), tudo com a appro-vação da Classe e da Autoridade superior, póde ser acceito novamente na mesma qualidade, sem reconhecer previamente a culpa e dar satisfação á egreja, a qual offendeu?
A resposta foi pela negativa.

6 – Pergunta-se si tambem um consolador de enfermos póde prégar em publico sem anteriormente ser ouvido em particular durante algum tempo por um ou dous predicantes e depois de um exame preparatorio?
Resposta – não.



SESSÃO QUINTA

Gravamina

1 – Apesar de S. Ex. e do Supremo Conselho haverem publicado editaes contra a prostituição e adulterio, profanação do domingo e horríveis pragas e blasphemias, vê-se que tudo isso con-tinúa ainda a ser muito praticado ; julga-se necessario pedir a S. Ex. e ao Supremo Conselho determinem que os seus officiaes façam cumprir as leis.

2 – Visto se queixarem geralmente de um modo maldizente, especialmente os empregados da Companhia, que os predicantes aqui são pagos com o dinheiro dos ordenados daquelles, pede-se á Assembléa delibere sobre o que se deve fazer contra isso. – Deve-se representar ao Collegio dos XIX e ao Supremo Conselho Secreto, intercessionales ao mesmo Collegio, afim de que desappa-reça o motivo da queixa, visto ficarem o Santo Ministerio e os nossos Irmãos difamados, e em todas as republicas e paizes o Santo Ministerio e predicantes são mantidos pelos soberanos Magistrados e Autoridades pelos meios ecclesiasticos ou outros ordi-narios.

3 – Reclama-se contra a cohabitação illegal dos noivos que vão morar juntos antes de se celebrar a solemnidade ; item – contra a longa protelação na celebração dos casamentos, depois mesmo de terem sido feitos tres proclamas.
Contra o primeiro deve-se solicitar um edital ao Governo ; contra o segundo, que no edital se declare que a solemnidade não póde ser adiada por mais de 4 semanas, a não ser que os contra-hentes sejam impedidos por molestia ou ausencia.

4 – Visto haverem informado que reina de tempos para cá algum descontentamento entre os Indios por serem mandados para e a guerra, causando isso prejuízo á família e acima de tudo grande atraso na salvação de suas almas, ficou resolvido pedir humildemente a S. Ex. e ao Supremo Conselho que dêem as providencias necessarias, porquanto reina grande indigencia entre os indios, pela qual vêm a morrer, pela falta de roupas, medicina, cirurgiões e outros que taes recursos, e por esse motivo a raça diminue em numero.

Foi resolvido representar a S. Ex. e ao Supremo Conselho, afim de proverem sobre isso de modo o mais conveniente.

5 – Visto saber-se que alguns Indios, abandonando as esposas, vão occultar-se noutras aldeias, não querendo saber do lar ; que tambem alguns, além disso, enganam, dizendo-se solteiros e casam-se com outra mulher ; visto que tambem alguns domicilia-dos noutras aldeias prefeririam morar nas aldeias em que ha pre-dicantes, mas não ousam fazel-o por ter medo dos seus capitães, convém que a Classe delibere si não é necessario requerer a S. Ex. e ao Supremo Conselho tratarem de encarregar os Capitães de aldeias, que logo que os predicantes fizerem a requisição verbal ou escripta, deixem ir livremente taes e taes pessôas, afim de que :

1 – O abandono das esposas seja impedido ;

2 – O casamento pela segunda vez só se faça quando houver attestados de viuvez ;

3 – Seja promovido o augmento da igreja de Deus pela col-laboração dos mais intelligentes das Aldeias.

6 – Visto serem assás frequentes em muitos logares duellos temerarios e assassinatos premeditados, deve-se tratar de renovar e executar os editaes anteriores a esse respeito.

7 – Visto se saber que os Judeus cada vez chegam em maior numero a este paiz, attrahindo a si os negocios por meio das suas velhacarias, e já se adiantaram tanto nesse ponto que estão de posse da maior parte do commercio e é de receiar que tudo irá a peior, o que será uma desmoralização e prejuízo para os chris-tãos, escandalo para os Indios e Portuguezes e enfraquecimento do nosso Estado ; accrescendo que a sua ousadia, quanto á religião, se torna tão grande que não sómente se reunem publicamente no mercado aqui no Recife, apesar da prohibição do Governo (vide Classe 1638, Sessão 8, art. 2) dando assim escandalo aos outro , mas tambem ainda se preparam para construir uma sy-nagoga; casam-se com christãs, seduzem christãos para o sacrílego judaísmo, circumcidam os christãos, servem-se de christãos para creados em suas casas e de christãs para suas concubinas ; portanto, a Classe, por voto unanime, julga ser de sua jurisdicção e estricto dever não sómente representar contra isso a S. Ex. e ao Supremo Conselho, mas tambem rogar em Nome de J. Christo nosso unico Salvador, que é o mais difamado pelos Judeus do que por todos os outros inimigos, para que o que ficou descripto acima seja remediado.
E, como não haja paiz em todo o mundo em que os judeus não sejam refreiados, deve-se fazer o mesmo aqui e os que forem contra isso sejam punidos convenientemente.
Ficou egualmente resolvido representar sobre esse assumpto por meio de uma missiva ao Collegio dos XIX.

SESSÃO SEXTA

1 – Foi lida a carta da Classe de Amsterdam, a qual contém o seguinte :

1 – dá os motivos porque não foram mandados os livros ; todavia, foram mandados agora, mas não conforme á requisição, o que se póde ver acima, art. 13, Sessão segunda.

2 – Trata dos predicantes e consoladores de enfermos ; tiveram a satisfação de obter dous. Os Irmãos devem agradecer-lhes pelo zelo e diligencia. Avisam tambem que já vêm outros em caminho.
Quanto ao descontentamento existente entre varias pessôas a respeito de alguns consoladores de enfermos, especialmente nos navios, encontra-se muitas vezes ser a culpa de alguns capitães de navios, que não os podem supportar nos beliches para fiscalizal-os.
3 – quanto ao não termos mandado as Actas da nossa ultima Classe, deve-se responder que não se reuniu Classe alguma no anno de 1639, por causa das perturbações no paiz,

As ultimas e recentes actas já foram mandadas e estamos bem dispostos a entreter estreita correspondencia e mandar sempre as nossas actas.

Deve-se tambem solicitar amavelmente a SS. Exs. o obsequio de mandarem todos os annos as Actas Synodaes.

2 – Quanto á remoção dos predicantes, a Classe não pretende fazer alteração alguma, mas o Conselho Ecclesiastico communicou ser muito necessario um terceiro predicante no logar de D. Lan-tman.
A Classe recommenda-lhes a pessôa de D. Ketelii, vindo pelo ultimo navio, o qual os Irmãos do Recife admittiram afim de apre-sental-o ao seu Conselho Ecclesiastico. Os delegados do Conselho Ecclesiastico informam que desejam ardentemente a pessôa de D. Ketelii para o seu predicante effectivo e pedem que a Classe approve a sua nomeação, no que a Classe consentiu. E’ igualmente pedida a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, que consentiram com a condição de que, chegando aqui um quarto pre-dicante da Zelandia, tambem terá um logar, e, onde for preciso um predicante, será mandado um dos daqui.

3 – Referem os DD. Deputados que D. Leoninus foi mandado com a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho para o Rio Grande afim de exercer o serviço divino, devendo a Classe ficar descansada sobre isso, convindo communicar que elle deve tanto quanto possível dar instrucção aos Indios e zelar sobre elles.

4 – Perguntam si não era justo que D. Echolt, que não pôde já por duas vezes comparecer á Assembléa Classical por causa da grande distancia do logar em que se acha, seja removido quando chegarem mais predicantes.
Resposta – sim.

5 -- Si não é necessario que todas as actas sejam mandadas aos predicantes ausentes – Resposta – sim.
6 – Os predicantes devem prestar attenção que em todos os logares em que haja escolas os meninos sejam instruídos nos princípios da religião christã e nas orações.

7 – Os nomes dos predicantes, que chegarem, devem ser re-gistrados nas actas do mesmo anno.

8 – Nenhum predicante deve ir-se embora sem ter primeiro copiado as actas para a sua parochia.

9 – Visto os Irmãos entenderem ser necessario um índice para as Actas Synodaes do Norte da Hollanda, D. Plante é encarregado de fazer um e tel-o prompto para a Classe proximo-vindoura.

10 – Em logar de D. Soler, que foi licenciado, foi nomeado para substituil-o como Deputado da Classe D. Kesselerus e em segundo Logar D. Ketel.

11 – Foi indicado para prégar na proxima Classe D. Polhemius e em segundo logar D. Vogelius.
Chegaram este anno D. Ketel, predicante no Recife, Leoninus, predicante no Rio Grande.
Partiu Jan Michiels, proponente, para a Parahyba.
Observando-se a Censura morum e nada se encontrando digno de pena, a Assembléa dissolveu-se em harmonia, depois de invocar o Nome do Senhor. Estava assignado : Franciscus Plante. Classis p. t. Scriba ac Deputatus.

VIII

Apostillas concedidas por S. Ex. e pelo Supremo Conselho nos extractos das Actas na Classe do Brasil em Novembro de 1640.

No art. 4o, Sessão Primeira – Contra isso dar-se-ão providencias opportunamente, tanto quanto a situação do nosso Estado permittir e nesse ínterim tomar-se-á cuidado de evitar e impedir todos os escandalos publicos. Já se escreveu á As-sembléa dos XIX para se conhecer a sua intenção a esse respeito.

No art. 6o, Sessão Primeira – Não podemos ver por ora possibilidade de estatuir cousa alguma sobre esse ponto, nem por edital, nem por qualquer outro expediente, que nos pareça efficaz, e pedimos, portanto, aos Irmãos que no caso de terem um alvitre pratico sobre esse assumpto o exhibam á nossa Assembléa, afim de ver o que convenha fazer
No art. 11, Sessão Primeira. – Fiat.

No art. 3o, Sessão 2 – Deve-se ordenar por edital que nenhum habitante retenha qualquer Indio contra sua vontade e que o deixe ir para a aldeia onde morava.

No art. 8, Sessão 2 – Essa questão merece maior attenção.

No art. 9, Sessão 2 – E’ praticado actualmente como foi pro-mettido aos Deputados.

No art. 4, Sessão 3 – Fiat, e são concedidos provisoriamente a cada um delles 12 florins mensaes de ordenado.

No art. 4, Sessão 4 – No caso da pessôa commetter qualquer falta póde ser processada como os outros habitantes e soffrer a respectiva pena.

No art. 1, Sessão 5 – Deve-se encarregar ao advogado Físcal e aos Escultetos de publicar novamente os editaes emanados daqui e fazer executar o seu conteúdo.

No art. 2. Sessão 5 – Já se escreveu sobre isso e aguarda-se a resposta da Assembléa dos XIX.

No art. 3, Sessão 5 – A ordenança emanada dos Srs. Estados da Hollanda e Frisia Occidental sobre a policia será praticada aqui.

No art. 4, Sessão 5 – Procurar-se-á satisfazer a recommen- dação de SS. EEx., tanto quanto o tempo e o serviço da Companhia puderem supportar.

No art. 5, Sessão 5 – Deve-se dispôr a discreção sobre esse ponto e os predicantes residentes nas Aldeias devem cuidar em dar allivio aos enfermos e necessitados.

No art. 6, Sessão 5 – Os predicantes das respectivas Aldeias, desejando tirar alguns Indios de outras Aldeias para os logares onde se acham, não se devem dirigir aos Capitães das Aldeias, mas sim a S. Ex.

No art. 8, Sessão 5 – Escreveu-se seriamente á Assembléa dos XIX sobre esse assumpto, afim de que nós aqui............. possamos proceder, segundo a ordem que vier da Metropole. Si alguns particularmente attentam contra isso é culpa dos officiaes, que deviam segundo o seu juramento e nossa ordem punil-os por meio da Justiça, e devemos fazer que os Officiaes cumpram o seu dever.

No art. 7, Sessão 5 – Fiat.

Assim feito na nossa Assembléa no Recife em 18 de Janeiro de 1641.
Lia-se abaixo :

Por ordem de S. Ex. e do Supremo Conselho. Estava assignado : J. van Walbeeck.

IX

Actas da Classe do Brasil, reunida no Recife, em 17 de Outubro de 1641

Depois da invocação do Nome do Senhor por D. Kesselerus, Presidente supremo da Classe, foram entregues e approvadas as credenciaes dos que formaram Conselhos Ecclesiasticos. E com-pareceram a essa Assembléa :
Do Recife : na qualidade de predicantes, os seguintes Srs. : D. Fredericus Kesselerus, D. Franciscus Plante, Nicolaus Ketel, D. Joachimus Soler ; Sr. Hans van der Goes, como Ancião ; da Parahyba : D. Samuel Batiler, Predicante ; Sr. Peter Coets, Ancião ; de Itamaracá : D. Theodorus Polhemius, Predicante ; Sr. Peter Solyn, Ancião; do Cabo Agostinho : Jodocus a Stetten, Predicante ; Sr. Casper Ley, Ancião, que se excusou por escripto, sendo acceita a excusa.
D. Nicolaus Vogelius, Predicante em Porto Calvo.
D. David a Doorenslaer, Predicante dos Indios em Mau-ritia.
D. Johannes Eduardus, Predicante em Tapecirica entre os Indios.
Sendo lidos os attestados de D. Samuel de Cominck, chegado da Metropole em 21 de Dezembro ultimo e nomeado para o serviço da egreja no Recife e tendo agradado á Classe, foi acceito como membro da mesma, tendo sido pedida para elle a benção do Senhor.

São lidos egualmente com satisfação os attestados de D. Petri Doornici, actualmente Predicante da Parahyba, e foi elle acceito com todo o gosto para membro da Classe ; tambem D. Gilbertus le Vaulx, presentemente Predicante dos Francezes no Recife ; D. Joharines Offringa, cujos attestados foram exigidos pelos Deputados da Classe para o serviço da egreja de Goyan-na. Mas como o ultimo não tivesse comsigo os attestados, foi acceito provisoriamente, devendo todavia mostral-os na proxima Classe.
O mesmo terá logar com D. Casparo Velthusio, actualmente Predicante em Serinhaem.
Esteve ausente D. Cornelius van der Poel. que foi dispensado por doente, comparecendo todavia antes de se encerrar a Classe.
D. Cornelius Leoninus, Predicante no Rio Grande, e D. Johannes Ungenade, Predicante no Rio Francisco, foram dispensados por causa das grandes distancias das suas residencias.

SESSAO PRIMEIRA

Foram eleitos para directores da Classe :
Nicolau Ketel, presidente ;
D. Fredericus Kesselerus, assessor ;
D. Samuel de Cominck, scriba.
As sessões da Assembléa devem realizar-se logo que chegarem todos os Irmãos aqui no paiz.
Visto ter sido indicado D. Polhemius pela Classe anterior para fazer a predica, a mesma devia ter logar em publico, como se realizou, constando do Act. 41, 24 et seg.; sendo bem cumprimentado por isso.
As horas das sessões serão das 8 ás 11 da manhã e das 3 ás 6 da tarde.

SESSÃO SEGUNDA

1 – Foi communicado á Classe pelos DD. Deputados que S. Ex. e os Nobres Senhores do Supremo Conselho fazem sentir – si não seria conveniente que um membro daquelle Conselho comparecesse á nossa Assembléa Classical (visto ser esta até agora a superior neste paiz quanto ao que se refere ao eccle-siastico), não havendo nisso outro fim sinão dar maior autoridade á Assembléa, como tambem para remediar mais convenientemente os gravames da egreja, assim como para melhor informar sobre as resoluções tomadas aqui na classe ao Supremo Conselho, quando essas só possam ser postas em execução pela autoridade deste.
A Classe acha conveniente que um dos membros do Supremo Conselho, e que pertença á Egreja Christã Reformada, seja admit-tido a pedido do mesmo Conselho.

2 – Conforme a ordem dada foram lidas as Actas da Classe do anno de 1641.

Quanto ao art. 4, Sessão 1, que trata da liberdade dos Papistas e sobre que os do Governo apostillaram que se providenciaria em tempo opportuno, segundo a situação deste Estado permittisse, a Classe entende que se deve falar novamente sobre o assumpto.

3 – Art. 6. Trata dos Negros, afim de chamal-os á religião ; nelle foi apostillado que SS. EEx. nada podiam estatuir nem por edital nem por outro qualquer expediente e pediam, portanto, aos Irmãos que, si se lembrasse de qualquer alvitre, o apresentassem a SS. EEx.
A Classe acha conveniente que se ponham quanto possível em pratica os remedios aconselhados pela Classe 3a, Sessão 4, art. 5 ; tambem se deve nomear um mestre para instruil-os nos princípios da Religião Christã, dependendo tudo isso da approva-ção de S. Ex. e do Supremo Conselho.

4 – Art. 10. Haviam promettido que seria prohibido aos engenhos de assucar moerem aos domingos. A Classe sabe que isso não se realizou. Deve-se representar mais uma vez a S. Ex. e ao Supremo Conselho por intermedio do D. Deputado.

5 – Art. 11. Trata dos Indios, da sua reunião ás esposas, o que foi promulgado por S. Ex. e Supremo Conselho por edital, e, visto não ter produzido grande resultado, julga-se necessario representar novamente a S. Ex. e ao Supremo Conselho sobre isso, afim de que os editaes sejam executados.

SESSÃO TERCEIRA

1 – Compareceu Cornelis Andriessen, consolador de enfermos em Iguarassú, solicitando que, afim de poder manter a sua numerosa família, fosse removido daquelle logar, ou, si isso não fosse exequivel, que então o admittissem para proponente.
Achou-se conveniente tomar-se em consideração o seu pedido de remoção ; mas a admissão como proponente foi-lhe absolutamente recusada.

2 – Compareceu Eduard Cooms, mestre de escola em Itamaracá, pedindo egualmente a sua remoção daquelle logar. Responderam que tambem se tornará em consideração o seu pedido.

3 – Sessão 2, art. 3, pelo qual é prohibido a qualquer morador reter um Indio contra a sua vontade, devendo, pelo contrario, deixai-o ir para a aldeia, onde residia. A Assembléa acha conveniente, visto isso estar um tanto esquecido, pedir que se ponha logo em execução o referido edital.

4 – Art. 6. Ainda não veiu o catechismo mandado daqui para a Metropole, afim de ser publicado em tres línguas.
5 – Art. 7. Já foi mandado um outro predicante para auxiliar D. Eduardus no serviço de Goyanna.
6 – Art. 8. Visto S. Ex. e o Supremo Conselho terem tomado em consideração a remoção para a Metropole do judeu e da judia e que o menino ficou com D. Rivetus, devemos agradecer e ficamos descançados sobre esse assumpto.

7 – Art. 9. Em que foi apostillado que seria conveniente que as mulheres de militares fossem viver com os maridos, onde estiverem aquartellados, e, entretanto, assim não succede, deve-se falar novamente sobre isso.

8 – Art. 13. No qual, entre outras cousas, trata das Actas do Synodo da Hollanda do Norte. Os DD. Deputados são encarregados de requisital-as do anno de 1637 até agora e pe-dir-lhe se digne manter correspondencia com a Egreja do Brasil

9 – Art. 17. Tratando da conveniencia de ser D. Kemp installado como predicante ; a Assembléa resolve promovel-o, dependendo da approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, depois de passar por um bom exame, que será feito no fim da Sessão por D. Doorenslaer, e fazendo uma predica do Rom. 8. v.l, em portuguez.

10 – Sessão 3, art. 4. Nelle foi promettido um ordenado aos mestres de escola nas aldeias, preposto por D. Soler e D. Eduard; a apostilla sobre elle diz: fiat. Entende a Assembléa ser conveniente que D. Soler e D. Eduard solicitem ordem para o pagamento delles.

11 – Art. 5, tratando de um logar para Mr. Carel. – Já se realizou.

12 – A questão de Philippina Pembroech foi resolvida pelos Irmãos da Parahyba.

13 – Sessão 4, art. 3. Refere D. Soler ter feito o possível para converter os Portuguezes, procurando fazer-lhes predica na-quella língua, mas sem resultado, pois temendo a excommunhão do papa ou dos vigários não podem largar o papismo.

14 – Sessão 5, art. 1. A Classe entende que se deve solicitar seriamente mais uma vez de S. Ex. e do Supremo Conselho que os horrores do adulterio, prostituição, calumnia, etc., sejam cohibidos.
15 – Art. 2. A respeito do pagamento dos predicantes, sobre o que S. Ex. e o Supremc Conselho dizem ter escripto aos XIX e esperarem a resposta, devem os Deputados indagar se ainda não veiu a resposta, visto que os predicantes são cada vez mais accusados.

16 - – Art. 3. Tratando da cohabitação de pessôas que enga-jaram casamento ; item – sobre a grande demora dos proclamas. Resolveu-se pedir a SS. EEx. se dignem publicar um edital sobre o prazo dos mesmos.

17 – Art. 4. Apostillaram SS. EEx. que, quanto á mobilização dos Indios, tornarão em consideração a recommendação da Classe, segundo permittirem o tempo e o serviço da Companhia.
Mas, visto não se ter ainda providenciado sobre isso, a Classe entende que convém insistir seriamente sobre o assumpto, o que deve ser feito pelos predicantes das aldeias.

18 – Art. 5. Apostillaram SS. EEx. que seriam mandados alguns recursos para soccorro dos doentes.

Mas, como até agora não o fizeram, devem os respectivos predicantes representar a SS. EEx.

19 – Art. 6. Visto não ter sido apostillada a primeira parte deste gravame(referindo-se aos Indios que abandonam as esposas), deve-se egualmente apresental-o,


20 – Art. 8. Referindo-se aos Judeus, no qual SS. EEx: apostillaram que escreveram seriamente aos Srs. XIX sobre o as-sumpto.
Deve-se indagar de SS. EEx. si já receberam resposta, e deve-se, além disso, reservar este artigo para nosso gravame.

SESSÃO QUARTA

1 – Art. 1. Sessão 6, em que se trata de certa missiva de Amsterdam, quanto a mandarem alguns livros.
E’ certo que vieram alguns, mas não para o serviço da egreja daqui, pois em vez de biblias grandes mandaram pequenas.
Fica entendido que se deve requisitar 20 grandes bíblias para a introducção da nova traducção para o uso de cada um.

2 – Art. 3. Que se refere a D. Eecholt; foi removido do rio Francisco e mandado para S. Antonio.

3 – Art. 7. D. Plante organizou, a pedido da Classe, um ín-dice para as Actas do Synodo da Hollanda do Norte e já o entregou, pelo que recebeu muitos agradecimentos.

4 – Depois da leitura das Actas da Classe antecedente os DD. Deputados declararam ter recebido o pedido de S. Ex. e do Supremo Conselho para que fosse mandado um predicante na expedição do Almirante Lichthart, e que para esse fim haviam lançado as vistas para D. Velthusen, predicante em Se-rinhaem.
Mas, como D. Velthusen fizesse alguma difficuldade, entregavam a questão á Classe.
A Classe opina que não sómente convém a vinda de D. Vel-thusen para cá como tambem não causa grande transtorno a sua remoção daquella freguezia, sujeitando-se isso á approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, aos quaes se deve pedir que em vez do ordenado, que deve ser supprimido durante a com-missão, concedam a elle, assim como a qualquer outro mandado em expedições, uma gratificação extraordinaria pelos seus serviços e incommodos.

5 – D. Velthusen, sabendo disso, pede que si for conquistada qualquer praça lhe seja permittido voltar para seu antigo logar.
A Classe entende que elle não se deve affligir sobre isso, pois logo que escrever, declarando o seu desejo, far-se-á o possível para satisfazel-o.

6 – Referem mais os DD. Deputados que, attendendo a cartas e recommendações dos de Amsterdam, mandaram examinar em uma Assembléa Classical Extraordinaria um tal Maynart Henricks, consolador de enfermos em Guiné, e nesse exame y ( feito por D. Plante ) satisfizera elle de tal fórma que o julgavam digno de ser promovido a predicante, o que a Classe approvou.

7 – Tambem foi lida a missiva de D. Maynart Henricks, predicante no forte da Mina em Guiné, em que pede para manter correspondencia com a Assembléa, o que foi acceito de bôa vontade e os DD. Deputados foram encarregados de responder-lhe.

8 – Indagando-se das condições das egrejas, receberam-se informações que todas estavam em bôa ordem.

SESSÃO QUINTA

1 – D. Doorenslaer, interrogado a respeito da situação dos indios, declara ter feito algum progresso, mas não tanto quanto desejara, visto que alguns fogem e caem na selvageria ; pede que a Classe lhe dê algum escripto sobre isso, afim de que possa pôr tudo em melhor ordem, o que lhe foi concedido.

2 – D. Eduard tambem representa contra um mal que encontra na sua Aldeia, a saber – que os Indios estão sendo destruídos por incessante trabalho que lhes é imposto fóra ; que tambem o seu numero vae diminuindo muito, porque são levados a guerras no estrangeiro e por outros motivos.
A Classe acha conveniente entender-se com S. Ex. e o Supremo Conselho, afim de que os indios sejam tratados de um modo especial para que se possa ter esperança no trabalho da catechese.

3 – Gravamina.
1 – Si numa parochia onde ha mais de um predicante não será conveniente que um fique lá, quando houver reunião da Classe para continuar nos serviços da parochia.
Fica entendido : que sim.
2 – Si não se deve communicar aos predicantes situados em logares longínquos, como sejam o Rio Francisco e Rio Grande, a data da reunião da Classe, para que possam mandar os seus gravames e lhes enviemos as nossas actas.
Fica entendido que : Visto serem membros da Classe, deve-se avisal-os.
3 – Pergunta-se :
Visto crescer o numero dos predicantes no paiz e não haver assembléa superior á Classe, sí não seria conveniente dividir a Classe em duas, formando-se com essas um Synodo.
Fica entendido que – sim, e deve-se pedir para isso a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, por intermedio de D. Presidente e D. a Doorenslaer.
As egrejas ao Sul do Recife e a de Itamaracá devem ficar sob a jurisdicção da Classe do Recife.
As egrejas ao Norte sob a da Classe da Parahyba.
4 – Si tambem um predicante póde abandonar por algum tempo a sua parochia e acceitar qualquer coisa fóra, sem o consentimento da sua egreja.
Fica entendido que – não.
5 – Si não convinha mandar buscar mais predicantes, especialmente attendendo-se ao augmento da colonia.
Fica entendido que se deve requisitar mais 6 ou 7.
Assim como, segundo a Classe 5, Sessão art. 6, todos os predicantes devem esforçar-se por aprender o portuguez.
6 – Pergunta-se : Visto haver aqui um numero crescido de orfãos e apparentemente tende a augmentar, que meios encontraremos para a sua manutenção?
Resposta – Deve-se solicitar a S. Ex. e ao Supremo Conselho que se dignem prover sobre isso, tanto no Recife como na Parahyba,

SESSÃO SEXTA

1 – Visto os Judeus terem construído aqui no Recife uma Sy-nagoga sem consentimento da Suprema Autoridade ; e que tambem os Papistas abusam da sua licença, resolve-se representar a S. Ex. e ao Supremo Conselho e solicitar que tornem as necessarias providencias sobre esses factos.
2 – Compareceu na Classe o Illustre Senhor Dirck Codde van der Borcht, do Supremo Conselho, delegado pelo mesmo para assistir a esta Assembléa e auxilial-a com os seus pareceres e tomou assento depois da apresentação das suas credenciaes. Foi muito comprimentado pela Assembléa.

3 – Visto ter sido apresentado ao Conselho Ecclesiastico no Recife por S. Ex. e o Supremo Conselho certo escripto, tratando da manutenção dos seus padres e vigarios ; sobre o que SS. EEx. pediram o parecer do Conselho Ecclesiastico, – após a leitura do dito escripto e do parecer provisional do Conselho Eccle-siastico, a Classe, além de concordar com o dito parecer que acha bem fundamentado, resolveu ajuntar uma representação áquelle escripto, para que tenha uma resposta mais desenvolvida, e além disso para perguntar até que ponto chega a licença dos Papistas neste paiz.

4 – E como por essa occasião foi demonstrado pelos lllus-tres Irmãos da Parahyba o grande mal causado pelas horríveis excommunhões que os vigarios lançam sobre os seus fieis, que se estendem não sómente ao espiritual, mas tambem ao temporal mesmo até prisão, pelo que a pobre gente fica com tanto medo da Religião Christã, que não ha esperança alguma de convertel-a, emquanto durar a influencia dos vigarios ; egualmente é exposto pela maioria dos Irmãos, que grandes e insuportaveis excessos commettem diariamente nas procissões e outras superstições. – E’ considerado da maior importancia expôr alguns casos particulares a respeito de tudo isso e solicitar da Suprema Autoridade se digne providenciar para combater tantos males.
Dessa commissão são incumbidos D. Plante, D. Soler, D. Doorenslaer, D. Doornick.

5 – D. Vogelius, predicante em Porto Calvo, informa que existe naquelle logar uma egreja ameaçando ruína, que se poderia concertar com pequena despeza e serviria para o nosso culto divino. Fica resolvido ser necessario tratar-se sobre isso com S. Ex. e o Supremo Conselho.

6 – Indaga o mesmo D. Vogelius como e porque meios se deve impedir que as parteiras baptizem, especialmente os filhos de Neerlandezes.
Fica resolvido que se deve pedir aos paes para não o permit-tirem ; si todavia o fizerem contra a vontade dos paes devem ser punidas pela autoridade ; esses baptizados, além disso, serão considerados nullos e de nenhum valor.

7 – O casamento de negros com brancos deve ser impedido, tanto quanto possível.

SESSÃO SETIMA

1 – D. Velthusen communica que sobreveiu em Serinhaem certa difficuldade por causa da procissão do ídolo do Rosario, onde bons christãos, que se achavam na rua, vendo aquillo e recusando-se a fazer reverencias, não sómente foram maltratados, mas tambem levaram pancada. Ficou resolvido representar sobre essa e outras que taes porcarias dos Papistas a S. Ex. e ao Supremo Conselho.

2 – Pergunta-se si em logares onde existem duas ou mais egrejas não convinha utilizar-se de uma para a installação do nosso serviço divino.
Ficou resolvido ser de toda a fórma necessario, e deve-se falar sobre isso com SS. EExs.

3 – Pergunta-se si um predicante, tendo terminado o prazo do seu serviço e tencionando partir para a metropole, deve ser retido para servir na classe, ou si póde ser despachado pelos Deputados. Resposta : Si alguem obtiver licença da Classe durante as suas sessões, está livre; mas nos intervallos da mesma deve ser despachado pelos DD. Deputados, que lhe darão os attestados em nome da Classe.

4 – Ficou resolvido não se tratar de cousa alguma que não seja apresentada por escripto e exhibida ao Presidente.

5 – Deve-se no futuro resumir todos os dias as actas de classe da vespera.

6 – Pergunta-se si se deve baptizar os filhos de negras, cujos paes são Neerlandezes.
Resposta – Sim.

7 – Os DD. Deputados communicam ter ouvido do Commandeur Lestry, ser muito necessaria a nomeação de um predicante para os Indios do Rio Grande.

Os Senhores do Supremo Conselho, tendo recebido uma exposição sobre isso, endereçaram-na a esta Assembléa.
A Classe acha a idéa razoavel, si se encontrar pessôa apta.
Nesse sentido D. Van der Poel offerece seus serviços.

SESSÃO OITAVA

1 – Ficou resolvído aproveitar os serviços de D. Van der Poel entre os Indios, sujeitando se á approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.

2 – Os DD. Deputados dizem ter-lhes sido communicado pelo Supremo Conselho que um grande numero de Inglezes, em Mauritia, lhes havia apresentado um requerimento solicitando que lhes concedessem um predicante inglez : sobre isso SS. EExs. pediram o parecer do Conselho Ecclesiastico no Recife. E tanto O Conselho Ecclesiastico como a Classe acharam justo o pedido, devendo o Conselho Ecclesiastico, na primeira opportunidade, apresentar uma pessôa conveniente.

3 – Visto os limites das possessões da Companhia das Indias Occidentaes começarem a dilatar-se e haver-se feito uma bôa conquista com a tomada da Praça Forte de S. Paulo de Loanda, S. Ex. e o Supremo Conselho, portanto, desejam que mandemos para lá um predicante e dous consoladores de enfermos, dos nossos, para lançar logo os bons fundamentos.
Ouvindo o que a Classe nada deseja mais do que a fundaçao da egreja de Deus na nova conquista, indagou seriamente si havia alguem na Assembléa que estivesse disposto a prestar esse serviço, offerecendo então, entre outros, os seus serviços D. Ketel, Presidente da Classe. Depois de que a Assembléa resolveu nomear para aquelle serviço a D. Ketel, sem prejuízo todavia da egreja no Recife, assim como sujeitando á approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho, impetrando para elle a benção do Senhor.

4 – Quanto á remoção dos predicantes, foi resolvido que seria justo, si não houvesse inconveniente, que D. Polhemius, predicante em Itamaraca, trocasse, obtendo o consentimento de sua egreja, com D. Offringa, predicante em Goyanna, troca esta desejada por ambos ; essa questão foi entregue aos Deputados.

5 – Ficou resolvido que logo que cheguem alguns predicantes da Metropole, irão para o Rio Grande e Rio Francisco.

6 – Em logar de D. Plante, que recebeu louvores pelos seus dous annos de serviços, foi escolhido para Deputado da Classe, junctamente D. Fred. Kesseler e D. Samuel de Coning.

SESSÃO NONA

1 – Compareceu o Illm. Sr. Johan Tollener, Secretario de S. Ex., afim de entregar um escripto em que S. Ex. declara ter decidido partir para a Metropole, demonstra a sua affeição pela nossa egreja e pede ao mesmo tempo que seja concedido á sua pessôa, da parte desta Assembléa, litterae testimoniales sobre o seu trato e relações, segundo a Classe achar conveniente. – Ao que se respondeu, em primeiro logar, que acceite S. Ex. os mais fervorosos agradecimentos por todos os favores prestados á egreja deste paiz, solicitando-se ardentemente que os queira continuar. Que se lhe concedia um amplo testemunho de que se poderia utilizar em qualquer occasião que tivesse necessidade, desejando-lhe a benção do Senhor para tudo em que empregasse o seu serviço, a bem da patria ou da egreja.
Foram encarregados D. Presidente e D. Assessor de virem cumprimentar a S. Ex., em nome e da parte desta Assembléa, e communicar-lhe as resoluções tomadas na presente Classe. Foi incumbido D. Deputado para redigir e entregar o Testimonium.

2 – D. Doorenslaer apresenta relatorio sobre a proposição e exame de D. Kemp, sendo ambos de tal valor que o julgam apto a exercer com exito o serviço da egreja de Deus e devem ser feitas as tres proclamações para a sua promoção na egreja da Parahyba; mas a confirmação deve ser recebida por D, Doorenslaer : tudo com a approvação de S. Ex. e do Supremo Conselho.

3 – Foi referido por D. Presidente e D. Doorenslaer que a resolução (tomada na sess. 5a, questione 3tia., hujus Classis) havia agradado bem a S. Ex. e ao Supremo Conselho, que desejam que assim se pratique provisoriamente. Que, no entretanto, SS. EExs. exporão a mesma á Assembléa dos XIX, solicitando para ella completa approvação ; comtudo, todas as gene-raliae, que aqui são tratadas, devem ficar como estão até o proximo Synodo.

4 – D. Doorenslaer e D. Batiler referem que conforme foram incumbidos pediram á egreja do Recife a licença de D. Ketel para poder ir a serviço da egreja de Angola, mas receberam como resposta que Ketel podia engajar-se para aquelle serviço pelo prazo de um anno e não mais ; entretanto, devem dar-lhe em troca durante aquelle tempo um outro predicante para substituil-o na egreja do Recife. A Classe, devido á escassez de predicantes, não póde tão facilmente concordar com isso. D. Doorenslaer e D. Batiler, junctamente com D. Eduardus, devem ir tratar mais uma vez sobre esse assumpto.

5 – A egreja do Recife expõe que ella havia nomeado para a egreja ingleza em Mauritia D. Samuel Batiler, assás conhecido na Classe como um predicante pio e devoto.

A Classe ficou satisfeita e approvou a nomeação, devendo D. Deputado tratar da sua demissão da Parahyba,

SESSÃO DECIMA

1 – D. Doorenslaer, D. Batiler e D. Eduardus expõem novamente que a dispensa de Ketel foi difficultada outra vez no Conselho Ecclesiastico do Recife e que sobre ella não quizeram concordar, a não ser sob a expressa condição, acima referida ; pelo que a classe, não achando outro expediente, acquiesceu finalmente á sua proposta.

2 – Foram incumbidos os DD. Deputados de dar a D. Ketel as competentes cartas de instrucção.

D. Ketel foi tambem autorizado especialmente para examinar e depois, segundo a ordem usual, confirmar pela apposição das mãos, no serviço divino, a D. Frederic Vitteum, de cujo talento, illustração e bom trato, a Classe tem pleno conhecimento, e que actualmente é o unico investido no serviço da egreja de Deus em Loanda.

3 – Deve prégar na proxima Classe D. Doorenslaer, ou na sua ausencia Doornick.

Sendo observada a Censura Morum e invocado o Santo Nome de Deus pelo D. Presidente, a Assembléa dissolveu-se em paz e harmonia.

Estava assignado ; Samuel de Koninck, Classis p. t. scriba.

X

Actas da Assembléa Synodal Ordinaria, composta de ambas as
Classes, reunidas no Recife de Pernambuco, em 18 de
Julho de 1644, e encerrada em 26 de Julho

SESSÃO PRIMEIRA

Esta Nobre Assembléa começou com a oração feita por D. Jacob Cralingius, sendo depois entregues as credenciaes das respectivas egrejas de ambas as Classes, em que se encontram os nomes das seguintes pessôas :

Do Recife, como Predicantes :
D. Jacob Cralingius, D. Samuel Batiler, D. Nicolaus Voge-lius, D. Nicolaus Ketelius.
O Sr. Jacob Atrichs, Ancião.
De Goyanna :
D. Gasparus Velthusen, Predicante.
Sr. Michel Henrichz, Ancião.
De Serinhaem :
D. Gasparus Velthusen, Predicante.
Sr. Roelof Carpentier, Ancião.
Da Parahyba, como Predicantes :
D. Cornelius van der Poel, D. Joannes Haselbeeck, D. Tho-mas Kempius.
Sr. Cornelius Tenniuz, Ancião.
De Itamaracá :
D. Joannes Offringa, Predicante.
Do Cabo Agostinho :
D. Jodocus a Stetten, Predicante.
Sr. Henricus Reinvaen, Ancião
De Santo Antonio do Cabo :
  1. Petrus Ongena, Predicante.

Depois disso passou-se á eleição dos Directores de ambas as Classes, sendo eleitos por maioria de votos para :

Presidente, D. Jacobus Cralingius.
Para Assessor, D. Cornelius van der Poel.
Scriba, D. Petrus Ongena.



SESSÃO SEGUNDA

Após a invocação do Nome do Senhor, compareceu na Assem-bléa o membro do Supremo Conselho, o Sr. Dirck Codde van der Burgh, como Commissario, a leitura de cujas credenciaes satisfez á Nobre Assembléa, que lhe deu as bôas vindas.

Art. 1. – Visto que a Assembléa se compõe de Deputados das suas respectivas egrejas no Brasil e os anciãos não se sentam junto aos seus respectivos predicantes, nem tambem todos os predican-tes, vindas de uma egreja tem logares juntos :
D. Presidente, na occasião, suscitou a seguinte questão – si não seria conveniente que os Deputados de uma e mesmaegreja se sentassem juntos, e os que hoje se sentassem na frente, amanhã se sentassem nos ultimas logares. A Assembléa resolveu que se guardasse a antiga ordem, determinada no art. 1 da Assembléa, reunida no anno de 1641.

Art. 2. – Dionysius a Biscarreto, examinado anteriormente em preparatorios e admittido ad publicas propositiones como se póde ver no art. 29, 46 da Assembléa do anno de 1642, requer para ser examinado peremptoriamente e promovido ad ministerium. Sendo apresentado este requerimento, resolveu-se que se examine primeiro Dionysius para ver se elle fez algum progresso na theo-logia, antes de se concluir qualquer causa sobre o seu requerimento e para esse fim são commissionados D. Kempius, D. Ketelius, D. Polhemius.

Art. 3. – Compareceu Theophilus Labes e solicitou á Assem-bléa que o aproveitasse como mestre de escola dos Indios.

A Assembléa, depois de o ouvir, achou não ser conveniente deferir o seu pedido, visto que elle não conhece nem o portuguez, nem o tupi, nem o hollandez, e aconselhou-o a ir para a metropole e que se intercederá por elle junto ao Supremo Conselho, para que tenha passagem gratuita e gose de um bom viaticum.

SESSÃO TERCEIRA

Art. 4. – Joannes Apricius, tendo bons attestados de vida e capacidade, pede que a nobre Assembléa se digne examinal-o nos preparatorios e admittil-o ad publicas propositiones.

A Assembléa resolve que D. Haselbeeck e D. Kempius o examinem, afim,, de vir ad publicas propositiones; o que se realizará logo que os Deputados ad causam chegarem á casa, para depois disso, conforme as circumstancias, proseguir com o seu caso, segundo o art. 8o da ord. da egreja de 1619, o que se deixa á discre-ção da Nobre Classe da Parahyba.

Art. 5. – Visto se tratar no art. 21 de bonis misericordiae, resolveu a Assembléa que os Deputados fiquem encarregados de soccorrer os diaconos (em caso de necessidade) por meio daquelles bens.

Art. 6. – Visto que se trata no art. 23 do escripto de certo padre e o da sua refutação, e que presentemente estão extraviados, a Assembléa acha conveniente ouvir sobre isso o Supremo Conselho para saber si o tal escripto se acha com elles. No caso da affirmativa, pedir pelo menos uma copia do mesmo.

Art. 7. – Depois disso, D. Ketelius, D. Polhemius e D. Kem-pius referiram que acharam Dionysius a Biscarreto orthodoxo; a Assembléa julgou conveniente dar-lhe um texto, afim de apreciar o seu talento e então dispôr sobre o seu pedido, conforme as circums-tancias. Para esse fim foi-lhe dado o seguinte texto : Gal.5 v. 4 – Tendo ouvido o relatorio dos Nobres Irmãos que apreciaram o seu talento, a Assembléa resolveu dar-lhe o prazo de dous mezes para se preparar para o exame peremptorio e promovel-o segundo o art, 44 do Synodo realizado em 1643.





SESSÃO QUINTA

Art. 8. – Quanto ao primeiro gravame, que trata da profanação do domingo, de que tambem se occupam os arts, 5, 37, 57, 76, 87, coetus praeparatorii, anno 1642, ficou resolvido que os Deputados devem procurar reprimir todos os abusos, tambem os commet-tidos pelos negros, e representar contra os mesmos ao Supremo Conselho e solicitar de SS. EExs. se dignem providenciar por meio de editaes e da execução destes.

Art. 9. – Quanto ao segundo gravame, que trata das blasphe-mias, pragas e juramentos temerarios, e tambem da licença dos Judeus, de que egualmente tratam os arts. 16, 19, 22, coetus praepar., resolveu a Assembléa que os DD. Deputados solicitem ao Supremo Conselho que renovem e executem os editaes publicados contra esses males.

Art. 10. – O terceiro gravame que trata da ousadia dos Papistas em geral, de que tambem se occupam os arts. 24, 39, 61 e 71, coetus praepar., assim como especialmente que edificam novas capellas, erigem cruzes, fazem procissões sob pretexto de enterros, propagam a idolatria sob o pretexto de comedias ; que elles lançam a proscripção sobre as pessôas que prestam a mínima attençâo aos nossos, como tambem fazem vir novos frades e jesuítas ou padres, da França ou da Bahia, por ordem dos bispos de lá; indo a sua ousadia tão longe, que ousam matar os que não adoram os seus ídolos.
A Assembléa julga que a sua ousadia deve ser bem deduzida e demonstrada ao Supremo Conselho, afim de que por meio da autoridade de SS. EEx. se providencie opportuna e convenientemente.
Nessa occasião perguntaram si não convinha tomar cuidado com a pessoa de Emanuel Morais, ex-jesuíta nesta colonia, pois se vê que é um instrumento pernicioso, procurando attrahir os incautos para as idolatrias e superstições papistas.
Em segundo logar si é permittido aos membros da Religião Reformada construir capellas para a pratica do culto Papista.
Em terceiro logar, si os da Religião Reformada devem per-mittir que empreguem os seus filhos nas superstições papistas.
Quanto á primeira pergunta, responderam que se deve solicitar ao Supremo Conselho que se digne providenciar a respeito.
Quanto á segunda, que é absolutamente prohibido.
Quanto á terceira, que não é permittido.

SESSÃO SEXTA

Art. 11. – Sobre o 4o gravame que trata da predica da tarde, que vem tambem no art. 35 – coetus praepar., resolve a Assembléa que por toda a parte deve se fazer uma predica sobre o catechismo, e deve-se tambem incumbir os Deputados, si fôr preciso, de chamar por carta ao fiel cumprimento dos deveres aos predicantes, conselhos ecclesiasticos e aos membros ordinarios.
Nessa occasião perguntaram si não era necessario que os mestres de escola ensinassem então aos meninos as perguntas e respostas do catechismo, afim de que elles dêem a sua licção antes da predíca da tarde. A Assembléa considera isso como necessario e edificante, e os Deputados são incumbidos de prover os logares, tanto quanto possível, com consoladores de enfermos.

Art. 12. – Sobre o 5.o gravame, que trata tanto de abrir egre-jas para os Reformados, remuneração para o serviço de combinações, assim como para os especiaes, de que falam os arts, 17, 18, 58 e 59 – coetus praepar., entende que se deve solicitar ao Supremo Conselho, e são tambem incumbidos de representar contra a cons-trucção da egreja de Goyanna.

SESSÃO NONA

Art. 13. – A respeito do 6.o gravame, que trata de questões conjugaes, que se encontra nos arts. 6, 12, 10, 38 – coetus praepar., resolveu-se solicitar a execução dos editaes. Nessa occasião perguntou a egreja da Parahyba si um homem que tem esposa na Metropole, que é mantida, segundo elle diz, pelo irmão della, que tambem depois, conforme affirma, não procedeu honestamente e casou-se na Metropole com outro homem, poder-se-á casar aqui com outra mulher.
A essa pergunta respondeu a Assembléa que a pessôa deve primeiramente provar que a mulher rompeu os laços conjugaes por meio do adulterio e que elle esteja innocente, e que solicite por isso ao Magistrado a conveniente separação no logar da residencia della.
Por essa occasião foi tambem communicado :
Em primeiro logar, que um Indio, que abandonou a esposa, tem relações com a madrasta, que é mantida por um Portuguez.
Em segundo logar, que um outro Indio tem duas mulheres.
Em terceiro logar, que um homem, cuja mulher tem vida des-honesta, vive em concubinagem com outra mulher.
Em quarto logar, que um indivíduo vendeu a mulher por cinco florins a outro e que o comprador mantém a mulher comprada e já tem filhos com ella. Perguntam o que convém fazer contra esses males.
A Assembléa julga, quanto ao 1.o e 2.o concernentes aos Indios e ao Portuguez, que se deve representar ao Supremo Conselho para que se digne estatuir de fórma que se reprima esse mal. Ficando bem comprehendido que, a pedido do Illustre Sr. Dirck Codde van der Burgh, por intermedio de alguns membros desta Assembléa que conhecem melhor a natureza dos Indios, será apresentado um projecto lembrando os remedios, pelos quaes os Indios serão libertados desses erros, como de todos os outros.
A organização do projecto foi confiada a D. van der Poel, D. Haselbeeck, D. Kempius, D. Velthusen, que já o tinham feito, e vai servir de parecer para o Supremo Conselho.
Quanto ao 3.o e 4.o que se referem aos de nossa nação, entende a Assembléa que se deve communicar sobre isso ao Supremo Conselho e solicitar que o Fiscal seja encarregado de se informar sobre os casos e proceder contra elles, como convier.
Perguntaram tambem si não convinha pedir um edital afim de prohibir que os padres casem pessôas da nossa nação, assim como ue não se conside valido casamento algum que não se realizar na egreja ou pela autoridade.

A Assembléa julga ser isso necessario.

SESSAO DECIMA

Art. 14. – Quanto ao 7. gravame, a respeito das Actas do Synodo da Metropole, do que tambem trata o art. 10 – coetus prae-par., julga a Assembléa que não sómente è permittido a esta egreja corresponder-se com outras egrejas, mas que é hom e edificante que a egreja da colonia do Brasil se corresponda com todos os respectivos Synodos da Metropole, afim de que a egreja deste paiz peça aos respectivos Synodos mandem todos os annos suas Actas synodaes, e que a egreja desta conquista tambem mande annual-mente as suas duas actas aos respectivos synodos da Metropole.

Todavia a Assemblea acha conveniente, antes de pôr em pratica essa boa intenção, communicar sobre certas idéas aos Srs. XIX, não duvidando que SS. EExs. approvem o nosso projecto.

Art. 15. – (Quanto ao 8.o gravame, que fala da civilização e instrucção dos Indios e negros, de que tratam os arts. 8.o e 87 – coetus praepar., julga esta Assembléa que o modo de civilizar e dar instrucção aos Indios proposto no art. 87 não é bem praticavel e se póde melhor fazer nas Aldeias.
Quanto aos negros, fica entendido que não sómente todos os membros da nossa religião são obrigados a ensinar os seus negros na religião chistã, mas tambem que já é conveniente que os negros se reunam em logar apropriado para receberem a instrucção por meio de um consolador de enfermos, o que se deixa á disposição das respectivas egrejas.

Nessa occasião perguntaram si não convém um mestre de escola para ensinar gratis aos filhos dos negros das pessôas empregadas da Companhia,
A Assembléa julga que os mestres devem receber uma gratificação por esse serviço, mas deixa isso á disposição do Supremo Conselho.

Art. 16. – Quanto ao 9.o gravame, perguntando como se deve proceder com os membros da nossa religião que, apesar das bôas e fieis exhortações dos seus predicantes, querem mandar baptizar os filhos menores pelos padres.
A Assembléa julga que se deve proceder com prudencia ec-clesiastica com esses membros da nossa religião, que mandam baptizar seus filhos pelos padres.

Art. 17. – Sobre o 10.o gravame, perguntando como se deve proceder com taes membros, que ou por curiosidade, ou por se preoccuparem com as superstições e idolatrias dos papistas, vão vel-as, quer nas suas comedias, quer de outra fórma. Foi resolvido exhortar-se esses membros a que se afastem desses logares.

Art. 18. – Quanto ao 11.o gravame, perguntando si é licito a um membro da nossa religião acompanhar e tornar-se, portanto, egual aos papistas, que a certos toques dos sinos fazem reveren-cias. Resposta – Não.

Art. 19. – Do 12.o gravame, perguntando si não convém pedir ás pessôas que chegam da Metropole, mostrem as suas certidões de casamento. Julgou a Assembléa que sim.

(Particalaria)

SESSÃO DUODECIMA

Art. 20. – Visto que pelo art. 70 – coetus praepar., ficou resolvido ouvir o parecer do Synodo dO Norte da Hollanda sobre como se deve proceder quanto aos que forem baptizados por con-soladores de enfermos; e como ainda não se tenha feito isso, pergunta-se si não convém fazel-o.
A Assembléa responde que ficam disso encarregados os DD. Deputados.
Por essa occasião perguntaram :
Em primeiro logar, si os consoladores de enfermos podem
casar alguem.
Em segundo logar, como se deve proceder com os casados por essa fórma.
A respeito do primeiro caso entende a Assembléa que não.
Sobre o segundo, que taes pessôas devem procurar legitimar os seus casamentos por meio da Autoridade.

Art. 21. – Si não se deve escrever aos Srs. XIX, afim de que mandem predicantes entre os quaes um francez, assim como tam-bem consoladores de enfermos. A Assembléa entendeu que sim, e que o escripto devia seguir pelo primeiro navio, o que se fez.

Art. 22. – Si não convém solicitar que Carel Walsingam, ca-poral, e Janne Mikels, que vivem em concubinagem, e procuram defender-se com um attestado falso, sejam punidos, conforme me-recem, e mandados para a Metropole. A Assembléa julga que sim.

Art. 23. – Visto os Indios do Rio Grande pedirem :

1.o, que os seus filhos sejam libertados do constrangimento porque são tratados pelos Portuguezes;

2.o, um mestre de escola para ensinar os seus filhos ;

3.o, um predicante effectivo. (Esse terceiro pedido tambem é feito pelas outras tribos dalli, assim como pelas do Rio Francisco, Alagôas do Sul, Porto Calvo). A Assembléa resolve quanto ao 1.o, recommendar ao Supremo Conselho.

Quanto ao 2.o, que a Classe da Parahyba nomêe tres Indios habilitados para mestres.
Quanto ao 3.o, visto haver aqui falta de predicantes, D. van der Poel e D. Kempius deverão prestar aquelles serviços por em prestimo aos do Rio Grande e conforme as circumstancias formar um Conselho Ecclesiastico e si fôr necessario, D. Haselbeeck, e que será feito em consequencia da sua apresentação em nome do Conselho Ecclesiastico, pelo que receberão agradecimentos.
Quanto aos do Rio Francisco, Alagôas do Sul e Porto Calvo, devem ser servidos por emprestimo por O. a Stetten e D. Velthusen, que formarão um Conselho Ecclesiastico, ficando bem entendido que um domingo sim, outro não, D. Ongena servirá á freguezia de D. a Stettem, e tudo isso sujeito á approvação do Supremo Conselho, que deve dar tambem ordem para lhes fornecer um cavallo, afim de poderem transportar-se de um logar para outro.

Art. 24. – Perguntam si não se deve casar os negros com as suas negras.

A Assembléa responde : Sim.

Art. 25. – D. Offringa pergunta si não é permittido escolher um ancião dentre os fieis, moradores em Iguarassú.
Fica entendido que sim, mas só poderá ser feito em presença dos Visitatores.

Art. 26. – D. Offringa pergunta si não convinha dar a com-munhão uma vez num e na outra vez no outro dos logares em que exercia o serviço divino.
Opinaram que sim.

Art. 27. – D. Offringa requer que os de Iguarassú sejam providos de um consolador de enfermos.
A Assembléa responde que se attenderá ao seu pedido, logo que tenham um novo consolador de enfermos.

Art. 23. – Perguntaram si aos irmãos predicantes que vêm ao Recife, afim de partirem para a Metropole, não se deve fornecer um competente attestado em nome desta Assemhléa.
A Assembléa entendeque os seus Deputados estão encarregados de dar-lhos em nome da Assembléa, depois de ver os seus attestados ecclesiasticos e tesfimonium.

Art. 29. – Visto que gosamos tranquillidade e paz nesta conquista e pelo contrario os fieis na Allemanha, Inglaterra, etc., gemem sob uma guerra sanguinolenta, pergunta-se si não é neces-sario pedir que se marque um dia para preces publicas, em parte para agradecer a Deus, pelos benefícios nesta conquista, como tambem pelo miseravel estado da egreja de Christo na desolada Christandade.
A Assembléa acha ser extremamente necessario e util e que se deve cuidar disso com urgencia.

Art. 30. – Perguntam si é permittido aos membros da nossa religião manter quinquilharias de pater nosters e outras invenções do papismo, servindo para a idolatria e superstições.
A Assembléa considera que isso deve ser prohibido.

Art. 31. – Perguntam mais si não é util que no futuro, antes da reunião da Assembléa Geral, as respectivas egrejas, pertencentes á Classe do Recife, entreguem em tempo os seus gravames aos Deputados, afim de serem mandados á Classe da Parahyba, e da mesma fórma a Classe da Parahyba mandar os gravames á do Recife. A Assembléa considera isso necessario e util.

Art, 32. – Os Visitatores da Classe do Recife referem que elles, conforme foram ordenados, visitaram as egrejas e acharam tudo bem, exceptuando que alguns fieis em Porto Calvo commettem adulterio, competindo á Classe do Recife, como representando o Conselho Ecclesiastico, tratar de impedir taes faltas ; deve-se prestar attenção a isso.

Art. 33. – Os Visitatores da Classe da Parahyba communicam que elles tambem fizeram a visitação das egrejas e acharam tudo bem, segundo as circumstancias.

Art. 34. – Foram eleitos Deputados desta Assembléa D. Jaco-bus Cralingius, D. Cornelius van der Poel e Samuel Batiler, não sómente para apromover execução das resoluçôes anteriores desta Classe, junto ao Supremo Conselho e tambem marndar com a ap-provação de SS. EExs. os predicantes e consoladores de enfermos que chegarem para os logares vagos; e para substituir os Deputados em caso de molestia ou morte foram eleitos por maioria de votos D. Ketelius, D. Vogelius e D. Kempius.

Art. 35. – No anno de 1643, partiram para a Metropole D. Fredericus Kessellerus, D. David Doorenslaer, D. Petrus Door..., e D. Joh. Eduardi.
E falleceu D. Lambertus Ritzma.
E no anno de 1644 partiram D. Franciscus Plante, D. Joachi-mus Solerus, D. Jacobus Leoninus.
No mesmo anno chegou aqui D. Jacobus Cralingius e foi nomeado para o Recife.
No mesmo anno foi nomeado predicante effectivo no Recife D. N. Vogelius.
Art. 36. – Os Directores desta Assembléa devem apresentar agradecimentos ao Supremo Conselho em nome desta Assembléa.

Art. 37. – Foram eleitos para Visitadores da Classe do Recife D. Batiler e D. Vogelius e da Classe da Parahyba D. Kempius e D. Hasselbeeck.
Tendo-se procedido á Censura Morum, a Classe se separou depois da benção, em paz, e, graças a Deus, nada havia a punir.
Subscriptos : Cornelius van der Poel, predicante em Frederica de Parahyba, p. t. Dep. et Assessor. Samuel Batiler, Ecclesiastes Anglicanus iMauristadii coet. gener. p. t. Deputat. Nicolaus Vo-gelius, Ecclesiastes Reciff coet. generalis, p. t. Deputat.

Não podemos dizer si houve outras sessões do Synodo. Entretanto, encontrámos nas Actas do Synodo da Hollanda do Sul o seguinte extracto de uma carta do Deputado da Classe do Brasil, em 23 de Novembro de 1649:

« Durante todo esse tempo não houve Assembléa Classical, pois existem poucos predicantes e as actuaes condições do paiz não o permittem. »