Planejando os Rumos da Igreja:
Pontos Positivos e Crítica de Posições
Contemporâneas
F. Solano Portela Neto*
Verdadeiramente somos carentes, na esfera evangélica, de um planejamento eficaz. Talvez, em alguns campos, a raiz da situação esteja numa reação exagerada à rigidez litúrgica, hierárquica e de planejamento da Igreja Romana. Em outros, teria vindo como uma rebelião ao formalismo das denominações mais estruturadas. De qualquer forma criou-se, no campo evangélico, a idéia de que qualquer planejamento e organização maior, no que diz respeito às coisas do Reino de Deus, seria uma "camisa de força" inadequada. Durante muito tempo perseguimos, portanto, a espontaneidade a qualquer custo, ao ponto de chegarmos a identificar "espiritualidade" com a falta de organização e ordem, característica de muitas de nossas igrejas. O medo, justificado, da "ortodoxia morta" resultou no "vale tudo espiritual" onde qualquer ação, desde que "cristianizada" com palavras de ordem bíblicas, são admissíveis, não apenas na liturgia, como também no encaminhamento dos assuntos e das várias tarefas da igreja.
Seguramente muitas das nossas atividades eclesiásticas, desde as simples reuniões do Conselho até os grandes congressos e campanhas nacionais, têm refletido falta de planejamento, organização e objetividade. Freqüentemente reuniões são realizadas num clima em que os presentes procuram, simultaneamente, resolver todos os problemas, dispersando-se em discussões infrutíferas que só servem para prolongar o término, arrastando os participantes a uma situação de exaustão total. Não raro existe, quando muito, uma pequena pauta cujo objetivo principal, parece, é ser sistematicamente desobedecida. Alguma vezes campanhas ou programas são estabelecidos, mas morrem pelo meio do caminho e nunca chegam a ser concluídos, geralmente pela falta do estabelecimento de uma data limite, de um responsável pelo encaminhamento do projeto ou de uma simples sistemática de acompanhamento por algum órgão superior. Com freqüência somos testemunhas de grandes intenções que são seguidas de parcas realizações. Essas situações evidenciam não apenas da falta de planejamento, mas também de que a utilização de um mínimo de organização pode resultar em considerável eficiência no encaminhamento das coisas do Reino.
Já nos avisa a Escritura Sagrada que os descrentes são, de muitas maneiras, mais sagazes e sábios que os crentes (Lc 16.8 pois os filhos deste mundo são mais prudentes na sua geração do que os filhos da luz).1 Temos observado as organizações "seculares" se concentrarem no planejamento e na organização enquanto nós, no campo evangélico, abrimos mão de toda esta capacidade que nos foi dada por Deus. Uma empresa "secular" raramente realiza uma reunião sem antes existir um planejamento sobre os objetivos, a duração e os meios de demonstração, enquanto que em nossas igrejas achamos que essas coisas necessitam apenas de um planejamento mínimo. Uma organização secular quase nunca embarca em uma atividade ou programa sem antes avaliar todos os ângulos, sem colocar responsáveis definidos com delegação de poderes claramente delimitada e com algum tipo de acompanhamento da própria execução. Nas igrejas nos acostumamos a creditar o sucesso, ou insucesso de algo, à "vontade de Deus", sem parar para pensar que a boa organização nada mais é do que o exercício eficaz da mordomia dos talentos, capacidades e recursos que Deus colocou em nossas mãos, para a sua glória.
Deus planejou tudo e executa o seu plano (Is 46.9-11). Ele deu ao homem o mandato de dominar a Criação (Gn 1.28) e de sujeitá-la, para sua glória. Tendo sido criado à imagem e semelhança de Deus, o homem é um ser que planeja também, mesmo em sua condição de pecador e mesmo com esta imagem afetada pelo pecado. O homem, conseqüentemente, procura determinar metas e visualizar suas ações antes destas ocorrerem (Pv 13.19 e 16.9).
Na esfera eclesiástica, Deus planejou, instituiu e determinou ao seu povo, debaixo da Antiga Aliança, toda a sistemática das cerimônias, requerendo obediência no cumprimento de todos os seus passos. Deus desejava, através dela, focalizar as atenções dos israelitas no Messias que haveria de vir e redimir o seu povo. Neste sentido, o povo foi ensinado a planejar e a organizar, em sua esfera, as festas e sacrifícios e existia considerável rigidez litúrgica, assim como sistematização e repetição. Nada de "qualquer um faz qualquer coisa, a qualquer hora", mas ações e obrigações definidas e todas relevantes ao enfoque central das práticas de adoração.
Na esfera administrativa, a sobrecarga e a desorganização, temporariamente experimentadas por Moisés, quando todas as decisões e definições foram colocadas sobre seus ombros, foi prontamente estruturada por Deus, através da palavra sábia de Jetro (Êx 18.13-26). Deus fez com que um sistema de delegação e representatividade fosse rapidamente estabelecido, aliviando Moisés de uma tarefa impossível, permitindo que o grande servo de Deus se concentrasse na tarefa de realmente liderar.
Deus não é, portanto, avesso ao planejamento e à sistematização da nossa parte, tanto mais porque ele próprio nos ensina que interage com a sua criação em seus tempos determinados (Ec 3.1-8), definindo, conseqüentemente, padrões de ordem e uma hierarquia de prioridades que devem nos auxiliar na execução dos nossos deveres, como seus servos.
Na carta de Tiago (4.13-16) parece termos indicação de que definir o que vamos fazer no dia de amanhã seria errado. Ali lemos:
Tiago alerta para a impossibilidade do homem discernir os acontecimentos futuros que estão abrigados na soberana providência de Deus. Isto faz com que os planos efetivados possam ser frustrados os resultados nem sempre correspondem às ações que os objetivavam. Seria errado, então, planejar? Uma leitura mais cuidadosa da passagem nos indica, entretanto, que não é errado planejar, mas sim fazê-lo na pressuposição de que Deus está ausente do todo e dos detalhes da vida do homem. Errado é projetar as coisas como se Deus não fosse soberano, como se não detivesse o controle de tudo e de todos, como se a nossa existência fosse a coisa mais importante no universo. Realizar planos sem a percepção da fragilidade de nossa vida e da nossa posição perante o Criador, isto sim, é errado. Mais errado ainda é o homem se orgulhar dos planos que faz, como se fossem eles a causa final dos resultados obtidos, como nos diz o verso 16, na passagem bíblica acima referida.
É este mesmo trecho que nos ensina que, se tivermos a conscientização de que Deus está acima de nossas intenções e planos, podemos e devemos planejar. Se qualificarmos o nosso planejamento com o reconhecimento da sua soberania, podemos e devemos planejar. Se especificamente e seguramente afirmarmos a nossa limitação de conhecimento indicando que as coisas planejadas ocorrerão "se Deus quiser," então podemos e devemos planejar o que faremos e executaremos. "Faremos isto ou aquilo", diz o texto, se Deus for servido em nos conservar com vida. Podemos até ter a expectativa de resultados ("teremos lucro"), mas estes advirão de Deus.
Uma tentativa bem-intencionada de suprir a lacuna que existe no campo evangélico, na esfera de planejamento e administração eclesiástica, tem surgido nos últimos anos. Muitos livros, trabalhos, conferências e seminários têm aparecido nesta área. O campo mais fértil à introdução de metodologias de planejamento é a área de crescimento de igrejas. Isto tem ocorrido principalmente através dos trabalhos desenvolvidos e centralizados no Fuller Theological Seminary, pelo Dr. Donald McGravan e nos escritos do Dr. Peter Wagner, promovendo o que ficou conhecido como o Movimento de Crescimento de Igrejas.2
Reconhecemos que o Movimento de Crescimento de Igrejas trouxe ao mundo evangélico, pelo menos, duas grandes contribuições. Na esfera da evangelização, chamou a atenção às responsabilidades individuais e coletivas na proclamação do Reino de Deus. Nesse sentido tem, corretamente, denunciado a acomodação e sacudido igrejas, incentivando-as a colocarem em prática as determinações de Jesus Cristo contidas em Mt 28.18-20 e passagens correlatas. Em segundo lugar, devemos reconhecer a correta ênfase, colocada pelos fundadores do Movimento, no conceito de conversão como a conseqüência primordial da evangelização. Esta visão contrasta com a abordagem sincretista liberal, que vê todas as religiões como semelhantes em essência. Do ponto de vista liberal é, conseqüentemente, desnecessária a conversão de pessoas, da fé que abraçam, ao Cristianismo.
Em adição, os trabalhos produzidos pelo Movimento identificam algumas falhas gritantes na administração das nossas igrejas e procuram apresentar soluções supostamente científicas aos percalços encontrados na missão de evangelizar. Existe nesses trabalhos, entretanto, uma intensa preocupação de que os métodos sejam continuadamente avaliados pelos resultados obtidos. Sendo os resultados determinantes da correção da metodologia utilizada, somos instruídos a planejar tais resultados e não meramente as ações. As ações passam a ser uma conseqüência destes resultados.
Muitos, no campo evangélico, preocupados com a falta de planejamento e de organização já aludidas, passaram a abraçar as idéias do Movimento de Crescimento de Igrejas. O Movimento tem influenciado seminários, juntas de missões e comissões de evangelismo e até inteiras denominações, sem muita resistência crítica.3 Há, aparentemente, uma despreocupação com o fato de que estas metodologias são construídas sobre uma visão teológica horizontalizada, isto é: colocam as ações do homem como autônomas, moldáveis e maleáveis e não como escravizadas ao pecado; colocam o poder de decisão humana quanto à salvação apenas como reação a uma série de métodos pré-estudados.
A grande maioria dos trabalhos do Movimento de Crescimento de Igrejas faz a colocação retórica de que "sabemos que evangelização e crescimento são obra do Espírito Santo ..." Por exemplo, Peter Wagner escreve: "Deus, temos afirmado, é soberano. Não somente Sua soberania o permite decidir como Ele quer homens e mulheres trazidos para o Seu Reino, mas desde que ele também é onipotente, Ele tem obviamente o poder de fazê-lo do jeito que desejar."4 Tal ressalva tem apenas o resultado prático de esvaziar a oposição, pois, dir-se-ia, "afinal a soberania do Espírito estaria preservada, o que estamos a estudar e a praticar nesta esfera são apenas métodos diferentes."5 Ocorre que, na prática, as palavras defensoras da ação do Espírito Santo terminam ficando destituídas de significado, pois a abordagem seguida está em total harmonia com o arminianismo popularizado por Charles G. Finney (1792-1875), que nega em tese e prática a soberania divina. A metodologia prescrita e o planejamento sugerido trazem inerente em si o conceito de que a evangelização é como uma receita de bolo: se os ingredientes forem corretamente adicionados e misturados no tempo correto, os resultados advirão.6 O próprio Peter Wagner indica que considerações teológicas são de pouca validade prática, em sua metodologia.7 O Movimento de Crescimento de Igrejas, em suas palavras, "apoia-se principalmente nas ciências sociais e no método científico das mesmas".8 É construído em cima do que ele chama de "pragmatismo consagrado".9
Um dos maiores problemas conceituais do Movimento, portanto, é a pressuposição básica (e raramente questionada) de que podemos e devemos planejar os resultados ou estabelecermos as metas, no que diz respeito à evangelização e ao crescimento da Igreja local ou nacional.
Nossa defesa de um maior planejamento e organização das atividades locais e missionárias das nossas igrejas não significa uma aceitação tácita da tese do planejamento dos resultados. Na realidade não acreditamos que este planejamento de resultados encontre base bíblica. Se por um lado a Palavra de Deus nos mostra que é correto (e desejável) planejar, ela também nos enfatiza que a guerra travada é uma guerra espiritual, que não lutamos contra carne e sangue, mas sim contra principados e potestades; que a conversão não é um mero exercício de persuasão humana, mas sim um milagre da parte de Deus, operado no seu devido tempo, utilizando os seus frágeis servos humanos (Rm 10.13-15). Representa a execução do seu santo decreto, do qual não participou homem algum. Deus chama os seus no seu tempo apontado (At 13.48) utilizando a nós, servos falíveis. Ele não nos deixou órfãos, nem nos criou autômatos, mas revelou-nos a sua vontade prescritiva. Dentro da esfera desta vontade prescritiva de Deus (seus mandamentos, seus ensinamentos, suas diretrizes, seus aconselhamentos, suas admoestações) temos a responsabilidade e o dever de planejarmos nossas ações, mas não de arbitrarmos as metas e resultados que só a Deus pertencem.
O planejamento de resultados encontrado nos livros produzidos pelo Movimento de Crescimento de Igrejas é implicitamente fundamentado (consciente ou inconscientemente) em um conceito basicamente humanista do que seja a conversão. Ela é vista como sendo o fruto de uma eficaz persuasão humana. A vontade do homem é apresentada como sendo autônoma, impenetrável à soberania de Deus, a não ser que o homem venha a "convidar" a Deus a habitar em seu coração. É verdade que se fala do trabalho e da soberania de Deus, mas este sempre é tratado como se estivesse sujeito à vontade humana. Ironicamente, a soberania e imprevisibilidade de Deus são exercitadas nos espaços "que nós abrimos".10 É verdade que se apresenta Deus como sendo o diretor dos passos dos homens, mas a soberania divina tem o seu conceito bíblico modificado e as ações divinas são, em muitas ocasiões, apresentadas como sendo meras reações aos passos de um homem que é senhor do seu destino.11
Tendo uma base falsa, não é de espantar que no "plantio" de igrejas, as metas numéricas ou quantitativas sejam colocadas como conseqüências naturais do esforço organizado e do planejamento empregado pelas pessoas envolvidas com as tarefas. Não é de espantar, em adição, que a experiência passe a ser o fator determinante da teologia e da hermenêutica empregadas. Os proponentes do Movimento aconselham as igrejas a "...reexaminar as Escrituras à luz da experiência e reavaliar sua Teologia de acordo com a mesma", sem a mínima reserva ou qualificação desta ousada afirmação.12 Indo mais além, chegam a propor que o método é tão determinante que pode chegar a afetar o conteúdo: "A teoria de Crescimento da Igreja apoia-se em uma abordagem fenomenologica que sustenta suas conclusões teológicas um pouco mais em tentativas experimentais, estando aberta para reavaliá-las quando necessário, à luz do que for aprendido através das experiências."13
Esta abordagem humanista transparece, por exemplo, no ensinamento de Peter Wagner, que afirma: "O que leva uma igreja a crescer, é ela estar no lugar certo no tempo certo".14 Ou seja, apesar de todas as ressalvas sobre a soberania divina, nestes livros somos ensinados outra coisa: o que produzirá o crescimento e engrandecimento do Reino de Deus será, não o soprar soberano do Espírito Santo (como Jesus ensinou em Jo 3.8), mas sim a correta identificação das oportunidades por parte dos homens e a alocação de recursos e esforços no planejamento e execução dos objetivos. A isto chamamos de planejamento humanista errôneo de metas, em vez do planejamento saudável das ações.
Muitos defensores do Movimento de Crescimento de Igrejas e "plantadores" atuais, que embarcam nesta abordagem, esquecem que no mesmo trecho de Romanos, já mencionado acima, em que Paulo explica como Deus escolheu nos utilizar como transmissores de suas verdades (Rm 10.13-15), ele continua (v. 16 a 21) alertando para o erro de prevermos os resultados dos nossos esforços de propagação do Evangelho, segundo os nossos padrões de sucesso. Na realidade, a ênfase é colocada na suprema soberania de Deus, que encaminha os resultados para as esferas menos aparentes à percepção humana: ...fui achado pelos que não me procuravam, revelei-me aos que não perguntavam por mim (v. 20).
Como vimos até aqui, algumas das principais premissas teológicas do Movimento de Crescimento de Igrejas são incorretas. Era de se esperar, portanto, que encontraríamos, algumas proposições, pontos e declarações igualmente incorretas, no Movimento. Ao criticarmos o Movimento, não estamos defendendo a acomodação nem queremos que igrejas fiquem estacionadas, sem crescer. Necessitamos, entretanto, destacar cinco falácias, encontradas em trabalhos contemporâneos sobre planejamento e administração eclesiástica e sobre o crescimento de igrejas.
1. O pensamento de que com uma abordagem moderna e científica, podemos medir, definir e extrapolar os objetivos e nuances relacionados com a expansão do Reino de Deus
Grande parte das prescrições advindas do Movimento de Crescimento de Igrejas parte do pressuposto (geralmente não contestado) de que, desde que se aplique considerável esforço no levantamento e análise de dados, é possível o levantamento da situação espiritual de indivíduos, ou de uma comunidade. Duas conseqüências práticas seguem-se a esta premissa: (a) É possível o mapeamento e a medição destas condições, em escalas e tabelas pré-fabricadas; (b) É possível, desejável e necessário que se efetuem projeções de resultados matemáticos (quantitativos), em cima dos dados levantados.
Não acidentalmente o Movimento de Crescimento de Igrejas tem florescido com grande ímpeto nas correntes carismáticas do mundo evangélico, justamente entre aquelas que mais dizem enfatizar o elemento sobrenatural da religião e o aspecto intangível e subjetivo das ações do Espírito Santo. A triste ironia é que nestes meios o próprio elemento sobrenatural que caracteriza a fé cristã está sendo paulatinamente abstraído e substituído pela previsibilidade das ações humanas e pela sujeição das ações de Deus às fórmulas matemáticas dos especialistas.
O teólogo e conferencista norte-americano Michael Horton nos alerta sobre esta questão em um recente livro. Diz ele:
Podemos reconhecer aqui o mesmo espírito norteador do Movimento de Crescimento de Igrejas e parafrasear Horton: "Temos que registrar a incoerência que é uma religião que enfatiza a soberania de Deus, mas que na realidade elimina o elemento sobrenatural da evangelização e até da conversão."
Uma amostra de como Peter Wagner está inserido neste contexto de abstrair o sobrenatural do espiritual é a relação de 125 perguntas por ele elaboradas em seu livro sobre dons espirituais sobre gostos e tendências pessoais, a cujas respostas são atribuídos pesos numéricos. No final do questionário, após os devidos cálculos matemáticos, o leitor estaria apto a definir os dons do Espírito Santo para sua pessoa.16 Este diagnóstico matemático dos dons supre a auréola moderna e científica, que é característica comum das fórmulas matemáticas, com as quais o Movimento de Crescimento de Igrejas procura mensurar o intangível e o sobrenatural.
No "Teste de Solo", termo comum na nomenclatura do Movimento, que estabelece uma analogia agrícola ("o agricultor só vai plantar onde ele vê que vai ser possível colher"), começa a tentativa de matematização da obra do Espírito. Peter Wagner diz: "o nosso alvo é alcançar fruto, logo, aumentar o máximo o lucro (convertidos) em relação aos investimentos de tempo, energia e dinheiro, realmente faz sentido."17 Após a determinação de quais grupos de pessoas são mais receptivos ao evangelho, em uma determinada área e ocasião, e quais os que parecem ser resistentes à mensagem do Reino, "decisões inteligentes sobre como melhor utilizar os obreiros e distribuir os recursos, podem ser feitas."18
A realização deste "teste do solo" leva a uma aplicação da "Escala de Receptividade", criada por Donald McGravan, refinada por Edward R. Dayton e popularizada por Wagner. Nela os grupos de pessoas são classificados partindo dos "Altamente Resistentes ao Evangelho", no lado esquerdo da escala, em uma gradação que vai de -5 a -1. Aqueles classificados com "0" (zero) e +1 são os "Indiferentes" e os "Altamente Receptivos ao Evangelho" estão no lado direito da escala, classificados de +2 a +5.19 Peter Wagner afirma que sonha com o dia em que potentes programas de computador realizarão o teste do solo evangelístico, classificando estes grupos na escala de receptividade como base para a tarefa de evangelização.20
Esta elaboração matemática seguramente impressiona os meros mortais que estão manejando "apenas" a Palavra de Deus. Repentinamente, temos todo o auxílio da ciência garantindo os resultados na tarefa de evangelizar. Podemos classificar as pessoas em sua receptividade, adicionar e descartar métodos. É fácil vermos como tal metodologia passa a ser centralizante das ações e ponto de julgamento da eficácia ou não de um trabalho. Esta persuasão leva Peter Wagner a afirmar o erro de missionários, em incidentes passados, por falha no reconhecimento de fertilidade do solo. Por exemplo, ele relata a onda de receptividade que atingiu os Chamars, em Mirzapur, na Índia: "...Os líderes deles vieram aos missionários e disseram que desejavam abandonar seus ídolos hindus e seguir Jesus Cristo." Foram auxiliados materialmente, a prosperidade material "os moveu da extrema-direita para a esquerda da escala de resistência-receptividade. Quando os missionários finalmente os convidaram para se tornarem cristãos, os Chamars tinham mudado de idéia e decidido permanecer hindus." Somos levados a concluir que estas gerações perderam a oportunidade pela falta de percepção daqueles missionários.21 O conceito humanista da conversão, nesta narrativa, é auto-evidente.
A importância dessas aferições é reforçada por McGravan, que diz: "Quando se está no meio da escala, o método é de suprema importância. Pessoas podem ser perdidas por um método e ganhas por outro."22 Mais uma vez, é gritante a subliminar abordagem humanista neste tipo de declarações.
Peter Wagner apresenta também uma outra escala criada por James Engel, do Wheaton College, para medir o progresso no processo evangelístico: oito passos até que um incrédulo se torne discípulo de Jesus Cristo e três passos posteriores. As marcas vão de -8 (Consciência de um ser supremo, embora sem conhecimento eficaz do evangelho) até +3 (Uma vida de crescimento em Cristo em doutrina e testemunho cristão), sendo que o Cristianismo é abraçado na marca -1 (arrependimento e fé em Cristo) na qual a "pessoa é regenerada e torna-se uma nova criatura."23
A conseqüência lógica dessas tentativas de matematização da atividade e operação do Espírito, ou de classificar em escalas a Soteriologia Subjetiva, é o pensamento de que podemos também quantificar de antemão os resultados. Por que não estabelecermos metas numéricas, se estas são totalmente dependentes dos métodos, dos esforços e da mensuração destes? Tais metas foram experimentadas pela primeira vez, por Peter Wagner, em 1971, em um seminário organizado nos Estados Unidos. Neste evento, os pastores da denominação Bible Fellowship Churches (Estados de Pennsylvania e Nova Jersey), foram levados a estudar graficamente o progresso da denominação nos últimos dez anos e, baseados nos planos e métodos definidos, extrapolar o número que alcançariam nos próximos cinco anos. Tais projeções ficaram conhecidas como "projeções de fé" e passaram a ser parte integrante do Movimento de Crescimento de Igrejas.24 Com tal pensamento, passamos a arbitrar, como homens, a ação do Espírito divino.
Todas estas tentativas de quantificação e construção de escalas refletem pensamentos que estiveram muito em voga nos meios de administração de empresas do campo secular, e que hoje já estão sendo descartados pela verificação de que idéias e gráficos pseudo-científicos nem sempre correspondem à realidade verificável e aferível. Ou seja, existe muito mais complexidade em situações de interação humana, criando variáveis que fogem à capacidade de aferição, do que simples fórmulas podem expressar. Por exemplo: um dos grandes grupos de consultoria de Recursos Humanos em escala mundial, o Hay Group, desenvolveu uma escala de pontuação para classificar as atividades de pessoal em uma empresa qualquer. A cada passo dado pelo empregado, de cada cargo, corresponderia um peso atribuído, o mesmo acontecendo com sua esfera de responsabilidades e autonomia de decisões. No final, chegava-se a uma aferição numérica, construía-se uma matriz e tal aferição seria determinante da remuneração salarial que ele deveria receber.25 Conheço pessoalmente o caso de um grande grupo empresarial que pagou uma verdadeira fortuna pelo trabalho dos consultores do Hay Group, por mais de seis meses, para que fosse feita uma aferição de sua força de trabalho. O resultado final foi sumariamente descartado por fugir totalmente à mínima comparação de bom senso com a realidade. Os cargos de maior pontuação não correspondiam aos mais importantes. Era mais uma tentativa frustrada de matematizar o imensurável. As ações e relações humanas no trabalho eram por demais complexas para serem reduzidas a uma escala simplificada de pontos.
O exemplo acima é o de uma tentativa de estruturação lógica da escala horizontal humana de relacionamentos. Imagine a complexidade e infinitude introduzidas no relacionamento com o Deus transcendente criador, em questões vitais como o milagre da conversão. O próprio mundo já está pragmaticamente chegando à conclusão de que não dá para matematizar tudo, mas alguns grupos evangélicos, na contramão, passam a adotar tardiamente, do campo secular, idéias que descaracterizam não apenas a revelação da Palavra de Deus, mas o próprio bom senso.
2. A idéia de que a Igreja não deixa de ser um negócio, como
qualquer outro
Um destes trabalhos do Movimento de Crescimento de Igrejas coloca essa proposição com as seguintes palavras: O pastor "ao assumir a direção de uma igreja, está sendo chamado a administrar um negócio."26 Sabemos que falta ao pastor muito preparo em vários aspectos da vida eclesiástica, quer no âmbito administrativo, quer no aspecto de aconselhamento e até na esfera expositória da Palavra. Mas a verdade bíblica é que a Igreja não é um negócio, nem no âmbito genérico, nem no âmbito local. Na realidade, ela funciona de forma contrária a um negócio humano. Um negócio é motivado pelos resultados. Todas as ações concorrem para um determinado resultado esperado e se este resultado não se concretiza, abandonam-se as ações de imediato. Por exemplo, se uma determinada linha fabricada está dando prejuízo ela é rapidamente abandonada e substituída por uma que garanta lucratividade. Se uma loja, ou filial, não dá lucro, fecha-se a loja. Deveríamos, por analogia, fechar igrejas que não têm futuro, sob nossa perspectiva humana?
Os esquemas modernos de planejamento eclesiástico gostam bastante desta equação, sendo o produto do negócio "Igreja" colocado como sendo os convertidos ou o ministério: "buscar pessoas que necessitam de amor".27 Pela analogia, qualquer ação ou conjunto de ações que não estiver resultando em convertidos deve ser abandonada. Nada mais antibíblico! A Igreja de Cristo executa ações porque Deus as comandou! Nem temos controle, nem dependemos exclusivamente dos resultados para aferir a validade de nossas ações. Isaías, para sua própria perplexidade, foi mandado a pregar, já com a certeza da rejeição e da ausência de "resultados" (Is 6.9-11). Não podemos abandonar um determinado curso de ação, se temos a plena convicção de estarmos dentro da vontade prescritiva de Deus (sempre estamos dentro da vontade decretiva de Deus), só porque somos incapazes, por nossas limitações humanas, de aferir os resultados. Se temos a convicção de estar trabalhando sob as prescrições de Deus, temos que ter a coragem de prosseguir, mesmo se aparências de resultados estiverem sugerindo que abandonemos a ação comandada.
Um incidente da história da igreja, no Brasil, ilustra como nossa perspectiva humana é falha no discernir as perspectivas futuras da pregação do evangelho. Falamos do conflito entre Ashbel G. Simonton e o Dr. Robert Kalley, registrado em detalhes no Diário de Simonton.28 Aparentemente, Kalley, olhando o plantio da semente do evangelho como "um negócio qualquer", se enfureceu com Simonton, e olhou-o como "a concorrência", ou seja alguém que veio fixar "a sua operação agrícola" exatamente na "clareira aberta por outro colonizador".29 Do nosso ponto de vista privilegiado, olhando retroativamente a história e considerando que no Brasil da época existia apenas um punhado de convertidos, a controvérsia parece ridícula. Mas ela foi intensa e real. Aparentemente, o Dr. Kalley realmente esperava que Simonton arrumasse as malas e fosse plantar igrejas em outro lugar. Pela graça de Deus, houve o confronto cristão, os esclarecimentos, os pedidos de desculpas, a reconciliação30 e a continuidade do ministério de Simonton. Deus não deixou que a visão curta e limitada de Kalley norteasse a disseminação do evangelho no Brasil. Entretanto, o Movimento de Crescimento de Igrejas pede que façamos exatamente isto: que venhamos a basear nossas ações não apenas nos passos de testemunho prescritos por Deus em sua Palavra, mas que nós tomemos as decisões. Somos instruídos a fechar e a abrir campos com base nos resultados projetados por nossa mente humana, falível e imperfeita.
Ainda sobre Simonton, os modernos plantadores de igrejas fariam bem em ouvir as suas palavras, registradas em um sermão entitulado: "Os Meios Necessários e Próprios para Plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil."31 Dissertando ao Presbitério do Rio de Janeiro, em 1867, sobre as ações práticas que os servos de Deus poderiam tomar para "plantar o Reino de Jesus Cristo", ele diz: "a força eficaz para obrar a conversão dos que ouvem, vem do Espírito de Deus. Quando se trata de regeneração da alma, Deus é tudo e o homem é nada."32 Toda a ênfase da pregação é na aplicação dos meios e ações colocadas nas mãos dos homens por Deus. Simonton está ativamente envolvido, aqui, em planejamento eclesiástico, mas em nenhum momento ele se esquece que a regeneração é um milagre de Deus e não fruto da persuasão humana. Quanto aos resultados, ele diz textualmente: "O resultado do emprego destes meios, como também as forças dependem de Deus",33 ou seja, não seria ele que iria arbitrá-los ou projetá-los. Olhando, mais uma vez, retroativamente na história, podemos aferir os resultados do trabalho de Simonton, pela obra do Espírito Santo e dar graças a Deus pela sua visão e concentração nas ações que Deus lhe comandou. O resumo dos princípios de Simonton para o plantio do evangelho, com surpreendente lucidez de visão e evidenciando o direcionamento do Espírito aos seus pensamentos, estão resumidos no apêndice a este artigo.
Não podemos, conseqüentemente, considerar a Igreja como "um negócio" nem o evangelho como "algo a ser vendido".34 Michael Horton nos adverte:
Em outro trecho ele continua: "O problema do descrente não é falta de educação ou de saber. Não é falta de direcionamento espiritual ... Ele está morto em suas transgressões e pecados (Ef 2.1) ... Não estamos vendendo um produto a um consumidor, mas proclamando um SALVADOR a um pecador."36 Seguramente, não podemos considerar a igreja "um negócio qualquer."
3. O novo conceito de crescimento "biológico" das Igrejas, como
se fosse uma categoria "inferior" de conversões
A execução prática das bênçãos da Teologia do Pacto ("tu e tua família") é vista com desdém em muitas das obras do Movimento de Crescimento de Igrejas, como se a Igreja estivesse falhando em sua missão. Ela é vista como se não estivesse preenchendo o seu comissionamento completo, se estiver apenas assegurando (mesmo adequadamente) o treinamento e o crescimento, no meio da igreja, dos filhos dos fiéis. O conceito de "crescimento biológico" foi criado por McGravan. Em sua visão, o crescimento meramente biológico, que seria estimado em 25% da quantidade total de membros de uma igreja por década, é uma indicação de que aquela igreja está letárgica e estacionada.37 Temos praticamente a formação de uma diferença qualitativa, pois este crescimento "biológico" é apresentado como sendo claramente inferior ao crescimento por adesão de novos membros.
Neste sentido, um dos trabalhos sobre crescimento eclesiástico faz referência a uma igreja que, em cinco anos e meio, havia apresentado um crescimento numérico "deficiente", sendo que este crescimento estava aproximadamente equilibrado, com 33% de "crescimento biológico", 33% de "crescimento por transferência" e 33% de "crescimento por conversão." Após a implantação de um plano de crescimento, ela cresceu em um ano, em números globais, mais do que nos cinco anos anteriores, o que atestaria a eficácia e qualidade do plano, contra a situação inadequada anterior.38
Esses trabalhos de revitalização das igrejas parecem fechar os olhos a um dos maiores problemas existentes no campo evangélico atual, justamente por desprezarem as bênçãos e a correta aplicação da Teologia do Pacto, as igrejas estão sempre se enchendo com pseudo-crentes volúveis de primeira geração, cujos filhos mal freqüentam os cultos, e demonstram carência de nutrição doutrinária e do alimento sólido espiritual. A nobre missão da Igreja, de catequizar as gerações, é ridicularizada e colocada em contraste com o crescimento numérico externo, que, segundo os especialistas, deve ser objetivado acima de todas as demais coisas.
4. A visão restrita do que seja a tarefa de "evangelizar"
O conceito prático do que seja "evangelizar", no Movimento de Crescimento de Igrejas, é muito restrito e falho. Um destes trabalhos produzidos pelo Movimento fala de como os fundos e recursos financeiros de uma determinada igreja local, aqui no Brasil, estavam sendo aplicados erroneamente: 77% eram custos fixos (salário pastoral, aluguéis, manutenção do culto e causas presbiteriais), "sobrando apenas 23% para evangelização."39 Tal análise revela um conceito estreito e inadequado do que seja "evangelizar." O salário pastoral estaria sendo mal aplicado, porque o que ele faz não é "evangelizar" ? Os aluguéis dos prédios utilizados, as verbas das causas presbiteriais, estariam todas fora da nobre tarefa de "evangelizar"?
Certamente tal análise peca por presumir que "evangelizar" significa primariamente realizar estudos, mapeamentos, levantamentos, concentrações evangelísticas e programas afins, visando adicionar números aos relatórios eclesiásticos, utilizando abundantes recursos. Esquece-se do trabalho (sem custos à estrutura da igreja) que cada membro deve realizar, como uma testemunha em qualquer local que tenha sido colocado por Deus, levando a mensagem do Evangelho. Esquecem-se também do importantíssimo e negligenciado trabalho que a igreja tem que fazer para equipar e solidificar doutrinariamente cada um dos seus membros, preparando-os para serem testemunhas eficazes.
5. A equação de que a "Igreja deve estar sempre se reformando" com
a idéia da aceitação constante e acrítica de inovações eclesiásticas
Por alguma razão, muitos pregadores e escritores evangélicos têm procurado passar a noção de que uma das características da Reforma do século XVI teria sido a aceitação de inovações, o exercício da criatividade doutrinária e teológica. Ensinam eles que não podemos ficar estáticos em certas doutrinas ou interpretações. O Movimento de Crescimento de Igrejas tem adotado esta visão pois ela se encaixa exatamente nas novidades e formas supostamente modernas de atuação. Segundo os proponentes do Movimento, a Igreja, deveria estar sempre se reformando, aberta a novas idéias e práticas, sendo "acessível às inovações".40 Não sabemos exatamente as intenções originais do Rev. Caio Fábio Filho, que trata deste tema em um de seus livros, mas um dos trabalhos do Movimento de Crescimento de Igrejas41 fez amplo uso de suas citações onde ele apresenta a idéia de que "a igreja pode ter um legado litúrgico, mas não sacraliza a cultura da reforma histórica, inibindo a inovação."42
Como exemplo desta abertura às novidades, o trabalho, que faz referência ao livro do Rev. Caio Fábio, cita também o exemplo de John Knox, que teria introduzido uma grande inovação: fazer a congregação tomar a ceia assentada, contra a tradição vigente, que era a de tomá-la ajoelhada.43 Referência também é feita ao próprio Calvino, havendo a indicação de que se fossemos seguir a sua tradição, ou seja, se não tivéssemos inovado, teríamos de utilizar padrinhos e madrinhas, nos batismos, pois tal era sua prática.44
Este pensamento falha em compreender que a Reforma do século 16 não foi um movimento inovador, mas sim um reavivamento restaurador das verdades e das doutrinas bíblicas que estavam soterradas debaixo de tradições humanas geradas durante a Idade Média. Nada existe de inovação na atitude de John Knox, ao abandonar o ritual do ajoelhar-se para a comunhão, uma vez que tal atitude revela apenas o desejo de retornar à simplicidade do evangelho e de suas práticas litúrgicas. Lutero não inovou, não criou doutrinas, mas reapresentou o Evangelho puro da graça. Como homem que era, falhou em alguns pontos, onde não rompeu totalmente com a tradição de Roma, ou seja, onde não conseguiu discernir as inovações que haviam sido introduzidas nas práticas bíblicas de doutrina e de culto.
Semelhantemente, nada existe de sagrado, e que deva ser imitado ou preservado, na atitude de Calvino, quando utiliza padrinhos e madrinhas no ato de batismo, uma vez que tais figuras são estranhas à simplicidade bíblica do batismo, e desvirtuam a concentração nos elementos simbólicos purificadores e nas promessas efetuadas nessas ocasiões. Não significa que, ao não seguirmos Calvino, estejamos inovando, e sim que estamos restaurando a simplicidade da prática bíblica. As Confissões de Fé, que se seguiram à Reforma, não inovaram doutrinas, mas resgataram a interpretação bíblica, dos pontos cardeais da Fé Cristã.
A noção de que a Igreja deve ser uma instituição que está sempre se reformando, jamais significou uma Igreja que esteja sempre inovando. O entendimento correto desta afirmação é: necessitamos de que a Igreja nunca deixe que novas tradições humanas venham se juntar a ela. Ela deve estar sempre se reformando para que coisas novas não venham se agregar à sua teologia.
Neste artigo verificamos que, por um lado, temos de reconhecer a necessidade extrema de um maior esforço no planejamento e organização de nossas igrejas e instituições eclesiásticas. Por outro lado, verificamos igualmente que temos que exercitar grande discernimento e cuidado na aceitação, sem qualificações e ressalvas, da metodologia contemporânea. Este cuidado diz respeito principalmente ao Movimento de Crescimento de Igrejas, desenvolvido por Donald McGravan, Peter Wagner e outros, que procuram em muitas ocasiões subordinar as ações soberanas do Espírito às equações e análises meramente humanas. Estes estudiosos, enfatizando o planejamento de metas e resultados, e não meramente de ações, têm contribuído para uma distorção parcial do caráter essencial do Evangelho e para humanização da mensagem da igreja, descaracterizando a soberania divina e o milagre que é a verdadeira conversão. Não podemos abandonar princípios bíblicos e teológicos, claramente reveladores do caráter e da obra de Deus, em função de experiências passageiras, subjetivas e de múltiplas interpretações. Não podemos deixar nos impressionar com o argumento de que "essas técnicas funcionam vejam os números e o crescimento obtido!" A verdade é que as "portas do inferno" não têm prevalecido sobre a Igreja e esta tem crescido e frutificado, sob a ação soberana do Espírito, em toda a sua história, sem a aplicação de métodos biblicamente questionáveis e das premissas que aqui foram contestadas.
Em anos mais recentes, alguns setores do Movimento de Crescimento de Igrejas tem estreitado sua identificação com o movimento carismático e neo-pentecostal. Tem havido considerável concentração no apelo ao misticismo das massas, à operação de "sinais e maravilhas" e na identificação de entidades demoníacas específicas como protagonistas da "batalha espiritual". Todos estes recentes aspectos têm sido utilizados como importantes técnicas de crescimento quantitativo. Este novo aspecto do Movimento não foi abordado neste artigo, mas solidifica-se o alerta já levantado por Michael Horton: a contradição existente entre os que falam do soberano mover do Espírito mas tudo creditam ao esforço natural do homem.
Qual era a explicação de Lucas para o crescimento da igreja primitiva? ...acrescentava-lhes, o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos (At 2.47). Não foi um mapeamento das entidades espirituais ou da situação dinâmica dos grupos sociais em relação à receptividade ao evangelho. Não foi a aplicação específica de qualquer técnica ou metodologia. Não foi o estabelecimento de alvos numéricos, nem o trabalho no desconhecimento da soberana atuação do Espírito. Era a simples proclamação da verdade por homens cujas vidas haviam sido despojadas de sua segurança terrestre, e que haviam se lançado sob o controle de Deus para, com vidas limpas, proclamar a sua mensagem. Temos que clamar pelo auxílio divino para que ele nos faça retornar à simplicidade da pura proclamação das verdades de Deus, confiantes no seu poder e soberania para os resultados. Temos que ser e procurar os "homens idôneos" referidos por Paulo a Timóteo (2 Tm 2.2). Esta sinceridade de vida e a aprovação da parte do Pai devem ser as maiores fortalezas pelas quais a igreja venha a ser reconhecida como firme proclamadora do Evangelho de Cristo e não como mera aplicadora de técnicas humanas engenhosas.
Apêndice
"Os Meios Necessários e Próprios para Plantar o Reino de Jesus Cristo no Brasil." Ashbel G. Simonton, Diário, (207-215) Pregação no Presbitério do Rio de Janeiro,1867
Passados quase cento e trinta anos após esta preleção de Simonton, notamos que as palavras continuam atuais e refletem o direcionamento soberano do Espírito àquele servo, escolhido por Deus para plantar a Igreja Presbiteriana em nossa pátria. Olhando retroativamente, com a vantagem do desenrolar da história, vemos como a abordagem prática, mas completamente bíblica, de Simonton foi utilizada com sucesso na formação de um igreja sólida, que manteve a sã doutrina e que tem sido utilizada como instrumento no milagre da conversão de milhares de almas ao evangelho salvador de Cristo. Simonton aponto cinco meios dados por Deus ao seu povo para a eficaz propagação do evangelho no Brasil e para o plantio de igrejas, aqui resumidamente relacionados:
1. A vida santa de todo o crente, seria o meio mais eficaz. "Na falta desta pregação os demais meios não hão de ser bem sucedidos: os crentes são o sal da terra."
2. A disseminação da Palavra de Deus: a Bíblia, bem como livros e folhetos religiosos. "Deste modo, pode-se dar notícias de Jesus a muitos que não querem assistir ao culto público ... a imprensa é a arma poderosa para o bem."
3. A transmissão oral pela pregação aos amigos, conhecidos e vizinhos, e o convite "ao culto público." "Cada crente deve comunicar ao vizinho ou próximo aquilo que recebe até que toda a sociedade seja transformada."
4. A pregação do evangelho "por pessoas para isso designadas e ordenadas."
5. O estabelecimento de escolas para os filhos dos membros das igrejas.
Com relação ao ponto 4, Simonton diz o seguinte sobre a educação teológica:
O Evangelho, mesmo, ordena que este ministério seja confiado a pessoas de reconhecida aptidão e piedade, as quais não devem se ocupar em outra coisa. Embora os membros de qualquer igreja sejam zelosos no cumprimento dos seus deveres, não podem dispensar os serviços dum Pastor bem instruído nas Escrituras e apto para ensinar publicamente. Estes requisitos nem todos os crentes os têm. Este ministério requer estudo que poucos têm. Mais ainda, requer prudência e abnegação e zelo que Deus só dá aos que vivem em sua santa comunhão por meio de vigilância e oração constante.
Para Deus nada é impossível. Ele sempre acha os instrumentos que carece. Se eles os quer de longe, não lhe faltará meios para trazê-los. Se ele os quer achar perto, a seu tempo fará ver os seus escolhidos.
Se estes obreiros vêm de países estrangeiros são obrigados a aprender ma nova língua e acostumar-se aos usos duma nova terra. Este fato per si faz crer que a maior parte dos obreiros no Brasil têm de ser do país.
Nem todo cristão zeloso é apto para ensinar aos seus semelhantes da cadeira evangélica. Por mais forte que seja a vontade de anunciar ... sem estudos e a prática de falar, não pode fazê-lo com bom êxito. Não [há] dúvida que Deus pode, por meio de dons extraordinários, converter pescadores em apóstolos sem intervenção de escolas nem livros. A conclusão que chegamos é que na falta dos dons extraordinários, tais como o dom das línguas e o da inspiração divina, é forçoso haver escolas, livros e mestres. Aqueles que mostrarem alguma vontade e aptidão para serem ministros da palavra de Deus, deverão ser provados e desenvolvidos por estudos próprios para este fim.
Neste século importa que os ministros de Cristo sejam instruídos não só nas doutrinas da salvação mas também nas ciências a fim de que sejam capazes de dar uma razão de sua fé em resposta aos que contradisserem a verdade. Todo o conhecimento é útil para o pregador do Evangelho, e quanto é possível, devemos esforçar-nos para não ficar aquém dos que nos rodeiam. São Paulo foi instruído em todos os conhecimentos de sua época.
Em todos os séculos os servos mais influentes e mais úteis tinham, além dos dotes superiores da inteligência, estudos profundos e longos.
Em toda sua exposição, Simonton defende o princípio da soberania divina: "O resultado do emprego destes meios, como também as forças dependem de Deus."
English Abstract
In this article, F. S. Portela makes a critical evaluation of modern trends in ecclesiastical planning in Brazil, more specifically, of the Church Growth Movement. After stressing some of the positive contributions of the Movement to the churches in Brazil, Portela proceeds to show five main flaws in the theological assumptions behind the methodology developed by the main proponents of Church Growth today. Portelas main thesis is that the church is called to plan actions not results. In his view, the modern tendency of establishing numerical results (converts) within a fixed span of time reflects humanistic conceptions about conversion, which can be traced back to Charles G. Finneys pelagian views on conversion, and the methodology that he developed on this basis. Although a strong advocate of ecclesiastical planning and the growth of the Church, Portela feels that Brazilian churches have given in too easily, and without proper criticism, to the strategies advanced by Church Growth proponents. In the Appendix Portela provides a summary of a sermon on the growth of the church preached in 1867 by Rev. Ashbel G. Simonton, the founder of the Presbyterian Church in Brazil.
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* O autor é presbítero da Igreja Presbiteriana de Santo Amaro, São Paulo. Fez o Mestrado em Teologia Sistemática no Biblical Theological Seminary, Haftfield, Pa., Estados Unidos. Lecionou no Seminário Presbiteriano do Norte do Brasil, em Recife, e em Institutos Bíblicos da denominação, em Recife, Manaus e São Paulo. É dirigente de empresas, no estado de São Paulo, de um importante grupo brasileiro de atuação multinacional.
1 Qualquer que seja a interpretação dada à aplicação desta difícil parábola, não pode ser disputada a sagacidade, nela apresentada, como característica dos descrentes (filhos deste mundo) que se preocupam muitas vezes com coisas e situações que deveriam estar, apropriadamente, ocupando a mente dos crentes (filhos da luz). Vide o excelente tratamento desta parábola por Simon Kistemaker, As Parábolas de Jesus (S. Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992) 249-256.
2 Para uma abordagem alternativa, inserida na Teologia Reformada, vide Héber Carlos de Campos, "Crescimento de Igreja: Com Reforma ou com Reavivamento?" em Fides Reformata 1/1 (1996) 34-47.
3 Na realidade, grande parte da crítica inicial ao Movimento de Crescimento de Igrejas veio do campo liberal, sincretista e heterodoxo do Concílio Mundial de Igrejas WCC (como por exemplo, o Research Pamphlet Nº 17 de Steven G. Mackie, Can Churches be Compared? [Genebra: World Council of Churches, 1969]). As críticas foram levantadas, principalmente, em função da insistência na conversão, apresentada pelo Movimento de Crescimento de Igrejas, contrastada com as chamadas do WCC, que se limitavam a um "evangelismo de presença". Uma amostra mais ampla das críticas de integrantes do WCC (e boas respostas sobre a necessidade de conversão) é encontrada no livro editado por Donald McGravan, Eye of the Storm (Texas: Word Books, 1972). Infelizmente, nas respostas às críticas do campo conservador, os defensores deste Movimento passaram a considerar da mesma essência as críticas com fundamentação teológica e reformada, com outras advindas do chamado campo neo-evangélico (Billy Graham, cruzadas, etc.). Não é incomum, nestas respostas, acharmos estes blocos distintos de pensamento agrupados como oponentes cordiais entre si. Reformados e neo-evangélicos são apresentados, pelos defensores do Movimento de Crescimento de Igrejas, como se fossem partidários solidários de uma teoria macabra de estagnação da Igreja, o que não faz justiça à posição da maioria dos críticos, nem traz resposta adequada a alguns qüestionamentos legitimamente levantados.
4 C. Peter Wagner, Estratégias Para o Crescimento da Igreja, trad. Luiz Sayão (São Paulo: Sepal, 1991) 19.
5 Um manuscrito, não publicado, sobre planejamento e crescimento de igrejas, com o título, Guia Para Administração da Igreja Local, de José Santana Dória (1994), traz o seguinte, sobre esta questão: "As idéias de Planejamento para crescimento da Igreja não são incompatíveis com o que cremos a respeito da Soberania de Deus" (pp. 14-15), passando, a seguir, a expor 1 Coríntios 3:6, como prova ("Eu plantei; Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus"), esquecendo-se que não são as ações de Paulo ou Apolo (plantar e regar) que estão sendo enfatizadas pelo Movimento de Crescimento de Igrejas, mas o próprio crescimento em si, e este a Palavra nos declara "que vem de Deus", é resultado não planejável. Este manuscrito tem servido de base de instrução e propagação das idéias de Peter Wagner em igrejas presbiterianas do nordeste brasileiro, recebendo ampla circulação e aceitação.
6 No prefácio da Teologia Sistemática do famoso evangelista Charles G. Finney (Systematic Theology, [California: Whittier, 1946] 5) temos o registro daquilo que era a base de sua metodologia: "Um reavivamento não é um milagre ou não depende de um milagre, em qualquer sentido. É meramente o resultado filosófico da aplicação correta dos métodos."
7 "Da perspectiva puramente teológica, alguém se torna discípulo quando o poder do Espírito vem até esta pessoa e faz uma nova criatura (2 Co 5.17). Isto é salvação. O Novo Nascimento. É o momento em que o nome de uma pessoa é escrito no Livro da Vida do Cordeiro (sic) . . . mas embora isto seja válido teologicamente, estrategicamente não ajuda muito" (Wagner, Estratégias, 57).
8 Ibid., 40.
9 "Pragmatismo Consagrado" seria a concentração nos fins, como justificadores de quaisquer meios, na tarefa de transmissão do evangelho, com a única restrição àqueles meios que explicitamente fossem "moralmente questionáveis". Esta posição é abertamente defendida por Peter Wagner que afirma: "Deus quer que sejamos pragmáticos" (Estratégias, 28-30). A falácia da proposição é evidente, pois meios podem até ser moralmente aceitáveis, mas teologicamente questionáveis. Métodos e mensagens podem escapar a um confronto com aquilo que é considerado moralmente condenável por Peter Wagner (o exemplo por ele, corretamente, utilizado como condenável, é o da seita Meninos de Deus, que utilizava o sexo, supostamente para "atrair pessoas a Cristo"). Entretanto, alguns conceitos, mesmo "moralmente aceitos" por Wagner, podem ser propagadores de idéias equivocadas sobre o caráter revelado de Deus, ou do homem, e assim não escapam da classificação de "outro evangelho", dada por Paulo em Gálatas 1.6-11 à pregação que adiciona ou subtrai das verdades reveladas.
10 "O que Deus faz é normalmente previsível, no entanto nós também abrimos espaço para que também Ele aja soberanamente e de modo imprevisível" (Wagner, Estratégias, 82).
11 Peter Wagner abraça, em harmonia com muitos outros evangélicos (desavisados ou não) a definição de evangelização conhecida como a "definição dos arcebispos", procedente da Igreja Anglicana, que diz: "Evangelizar é de tal maneira apresentar a Cristo Jesus no poder do Espírito Santo, que homens e mulheres venham a confiar em Deus através dEle, aceitando-O como Salvador e servindo-O como Rei, dentro da comunhão de sua igreja" (Estratégias, 139). Esta definição, aparentemente aceitável, não resiste a um crivo teológico mais aguçado. Por exemplo, J. I. Packer, em seu livro Evangelização e a Soberania de Deus (São Paulo: Vida Nova, 1961; 2ª ed., 1990) 28-31, mesmo reconhecendo pontos positivos nesta definição, discorda frontalmente de que evangelização seja fazer alguma coisa de tal forma que outras aconteçam. A concentração de Packer é, obviamente, nas ações e na fidelidade destas com as determinações de Deus, a quem pertencem os resultados. Ele escreve na p. 31 do mesmo livro: "A maneira de saber se alguém está evangelizando de fato não é perguntar se o testemunho tem produzido conversões. Pelo contrário, é perguntar se o pregador está proclamando fielmente a mensagem evangélica."
12 Wagner, Estratégias, 41.
13 Ibid., 40-41.
14 Citado por Dória, Guia., 47.
15 Michael Scott Horton, Made In America (Grand Rapids, Michigan: Baker Book House, 1991) 46.
16 Peter Wagner, Descubra Seus Dons Espirituais, trad. João Bentes (São Paulo: Abba, 1994) 267-289.
17 Wagner, Estratégias, 80.
18 Ibid.
19 Ibid., 83-84.
20 Ibid., 83.
21 Ibid., 94.
22 Donald McGravan, Understanding Church Growth (Grand Rapids: Eerdmans, 1980) 176-178.
23 Wagner, Estratégias, 135.
24 Ibid., 154-156.
25 A semelhança com a escala de Peter Wagner (nota 16) é evidente e não deveria ser surpresa. Ambos bebem na mesma fonte das construções sociológicas pseudo-científicas.
26 Dória, Guia., 8.
27 Ibid.
28 Ashbel Green Simonton, Diário - 1852-1867, tradução de D. R. de Moraes Barros (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1982).
29 Ibid., 153.
30 Ibid., 155.
31 Ibid., 207-215.
32 Ibid., 207-208.
33 Ibid., 214.
34 J. E. Conant, How to Get Decisions in Personal Work (Illinois: The Bible Institute Colportage Association, 1933) 3, traz um exemplo da triste conclusão lógica a este tipo de pensamento sobre o evangelho. Ele escreve: "Os princípios utilizados [são aqueles aplicados] em ações de vendas de sucesso. Tanto no trabalho [de evangelização] pessoal, como na venda de bens, as pessoas devem ser persuadidas a fazer uma escolha positiva e, posteriormente, devem ratificar esta escolha com uma ação definida de comprometimento."
35 Michael Horton, Made in America, 65.
36 Ibid., 71.
37 Peter Wagner, Your Church Can Grow (California: Regal, 1976) 63.
38 Dória, Guia, 45.
39 Ibid., 45.
40 Ibid., 66.
41 Ibid., 66-68.
42 Caio Fábio DAraújo Filho, Novos Ministros Para Uma Nova Realidade (Brasilia: Sião, 1987) 24-25.
43 Dória, Guia, 68, citando: D. M. Lloyd-Jones, Os Puritanos, trad. de Odayr Olivetti (São Paulo: PES, 1993) 277-278.
44 Dória, Guia, 67, citando: André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, trad. de Waldyr Carvalho Luz (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990) 155.