A QUESTãO DOS PRESSUPOSTOS NA
INTERPRETAçãO DE GêNESIS 1.1 E 2
Mauro Fernando Meister*
 
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“Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (Hebreus 11.3).
INTRODUÇÃO
Ao longo de vários séculos de interpretação das Escrituras Sagradas, tem havido várias formas de entender o texto de Gênesis, capítulo 1, versos 1 e 2, e sua relação com o restante do capítulo primeiro, assim como a sua relação com o restante das Escrituras. Mesmo depois do tempo decorrido e das inúmeras interpretações, o assunto ainda é um convite a muita reflexão. As diversas interpretações não parecem caminhar para um consenso; antes, tendem a diversificar-se ainda mais. As interpretações mais tradicionais desses dois versos passaram por várias revisões, especialmente após alguns eventos importantes do século XIX. Dois deles foram a proposição da teoria evolucionista de Darwine a descoberta da biblioteca de Assurbanipal em 1853.E, ainda, no início do século XX veio à tona o modelo explicativo da origem do universo conhecido como teoria do Big-Bang.3
O propósito deste artigo é apresentar a exegese dos dois primeiros versos de Gênesis à luz do método de interpretação histórico-gramatical. O trabalho exegético aqui apresentado baseia-se no comentário de John Sailhamer, Genesis Unbound, publicado em 1996.4
I. POR QUE UMA EXEGESE HISTÓRICO-GRAMATICAL?
Exegese é um termo pouco conhecido. Ela indica uma análise detalhada e cuidadosa com o intuito de trazer a lume o ensino do texto. Gordon Fee declara acertadamente que
O termo exegese é usado... em um sentido conscientemente limitado para se referir à investigação histórica do significado do texto bíblico. A exegese, conseqüentemente, responde à questão, O que o autor bíblico quis dizer? Ela tem a ver com o que ele disse (o conteúdo em si mesmo) e por que ele disse o que disse naquele momento (o contexto literário). Ainda mais, a exegese está primariamente preocupada com a intencionalidade: O que o autor pretendia que seus leitores originais compreendessem?5
No entanto, não devemos nos deixar levar pela ingenuidade de que o texto pode ser interpretado sem pressupostos:
Quer queiramos quer não, quer gostemos ou não, todos lemos o texto e o interpretamos baseados em nossas próprias pressuposições teológicas. Certamente, o argumento mais sério contra a noção de que a exegese deve ser feita independente da teologia sistemática é que tal noção é irremediavelmente ingênua. A própria possibilidade de entender qualquer coisa depende de nossa estrutura prévia de interpretação...É claro que às vezes fazemos o fato encaixar-se em nossas preconcepções e assim o distorcemos. No entanto, o remédio não é nem negar que temos essas preconcepções, nem tentar suprimi-las, pois apenas estaríamos nos enganando a nós mesmos. Teremos uma possibilidade muito maior de estar conscientes dessas preconcepções se buscarmos deliberadamente identificá-las e então fazer uso delas no processo exegético.
Dessa forma, na primeira parte do artigo serão demonstrados quais são os pressupostos mais comuns adotados na interpretação do texto de Gênesis sob análise e, na segunda parte — conscientes dos pressupostos comuns —, identificaremos deliberadamente quais desses pressupostos são aceitos e quais são rejeitados. Assim, será feita a proposta de exegese da passagem.
II. PRESSUPOSTOS COMUNS NA INTERPRETAçãO DE GêNESIS 1
Um dos elementos mais influentes na interpretação do texto de Gênesis 1 é a nossa própria cosmogonia, ou seja, a forma como aprendemos que o cosmos foi formado ou se formou. Dentro da cultura judaico-cristã é comum perceber-se o pressuposto de que Deus criou o universo. E isso, até mesmo nestes tempos pós-modernos, é aceito como uma verdade tácita por grande parte da sociedade. Mas o que está por trás do pensamento da maior parte dos que se aproximam do texto de Gênesis 1 — supondo aqui a priori que o texto é verdadeiro?
Vamos percorrer de modo extremamente objetivo e sucinto a trajetória persistente do pensamento grego no Ocidente:
1. A cosmogonia grega. A influência grega nos séculos imediatamente anteriores ao período do Novo Testamento era intensa e isso foi significativo para a compreensão da narrativa de Gênesis. O helenismo, acompanhado da Septuaginta (tradução grega das Escrituras do Antigo Testamento, do século II AC), trouxe elementos da sua cosmogonia que serviram como base para a leitura dos primeiros capítulos de Gênesis. Pode-se observar que a Septuaginta tentou harmonizar a sua tradução com o ponto de vista grego a respeito da origem do universo, mais especificamente com a visão que foi popularizada nos Diálogos de Platão. Ainda que os tradutores da Septuaginta fossem judeus e sua intenção fosse a de serem fiéis ao texto hebraico, comparando-se as expressões utilizadas pode-se chegar a esta conclusão. Alguns escritores confessam que a própria ciência moderna ainda tem parte dessa filosofia em sua bagagem. Veja-se, por exemplo, a descrição da influência de duas linhas do pensamento grego (pitagoreana e atomista) na história da ciência, até a ciência moderna e a teoria da relatividade de Einstein, na obra de Michael Polanyi, Personal Knowledge.8
2. A Septuaginta como Escritura da igreja primitiva. Filo (séc. I) e Orígenes (século III) foram os dois intérpretes bíblicos que trabalharam mais de perto com a Septuaginta, que continuava a ser a tradução mais usada. Conseqüentemente, entre as visões mais populares sobre Gênesis 1 e 2 está a de Filo, que faz uma interpretação claramente helenista do texto.
3. A Idade Média. A interpretação desses capítulos de Gênesis durante  a Idade Média foi dominada pela visão ptolomaica. O mundo era visto como uma imensa cadeia de causa e efeito. Deus era a Causa Primeira que colocou o universo em movimento harmonioso, estando o sol, a lua e as estrelas em movimento circular perfeito ao redor da Terra. Foi contra esse padrão que Galileu teve que lutar ao sugerir que o sistema não era geocêntrico, mas heliocêntrico. A interpretação do texto era dominada pela cosmovisão da época. Chegou-se ao ponto em que as afirmações de Galileu, demonstrando que o sistema copernicano estava correto, foram tidas como heréticas.
4. Na Reforma. Durante esse período, a luta para que a Escritura interpretasse a Escritura deu grande impulso para uma interpretação livre das tradições filosóficas anteriores, ainda que por um bom tempo o sistema ptolomaico continuasse a ser identificado com a visão bíblica. No entanto, com o florescimento das ciências, o sistema ptolomaico entrou em declínio para dar lugar à visão newtoniana. Na teologia permaneceram basicamente dois grupos: um que assegurava dogmaticamente a visão ptolomaica e outro que começava a construir novas visões sobre a relação entre a Bíblia e a ciência.
5. Naturalismo. A partir do final do século XVIII o naturalismo se encarregou de separar completamente, como campos distintos, a religião (teologia) e a ciência. A observação organizada tornou-se o único método aceitável para obtenção do verdadeiro conhecimento. A Bíblia já não servia para este propósito. Até então a visão bíblica (conforme interpretada na época) era aceita como um ponto de partida para a ciência. A partir de então, a Bíblia deveria manter-se por si só. No desenvolvimento desse processo as posições começaram a se inverter e a narrativa das Escrituras começou a tornar-se escrava da “fonte do verdadeiro conhecimento,” a ciência. Por exemplo, os dias da criação começaram a ser lidos como eras geológicas. Na maioria das visões contemporâneas, a Bíblia é considerada apenas como um livro repleto de erros, sem qualquer relevância para o homem moderno. Não são poucos os livros escritos com o objetivo de desacreditar a Bíblia em termos científicos.10 
6. Criticismo bíblico. O estudo das religiões semíticas aprofundou-se a partir de várias descobertas arqueológicas dos séculos XIX e XX. As religiões comparadas se tornaram o foco dos estudos acadêmicos durante um bom período. Isso certamente mudou a visão de muitos teólogos quanto à interpretação dos primeiros versos da Bíblia, e essa influência ainda pode ser sentida. A linguagem bíblica passou a ser abertamente comparada e associada à linguagem da mitologia dos demais povos daquela época e daquela região. Tornou-se comum falar em linguagem mitopoética e associar a narrativa da criação aos mitos de outros povos. Em 1895, Hermann Gunkel publicou Schöpfung und Chaos [Criação e Caos],11 uma investigação do tema da criação, de Gênesis ao Apocalipse. Nessa obra ele parte da premissa de que o mito babilônico da criação, a batalha entre o deus criador e os poderes do caos, é a fonte do relato bíblico. Muitas descobertas posteriores demonstraram o fracasso da tese de Gunkel, mas a linha comparativa permaneceu, sendo a idéia do caos primitivo ainda o enfoque dos estudos críticos do século XX.
Todos esses elementos delineados determinaram em alguma medida os pressupostos com os quais as interpretações dos primeiros capítulos de Gênesis têm sido feitas. É claro que a leitura feita pelos evangélicos em geral não se deixa envolver completamente pelos pressupostos do naturalismo. Entretanto, em muitos casos, é o que tem acontecido, chegando-se a equacionar a revelação no livro de Gênesis com a poesia, para que se tenha uma interpretação “livre” e adaptável aos conceitos atuais expostos por diferentes teorias científicas.
Baseados no pressuposto logicamente correto de que toda verdade é verdade de Deus, estudiosos da escola comparativa e outros colocam a verdade bíblica como escrava da teoria científica (que é tida como “toda a verdade”). Esse comportamento atual é uma reação ao processo inverso anterior, em que a ciência era escrava da teologia. Isso, em última análise, foi o que a Igreja Romana fez com Galileu no início do século XVII.
A. Pressupondo o Caos
Como foi visto acima, a exegese é altamente influenciada pelos pressupostos e certamente pela teologia que alguém esposa, uma realidade da qual ninguém pode escapar. Porém, compreender quais sejam os pressupostos auxilia grandemente no esforço exegético. Olhando para as interpretações modernas de Gênesis 1.1 e 2, pode-se observar a ampla gama de influências nelas contidas. Veja-se, por exemplo, a própria Septuaginta. Os tradutores usaram a palavra aoratos para traduzir o hebraico tohu (“sem forma”). Ora, aoratos12 significa “invisível,” algo que ainda não se vê. Esta idéia está fortemente presente na cosmogonia platônica, na qual o ideal é criado na mente e depois executado. Filo explica dessa forma Gênesis 1.2. A palavra bohu (“vazia”) é traduzida como akataskeuastos e significa “não formado.” Esse invisível não formado é interpretado como “caos,” algo imperfeito. Essa idéia de “caos primitivo” é ainda o pensamento dominante em muitas leituras, antigas e contemporâneas, dos primeiros versos da Bíblia
Veja-se, por exemplo, a leitura feita pelos reformadores. Encontramos nos escritos de Lutero e Calvino,13 que inquestionavelmente foram grandes exegetas da língua hebraica, a clara idéia de que o “caos” estava presente na criação. Creio que isso se deu por causa da cosmovisão grega que receberam na leitura do texto de Gênesis 1. Ainda hoje, quando se lêem os termos “sem forma e vazia” o que vem à mente são imagens do caos primitivo. As teorias mais populares de interpretação de Gênesis 1 seguem essa mesma linha. A teoria do intervalo (lacuna), popularizada na Bíblia de Scofield,14 reflete este pressuposto: Se a terra encontrava-se em estado de caos na narrativa de Gênesis 1.2, como explicar que um Deus bom criou algo nesse estado? A nota explicativa da Bíblia Anotada de Scofield em Gênesis 1.2 diz o seguinte:
Duas principais razões foram apresentadas para explicar a expressão “sem forma e vazia” (no hebraico tohu e bohu). A primeira, que poderia ser chamada de interpretação do Caos Original, considera tais palavras como descrição da matéria original informe no primeiro estágio da criação do universo. A segunda, que poderia ser chamada de interpretação do Juízo Divino, vê nessas palavras uma descrição apenas da terra numa condição subsequente à sua criação, não como era originalmente (vide Is 45.18, nota; comp. também notas de Is 14.12; Ez 28.12).15 
Em ambas as explicações dadas na nota é presumido um estado caótico para a terra depois da narrativa da criação no verso 1. Essa é quase que invariavelmente a percepção dos leitores modernos, conforme pode ser verificado em um grande número de comentários sobre estes versos.16 Bruce K. Waltke afirma em seu livro Creation and Chaos que existem três posições de maior destaque assumidas por evangélicos quanto à interpretação de Gênesis 1.1-3, a saber, a teoria da restituição, a teoria do caos inicial e a teoria do caos pré-criação. Waltke as descreve da seguinte forma:
De acordo com a primeira forma de pensamento, o caos ocorreu depois da criação original; de acordo com o segundo modo de pensar, o caos ocorreu em conexão com a criação original; e no terceiro modo de pensar, o caos ocorreu antes da criação original.17 
Mais uma vez podemos observar que a idéia de caos é dominante no cenário da interpretação. Até mesmo para a mente moderna a idéia de caos primitivo está presente. A própria idéia da evolução, seja ela biológica ou universal, envolve a concepção de um movimento do caótico para o organizado. Qualquer livro de ciências do nível fundamental há de mostrar exatamente essa percepção.
B. Em Busca do Princípio no “Princípio”
O primeiro passo para uma leitura gramático-histórica de Gênesis 1.1 e 2 é evitar a abordagem do texto a partir da influência desavisada das cosmogonias citadas acima, especialmente a idéia de caos. Segundo Young, “talvez fosse sábio abandonar o termo ‘caos’ como designação das condições apresentadas no verso dois. A tríplice declaração das circunstâncias em si mesma parece indicar ordem.”18 
E isso é extremamente difícil, pois as traduções normalmente “viciam” a leitura se estiverem presas a uma determinada cosmogonia que seja estranha ao texto. Ainda que nas traduções em português o texto de Gênesis 1.2 não traga a palavra caos, em Isaías 45.18 a tradução de tohu, que no contexto fala sobre a criação, é exatamente esta:
Porque assim diz o SENHOR, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o SENHOR, e não há outro.
Faz-se necessário, portanto, abordar o texto da perspectiva que busca o sentido pretendido pelo autor e entendido pelo seu leitor original, o que certamente não envolvia a cosmogonia grega antiga, suas adaptações modernas ou as cosmogonias da era científica. Qual era a intenção do autor ao escrever o texto? Essa é a pergunta chave para a interpretação de qualquer texto e aquela que caracteriza, de certa forma, a grande indagação do método histórico-gramatical.
1. QUEM PRESSUPOMOS SER O AUTOR DE GêNESIS?
Não é a intenção desse artigo discutir a questão da autoria de Gênesis.19 Embora o Pentateuco seja anônimo, como a maioria dos livros do Antigo Testamento, existe evidência suficiente para afirmar sua autoria. Pode-se dizer com sobriedade que Moisés é o autor fundamental de quatro desses livros (existem várias evidências, tanto internas como externas). Por fundamental quer-se dizer que o conteúdo principal desses livros sai das mãos de Moisés e não necessariamente a versão final. Quanto ao livro de Gênesis, objeto de nosso estudo, inexistem evidências internas quanto à sua autoria, mas existem evidências externas da autoria mosaica quanto a todo o Pentateuco, o que inclui, logicamente, o livro de Gênesis.20 Portanto, presume-se que o autor do texto em questão foi Moisés. Não somente isto, mas partimos também do pressuposto de que a narrativa é verdadeira e trata de eventos, fatos acontecidos no tempo e no espaço a partir do momento em que os mesmos foram criados.21 
2. PARA QUEM FOI ESCRITO?
O livro de Êxodo narra com clareza as circunstâncias nas quais todo o Pentateuco foi escrito. O público alvo (os receptores da mensagem) foi o povo que saiu do Egito rumo a Canaã. Observando-se o aspecto global do Pentateuco — o todo da revelação — conforme registrado por Moisés, percebe-se que Deus se revelou verbalmente no passado (a Adão, Eva, seus descendentes, etc.) e que, agora, estava cumprindo o que havia prometido anteriormente. Moisés e o povo, que receberam a revelação, percebiam que o Deus de seus antepassados estava agindo no seu tempo e cumprindo suas promessas.
Como aquele povo que viveu no Egito durante centenas de anos poderia entender o que é que Deus estava fazendo e por quê? A resposta vem do contexto que lhes é apresentado em Gênesis (veja, por exemplo, as referências históricas a Abraão: Ex 2.24; 3.6; 3.15). Como Moisés explicaria a sua presença para libertar o povo: “Vai, ajunta os anciãos de Israel e dize-lhes: O SENHOR, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó, me apareceu, dizendo: Em verdade vos tenho visitado e visto o que vos tem sido feito no Egito...”
3. A IMPORTâNCIA DE UM CONTEXTO HISTóRICO
O que foi dito ao povo e depois registrado no texto do Pentateuco pressupõe um contexto histórico. É importante notar, no entanto, que existe uma diferença importante a ser percebida entre a forma como nós recebemos essa revelação e como os primeiros ouvintes, e depois leitores, a receberam. Se, por um lado, com o cânon completo, certamente podemos ter uma idéia mais clara, especialmente por causa da vinda do antítipo (Cristo) que cumpre a lei e esclarece a revelação a respeito das coisas ditas anteriormente aos pais, por outro lado, os que primeiro receberam a revelação tiveram um tipo de clareza diferente, pois estavam vivendo aqueles fatos no seu próprio ambiente, cultura e língua. Foi uma revelação “ao vivo,” sem a necessidade de muitas das explicações que precisamos hoje. Quando recebiam a revelação não precisavam fazer o trabalho exegético de perguntar quem escreveu, para quem escreveu ou quando escreveu. E nem discutir a etimologia e origem dos vocábulos envolvidos na revelação.
Naquele contexto Moisés escreveu com o propósito de revelar a verdade de Deus e demonstrar a seus ouvintes/leitores por que é que Deus estava agindo. Moisés provê um contexto para que o seu público entendesse o que Deus estava fazendo naquele momento. Observe que o Êxodo é uma continuação de Gênesis. Logo nos primeiros versos lemos: “[E] são estes os nomes dos filhos de Israel que entraram com Jacó no Egito...” A continuidade é clara, perfeita em seu caráter histórico e, no decorrer do livro, uma continuidade perfeita em seu caráter teológico. Portanto, o livro de Gênesis, como parte do todo do Pentateuco, foi escrito por Moisés no contexto da saída do Egito. Dizer com precisão quando a escrita aconteceu, é impossível.22 
C. Caminhando Rumo à Interpretação
Dentro dessa perspectiva é que devemos tentar entender qual era a intenção de Moisés ao dizer:
`#r,a'h' taew> ~yIm;V'h; tae ~yhil{a/ ar'B' tyviareB.
~Aht. ynEP.-l[; %v,xow> Whbow" Whto ht'y>h' #r,a'h'w>
`~yIM'h; ynEP.-l[; tp,x,r;m. ~yhil{a/ x;Wrw>
1 No princípio, criou Deus os céus e a terra.
2 A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a
face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.23
 
O labor exegético exige de nós algumas tarefas. A primeira tarefa importante do trabalho é verificar se a perícope escolhida é apropriada para uma exegese. No caso do texto sob estudo, é obvio que o ideal seria lidar com todo o primeiro capítulo de Gênesis, ou melhor ainda, com a perícope do cap. 1 até o verso 4 do segundo capítulo,24 exatamente por tratar do assunto de maneira mais completa. Os versos que continuam a passagem são o complemento do texto (Gênesis 1.1 e 2), e somente justificamos esta perícope em função do propósito do artigo, que é especificamente mostrar que a interpretação “comum” dos dois primeiros versos está influenciada por diversas cosmogonias e aponta para um resultado provavelmente diferente do que o texto está afirmando.
A segunda tarefa necessária é entender a relação do texto (perícope) com o restante do mesmo. Quanto ao verso primeiro, levanta-se a questão de sua posição em relação à cláusula seguinte. Esse debate vem ocorrendo há séculos, e as duas posições principais são as seguintes: 1) o verso primeiro é uma cláusula dependente; ou 2) o verso primeiro é uma cláusula independente.
No primeiro caso tem-se a exclusão da idéia de um princípio absoluto.25 A segunda opção, adotada na maioria das traduções, confirma a idéia de um princípio absoluto — e isso está em harmonia com o restante das Escrituras.
1. ENTENDENDO O QUE é DISTINTIVO
Deve-se apreender da passagem quais são suas peculiaridades em relação ao restante do texto de Gênesis 1. Note-se, por exemplo, a seqüência verbal do texto hebraico. Essa, certamente, é uma particularidade que fica oculta ao leitor em qualquer tradução. Nos dois primeiros versos o hebraico nos apresenta verbos na forma qatal:26 criou e estava (“pairava” no hebraico é um particípio). A partir do verso 3 inicia-se uma cadeia de verbos que introduzem o discurso direto (e disse Deus), resultados (houve) e ações diretas (viu, fez separação, chamou, etc.), todos usando a forma vav x-qatal. Isto mostra um aspecto diferencial na forma em que os dois primeiros versos devem ser lidos. Esse assunto em torno dos dois primeiros versos é tão importante que já foram feitas várias sugestões quanto à sua função.27 Como foi visto acima, uma dessas funções procura explicar que existe um intervalo temporal entre a narrativa do verso 1 e a do verso 2. Outra sugestão comum é a de que o verso primeiro deve ser lido como um título para a passagem. Nesse caso, não haveria no texto uma declaração sobre a criação em si, mas apenas um processo organizador de algo que já estava criado anteriormente. Outra proposta é a de que o primeiro verso seria um resumo do que vai ser descrito a partir do verso 3, ou seja, os sete dias da criação são o detalhamento do que aconteceu no verso primeiro.
O arranjo verbal do texto parece favorecer uma interpretação do primeiro verso como uma cláusula independente, uma declaração completa em si mesma, seguida de uma segunda declaração, dependente da primeira, em que é descrito o estado da terra criada. Mais adiante veremos o que o texto quer dizer com o termo “terra.”
Acompanhe a seqüência abaixo:
Verso 1 — Primeiro ato da criação — Deus criou os céus e a terra.
Verso 2 — Descrição da terra criada e da presença de Deus na criação através de seu Espírito.
Verso 3 — Início da narrativa principal — descrição dos elementos sendo organizados e de outros elementos sendo criados.
O foco da narrativa está no que vem depois do princípio e não no princípio propriamente dito. Isso nos leva a procurar compreender qual foi o sentido pretendido pelo autor para o termo “princípio.”
Graficamente pode-se representar a seqüência da seguinte forma:
 
O PRINCÍPIO (seqüência)   — OS SETE DIAS  1 2 3 4 5 6 7  de 24 horas
       CRIAÇÃO                   —          Organização e criação
 
Portanto, pode ser entendido que os dois primeiros versos de Gênesis se relacionam com o restante do capítulo como um primeiro ato criativo, sendo o restante da narrativa uma seqüência do evento narrado. O verso primeiro relata o primeiro ato criativo. O verso segundo narra o estado da criação depois do primeiro ato criativo. Os dois primeiros versos não servem como um resumo ou título para a narrativa, mas são mais precisamente uma introdução para a narrativa principal — os sete dias em que Deus organiza o que já havia sido criado e cria (estrutura?) outros elementos em função da criação do homem no sexto dia.
III. O LABOR IN LOCO
VERSO 1
A primeira expressão do texto é reshit, precedida de preposição28 no princípio. Centenas de páginas têm sido escritas sobre o termo e suas muitas implicações. O que deve ser perguntado é o que estava na mente do autor do texto ao escolher o termo reshit para iniciar a narrativa de Gênesis ao povo no período da caminhada do deserto. O termo se refere a um momento único, um princípio de segundos, décimos de segundo, ou a um período indeterminado de tempo que pode durar um segundo, ou um minuto, um dia, um ano, enfim, qualquer período de tempo? A resposta se torna difícil uma vez que o uso do termo não é abundante na literatura do Pentateuco. Porém, há algumas pistas. Na maioria das vezes em que o termo aparece no Pentateuco é traduzido como “primícias.”29
Outras possíveis traduções do termo no Pentateuco (segundo a tradução de Almeida Revista e Atualizada) são “primeiro” (Nm 24.10), “primogênito” (Dt 21.17) e “melhor parte” (Dt 33.21). Em Gênesis 10.10 o termo reshit é usado para falar do “princípio” do reino de Nimrode, ou seja, as primeiras cidades que ele possuía: “O princípio do seu reino foi Babel, Ereque, Acade e Calné, na terra de Sinear.”
No livro de Jó o termo reshit se refere ao período inicial de sua vida (8.7: “O teu primeiro estado, na verdade, terá sido pequeno, mas o teu último crescerá sobremaneira”), referindo-se a um período indeterminado de tempo, até que Jó fosse restaurado.
O texto de Jeremias 28.1 traz o mesmo sentido, ou seja, um período indeterminado: “No mesmo ano, no princípio do reinado de Zedequias, rei de Judá, isto é, no ano quarto, no quinto mês, Hananias, filho de Azur e profeta de Gibeão, me falou na Casa do SENHOR, na presença dos sacerdotes e de todo o povo, dizendo...” O reshit, segundo este texto, já durava até o quarto ano, quinto mês do reinado de Zedequias.
Assim, o termo princípio (reshit) não significa necessariamente o princípio em um instante, mas pode significar o começo e a sua continuidade. Com isso fica aberta a possibilidade de um período indefinido de tempo antes da continuidade da narrativa, a partir do terceiro verso, sem que seja necessário um intervalo. O ponto a ser enfocado aqui, dentro da metodologia gramático-histórica, é que exegeticamente o princípio pode ser um curto período de tempo ou até mesmo de milhões de anos. A diferença básica está em não adotar a cosmologia científica moderna e simplesmente afirmar um princípio de bilhões de anos, embora, a partir do texto, essa seja uma possibilidade exegética.
O segundo termo do texto é o verbo bara’ (criou) seguido do sujeito Elohim. O verbo na forma em que se encontra, denominado nas gramáticas modernas como qatal, significa “criou.” A nomenclatura tradicional (perfeito ou completo) traz nuanças que de fato não correspondem à natureza do verbo hebraico. Com isto, quero dizer que o verbo não significa, como comumente se diz, uma ação completa, acabada. O texto simplesmente diz que Deus criou.
Quando usado no qal o verbo bara’ se refere tão somente à atividade divina, o que corresponde ao conceito da criação por meio do fiat (ordem imediata de Deus). Nesse sentido, pode-se dizer que o significado do verbo é o de trazer à existência alguma coisa nova, não vista, em contraste com outros verbos no hebraico bíblico que trazem a noção de “modelar”, “dar forma.” Observa-se que o verbo no qatal tem uma orientação teológica dentro dos escritos bíblicos. O seu uso também cabe no conceito da creatio ex-nihilo (criação a partir do nada), ainda que não implique necessariamente que tenha sido assim. O verbo é geralmente usado no contexto da criação do universo e dos fenômenos naturais como nos versos 21, 27 e 2.3.
O objeto da sentença é a expressão “céus e terra.” Esta expressão é chamada de “merisma,” ou seja, as partes representando o todo. Creio que o autor usa essa expressão pela razão muito simples de que a língua hebraica não possuía um termo para denominar o universo. Céus e terra representam aqui tudo o que o autor e seus leitores concebiam como a criação de Elohim, tudo o que eles podiam ver e perceber nos céus e na terra, ou seja, o lugar onde pisam e tudo o que vêem no céu, incluindo sol, lua, estrelas e nuvens, em contraste com a religião e cosmogonia egípcia (ou outras cosmogonias do antigo Oriente Próximo) que via esses mesmos elementos como deuses. O merisma serve para expressar aquilo que é maior, mais abrangente do que as partes e para mostrar que tudo aquilo havia sido feito por Deus e fazia parte da criação.
É importante lembrar que as partes individuais, a terra e os céus, não representavam para o autor ou para os leitores originais as mesmas coisas que representam para nós hoje. Moisés não tinha uma visão clara do que é o globo terrestre (Planeta Terra), das suas rotações e translações, ou do sistema solar como o conhecemos hoje. Por isso não devemos permitir que ao ler Gênesis 1.1 nos venha à mente a idéia do “planeta azul,” porque esta não era a visão do autor.
Portanto, na visão do autor, no reshit Elohim criou todas as partes do universo que lhe era conhecido: o solo, o lugar geográfico onde pisava, e o que estava acima dele, os céus e tudo o que neles está incluindo o sol, a lua e as estrelas.
Pode-se dizer, em suma, que o propósito do verso 1 é o de declarar a identidade do criador e a origem de toda a criação — Elohim. Isso foi reconhecido e apreciado nos escritos bíblicos subseqüentes.
VERSO 2
Na seqüência do verso 1 para o verso 2 há uma mudança de foco. A visão do autor muda do todo para concentrar-se sobre a terra (eretz) e a criação sobre ela. O verso 2 é uma descrição da criação depois do primeiro ato criativo. Existe um movimento que vem do “céus e terra” para a terra — “a terra, porém, estava sem forma e vazia.”
O que é a terra para o autor e seus leitores? Seria o Planeta Terra? Creio que é mais apropriado pensar na terra, conforme descrita no verso 2, como ela é vista no restante da literatura do Pentateuco, isto é, como o lugar geográfico com fronteiras conhecidas e passíveis de descrição. No verso 10 Deus dá o nome de eretz à porção seca. Como Deus, no verso 10, nomeia a porção seca, nossa tradução coloca terra com o “t” maiúsculo, o que pode induzir o leitor a pensar no Planeta Terra. Mas certamente não seria a compreensão do leitor na língua hebraica. Entretanto, deve-se ter em mente que eretz é, para o autor e os leitores, a porção seca do lugar geográfico, o lugar apropriado para a vida humana.
Já foi apontado anteriormente o cuidado em não ler a expressão “sem forma e vazia” como “caos.” Mas, se a expressão não significa caos, o que se deve entender? A expressão, em geral, refere-se a um lugar “não habitável,” impróprio para a vida humana. Assim era o estado da terra depois do primeiro ato criativo. Em outros lugares do Pentateuco é este o significado da expressão tohu. Tome-se, por exemplo, Deuteronômio 32.10: “Achou-o numa terra deserta e num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele, guardou-o como a menina dos olhos.”
É importante observar que o tradutor fez a opção de traduzir o termo tohu por “ermo solitário,” um lugar que não era apropriado para a vida. Indo ao texto de Isaías 45.18, onde esta idéia é ainda mais clara, nota-se que tohu, traduzido como caos, é posto em contraste com a expressão “para ser habitada”: “Porque assim diz o SENHOR, que criou os céus, o Deus que formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos, mas para ser habitada: Eu sou o SENHOR, e não há outro.”
Uma tradução melhor para o texto certamente seria: “que não a criou para ser um ermo vazio, mas para ser habitada.”
Da mesma forma o profeta Jeremias vê a terra depois do juízo de Deus pela desobediência do povo que vivia sobre ela (4.20-27). Observe especificamente que a mesma expressão é usada no verso 23 (em negrito e itálico abaixo), “sem forma e vazia” e a seqüência do texto mostra as demais características dessa terra sem habitantes, sem as aves no céu, um deserto:
Golpe sobre golpe se anuncia, pois a terra toda já está destruída; de súbito, foram destruídas as minhas tendas; num momento, as suas lonas. Até quando terei de ver a bandeira, terei de ouvir a voz da trombeta? Deveras, o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios e não inteligentes; são sábios para o mal e não sabem fazer o bem. Olhei para a terra, e ei-la sem forma e vazia; para os céus, e não tinham luz. Olhei para os montes, e eis que tremiam, e todos os outeiros estremeciam. Olhei, e eis que não havia homem nenhum, e todas as aves dos céus haviam fugido. Olhei ainda, e eis que a terra fértil era um deserto, e todas as suas cidades estavam derribadas diante do SENHOR, diante do furor da sua ira. Pois assim diz o SENHOR: Toda a terra será assolada; porém não a consumirei de todo.30
Creio, portanto, que a função da primeira sentença do verso 2 seja a de descrever o estado da terra depois do primeiro ato da criação e que este estado era impróprio para a habitação do ser humano. A partir deste ponto o narrador lança o plano da narrativa a seguir, ou seja, descrever como Deus a fez apropriada para a habitação humana e como, finalmente, cria o homem para nela habitar. O trabalho de Deus, a partir do verso 3, é tornar esta terra habitável, apropriada para o homem que vai ser criado no sexto dia. Assim, a terra ainda estava por se tornar boa, não quanto à sua natureza intrínseca, mas quanto a seu propósito final, a habitação do homem.
Mesmo que a terra não fosse apropriada para a habitação humana, o Espírito de Deus, o doador da vida, já se encontrava presente no meio da escuridão, onde ainda não havia entrado a luz do sol. A escuridão não deve ser tomada em um sentido espiritual, mas no sentido da ausência de luz no contexto em que Deus começa a falar no “primeiro” dia. Os céus e terra criados por Deus no princípio, agora aguardam, na presença do Espírito, que o mesmo chame a vida à existência, trazendo luz, forma e organização. A presença do Espírito serve para alertar ao ouvinte que o agente do poder de Deus está pronto para executar a sua obra na organização da terra.
EM RESUMO
Para que possamos fazer uma interpretação apropriada do texto de Gênesis 1.1 e 2, é fundamental fazer a leitura do texto de acordo com o mesmo método empregado para a leitura de toda a Escritura, ou seja, o método gramático-histórico. Para tanto se faz necessário prosseguir passo a passo na exegese, tomando-se, em primeiro lugar, consciência dos pressupostos adotados na interpretação. Em geral, a abordagem feita ao nosso texto está repleta de pressupostos que se estabeleceram ao longo de muitos séculos na nossa cultura e nas traduções da Bíblia. Pelo menos três dos elementos do texto são dominados por esses pressupostos: (1) a visão do que seja o “princípio”; (2) a visão do que significa a expressão “os céus e a terra”, sem entendê-la como uma referência ao todo criado; (3) a visão da expressão “sem forma e vazia” com se fosse representativa de caos.
Como resultado da leitura feita com os pressupostos dominantes, a relação dos dois primeiros versos do texto com o restante do mesmo é colocada em dificuldade. Alega-se que os dois primeiros versos são, quem sabe, um título ou mesmo um resumo da passagem.
A exegese feita neste artigo propõe a mudança na leitura desses elementos e na relação dos dois versos com o restante da narrativa. Conclui-se que o primeiro verso trata de um primeiro ato criativo quando Deus criou os céus e a terra, o universo conforme o conhecemos. O segundo verso descreve o estado da terra criada, quando Deus ainda não havia começado a organizá-la e, portanto, encontrava-se inabitável. O restante da narrativa, que é o foco principal do texto, os dias numerados de 1 a 7, trata da maneira como Deus organizou a terra, separando, dividindo, formando, criando e estabelecendo papéis para os elementos criados, tais como os luzeiros no quarto dia.
Quanto às expressões principais do texto, conclui-se que reshit pode ser tomado, exegeticamente, como um período indefinido de tempo, marcando, porém, o princípio da criação do tempo e do espaço. Quanto tempo esse período durou, não há como determinar através da exegese bíblica.
Na leitura tradicional atribui-se a idéia de caos à expressão tohu e bohu. Percebe-se, no entanto, que esse significado é estranho à cosmovisão do autor e leitores originais, sendo preferível a leitura da expressão com seu significado mais comum na literatura bíblica, ou seja, um local inadequado para a vida humana.
 
 
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*      O autor é ministro presbiteriano, mestre em Teologia Exegética do Antigo Testamento pelo Covenant Theological Seminary, nos Estados Unidos, e doutor em Línguas Semíticas (hebraico) pela Universidade de Stellenbosch, África do Sul. É coordenador do Departamento de Teologia Sistemática e professor na área de Antigo Testamento no Centro Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e no Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição, em São Paulo.
1       Ver Charles Darwin, A Origem das Espécies (São Paulo: Século XXI, 1994).
2       A descoberta da biblioteca de Assurbanipal, o último grande rei assírio, trouxe uma grande mudança na forma como os críticos viam o texto bíblico. Até então as fontes de comparação eram raras. Com essa descoberta (e outras) iniciou-se um grande processo de estudo em forma comparativa entre a religião apresentada na Bíblia e a religião de outros povos do Oriente antigo.
3       O termo Big-Bang foi cunhado pelo físico russo George Gamov em 1946 para designar algumas teorias que explicavam a origem do universo.
4       John Sailhamer, Genesis Unbound (Sisters, Oregon: Multnomah Books, 1996). Embora a exegese aqui apresentada siga as linhas gerais apresentadas por Sailhamer, discordo do autor em alguns pontos de maior importância e em vários detalhes exegéticos. Sailhamer denomina sua teoria Criacionismo Histórico em vista das três visões mais populares entre os cristãos com relação à criação, a saber, Criacionismo, Criacionismo Progressivo e Evolucionismo Teísta. No Criacionismo Histórico, Sailhamer sustenta que a leitura do relato da criação deve ser feita de maneira literal, sustentando inclusive a literalidade dos sete dias mencionados em Gênesis, como sendo a única leitura que faz justiça ao gênero literário do texto, fazendo assim uma leitura gramático-histórica do mesmo. É esse o principal ponto de contato entre a exegese aqui apresentada e a proposta de Sailhamer.
5       Gordon Fee, New Testament Exegesis: A Handbook for Students and Pastors (Filadélfia: Westminster, 1983) p. 21.
6       Uso o termo “pressuposto” na sua forma mais abrangente, como a crença, consciente ou inconsciente, que alguém assume antes de dar o próximo passo dentro de um raciocínio lógico.
7       Moisés Silva, “O Argumento em Favor da Hermenêutica Calvinista,” Fides Reformata 5:1 (Jan-Jun 2000), 7-26, 19.
8       Michael Polanyi, Personal Knowledge (Chicago: University of Chicago Press, 1964), 6-17.
9       Philo Judaeus, “On Creation”, The Works of Philo (Oak Harbor, Washington: Logos Research Systems, 1997).
10      Um exemplo clássico é Isaac Asimov, Asimov’s Guide to the Bible: The Old and New Testaments (Nova York: Random House, 1988).
11      Hermann Gunkel, Schöpfung und Chaos in Urzeit und Endzeit (Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1895). Para uma posição mais recente de uma perspectiva crítica ver Brevard S. Childs, Myth and Reality in the Old Testament (Londres: SCM, 1962), 31-43.
12      Comparar com Platão, Timaeus 31b.
13      John Calvin, Commentaries on the Book of Genesis, Vol. 1 (Grand Rapids: Baker, 1996), 69-70.
14      A Bíblia Sagrada com as Referências e Anotações de Dr. C. I. Scofield (Milwaukee, Wiscousin: Publicações Portuguesas, 1993).
15      Ibid. Nota em Gênesis 1.2.
16      Ver, por exemplo, Derek Kidner, Gênesis: Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 1979), 42; Allen Ross, Creation & Blessing (Grand Rapids: Baker, 1996), 75. Do século passado podemos citar como exemplo Keil & Delitzsch, The Pentateuch, Three volumes in one (Peabody, Massachusetts: Hendrickson, 1989), 48.
17      Bruce K. Waltke, Creation and Chaos (Portland, Oregon: Western Conservative Baptist Seminary, 1974), 18.
18      Edward J. Young, Studies in Genesis One (Grand Rapids: Baker, 1964), 13.
19      Recomendo os seguintes textos de introdução ao Antigo Testamento para uma discussão ampla do ponto de vista ortodoxo sobre a questão: E. J. Young, Introdução ao Antigo Testamento (São Paulo: Vida Nova, 1964); R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969); Raymond Dillard e Tremper Longman III, An Introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Zondervan, 1994) e O. T. Allis, The Five Books of Moses (Presbyterian and Reformed, 1943).
20      Podemos considerar como evidência interna contundente no Pentateuco a clara continuidade entre o final do livro de Gênesis e o início de Êxodo. Também internamente vemos que a Moisés foi ordenado registrar eventos (Ex 17:14; Nm 33:1-2), legislação (Ex 24:4, 7; 34:27ss) e um poema (Deut 31:9, 22), gêneros dentre os quais também se encaixa o livro de Gênesis. Em outros lugares do Antigo Testamento existem referências a Moisés como o autor dos livros da lei (Js 1:7-8; 8:32, 34; 22:5; 1 Re 2:3; 2 Re 14:6; 21:8; Es 6:18; Dn 9:11-13; Ml 4:4). Também o Novo Testamento confirma a autoria mosaica (Mt 19:18; Mc 12:26; Lc 2:22; 16:29; 24:27; Jo 5:46-47; 7:19; At 13:39; Rm 10:5).
21      Para uma discussão dessa matéria ver Francis Schaeffer, Genesis in Space and Time (Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1972).
22      Alguns autores alegam que o livro de Gênesis, que não reivindica a autoria mosaica, teria sido escrito antes do período mosaico e que provavelmente teria sido a Bíblia da família de Jacó e do povo durante a sua estadia no Egito. Ver James  B. Jordan, Creation in Six Days (Moscou, Idaho: Canon Press, 1999), 172-73.
23      Gênesis 1. e 2 — Bíblia Hebraica Stutgartensia e tradução de Almeida, Revista e Atualizada, 2a edição.
24      Essa estruturação numérica truncada é uma das dificuldades causadas pela divisão da Bíblia em capítulos e versículos. Infelizmente existem muitos casos semelhantes.
25      Para um detalhamento das implicações desta interpretação, ver Umberto Cassuto, A Commentary on the Book of Gênesis (Jerusalem: Magnes, 1961).
26      Qatal – forma tradicionalmente conhecida como “perfeito” ou “completo.” Essa denominação, mais moderna, facilita o estudo do sistema verbal hebraico. O “imperfeito” ou “incompleto” é denominado x-qatal (a forma prefixada do verbo). Com o ‘vav consecutivo’ essas formas se transformam em vav qatal e vav x-qatal.
27      Uma exposição detalhada da questão encontra-se em Edward J. Young, “The Relation of the First Verse of Genesis One and Verses Two and Three”, Studies in Genesis One (Grand Rapids: Baker, 1964), 1-14.
28      Existem muitas teorias baseadas na ausência do artigo definido nesta expressão – “em um princípio.”
29      Êx 23.19; 34.26; Lv 2.12; 23.10; Nm 15.20, 21; 18.12; Dt 18.4; 26.2, 10.
30      Ainda que no texto de Jeremias o estado da terra (sem forma e vazia) seja o resultado do juízo divino, não há porque pensar que sem forma e vazia na narrativa da criação fosse resultado de juízo, como propõe a Teoria do Intervalo ou Restituição.