Simonton e as Bases do Presbiterianismo
no Brasil
Alderi Souza de Matos
Ao falarmos sobre Simonton e as bases do presbiterianismo no Brasil
é preciso, inicialmente, fazer uma breve definição de
termos. Historicamente três vocábulos têm sido aplicados ao
movimento de que iremos tratar. O primeiro deles é o termo
"Reformado." Além de sua acepção genérica,
virtualmente sinônima de "protestante," o vocábulo "reformado"
desde o século XVI passou a ser aplicado especificamente ao segundo
movimento da Reforma Protestante. A primeira expressão do protestantismo
foi o movimento de Lutero, iniciado na Alemanha em 1517. Alguns anos mais tarde,
surgiu na Suíça um outro movimento, possuidor de grandes
afinidades com o luteranismo, mas distinto deste em vários aspectos. Tal
movimento teve como líder inicial o reformador Ulrico Zuínglio,
sediado em Zurique, que morreu em 1531. Poucos anos depois, o movimento passou a
ser liderado por uma figura de muito maior expressão que foi o
francês João Calvino, o grande reformador de Genebra. Portanto,
podemos definir como "reformado" stricto sensu o segundo movimento da
Reforma Protestante do Século XVI, surgido na Suíça, e que
teve como líderes iniciais Ulrico Zuínglio (na Suíça
de lingua alemã) e especialmente João Calvino (na
Suíça de lingua francesa). Esse nome é preservado
até hoje nas igrejas dessa tradição existentes no
continente europeu (Igreja Reformada da França, da Suíça,
da Holanda, da Hungria, da Romênia, etc.).
O segundo termo historicamente associado ao movimento é
"Calvinista." Tendo João Calvino sido o maior líder e
articulador inicial do movimento reformado e tendo a sua vasta obra
teológica influenciado decisivamente as posições
fundamentais do movimento, o seu nome ficou permanentemente associado ao sistema
de teologia e governo que caracteriza as igrejas reformadas. Calvino expôs
a sua reflexão bíblica e teológica especialmente na sua
obra magna, a Instituição da Religião Cristã
ou Institutas, e também em seus muitos comentários
bíblicos, sermões, preleções e tratados. Seus
seguidores desenvolveram e elaboraram com maiores detalhes o seu pensamento,
sempre a partir dos pressupostos básicos propostos por ele.
O terceiro vocábulo, aquele que nos interessa mais de perto nesta
tarde, é "Presbiteriano." Esse termo surgiu no contexto das
grandes lutas que marcaram a introdução do calvinismo nas Ilhas
Britânicas, notadamente na Escócia e na Inglaterra. Os reis
ingleses eram partidários de uma estrutura eclesiástica episcopal,
pois uma igreja governada por bispos nomeados pela coroa seria mais facilmente
controlada pelo estado. O presbiterianismo representava uma proposta
revolucionária, pois preconizava uma igreja governada por
presbíteros docentes e regentes, eleitos pelos fiéis e reunidos em
concílios. Significava, portanto, uma igreja mais independente da
interferência e do controle do estado.
Cabe notar que os conceitos de reformado, calvinista e presbiteriano
assemelham-se a círculos concêntricos. Mais especificamente, o
conceito de reformado e calvinista é mais amplo que o de presbiteriano.
Em outras palavras, todo presbiteriano é, em tese, reformado e
calvinista, mas nem todo calvinista é presbiteriano. Existem outros
grupos protestantes, como os congregacionais e alguns batistas, que subscrevem a
teologia reformada, mas não adotam a forma de governo
presbiteriana.
A tese do presbiterianismo só foi vitoriosa na Inglaterra por
uns poucos anos, na década de 1640, no contexto da guerra civil entre o
rei Carlos I e o Parlamento. Nesse breve período, mediante
convocação do Parlamento, a Assembléia de Westminster
elaborou os grandes documentos doutrinários abraçados pela maioria
dos reformados (a Confissão de Fé e os Catecismos de
Westminster). Todavia, na Escócia o sistema presbiteriano de
governo eclesiástico foi adotado de maneira permanente e dali difundiu-se
para outras partes do mundo, a começar dos Estados Unidos. A
partir do início do século dezessete, um grande número de
escoceses presbiterianos passou a colonizar a região do norte da Irlanda
conhecida como Ulster. No século seguinte, milhares desses
escoceses-irlandeses emigraram para a América do Norte e foram eles e
seus descendentes que vieram a constituir os principais formadores e integrantes
da Igreja Presbiteriana do Estados Unidos.
Ashbel Green Simonton, o missionário fundador da Igreja
Presbiteriana do Brasil, era membro de uma das inúmeras famílias
de origem escocesa-irlandesa que viviam no Estado da Pensilvânia. Simonton
nasceu em 20 de janeiro de 1833 na localidade de West Hanover, no sul daquele
estado. Era o filho mais novo do Dr. William Simonton, um médico que
também abraçou a carreira política, tendo sido eleito duas
vezes para o Congresso dos Estados Unidos. A mãe de Simonton, Martha
Davis Snodgrass, era filha do Rev. James Snodgrass, que durante 58 anos foi
pastor da Igreja Presbiteriana local. Após a morte do seu pai e do
avô materno em 1846, Simonton, então com treze anos, e sua
família mudaram-se para a cidade de Harrisburg, no mesmo estado, onde ele
concluiu os estudos secundários. Desde cedo Simonton recebeu as melhores
influências morais, intelectuais e espirituais da fé presbiteriana
em que foi criado. Essas influências podem ser facilmente discernidas no
Diário que escreveu a partir dos dezenove anos de idade.
Após estudar na Academia de Harrisburg, Simonton ingressou no
Colégio de Nova Jersey, fundado pelos presbiterianos em 1746, que
mais tarde viria a ser a conceituada Universidade de Princeton. Um dos primeiros
presidentes do Colégio fôra o notável pastor e educador
escocês John Witherspoon (1723-1794), o único ministro religioso a
assinar a declaração de independência dos Estados Unidos, em
1776.
Ao concluir os seus estudos em Princeton, em 1852, Simonton, então
com dezenove anos, empreendeu uma longa viagem pelo sul dos Estados
Unidos em busca de experiência na área do ensino. Por um ano e meio
dirigiu uma academia para meninos em Starkville, no Mississipi. A detalhada
descrição dessa viagem forma a parte inicial do seu interessante
Diário, em que ele registra observações perspicazes
sobre uma grande variedade de assuntos, desde suas próprias lutas
interiores nas áreas vocacional e sentimental até suas
reflexões sobre temas candentes da época, como a
escravidão, os problemas políticos e as tensões entre o
norte e o sul do país.
Voltando a Harrisburg em meados de 1854, Simonton debateu-se mais uma vez
com o problema da escolha de uma carreira. Deixando de lado o interesse pelo
magistério, optou pelo estudo do Direito, embora reconhecendo certas
dificuldades éticas quanto ao exercício da advocacia. Uma das
principais considerações que tinha em mente era que, qualquer que
fosse a vocação a seguir, ele devia exercê-la com um forte
senso de responsabilidade social. Essa preocupação é
claramente vista em uma tocante passagem do seu Diário em que ele
se preocupa com a situação dos pobres nas vésperas do Natal
de 1854. Diz ele: "Neste inverno provavelmente haverá mais sofrimentos
entre as classes pobres do que jamais houve. Milhares de trabalhadores já
foram despedidos nas cidades e nos aglomerados industriais; os aluguéis e
a comida estão caros... o carvão custa mais que nunca. Se o
inverno todo for tão severo como em dezembro, muita gente vai sofrer
muito."
Poucas semanas mais tarde, ao completar vinte e dois anos, Simonton
preocupava-se por ainda não ter fixado o objetivo da sua
existência. Em pouco tempo, tais dúvidas seriam dissipadas por um
grande reavivamento religioso ocorrido em sua região. Há
mais de um século, desde o tempo dos puritanos da Nova Inglaterra, o
fenômeno dos avivamentos havia se tornado uma característica
marcante do protestantismo norte-americano. Esses avivamentos, que surgiam
periodicamente em diferentes lugares, geravam um grande interesse por
questões de ordem espiritual em indivíduos, igrejas e comunidades
inteiras.
Em conseqüência de um fenômeno dessa natureza ocorrido em
sua igreja, Simonton procurou tornar mais explícito o cristianismo
evangélico que sempre fôra parte importante do seu ambiente
familiar e de toda a sua formação. Ele passou a ver a
experiência religiosa como algo profundamente decisivo para a sua
realização pessoal. Visto que a fé diz respeito aos
fundamentos da existência humana e aos significados últimos da
realidade, seria uma grande insensatez não devotar a essas
questões uma profunda atenção.
Durante um período de muitas lutas e questionamentos, ele assumiu
publicamente o seu compromisso com Cristo, tornando-se membro da igreja que
freqüentava. Ao mesmo tempo, compreensivelmente, começou a sentir
grande atração pela carreira religiosa. O fato de que, ao ser
batizado ainda em criança, os seus pais o haviam dedicado a Deus para ser
um pregador do Evangelho, foi também um poderoso incentivo. Assim, no
final de junho de 1855, Simonton ingressou no Seminário de
Princeton. Esse seminário havia sido fundado em 1812, nos moldes das
melhores tradições calvinistas, a fim de dar uma sólida
preparação intelectual e teológica aos futuros ministros
presbiterianos.
Ainda no primeiro semestre de estudos, Simonton ouviu uma
pregação do Dr. Charles Hodge (1797-1878), eminente
teólogo e professor do seminário, que o fez pensar seriamente na
possibilidade de devotar-se à obra missionária no estrangeiro. Uma
das principais conseqüências dos grandes reavivamentos
norte-americanos havia sido um profundo interesse por missões, ou seja, a
preocupação em levar a mensagem cristã a outros povos. A
primeira entidade surgida nos Estados Unidos com essa finalidade foi a Junta
Americana de Comissionados para Missões Estrangeiras, criada pelos
congregacionais em 1810. Em 1837, os presbiterianos também criaram a sua
própria Junta de Missões Estrangeiras, que eventualmente
começou a atuar em diversas regiões da Ásia, África
e América Latina.
Inicialmente, Simonton parece ter considerado a Bolívia como
provável campo de trabalho. Todavia, em novembro de 1858, ao
candidatar-se formalmente para a obra missionária no exterior, citou o
Brasil como o campo de sua preferência. Não sabemos o que o
levou a decidir-se pelo Brasil, mas existe uma possibilidade que consideraremos
adiante. Simonton foi ordenado ao ministério presbiteriano em 14 de abril
de 1859, conheceu o seu futuro cunhado e colega Alexander Latimer Blackford
(1829-1890), e embarcou para o Brasil em 18 de junho, chegando ao Rio de Janeiro
no dia 12 de agosto, há exatos 140 anos atrás.
A chegada de Simonton ao Brasil não marcou a primeira
presença de reformados neste país. Em meados do século XVI,
quando os franceses tentaram estabelecer na Baía da Guanabara a chamada
França Antártica, o chefe da expedição, o
vice-almirante Nicolas Durand de Villegaignon, buscando elevar o nível
moral e espiritual da comunidade, escreveu ao próprio Calvino
solicitando-lhe o envio de colonos reformados. Calvino e a Igreja Reformada de
Genebra atenderam prontamente o pedido, enviando vários
correligionários sob a liderança de dois pastores, que chegaram ao
Rio de Janeiro no início de 1557. Pouco depois, surgiram
desavenças entre Villegaignon e os calvinistas, que resultaram na
expulsão deste últimos da pequena ilha em que a colônia fora
instalada. Isso os colocou em contato com os tupinambás, a quem tentaram
evangelizar.
Eventualmente, o pequeno grupo regressou para a França, estando
entre eles o sapateiro Jean de Léry, que veio a tornar-se um pastor e
escreveu o célebre livro História de uma Viagem à Terra
do Brasil, publicado em 1578. Quando o navio ameaçou naufragar, cinco
reformados ofereceram-se para retornar ao continente, sendo imediatamente presos
por ordem de Villegaignon. Obrigados a responder a uma série de perguntas
teológicas, eles produziram a notável Confissão de
Fé da Guanabara, com base na qual três deles foram executados.
Dos demais, um foi poupado por ser o único alfaiate da colônia e o
outro conseguiu fugir, sendo mais tarde preso e enforcado. Essa
experiência, embora efêmera e fracassada, passou à
história como o primeiro esforço missionário feito por
protestantes no sentido de evangelizar povos pagãos.
No século seguinte, houve nova presença reformada Brasil,
dessa vez de modo muito mais marcante, quando os holandeses da Companhia
das Índias Ocidentais ocuparam o nordeste durante 24 anos (1630-54). A
igreja reformada do Brasil holandês chegou a ter mais de vinte
comunidades, dois presbitérios e um sínodo, sendo em tudo uma
igreja presbiteriana, exceto no nome. Além de dar assistência
religiosa aos colonos europeus, a igreja realizou uma importante obra
missionária e beneficente junto aos silvícolas. Um aspecto muito
significativo desse experimento foi o fato de que, especialmente durante a
administração do príncipe João Maurício de
Nassau-Siegen (1637-44), os holandeses concederam aos residentes
católicos e judeus da colônia uma medida de liberdade religiosa
até então inédita na América Latina.
Com a expulsão dos holandeses, não houve qualquer
presença expressiva de protestantes no cenário brasileiro durante
um século e meio. Foi somente no início do século XIX, com
a transferência da corte portuguesa para o Brasil, que o protestantismo
começou a implantar-se definitivamente no país. O célebre
Tratado de Comércio e Navegação, firmado entre
Portugal e a Inglaterra em 1810, pela primeira vez tornou possível o
exercício legal do culto evangélico no Brasil, com algumas
restrições. Poucos anos mais tarde, com a independência e a
necessidade de atrair imigrantes europeus, aumentou consideravelmente o ingresso
de protestantes filiados a diferentes confissões.
Dentre os primeiros imigrantes protestantes a se fixarem no Brasil em
números expressivos, dois grupos se destacam: os anglicanos, a
partir de 1808, e os luteranos, a partir de 1824. Todavia, desde o
início também começaram a chegar reformados de diferentes
nacionalidades. Assim sendo, em junho de 1827 foi fundada no Rio de Janeiro, por
iniciativa do cônsul da Prússia, a Comunidade Protestante
Alemã-Francesa, uma igreja composta tanto de luteranos quanto de
calvinistas franceses, alemães e suíços.
Nas décadas seguintes, começaram a chegar ao Brasil
protestantes movidos por uma motivação diferente. Ao
contrário dos imigrantes, que limitavam as suas atividades religiosas
às suas próprias comunidades étnicas, a partir de 1835
surgiram missionários procedentes do hemisfério norte interessados
em alcançar com a sua pregação os próprios
brasileiros. Os primeiros deles foram metodistas e congregacionais. Essas duas
modalidades de protestantismo são denominadas pelos estudiosos como
"protestantismo de imigração" e "protestantismo
missionário."
Dois pastores norte-americanos destacaram-se nesse período: Daniel
Parish Kidder e James Cooley Fletcher. Kidder, um ministro metodista,
residiu no Brasil de 1837 a 1840 e viajou extensamente pelo país
distribuindo bíblias e fazendo importantes contatos com políticos
e intelectuais liberais como o regente Diogo Antonio Feijó. Em São
Paulo, Kidder ofereceu ao governo da província Novos Testamentos para
serem usados nas escolas públicas, mas sua oferta foi rejeitada por
interferência do bispo local. Retornando para os Estados Unidos, ele
escreveu a importante obra Reminiscências de Viagens e
Permanência no Brasil, publicada em 1845.
Um nome freqüentemente associado com Kidder é o do pastor
presbiteriano James C. Fletcher (1823-1901), que teve uma longa e
frutífera ligação com o Brasil a partir de 1851. Embora
Fletcher não tenha se envolvido diretamente com a
evangelização dos brasileiros, limitando sua atuação
religiosa às comunidades de imigrantes, seus esforços
contribuíram em muito para a consolidação do protestantismo
no Brasil. Ele tornou-se amigo do imperador D. Pedro II e de muitas figuras
destacadas da sociedade brasileira, e lutou em favor da liberdade religiosa, da
emancipação dos escravos e da imigração de
protestantes. Fletcher planejou e executou uma exposição
industrial americana no Rio de Janeiro, promoveu os métodos educacionais
norte-americanos e acompanhou industriais e cientistas em visita ao Brasil.
Eventualmente, ele tornou-se membro correspondente do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro e por mais de vinte anos foi um incansável
defensor dos interesses brasileiros na imprensa norte-americana.
Outra importante contribuição de Fletcher foi o livro O
Brasil e os Brasileiros, publicado em 1857, atualizando e ampliando a obra
anterior escrita por Kidder. Esses livros tornaram-se clássicos (o de
Fletcher chegou a nove edições) e despertaram grande interesse
pelo Brasil entre os norte-americanos. Nessas obras, Kidder e Fletcher
descreveram o Brasil como um país vasto, dotado de recursos
extraordinários, porém prejudicado pelo atraso econômico,
pela falta de escolas e pela ignorância religiosa. A religião
oficial não estava tendo êxito em educar o povo nos
princípios éticos e espirituais do evangelho. Fazia-se
necessário, portanto, para o progresso e a prosperidade do povo
brasileiro, que os norte-americanos lhes levassem a sua religião, os seus
valores e os seus métodos educacionais.
E aqui voltamos ao nosso personagem principal. É provável que
Simonton tenha lido esses livros e daí tenha resultado o seu interesse
pelo Brasil e pela situação espiritual dos brasileiros. Seja como
for, quando chegou ao Rio de Janeiro há 140 anos, ele não
deparou-se com um terreno totalmente por desbravar. A sua chegada havia sido
precedida por algumas gerações de protestantes, cujos
esforços facilitaram em muito o seu trabalho. Ele foi um pioneiro no
sentido de implantar sólida e definitivamente em solo brasileiro o
presbiterianismo, ao contrário das experiências temporárias
anteriores. Com Simonton, pela primeira vez o movimento reformado, calvinista e
presbiteriano fincou raízes não somente no Brasil, mas entre os
próprios brasileiros.
Em virtude da falta de fluência na língua portuguesa, nos seus
primeiros tempos no Brasil Simonton limitou-se a proferir as suas
prédicas em navios ancorados na Baía da Guanabara e em
residências de estrangeiros. Logo travou contato com o Rev. Robert R.
Kalley, um missionário escocês que chegara ao Brasil quatro
anos antes e dera alguns importantes passos no sentido de ampliar a liberdade
religiosa então existente. Em abril de 1860, Simonton finalmente
conseguiu dirigir o seu primeiro culto em português. Três meses mais
tarde, chegaram valiosos reforços na pessoa do Rev. Alexander L.
Blackford e sua esposa Elizabeth, irmã de Simonton. No final do ano,
Simonton fez uma longa viagem de reconhecimento pelo interior, passando por
São Paulo, Sorocaba, Itapetininga, Itu e Campinas. Fez várias
pregações, visitou ingleses e alemães, hospedou-se com
liberais e conversou com sacerdotes.
Ao descrever essa viagem, Simonton deixou um curioso testemunho sobre o
choque cultural que experimentava. Na região de Itapetininga, ele passou
algum tempo em uma fazenda cuja hospitalidade muito apreciou. Todavia,
não pode deixar de notar a casa desmazelada e suja, sem assoalhos, com
falta de janelas e portas, e os porcos, galinhas, cachorros, vacas, cavalos e
mulas que entravam livremente. Diz ele: "Nunca vi família tão
excelente, com suficientes recursos, viver tão mal. Escravos por toda a
parte, uns atrapalhando os outros; tábuas abandonadas na serraria a 100
metros de distância; não consigo entender tanto descaso e
negligência. Dia após dia eu observava e me maravilhava do processo
como se dirigia a empresa toda. Ao ver João Carlos [Nogueira], um dos
brasileiros de coração mais bem formado, em outros aspectos um
homem de bom senso, viver daquele modo, minha confiança no Brasil e nos
brasileiros diminuiu."
A partir de maio de 1861, o melhor domínio da língua permitiu
que Simonton tivesse mais êxito em atrair interessados e ele manifestou a
satisfação de finalmente poder anunciar a sua mensagem aos
brasileiros (e portugueses) e ver os primeiros frutos. Finalmente, a 12 de
janeiro de 1862 concretizou-se a primeira grande realização de
Simonton, que foi a fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de
Janeiro. Naquele dia, estando presente um novo missionário
recém-chegado, Francis J. C. Schneider, Simonton admitiu formalmente
à igreja os seus dois primeiros membros, curiosamente ambos estrangeiros
– um americano, agente da Companhia Singer de máquinas de costura,
e um português. Que esse evento foi muito significativo, o próprio
Simonton o atesta em seu Diário, onde, ao registrar o fato,
concluiu: "Assim, organizamo-nos em igreja de Jesus Cristo no Brasil."
Pouco tempo após a fundação da igreja, Simonton
regressou aos Estados Unidos para gozar o seu primeiro e único
"furlough," antecipando uma viagem que pretendia fazer no final do ano. Essa
antecipação deveu-se principalmente ao estado de saúde da
sua mãe. Ao chegar, Simonton soube que ela havia falecido recentemente e
também afligiu-se com os horrores da Guerra Civil. Falou sobre o seu
trabalho em diversas igrejas, inclusive na maior igreja portuguesa de
Jacksonville, Illinois, onde os fiéis encantaram-se em ouvir um americano
expressando-se tão bem em seu idioma. Em março de 1863, Simonton
casou-se com Helen Murdoch e quatro meses depois o novo casal chegou ao
Rio de Janeiro. Com o regresso de Simonton, o casal Blackford mudou-se para
São Paulo, a fim de ali iniciar a obra presbiteriana.
Em fins de junho de 1864, nove dias após o nascimento de sua filha,
a esposa de Simonton faleceu em virtude de complicações
resultantes do parto. No difícil período que se seguiu, Simonton
contou com a companhia e a solidariedade de um jovem colega que viria a ser um
dos mais notáveis missionários a trabalharem no Brasil –
George Whitehill Chamberlain (1839-1902) – o futuro fundador da
Escola Americana de São Paulo, com sua esposa Mary Annesley
Chamberlain.
No final desse dramático ano de 1864, dois importantes
acontecimentos verificaram-se entre os presbiterianos do Rio de Janeiro. No dia
23 de outubro, o ex-sacerdote José Manoel da Conceição
foi formalmente recebido como membro da igreja, após declarar
publicamente a sua adesão à fé evangélica.
Conceição havia sido pároco em várias cidades do
interior de São Paulo e convivera com imigrantes protestantes. Sua
ênfase às Escrituras e outras posições consideradas
pouco ortodoxas levaram seus colegas a apelidá-lo de "padre protestante."
Os seus contatos com o Rev. Blackford finalmente o levaram a romper com a
religião que, conforme afirmou, havia inspirado os melhores atos da sua
vida. Essa importante adesão deu grande publicidade ao novo
movimento.
Dois dias após a profissão de fé de
Conceição, ocorreu o lançamento da Imprensa
Evangélica, o primeiro periódico protestante do Brasil,
que haveria de circular por 28 anos. Esta, que foi a segunda grande
contribuição de Simonton ao presbiterianismo brasileiro, estava
dentro das melhores tradições do protestantismo – muito
provavelmente a Reforma Religiosa do Século XVI não teria tido
êxito não fosse a existência da imprensa. O jornal de
Simonton era um órgão de propaganda evangélica que visava
alcançar sobretudo as camadas mais cultas da população e
teve boa aceitação junto a certos grupos, particularmente
liberais, maçons e alguns membros do clero. Seus editoriais e artigos
visavam comunicar as principais ênfases da fé evangélica,
mostrar os benefícios éticos e sociais do protestantismo e
comentar as questões políticas e religiosas mais salientes da
época. O periódico também não se furtava à
polêmica religiosa, travando vigorosos debates com o jornal
católico O Apóstolo.
Em 1865, surgiram outras duas comunidades presbiterianas no Brasil, ambas
na Província de São Paulo. O Rev. Blackford organizou em
março a igreja da capital, em um salão localizado junto ao Largo
de São Bento, e em novembro outra igreja na distante vila de Brotas, a
última paróquia do ex-padre Conceição. Surgia assim
um novo fenômeno no nascente protestantismo brasileiro – a
conversão de grandes famílias residentes no interior; no caso de
Brotas, as famílias Gouvêa e Cerqueira Leite. Agora, com a
existência de três comunidades, foi possível a Simonton e
seus colegas dar mais um passo importante na institucionalização
do presbiterianismo no Brasil – a criação de um
presbitério ou federação regional de igrejas. O
Presbitério do Rio de Janeiro, solenemente instalado no dia 16 de
dezembro de 1865 na cidade de São Paulo, era composto por apenas
três pequenas igrejas e três missionários estrangeiros, e
ficou filiado ao Sínodo de Baltimore, da Igreja Presbiteriana dos Estados
Unidos.
O principal objetivo da criação desse concílio foi
algo que ocorreu no dia seguinte no mesmo salão próximo ao Largo
de São Bento – a ordenação de José Manoel
da Conceição como pastor presbiteriano. Após
Conceição pregar o seu sermão de prova, Blackford fez as
perguntas constitucionais e Simonton dirigiu ao novo colega uma mensagem de
saudação baseada no texto da 2ª Epístola de São
Paulo aos Coríntios, capítulo 5, versículo 20: "De sorte
que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso
intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com
Deus." Com isso, José Manoel da Conceição tornou-se o
primeiro ministro evangélico brasileiro, dando início às
suas famosas viagens missionárias pelo interior de São Paulo e sul
de Minas que foram uma sementeira de futuras igrejas. Conceição
notabilizou-se pelos seus métodos evangelísticos moderados,
evitando ataques contra a religião católica e procurando
identificar-se com as pessoas a quem pregava a sua mensagem e procurava servir
com seus pequenos conhecimentos de medicina.
Na segunda reunião do Presbitério do Rio de Janeiro, em julho
de 1866, foi ordenado o jovem Chamberlain, que no mês seguinte
retornou aos Estados Unidos para estudar teologia em Princeton. Ele haveria de
voltar para o Brasil dois anos mais tarde, já casado com Mary Annesley,
para iniciar o seu profícuo trabalho pastoral e educacional na capital
paulista. No dia 31 de dezembro de 1866, Simonton fez o último registro
no seu Diário, quase um ano antes da sua morte. Seu senso de devotamento
ao ideal supremo da sua vida transparece nos últimas palavras que anotou:
"Quem me dera um batismo de fogo que consumisse minhas escórias; quem me
dera um coração totalmente de Cristo."
Enquanto isso, a pequena igreja de Simonton ia ganhando novas
adesões. O aumento contínuo da congregação tornava
necessárias acomodações cada vez mais amplas. Daí as
freqüentes mudanças de endereço: Rua do Ouvidor, Rua do Cano
(atual Sete de Setembro) e Rua do Regente. Em abril de 1867, houve nova
mudança, desta vez para o Campo de Santana, atual Praça da
República. A igreja passou a ocupar os andares superiores de um
prédio em cujo pavimento térreo funcionava uma cervejaria. A
necessidade de mais espaço prendia-se a dois novos projetos de Simonton,
ambos na área educacional – uma escola paroquial e um
seminário.
Desde a sua chegada ao Brasil, Simonton havia se empolgado com a
idéia de uma escola em moldes americanos que servisse tanto a
comunidade imigrante quanto os brasileiros. Chegou a convidar o seu irmão
James para abrir a referida escola. James de fato veio, permaneceu no Brasil por
vários anos (1861-65), lecionando a maior parte do tempo em Vassouras,
mas a escola não foi aberta. Agora, no Campo de Santana, Simonton
alegrava-se por ter espaço para uma pequena escola paroquial, que
funcionava nos fundos do salão de cultos.
Ainda mais importante foi a sua última contribuição
para o presbiterianismo nacional, a criação do chamado
"seminário primitivo." Desde que Calvino fundou a sua Academia de
Genebra, em 1559, os reformados vinham se esforçando para proporcionar
aos seus ministros uma sólida preparação acadêmica
nas áreas bíblica, teológica e pastoral. A própria
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos havia demonstrado essa
preocupação ao criar instituições como o
Colégio de Nova Jersey e o Seminário de Princeton. Simonton
percebeu que a Igreja Presbiteriana do Brasil não poderia crescer e
emancipar-se sem a preparação de líderes autóctones.
Assim, no dia 14 de maio de 1867 tiveram início as aulas do
Seminário do Rio de Janeiro, tendo como professores o próprio
Simonton, seu colega Schneider e o pastor luterano Carlos Wagner. Essa modesta
instituição teológica existiu por apenas três anos,
mas formou os quatro primeiros pastores presbiterianos nacionais: Antonio
Bandeira Trajano, Miguel Gonçalves Torres, Modesto Perestrello de Barros
Carvalhosa e Antonio Pedro de Cerqueira Leite.
No final de novembro de 1867, Simonton fez a sua última visita a
São Paulo. Um dos principais motivos para essas visitas era ver a sua
filhinha Helen, que estava sendo criada pela tia Elizabeth, a irmã de
Simonton . Desta vez, porém, havia uma razão adicional –
Simonton achava-se doente e esperava que a viagem e o clima salubre da capital
paulista trouxessem melhoras à sua saúde. Ele freqüentemente
queixava-se em seu Diário das altas temperaturas do Rio de Janeiro
e das freqüentes epidemias de febre amarela e outras enfermidades. A
chegada a São Paulo não trouxe o alívio desejado e Simonton
veio a falecer no dia 9 de dezembro de 1867, poucos semanas antes de completar
35 anos, sendo sepultado no Cemitério dos Protestantes, anexo ao
Cemitério da Consolação.
Até certo ponto, a obra de Simonton foi bastante limitada,
especialmente em razão da brevidade da sua estadia no Brasil. Descontados
o período inicial em que aprendeu o idioma e a sua longa viagem aos
Estados Unidos, seu trabalho efetivo entre os brasileiros estendeu-se por pouco
mais de seis anos. Além disso, a morte prematura da sua esposa foi um
duro golpe do qual ele nunca recuperou-se plenamente. Por outro lado, levando-se
em conta essas limitações, foi notável tudo o que ele
conseguiu realizar. Vale relembrar as suas principais
contribuições no sentido de lançar as bases do
presbiterianismo no Brasil:
- A fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro (1862), a
primeira comunidade reformada de língua portuguesa a ser estabelecida no
Brasil (composta de brasileiros e portugueses).
- A criação da Imprensa Evangélica (1864), o
primeiro periódico evangélico de língua portuguesa a
circular no Brasil.
- A organização do Presbitério do Rio de Janeiro (1865).
O presbitério é a instituição mais
característica do sistema presbiteriano de governo, visto ser o
órgão que ordena os ministros e supervisiona as igrejas locais.
- O seu interesse pela educação, materializado na
criação da escola paroquial anexa à igreja do Rio de
Janeiro.
- A sua preocupação com o treinamento de uma liderança
presbiteriana nacional, traduzida na instalação do
Seminário do Rio de Janeiro (1867), que formou os primeiros pastores de
língua portuguesa.
- O seu espírito tolerante e aberto, expresso no relacionamento
próximo que teve com colegas de outras confissões
evangélicas, como o congregacional Kalley e o luterano Wagner, e mesmo
com sacerdotes da religião majoritária, com os quais dialogou
freqüentemente.
- Seu interesse pela boa literatura evangélica no idioma pátrio.
Além de seus editoriais e artigos na Imprensa Evangélica,
escritos num português que faria inveja a muitos brasileiros, Simonton
traduziu o Breve Catecismo de Westminster e outras obras, escreveu um
comentário bíblico e deixou muitos sermões, alguns dos
quais foram reunidos por seu cunhado Blackford e publicados nos Estados Unidos
em 1868.
- Sua visão de uma igreja que não devia isolar-se, mas
inserir-se fortemente na sociedade, contribuindo decisivamente para o
aperfeiçoamento ético, intelectual e espiritual dos
indivíduos, das famílias e das instituições.
- O desprendimento que demonstrou, deixando os confortos e a segurança
da terra natal para dedicar a sua vida e esforços em benefício do
povo brasileiro, continua a ser uma fonte de inspiração e
motivação para os herdeiros do seu movimento.