A BíBLIA NA
IGREJA CATóLICA ROMANA HOJE
Heber Carlos de Campos
*
Desde o final do século XIX, três importantes
encíclicas papais, além dos documentos do Concílio Vaticano
II, deram novas diretrizes ao conceito da Igreja Católica Romana acerca
da Escritura. As encíclicas são “Providentissimus
Deus” (Papa Leão XII, 1893), “Spiritus
Paraclitus” (Papa Benedito XV, 1920) e “Divino Afflante
Spiritu” (Papa Pio XII, 1943). Esta última encíclica tem
algumas afirmações muito importantes, como esta:
A mesma veneração os bispos deveriam se esforçar
diariamente para aumentar e aperfeiçoar entre os fiéis entregues
ao seu cuidado, encorajando todas aquelas iniciativas pelas quais os homens,
cheios do zelo apostólico, louvavelmente lutem para estimular e promover
entre os católicos um conhecimento maior e um amor maior pelos Livros
Sagrados. Portanto, que eles favoreçam e dêem auxílio
àquelas associações pias cujo alvo é distribuir
cópias das Sagradas Letras, especialmente os evangelhos, entre os
fiéis, e que procurem por todos os meios que nas famílias
cristãs as mesmas sejam lidas diariamente com piedade e
devoção...1
Citando
Jerônimo, o papa Pio XII também diz:
Ignorar a Escritura é ignorar Cristo... Se há qualquer coisa
nesta vida que sustém um homem sábio e o induz a manter sua
serenidade em meio às tribulações e adversidades do mundo,
é, em primeiro lugar, eu considero, a meditação e o
conhecimento das Escrituras.2
Essa
nova abordagem em relação às Escrituras era absolutamente
necessária na Igreja Católica Romana. Em certa medida alguns de
seus líderes sentiram essa necessidade e o Concílio Vaticano II
veio ratificar as afirmações das encíclicas.
O desejo de
uma renovação da Igreja Católica estava na mente do papa
João XXIII quando ele convocou o Concílio Vaticano II. Desde o
Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja Católica não tinha
experimentado transformação alguma em sua visão da
Escritura. Por séculos ela permaneceu uma igreja estática. Era
necessária uma renovação e a palavra italiana
aggiornamento foi usada regularmente para expressar essa necessidade de
adaptação, uma espécie de acomodação à
nova realidade religiosa do mundo. Na última sessão do Vaticano II
foi aprovada uma declaração de que esse aggiornamento, que
é uma “acomodação” da vida religiosa, envolve
dois processos simultâneos:
(1) “Um contínuo retorno às fontes de toda a vida
cristã” (o Evangelho) “e à inspiração
original das instituições religiosas.” (2) “O
ajustamento dessas instituições às condições
alteradas dos tempos.” — O primeiro processo é coberto pela
palavra “renovação” (que, portanto, não
significa “mudar,” mas “recobrar” as origens) e o
segundo é coberto pela palavra
“acomodação.”3
Esse
aggiornamento trouxe várias conseqüências para a vida
da Igreja Católica, mas este artigo irá tratar da nova
ênfase colocada sobre a Escritura, porque ela determinou outros aspectos
importantes da teologia e prática da igreja.
Veja-se o entusiasmo com
que obras católicas tratam dessa nova ênfase sobre a Bíblia.
Pode-se até ouvir a palavra “eureka” na citação
a seguir:
Após um longo período de negligência, desde a
Contra-Reforma, a Bíblia está novamente assumindo a sua
função normativa nas vidas dos fiéis devido ao Reavivamento
Bíblico do século XX.4
Os autores católicos reconhecem, em algum grau, o pecado dos
séculos passados, quando foi desestimulada a leitura da Bíblia
pelo povo. Agora, a sua atitude para com a Bíblia é bastante
positiva. Por causa desse entusiasmo, muitos católicos não
precisam mais recorrer a nenhuma igreja evangélica, porque o ponto de
atrito era a ausência da leitura da Bíblia no catolicismo. Como
agora a Bíblia é lida e explicada dentro de muitas
paróquias, nenhum católico precisa correr atrás de qualquer
igreja protestante para ler ou ouvir alguma coisa sobre a Bíblia.
O
entusiasmo de alguns círculos da igreja tem contagiado muitos
fiéis católicos com um interesse pela leitura das Escrituras. Os
próprios líderes da igreja de Roma se rejubilam com esse
aggiornamento que eles chamam de “reavivamento”.
O
movimento de despertamento em relação à Bíblia
inclui não somente pessoas leigas, mas também líderes das
comunidades que estão procurando coisas sólidas e consistentes
para a vida de suas paróquias. Esse tipo de liderança não
está seriamente preocupado com coisas que não são
essenciais à fé, mas sinceramente deseja o retorno ao cristianismo
do Novo Testamento. Esses católicos amam a sua igreja, embora alguns
deles discordem abertamente de algumas de suas crenças que não
têm base na Bíblia. Em tempos passados, alguns deles haveriam de
abandonar a sua igreja pela ausência da Bíblia, mas hoje eles
permanecem na mesma devido à nova ênfase na Escritura em algumas
comunidades. Eles estão preocupados em manter a continuidade da
tradição dentro da igreja, mas não com a mesma ênfase
que havia no passado. Geralmente falando, a Escritura tem tido uma real
prioridade sobre a tradição em suas mentes. O amor pela Escritura
começa a crescer na vida dessas pessoas.
Não é
fácil dizer qual é a verdadeira posição do
catolicismo romano sobre a Escritura hoje, especialmente porque o catolicismo
é muito pluralista. Há muitas correntes dentro da igreja. Todavia,
algumas opiniões emitidas aqui têm a ver com pessoas da
instituição que estão dando valor à Escritura na
vida prática, não propriamente com a atitude da
instituição chamada Igreja Católica Romana.
A mesma
coisa pode-se dizer do protestantismo atual. Houve tempo em que o protestantismo
era um bloco bastante consistente com respeito à Escritura. Hoje ele
é pluralista em muitos dos seus segmentos. Tanto no protestantismo como
no catolicismo as novas concepções sobre a exegese têm
determinado uma pluralidade de abordagens bíblicas. A abertura nessa
área da exegese e da hermenêutica invariavelmente conduz a uma
pluralidade de opiniões, porque a hermenêutica e a exegese
determinam em boa medida a teologia das pessoas.
Portanto, o propósito
deste artigo é analisar a posição oficial da Igreja
Católica Apostólica Romana nos documentos do Concílio
Vaticano II sobre a Escritura e os seus efeitos práticos na vida das
pessoas.
I. A BÍBLIA NA LITURGIA DA IGREJA
CATÓLICA
É correto dizer que a liturgia exerce um
papel preponderante na vida da Igreja Católica Romana. Ela é, por
excelência, uma igreja litúrgica. Na liturgia se exerce o
ofício sacerdotal de Jesus, por causa da idéia de
sacrifício que o nome missa denota e pela ênfase no sacramento do
altar. Na liturgia da adoração pública são
apresentados ao corpo místico de Jesus Cristo, a igreja, o seu corpo e
sangue sacramentais.
Todavia, mais recentemente, a Escritura tem adquirido
uma importância crescente na celebração da liturgia,
especialmente após o Concílio Vaticano II.
Antes do Vaticano
II, a Escritura não possuía um papel importante e significativo na
liturgia da missa. O Vaticano II procurou restaurar o uso da Escritura na
liturgia, uso esse que havia sido negligenciado durante séculos. É
fácil inferir esse raciocínio da história e do texto da
“Constituição da Sagrada Liturgia.” Houve uma reforma
substancial na liturgia da igreja quanto ao uso das Escrituras. Hoje, de modo
freqüente, a liturgia é chamada de “Liturgia da
Palavra.”5
Na liturgia a Escritura
é usada oficialmente, a saber, a sua explicação é
uma interpretação autorizada pela Igreja Católica Romana. A
leitura da Escritura na liturgia é agora colocada lado a lado com a
cerimônia do sacramento do altar. Antes, a ênfase era dada ao
sacramento, mas agora alguma coisa começa a mudar. A leitura e a
pregação da Palavra começam a ocupar um lugar que nunca
haviam ocupado antes. O documento do Vaticano II diz que os fiéis devem
ter
um bom entendimento dos ritos e orações, eles devem tomar
parte na ação sagrada, conscientes do que estão fazendo,
com devoção e plena colaboração. Eles devem ser
instruídos pela Palavra de Deus, e ser nutridos na mesa do corpo do
Senhor.6
Há um
equilíbrio maior (ou ao menos um desequilíbrio menor!) entre o
pão da Palavra e o pão eucarístico. Em muitas
congregações locais os fiéis recebem uma verdadeira
instrução e nutrição através da Palavra de
Deus.
Em suma, desde as encíclicas “Providentissimus
Deus” (1893) e “Divino Afflante Spiritu” (1943) a
liturgia de Roma tem enfatizado significativamente o uso da Bíblia,
após um longo período de negligência. É verdade que
essa ênfase não se verifica em todas as paróquias, mas
muitos católicos estão vendo a Bíblia com novos olhos, um
mundo novo se lhes desponta! Portanto, até se torna menos
desconfortável para os protestantes presenciar um ato de culto em algumas
paróquias católicas, pela ênfase que é dada à
leitura e ao estudo da Escritura. Tem havido, em alguns círculos um pouco
mais isolados, uma espécie de “quase centralidade” da
Escritura na liturgia.
A. Algumas Mudanças Reais
Resultantes da Ênfase à Bíblia na
Liturgia
Há algumas considerações importantes
que resultam do uso da Bíblia na liturgia da Igreja Católica e
elas são expressas formalmente nos documentos do Vaticano II:
1. A
Igreja Católica Romana “venera a Escritura como ela venerou o
Corpo do Senhor.”7 O Cardeal Bea
diz que a Constituição da Sagrada Liturgia
começa por comparar a Escritura com o corpo eucarístico de
nosso Senhor, a fim de mostrar a profunda veneração sentida pela
Igreja pelos escritos sagrados que são o pão da
vida.8
Isto significa que a Escritura
está assumindo um papel mais importante na liturgia de Roma do que no
passado, quando somente o sacramento da eucaristia tinha uma importância
real.
O Cardeal Bea argumenta que
a liturgia sagrada sempre tem feito um uso abundante da Escritura,
especialmente no ofício divino e na missa. Não se pode negar que
houve períodos decadentes, nos quais a pregação da
Escritura e a ênfase no estudo bíblico foi negligenciada, mas mesmo
durante esses períodos o pão da palavra de Deus foi
permanentemente oferecido aos filhos de Deus na liturgia. Ao menos com leituras
e o mínimo de explicação, se somente forem consideradas as
passagens dominicais do Evangelho, a Igreja continuou a oferecer aos
fiéis o alimento da Palavra de
Deus.9
2. A presença de Jesus
Cristo na liturgia também está ligada à
pregação da Palavra. “Ele está presente em sua
palavra visto que é ele próprio quem fala quando as Escrituras
são lidas na
Igreja.”10 Portanto, a
presença de Jesus Cristo é sentida pelos fiéis não
somente no sacramento, como se crê tradicionalmente, mas a
pregação da Palavra traz Cristo para o meio dos
fiéis.
3. A liturgia sagrada possui um grande elemento de
instrução que é realizada através da
Escritura: “Embora a liturgia sagrada seja principalmente a
adoração da majestade divina, ela contém igualmente muita
instrução para os fiéis. Pois na liturgia Deus fala ao seu
povo e Cristo ainda proclama o seu
evangelho.”11 Esse papel
pedagógico tem crescido na liturgia da Igreja Católica Romana. O
Concílio insiste que
a Escritura Sagrada é da maior importância na
celebração da liturgia, pois é dela que as
lições são lidas e explicadas na homilia e nos salmos que
são cantados. É das Escrituras que as orações, as
ofertas e os hinos retiram a sua inspiração e a sua força,
e que as ações e os sinais derivam sua
mensagem.12
Isso significa que a
liturgia não consiste somente de leituras da Bíblia, mas
também de cânticos, orações, etc., extraídos
da Bíblia. O alvo é tornar a celebração da missa uma
celebração da Escritura. Portanto, o texto sobre a liturgia
continua: “Como conseqüência, a fim de se obter a
restauração, o progresso e a adaptação da liturgia
sagrada, é essencial promover esse doce e vivo amor pela
Escritura...”13
B.
Alguns Resultados da Ênfase à Escritura na Liturgia
Essa
ênfase sobre a Escritura tem produzido alguns efeitos práticos em
muitas congregações católicas:
1. Os fiéis
têm ouvido muito mais da Escritura publicamente: “Nas
celebrações sagradas uma leitura mais ampla, mais variada e mais
apropriada da Escritura deveria ser
restaurada.”14 “Os cultos
bíblicos deveriam ser
encorajados.”15
2. Os
fiéis têm ouvido pregações baseadas na Escritura:
“O ministério da pregação deve ser cumprido mais fiel
e cuidadosamente. O sermão, além disso, deveria retirar o seu
conteúdo principalmente das fontes escriturísticas e
litúrgicas...”16
3. Os
fiéis têm ouvido a Escritura de um modo mais acessível. O
alvo dessa liturgia renovada é facilitar o entendimento da Escritura:
“Leituras da Escritura Sagrada serão arranjadas de forma que as
riquezas da palavra divina possam ser facilmente acessíveis numa medida
mais abundante”.17
4. Os
fiéis têm participado da liturgia da Palavra de um modo mais
efetivo: “As leituras que precedem o evangelho deveriam ser lidas por um
dos participantes (homem ou
mulher)...”18
Nas diversas partes da
Constituição há afirmações como esta:
“Nas leituras que são interpretadas pela homília, Deus fala
ao seu povo, revela-lhes os mistérios da Redenção e
Salvação, e lhes proporciona nutrição
espiritual...”19 Essa é a
esperança de todos os cristãos genuínos a respeito desse
novo movimento em alguns círculos da Igreja Católica Romana.
Através da pregação da Palavra de Deus, as pessoas
vêm ao entendimento, pela fé, dos mistérios da
redenção através do Filho de Deus. Se muitos
católicos não lêem a Bíblia privadamente, em suas
casas, eles podem ouvi-la, ao menos em alguma medida, na liturgia da Palavra e
podem vir ao conhecimento pessoal de Jesus Cristo.
Hoje é o que
realmente está acontecendo. A esperança do genuíno
evangélico é que o Espírito Santo possa operar
regeneradoramente, dando vida e salvando pessoas que ouvem a leitura e a
pregação da Palavra, ainda que muitos desses pregadores não
anunciem com fidelidade o real sentido que o autor bíblico quis dar, por
causa de alguns comprometimentos hermenêuticos, dos quais falaremos logo
adiante. No mínimo, há uma grande diferença entre o
catolicismo do período da Contra-Reforma (e até a metade do
século XX, quando as mudanças ainda não haviam sido
implantadas de fato nas comunidades católicas a despeito das
encíclicas papais) e o período em que estamos vivendo: Pessoas
católicas outrora críticas (e até perseguidoras) dos
protestantes lendo a Bíblia! Isso pode vir a ser o começo de um
despertamento espiritual naqueles que lêem a Santa Escritura, mas
não um aggiornamento! Este é uma tentativa de
adaptação ao status quo religioso do mundo; aquele,
todavia, pode ser o começo de uma real transformação das
pessoas!
II. A BíBLIA NAS QUESTõES
ECUMêNICAS
A. O Uso da Escritura Como Meio de Obter Conquistas
Ecumênicas
O caráter ecumênico do Concílio
Vaticano II é percebido claramente nas suas declarações.
É absolutamente evidente que as mudanças ocorridas tiveram o
propósito de unir os batizados ao redor do mundo. Na
introdução do Decreto sobre o Ecumenismo, diz-se: “A
restauração da unidade entre todos os cristãos é uma
das preocupações principais do Concílio Vaticano
II.”20 Desde aquele tempo, a Igreja
Católica Romana tem feito esforços no sentido de estabelecer
relacionamentos entre todos os ramos da cristandade. Um novo clima foi criado
dentro da vida e do pensamento da igreja, que torna possível ver-se uma
abertura em muitos aspectos da sua atitude. A mudança de clima tem a ver
com a atitude católica para com os grupos que lhe foram uma ameaça
no passado, especialmente os grupos protestantes históricos.
A imagem
que a Igreja Católica tinha do movimento da Reforma foi propositalmente
mudada. Creu-se, então, haver uma grande diferença entre o
espírito do Vaticano I e o do Vaticano II, especialmente no tratamento de
áreas que separaram católicos e protestantes na época do
Concílio de Trento, como as idéias sobre a Escritura. De fato,
houve mudanças, mas o antigo espírito da supremacia de Roma
não morreu.
Nos primeiros anos após o Vaticano II, alguns
protestantes começaram a ver mudanças na Igreja Católica e
animadamente se renderam aos apelos ecumênicos de Roma. Creu-se entre
alguns deles que não havia mais um espírito de superioridade ou de
triunfalismo na Igreja Católica. A citação abaixo é
a opinião de um respeitado protestante reformado, que, ingenuamente,
pareceu ficar fascinado com o ecumenismo. Veja-se o que Berkouwer escreveu:
“Um espírito de anti-triunfalismo nos cerca, não somente
entre os leigos, mas também entre muitos líderes
notáveis.”21 A nova
ênfase sobre a Escritura “que se afirma estar em harmonia tanto com
a igreja antiga quanto com a igreja medieval, coincide com o dinamismo da atual
erudição bíblica
católica.”22 Berkouwer ainda
continua dizendo que “a virada da teologia católica para a
Escritura e o retorno da teologia evangélica à
tradição oferece-nos a esperança de um diálogo
frutífero sobre a Escritura e a
tradição.”23 Essa
é uma observação certamente honesta de um protestante
crédulo que não podia enxergar tudo o que ainda viria pela frente.
Alguns grupos protestantes ainda hoje estão mostrando uma nova
disposição para com a tradição e o ponto principal
que os une é o novo uso da Escritura. A igreja tem usado essa nova
ênfase sobre a Escritura de um modo muito inteligente, e muitos
protestantes têm aceito o desafio do ecumenismo.
Todavia, recentemente
o Papa João Paulo II (através do Cardeal Joseph Ratzinger) jogou
um balde de água fria em alguns ecumenistas protestantes, quando declarou
que só a Igreja Católica é a igreja verdadeira, e somente
dela e através dela vem a
salvação.24 Volta novamente
à carga a errônea interpretação que Roma deu ao
correto dito antigo de Cipriano, Extra ecclesiam nulla salus (“Fora
da Igreja não há
salvação”),25 entendendo
pelo termo “igreja” unicamente a Igreja Romana.
O uso da
Escritura, que foi assinalado pelo Vaticano II como meio para obter conquistas
ecumênicas, e poderia ter sido positivo se tivesse reais propósitos
de unir os cristãos, foi enfraquecido pela declaração
recente do papa, que vai afastar de um modo razoável qualquer
possibilidade de aproximação da parte de cristãos
evangélicos.
Alguns desses evangélicos, se estavam com qualquer
desejo de aproximação ecumênica, certamente, a esta altura,
já começaram a perceber a falácia das aberturas da
instituição católica no Vaticano II, sem, todavia,
desprezar o que Deus pode fazer através da leitura da Escritura, que pode
aproximar cristãos comuns que querem aprender a verdade de
Deus.
B. O Uso de um Novo Método Exegético como
Meio de Obter Conquistas Ecumênicas
O reavivamento dos estudos
bíblicos de fato começou no final do século XIX, quando o
Padre Marie-Joseph Lagrange introduziu um novo método de exegese, ao
criar uma escola de pesquisa bíblica na Palestina. Lagrange e outros
eruditos católicos estavam preparando o solo para um futuro
concílio ecumênico, mas naquele tempo eles nem sonhavam com tal
possibilidade.
A investigação da Escritura foi fortalecida nos
anos quarenta quando Pio XII publicou a encíclica “Divino
Afflante Spiritu” (1943).
No começo dos anos quarenta, um grupo reacionário fez
campanha contra essa nova corrente científica e exigiu um retorno
à exegese “espiritual” dos pais antigos... Pio XII respondeu
rápida e vigorosamente em defesa do estudo científico da
Bíblia.26
De fato, podemos concluir
que Pio XII “apoiou — antes, devemos mesmo dizer que ele exigiu
severamente — o estudo científico da
Bíblia.27 Esta abertura da
investigação científica da Escritura aproximou eruditos
católicos e protestantes na “preocupação comum de
conhecer a Bíblia”.28
A
essa altura, uma importante mudança já havia acontecido nos
círculos protestantes: a abordagem moderna da Escritura já era uma
realidade dentro do protestantismo. As igrejas protestantes já haviam
sido campeãs de mudanças na teologia desde o Iluminismo. O
pluralismo teológico era também uma realidade nas igrejas
protestantes daquela época. Em 1948 foi criado o Concílio Mundial
de Igrejas com idéias que estavam longe de ser ortodoxas e
anti-ecumênicas. Era um grande instrumento que ficaria do lado de Roma.
Tudo favorecia a aparecimento do movimento ecumênico. Com a abertura da
Igreja Católica para os estudos bíblicos, a oportunidade do
ecumenismo tornou-se uma grande possibilidade. O estudo da Bíblia (que
tradicionalmente os protestantes históricos tanto prezam) seria, no
mínimo, muito bem-vindo entre vários círculos protestantes,
especialmente os de mente mais aberta, sem excluir alguns mais fechados que
dão grande valor à Escritura. A Igreja Católica sabia disso
e não perdeu tempo. Veja o que diz o sacerdote norte-americano
Stuhlmueller:
Os estudos bíblicos também capacitaram os teólogos
católicos romanos a expressarem seus próprios pensamentos assim
como a doutrina da igreja em linguagem muito mais inteligível aos seus
colegas protestantes. As frases bíblicas tenderam a substituir a
terminologia escolástica. Pela primeira vez em séculos,
protestantes e católicos foram surpreendidos ao verificarem que
compartilhavam uma definição comum de Fé e poderiam
até dizer que o homem é justificado pela fé somente,
contanto que a fé fosse definida biblicamente e não
escolasticamente confinada a um ato do intelecto. O que havia sido uma
questão central da Reforma, um campo-de-batalha ferozmente disputado por
católicos e luteranos, agora é um lugar tranqüilo de
diálogo
pacífico.29
Desde 1943 os
estudos bíblicos haviam preparado a igreja para o Vaticano II e para
aproximar católicos e protestantes e, dessa maneira, substituir alguns
termos teológicos importantes a fim de torná-los mais
inteligíveis para os protestantes. Uma nova terminologia teológica
estava sendo preparada para ganhar a simpatia dos protestantes. Enquanto a
crítica bíblica estava se tornando um motivo de
controvérsia entre os padres católicos no Concílio Vaticano
II, este foi exatamente o ponto em que católicos e protestantes se
encontraram, de onde derivaram os seus pensamentos comuns e onde buscaram um
entendimento mútuo através de uma nova metodologia nas abordagens
bíblicas.
O Vaticano II ratificou o uso dos métodos modernos e
científicos nos estudos bíblicos, embora não diretamente,
como um meio de se aproximar dos círculos protestantes. A ênfase
nos estudos bíblicos tem sido benéfica para essa união, mas
essa é apenas uma visão unilateral do ecumenismo
católico-protestante.
Avery Dulles, analisando o pensamento recente
dos protestantes e católicos sobre a Escritura, com base nos documentos
do Vaticano II e da Comissão de Fé e Ordem do Concílio
Mundial de Igrejas,30 reconhece que nem
todas as barreiras foram transpostas, e que ainda existe um longo caminho para
que haja uma verdadeira reconciliação. “Como resultado,
não mais é seguro pressupor que tanto os protestantes como os
católicos se apeguem às ortodoxias clássicas de suas
próprias igrejas, como expressas nos séculos
passados.”31 Dulles está
certo, visto que protestantes e católicos estão estudando juntos,
mas tanto os católicos como os protestantes envolvidos nessa empreitada
de estudos bíblicos já perderam as suas identidades originais.
Talvez por isso essa conquista ecumênica nos estudos da Bíblia seja
possível. Os grupos protestantes que estão diretamente envolvidos
no movimento ecumênico não são os mesmos de décadas
atrás.
Dulles coloca juntos dois campeões da teologia do
século XX de ambos os círculos, católico e protestante,
Karl Rahner e Karl Barth respectivamente, nas matérias de
inspiração e autoridade da Escritura:
Para os católicos, a teoria de Rahner funcionou de um modo
semelhante à de Barth para os protestantes. Isto capacitou-os a aceitar e
a lucrar com os avanços exegéticos modernos sem comprometer a sua
fé bíblica. Barth e Rahner, habilmente secundados por muitos
teólogos menos celebrados, prepararam o caminho para as
convergências católico-protestantes dos anos
1960.32
Realmente, o movimento
ecumênico desenvolveu-se na década de 60, embora muitos
protestantes ortodoxos tenham se firmado na antiga posição. O
ponto de convergência nessa manifestação ecumênica foi
o estudo da Escritura.
A Igreja Católica tem usado essa
questão-chave da Escritura de um modo muito inteligente para ser um ponto
precioso de contato com os protestantes, pelo fato de ele ter sido o grande
ponto de divergência no passado. Agora, a Escritura é
ponto-de-partida para unir os dois grandes ramos da cristandade.
Quando
menciona-se essa espécie de ecumenismo, é bom ter em mente que a
referência está mais ligada ao liberalismo, à neo-ortodoxia,
ao movimento neo-liberal e outros, do que à teologia da ortodoxia
protestante. Essas recentes correntes pré e pós Vaticano II,
citadas acima, na teologia protestante, têm alterado as suas
concepções a respeito da Escritura, visto que aceitaram uma nova
metodologia na exegese bíblica. Por esta razão, houve a grande
possibilidade (que se tornou uma realidade até um certo ponto) desta
abordagem ecumênica. A ortodoxia protestante ainda não tem dado
abrigo a essas questões ecumênicas, exceto no envolvimento recente
de alguns líderes protestantes, como foi o caso de J.I. Packer e de
outros evangélicos de renome
internacional.33 Depois da recente
reafirmação da supremacia católica sobre os outros
cristãos, seria interessante ver o posicionamento desses
evangélicos que foram atraídos pela abertura católica.
Certamente, depois de cativá-los, a Igreja Católica vai mostrar
ainda mais abertamente as suas reais intenções de
dominação. É só esperar para
ver.
C. O Uso da Hermenêutica como um Meio de Obter
Conquistas Ecumênicas
As abordagens ecumênicas devem ser
vistas como questões hermenêuticas. A grande proximidade entre
católicos e protestantes progressistas está evidente nas
questões da concepção sobre a autoridade e
inspiração da Escritura. Em algumas confissões protestantes
modernas há algumas afirmações sobre a Escritura que
são ambíguas e o entendimento do texto dessas confissões
depende das posições teológicas que alguém assume.
Dulles afirma categoricamente que
o termo inerrância, embora presente no esquema original de
1962, foi retirado no texto final da Dei Verbum. O concílio de
preferência faz a afirmação ambígua de que “os
livros da Escritura” ensinam “firmemente, fielmente e sem erro a
verdade que Deus quis colocar nos escritos sagrados por causa de nossa
salvação” (DV 11). Enquanto outros comentaristas interpretam
esta sentença no sentido de excluir todo erro da Bíblia, ela pode
ser lida como asseverando que, enquanto possa haver afirmações
errôneas ali ou acolá, elas são corrigidas em outro lugar ou
não afetam o significado do todo. Além disso, a
afirmação do Concílio parece permitir erros em
matérias sem importância para a nossa
salvação.34
Nestas
últimas décadas, têm sido comuns afirmações
com significado dúbio ou incerto, especialmente em círculos da
neo-ortodoxia. Não há mais o espírito de dogmatismo que
separou os ramos da cristandade no passado. Este é o raciocínio
por trás de todas as formulações teológicas atuais.
O texto é escrito, mas a interpretação pode variar
dependendo da pressuposição teológica do leitor. Nesta
matéria protestantes e católicos trabalham juntos. Embora possa
haver importantes discordâncias entre esses grandes ramos da cristandade,
há algumas convergências em círculos hermenêuticos.
Com uma nova terminologia proposta pelos católicos, os protestantes
aquiescem em estabelecer diálogo com eles. A Dei Verbum
(capítulo 6) “discute os usos da Escritura na vida da igreja
— na liturgia, na pregação e na oração. Nesta
seção, os protestantes encontrarão muitos termos
familiares.”35 Esta foi a
tática inteligente dos católicos. Com mentes bastante mudadas em
seus círculos hermenêuticos, os protestantes não tiveram
problemas em aceder.
Esta nova abordagem hermenêutica teve o seu
nascedouro na encíclica “Divino Afflante Spiritu”
(1943), de Pio XII, que encorajou na igreja o reconhecimento de novas formas
literárias e a aceitação de uma nova metodologia
exegética.
O Vaticano II, na Dei Verbum, reproduz o ensino da
instrução de 1964 de uma forma concisa, suficiente, contudo, para
dar autorização conciliar para o uso discreto da crítica da
forma e da crítica da redação (DV 19). Fazendo assim, o
Vaticano II comprometeu plenamente a Igreja com os métodos modernos de
erudição bíblica, repudiando assim a antiga abordagem
fundamentalista comumente encontrada na exegese católica anterior ao
século XX.36
Na
Conferência de Fé e Ordem em Montreal, alguns grupos protestantes
mostraram uma disposição de fazer concessões quanto
à indispensabilidade da tradição em contraste com a
posição de “Sola
Scriptura.”37 Este foi o modo de
manter a esperança de diálogo com a Igreja Católica, visto
que ela havia mudado ligeiramente a sua antiga posição a respeito
da autoridade da Tradição e da Bíblia. Na Dei Verbum
(7-10), a Igreja Católica
recusou-se a afirmar que há “duas fontes” ou que algumas
verdades reveladas estão contidas na tradição somente. Ao
invés disso, a Constituição acentuou o caráter vivo
e dinâmico da tradição como o processo de transmitir a
palavra de Deus, que está indivisivelmente presente tanto na Escritura
como na tradição. Por outro lado, o Concílio recusou-se a
demover a tradição para uma posição meramente
secundária, como se tudo tivesse de ser testado pela Bíblia
somente como a regra final de
fé.38
Houve uma
concessão de ambas as partes para que se estabelecesse um diálogo
quanto ao tema da Escritura.
Os documentos do Vaticano II e os da Comissão de Fé e Ordem,
conquanto não tenham superado totalmente todas as disputas
históricas entre católicos e protestantes, caminham um longo
percurso em direção a uma reconciliação. Como
resultado, não mais é seguro supor que tanto os protestantes como
os católicos venham a aderir às ortodoxias clássicas de
suas próprias igrejas, da forma como foram expressas nos séculos
passados. Desde a metade dos anos sessenta, a reflexão bíblica
católica-protestante tem embarcado numa história comum, com certas
tensões interconfessionais ainda
permanecendo.39
Após a
encíclica “Divino Afflante Spiritu”, a Igreja
Católica tem seguido os passos do protestantismo — e também
tem caído, à semelhança de alguns ramos deste, na
permissividade teológica, fazendo sérias concessões em suas
antigas posições. Esse é o caminho do liberalismo
teológico do protestantismo que a Igreja Católica tem seguido:
essas concessões teológicas tendem a descaracterizar alguns
aspectos importantes da igreja. É lamentável que a Igreja
Católica tenha começado suas mudanças de um modo
equivocado. Seria muito melhor para o cristianismo se essas mudanças
tivessem sido de um outro modo.
Quando João XXIII colocou o Vaticano
II sob a senha do aggiornamento (que poderia ser traduzido como
“adaptação”, “acomodação” ou
“modernização”), ele acabou levando a igreja a uma
acomodação ao pano-de-fundo teológico em vigor da
época. Foi uma espécie de protestantização da Igreja
Católica Romana, mas ela tomou emprestado um aspecto negativo do
protestantismo — sua concepção moderna da Escritura.
“Na realidade havia algo muito mais profundo ocorrendo nos textos assim
como nas coisas que aconteceram no Concílio do que um mero desejo de
‘adaptar-se’ ao mundo.”40 Em
períodos anteriores a igreja fez outros
“aggiornamenti” que foram longe demais. Em terras
brasileiras, por exemplo, chegou-se ao sincretismo, que a igreja não fez
questão de evitar para alcançar alvos estatísticos ou
evitar atritos com as religiões africanas que se infiltravam em seus
círculos. No Vaticano II houve um desejo genuíno de
renovação, mas em matéria de Escritura, ao invés de
melhorar a sua hermenêutica, os católicos ficaram do lado do
protestantismo liberalizante que, a essa altura, já havia começado
o seu ciclo decadente.
Desde a publicação da encíclica
“Divino Afflante Spiritu” (1943) por Pio XII, houve uma
renovação bíblica no catolicismo, e muitos livros têm
sido publicados na área de estudos bíblicos. Talvez “nenhum
outro movimento dentro do catolicismo do século XX, com a
exceção do reavivamento litúrgico destes últimos
anos, despertou tão entusiasticamente o interesse e influenciou tanto a
atividade do Vaticano II como a crítica
bíblica.”41 No entanto, as
conseqüências teológicas para a Igreja Católica
não tardaram a aparecer. Na verdade, ao invés de um genuíno
reavivamento das Escrituras na instituição católica, acabou
ocorrendo um simples aggiornamento, uma espécie de
conformação com o status quo teológico vigente num
mundo ainda detentor de resquícios do modernismo teológico. Embora
já tenha entrado no âmbito do pós-modernismo, contudo,
não escapou totalmente do primeiro.
D. A Bíblia
e a Vida Devocional
Desde o Vaticano II, a Igreja Católica tem
se preocupado com o uso da Escritura na pregação e na vida dos
clérigos, sacerdotes e teólogos. Ela dedicou algumas linhas
importantes da Dei Verbum aos fiéis. Esta
preocupação tem causado algumas mudanças importantes na
vida da igreja. Na Dei Verbum se lê: “O acesso à
sagrada Escritura deve ser aberto amplamente aos fiéis
cristãos.”42 Desde esse
tempo, a igreja tem feito esforços para colocar a Escritura nas
mãos dos católicos. Traduções foram feitas, porque o
Vaticano II corretamente afirmou que a nutrição da Escritura
“ilumina a mente, fortalece a vontade e inflama os corações
dos homens com o amor de Deus.”43 De
acordo com a Dei Verbum “a ignorância das Escrituras é
ignorância de
Cristo.”44 Portanto, “os
filhos da igreja podem familiarizar-se segura e proveitosamente com as Sagradas
Escrituras, e se encherem de seu
espírito.”45
O papel do
fiel não é meramente passivo na aceitação da
nutrição espiritual. Conforme o Vaticano II, ele próprio
deve ler e estudar a Palavra de Deus atentamente. Em contraste com o que
aconteceu no passado, os católicos contemporâneos têm acesso
à Santa Escritura e podem vir a alcançar o conhecimento redentor
de Cristo!
Parece que esta foi a parte mais significativa da abertura da
Igreja Católica. O resultado mais importante do Concílio Vaticano
II tem alguns efeitos práticos na vida das pessoas comuns. Algumas dessas
pessoas que estão sendo confrontadas com a leitura da Bíblia
têm tido um entendimento muito precioso a respeito da
salvação pela graça e, por possuírem muito amor pela
igreja-mãe, ainda permanecem nela, todavia, não sem conflito
teológico. Muitos católicos estão formando o hábito
de ler os livros da Bíblia e meditar neles. Esta foi uma forte
recomendação do Concílio em seus vários documentos.
O “Decreto sobre a Renovação da Vida Religiosa,” por
exemplo, diz: “Que eles tenham a Sagrada Escritura nas mãos
diariamente, de forma que possam aprender da ‘sublimidade do conhecimento
de Cristo’ (Fp 3.18) por ler e meditar na Escritura
divina.”46
Uma verdadeira vida
de piedade foi recomendada pelo Vaticano II. Além disso, exortando os
fiéis a estudar e a meditar nas Escrituras, a
“Constituição da Revelação Divina”
acrescenta algumas instruções sobre como isto deveria ser feito. A
leitura da Escritura deve ser acompanhada pela prática da
oração: “Que eles se lembrem, contudo, de que a
oração deve acompanhar a leitura da Sagrada Escritura, de forma
que um diálogo aconteça entre Deus e o homem. Pois
‘falamos-lhe quando oramos; ouvimo-lo quando lemos os oráculos
divinos.’”47 O Cardeal Bea,
analizando os Documentos do Vaticano II, diz: “A oração
é necessária de forma que a leitura [das Escrituras] não
seja um puro exercício intelectual e acadêmico, uma atividade
meramente humana.”48
CONCLUSãO
Essa
abordagem do uso prático da Escritura é alvissareira. Agora as
pessoas que lêem a Bíblia possuem o poder de Deus que pode penetrar
nos seus corações — “o Evangelho, que é o poder
de Deus para a salvação de todo aquele que crê...” (Rm
1.16). Esse é o aspecto carregado de esperança para aqueles que
anseiam ver os seus patrícios conhecendo a verdade de Deus. Existem
pessoas que, por causa da pregação da Escritura, têm sido
estimuladas à sua leitura constante. Dentro dos círculos
acadêmicos da Igreja Católica o estudo da Escritura está no
nível da pesquisa. Os seus eruditos estão usando a crítica
da forma, a crítica da redação, uma nova exegese. Contudo,
as pessoas comuns não sabem nada dessas coisas. Elas simplesmente
lêem a Palavra de Deus. O que é importante é que a Escritura
agora lhes pertence. Agora muitos têm acesso à poderosa Palavra de
Deus. Não importa o que os eruditos estejam fazendo com a Bíblia
em suas abordagens hermenêuticas modernas; o importante é o fato de
que Deus está cumprindo o seu plano de salvação
através da leitura e do entendimento da Escritura na vida de muitos
católicos contemporâneos.
Sejamos gratos a Deus porque ele tem
feito uma grande obra no meio de círculos católicos. Todos
nós crescemos neste país fortemente católico, com um
catolicismo popular, progressista e sincrético, e em parte tridentino.
Ainda me lembro de meus antepassados dizerem ter sido perseguidos por causa da
leitura e da fé na Escritura. Foi um tempo difícil para nossos
pais e avós, mas um tempo maravilhoso para testificar sobre a
salvação. Desde o Vaticano II, Deus está operando
mudanças, não na instituição propriamente, mas na
vida de pessoas que acabaram tendo a Bíblia nas mãos. A
graça divina tem sido manifesta em muitos que estão crendo nas
verdades incontestáveis das Sagradas Escrituras porque estão sendo
trabalhados pelo Espírito Santo antes que pelos métodos
críticos da nova exegese ou da nova hermenêutica. Alguns daqueles
que discriminavam os crentes por causa da Bíblia, agora lêem a
Bíblia e crêem na sua plena veracidade e autoridade, amando a
Cristo!
Deus usou as encíclicas papais e o Concílio Vaticano II
para abrir a possibilidade de as pessoas comuns terem acesso à
Bíblia. Embora as mudanças da Igreja Católica não
tenham sido de todo salutares, porque a sua abordagem bíblica não
é apropriada, algumas pessoas, inclusive sacerdotes e eruditos, têm
tido uma experiência real com Jesus Cristo através das
Escrituras.
Somos gratos a Deus porque ele usa as intenções de uma
instituição como a Igreja Católica (mesmo que não
sejam as intenções mais transparentes possíveis) para
cumprir seus propósitos na vida de pessoas que ele designou salvar. A
experiência dessas pessoas que agora têm acesso à Escritura
é, em última instância, o resultado de uma abertura que
agora a Igreja Católica não pode controlar, porque o Santo
Espírito é o doador da vida e atua soberanamente. Como resultado
da leitura da Escritura, as pessoas que têm sido atingidas pela
graça começam a amar a Palavra de Deus e a crer nela de todo o
coração. Quando isso acontece, essas pessoas não mais
dependem da interpretação oficial da igreja. Uma nova reforma
poderá acontecer, não necessariamente na instituição
católica, mas na vida de muitos católicos. Essa é a nossa
esperança e a nossa oração.
____________________
* O autor é ministro
presbiteriano. Obteve seu doutorado (Th.D.) em Teologia Sistemática no
Concordia Theological Seminary, em Saint Louis, Missouri, Estados Unidos.
É professor de Teologia Sistemática no Centro Presbiteriano de
Pós-Graduação Andrew Jumper e no Seminário
Presbiteriano Rev. José Manoel da
Conceição.
1
Charles Dollen, ed.,
The Catholic Tradition (A Consortium Book, 1979), 322.
2
Ibid.,
324.
3
Christopher Butler,
The Theology of Vatican II (Londres: Darton, Longman & Todd, 1981),
18.
4
New Catholic
Encyclopaedia, vol. II (St. Louis: McGraw-Hill, 1967), 520.
5
Austin Flannery,
Vatican Council II — The Conciliar and Post Conciliar
Documents (Nova York: Costello Publishing Company, 1987),
19.
6
Ibid.,
19.
7
Ibid.,
762.
8
Augustin Bea, The
Word of God and Mankind (Chicago: Franciscan Herald Press, 1967),
266.
9
Ibid., 267.
10
Flannery, Vatican Council II , 5 (ver também pp. 212,
171).
11
Ibid., 11-12.
12
Ibid., 10.
13
Ibid.
14
Ibid., 12.
15
Ibid., 13.
16
Ibid., 12.
17
Ibid., 26.
18
Ibid., 145.
19
Ibid., 171.
20
Flannery, Vatican Council II, 452.
21
G.C. Berkouwer. The Second Vatican Council and the New Catholicism (Grand
Rapids: Eerdmans, 1965), 36.
22
Ibid., 97.
23
Ibid., 98.
24
A recente publicação de “Dominus Iesus” (6 de agosto
de 2000), um documento oficial da Congregação para a Doutrina da
Fé com cerca de trinta páginas, mostra o totalitarismo da Igreja
Católica, mesmo em matéria salvífica (ver o documento na
Internet:
www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_com_cfaith_doc_20000806_dominus-iesus_en.html).
25
Esta frase é associada a Cipriano (morto em 268), que cria que a
salvação só poderia acontecer dentro da igreja
cristã. Mesmo no catolicismo pós-reforma continuou-se a crer que a
salvação estava na igreja cristã, mas o termo igreja
significava a Igreja Católica, e a atitude recente do Papa João
Paulo II mostra uma vez mais que a velha supremacia de Roma permanece, ainda que
enrustida por algumas décadas, por uma questão estratégica
para ganhar os “irmãos separados.”
26
Carrol Stuhlmueller, “Vatican II and Biblical Criticism,” em The
Impact of Vatican II (Saint Louis, Missouri: B. Herder, 1966),
31.
27
Ibid., 34.
28
Ibid., 28.
29
Ibid.
30
Uma das comissões originadas na Conferência Missionária de
Edimburgo, que reuniu-se pela primeira vez em Lausanne, em 1927. Com o movimento
Vida e Obra (“Life and Work”), o Movimento Fé e Ordem
ocasionou o surgimento do Concílio Mundial de Igrejas em Amsterdã,
em 1948.
31
Avery Dulles, “Scripture: Recent Protestant and Catholic Views,”
Theology Today 37 (1980/1981), 7.
32
Ibid., 12.
33
Pelo menos desde 1994 tem havido uma tentativa de diálogo oficial entre
católicos e protestantes. Vários artigos têm sido publicados
sob os auspícios de Evangelicals and Catholics Together
(Evangélicos e Católicos Reunidos), uma organização
que tem lutado por esse diálogo. Vários evangélicos de
renome internacional, incluindo alguns de teologia reformada, como J. I. Packer,
têm concordado com os católicos em alguns pontos, numa tentativa de
aproximação ecumênica (para informações
consulte o artigo “Evangelicals and Catholics Together: The Christian
Mission in the Third Millenium,” no site
http://incolor.inetnebr.com/mdavis/evandcat.shtml.
34
Ibid., 13.
35
Ibid., 15.
36
Ibid.
37
Ibid., 16.
38
Ibid., 17.
39
Ibid.
40
Oscar Cullmann, Vatican II – The New Directions (Nova York: Harper
& Row, 1968), 77.
41
Stuhlmueller, “Vatican II and Biblical Criticism,”
27.
42
Flannery. Vatican Council II, 762.
43
Ibid., 763.
44
Ibid., 764.
45
Ibid., 764-65.
46
Ibid., 614.
47
Ibid., 764.
48
Augustin Bea, The Word of God and Mankind (Chicago: Franciscan Herald
Press, 1967), 289.