Por que um artigo dessa natureza? Se o leitor for a uma livraria procurar algo a respeito do assunto em nossa língua, provavelmente não irá encontrar muita coisa. É incomum achar essa matéria na literatura evangélica, mesmo em inglês. Essa é, em parte, a razão deste artigo. Contudo, não é a única, como se poderá observar no decorrer destas notas.
Em tempos de tanta confusão teológica por que passa a igreja cristã neste final do século XX, não é aconselhável professar o cristianismo sem afirmar com clareza aquilo em que se crê. A igreja de Cristo sempre foi uma igreja confessante, porque a genuinidade da nossa fé tem que ser evidenciada naquilo em que cremos e confessamos. Temos que ter a ousadia de afirmar clara e abertamente e, de preferência, de forma escrita, as coisas em que cremos. Reconheço que vivemos numa era que rejeita a noção credal ou confessional, mas esta posição tem que ser repensada. Tantas são as heresias e as tentativas de assalto à fé genuína que tornam-se necessárias a formulação e a confissão daquilo em que cremos, para que a igreja, na sua inteireza, não venha a ficar perdida, lançada de um lado para outro por quaisquer ventos de doutrina.
Em todas as épocas os crentes foram chamados a expressar a sua fé de uma forma confessional. É importante nos lembrarmos de que não é necessária a adesão a um credo para que uma pessoa se torne cristã, mas, uma vez cristã, a pessoa tem que confessar a sua fé. Essa confissão é, em algum grau, um credo.
Philip Schaff diz que "um credo, regra de fé ou símbolo é uma confissão de fé para uso público, ou uma forma de palavras colocadas com autoridade... que são consideradas como necessárias para a salvação, ou, ao menos, para o bem-estar da igreja cristã."1 Esta definição parece contradizer a sentença do parágrafo anterior, mas obviamente devemos entender que Schaff está falando da necessidade de confissão antes que da necessidade da elaboração escrita de um credo.
Um credo é uma elaboração científica daquilo que cremos com base na Escritura Sagrada. "Um credo ou regra de fé é uma afirmação concisa daquilo que alguém deve crer a fim de ser um cristão."2 Se alguém se confessa cristão, tem que possuir um conjunto de verdades devidamente elaboradas em que professa crer. É necessário que o cristão confesse a sua fé de forma que outros venham a saber em que ele crê. É uma insensatez professar fé em Cristo sem saber o conteúdo do que se confessa.
Paul Wooley definiu credo como "uma série de afirmações conectadas que são cridas como verdadeiras e que são derivadas de fontes de informação tais como os registros dos acontecimentos na história."3
A definição de uma confissão não difere basicamente da de um credo, senão na forma. Uma confissão contém mais ou menos os mesmos elementos de um credo, mas de forma bem mais elaborada, com detalhes que um credo não possui, por ser mais conciso. Uma confissão aborda mais assuntos do que um credo, e os apresenta de forma mais sistemática. Um credo sempre começa como credo ou credemus ("eu creio" ou "nós cremos"), enquanto que as confissões geralmente não possuem essa característica.
Os credos são extremamente importantes para os cristãos que vivem no limiar do terceiro milênio, porque estes não são essencialmente diferentes dos crentes que viveram nos primeiros séculos da era cristã. Para os cristãos da era patrística, os credos foram absolutamente necessários para a definição teológica e para a vida cristã prática. A nossa fé tem que possuir raízes históricas, e os credos nos ajudam a entendê-las. Por exemplo, o Credo Apostólico dá-nos informações sobre quem foi Jesus Cristo. Ali se diz que ele nasceu da virgem Maria, padeceu sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado, ressurgindo dos mortos ao terceiro dia. Esses todos são dados históricos. Eles são uma afirmação de nossa fé histórica. Se a redenção trazida por Cristo não é um fato histórico, como alguns teólogos contemporâneos chegaram a afirmar, então nós não somos realmente redimidos.
Se a queda no Éden não foi um fato histórico, então não existe corrupção nem culpa. Se negamos a historicidade do Éden haveremos de negar a historicidade da redenção em Cristo e a autoridade do próprio Cristo, que creu nas afirmações do Gênesis. É absolutamente essencial que levemos em conta as raízes históricas de nossa fé.
Na mente de uma porção de teólogos e de cristãos individuais, as coisas mencionadas acima são meras idéias, não fatos. Se o pecado humano é uma mera idéia, é não um fato, a salvação que se diz ter sido trazida por Cristo também o é. Mas a escravidão ao pecado é algo tão real que ninguém pode negar, nem mesmo os homens mais ímpios, e a redenção trazida por Cristo é uma realidade histórica em nossa vida pessoal, e é absolutamente inegável. Que o digam os que foram alcançados por ela! Por essa razão, precisamos confessá-la.
Se a nossa fé não tem raízes históricas, ela perde o seu fundamento. Uma fé sem essas raízes é docética, isto é, solta no espaço, sem qualquer ligação com o real, e nada tem a ver conosco. Os credos e as confissões sempre nos situaram historicamente com respeito a pessoas e eventos, especialmente os relacionados com Jesus Cristo, o Senhor e Redentor. Deus, que é eterno e a-histórico, fez com que seu Filho se tornasse um personagem da história para poder ser um de nós, um membro de nossa raça, a fim de que pudesse realizar a obra da redenção em nosso favor. Por essa razão, a Escritura sempre nos situa no tempo e na história (falando, por exemplo, de Belém no tempo de Herodes), e os credos fazem exatamente o mesmo.
Portanto, os credos e confissões da igreja cristã sempre nos reportam às origens e ao desenvolvimento histórico de nossa fé. Como já vimos anteriormente, primeiro vieram os credos, expressões resumidas da fé cristã. Posteriormente, vieram as confissões, que foram expressões mais elaboradas, sendo ambos, credos e confissões, resultado direto das controvérsias vigentes na época em que foram preparados. Nenhum de nós pode dizer, em sã consciência, da falta de importância dos credos e confissões nos tempos modernos, embora o tempo presente nos convide a isso. É um tempo de anti-dogmatismo e de aversão a afirmações confessionais. No entanto, os genuínos cristãos sempre se importaram com a historicidade da sua fé. Nisso também não sejamos diferentes daqueles com quem queremos ser parecidos!
Os credos tiveram a sua origem nos primeiros séculos da igreja cristã, especialmente quando das controvérsias dos séculos IV e V. O primeiro credo conhecido historicamente foi o chamado Credo Apostólico, que provavelmente tenha sido formulado no segundo século, mas sofreu algumas alterações até o século VI, quando algumas coisas lhe foram acrescentadas. Não conhecemos a sua verdadeira origem, nem quem foram os seus autores.
Há outros credos na história da igreja dos quais sabemos bastante, embora o espaço aqui não nos permita dizer muito sobre eles. No ano 325, cerca de 300 bispos formularam um credo no Concílio de Nicéia, na Ásia Menor, que tratou das controvérsias cristológicas relacionadas à trindade e condenou as heresias de Ário. Depois houve o Credo de Constantinopla (381), elaborado por 150 bispos, que é popularmente conhecido como o "Credo Niceno" simplesmente por refletir o ensino de Nicéia. Todavia, ele vai além dos ensinos de Nicéia, pois afirma a plena divindade do Espírito Santo. O Credo de Calcedônia (451) trata especificamente das duas naturezas de Jesus Cristo, sobre as quais a igreja pouco acrescentou posteriormente, em virtude da precisão das suas idéias. Além desses primeiros credos, vários outros apareceram posteriormente, expressando a fé da igreja e dando-lhe um norte teológico para fazer face às heresias.
Somente bem mais tarde, na época da Reforma, é que apareceram as confissões de fé, que trataram da doutrina cristã de um modo bem mais elaborado que os credos. Inicialmente surgiu a Confissão de Augsburgo (1530), de tradição luterana. Depois vieram as de cunho calvinista: a Segunda Confissão Helvética (1566), a Confissão Escocesa (1560) e a Confissão de Fé de Westminster (1646), que foi a última das grandes confissões e certamente a que veio a apresentar as definições mais precisas da doutrina reformada. Houve outras confissões de menor importância histórica, além dos catecismos que formaram a base doutrinária das igrejas, especialmente as de cunho luterano e calvinista.
O cristianismo é a única grande religião do mundo que tem esboçado o conteúdo de sua fé na forma de credos. Um credo não é a Palavra de Deus aos homens, mas é composto de palavras de homens a respeito de Deus, uma resposta humana à revelação divina. Uma afirmação credal é a primeira elaboração de teologia feita pelos cristãos. Todavia, os credos não precisam ser necessariamente escritos, pois nos começos do cristianismo a fé era expressa oralmente aos catecúmenos ou professada por eles no batismo, muito antes de eles serem colocados em forma escrita.
O começo das formulações confessionais está evidenciado nas afirmações proto-credais das páginas do Novo Testamento. O eminente historiador Schaff disse que "os credos nunca precedem a fé, mas a pressupõem."4 A fé elaborada pela igreja é apenas uma exteriorização daquilo que os cristãos crêem no coração. Se crêem com o coração, disse Paulo, eles têm que confessar com a boca (Rm 10.9-10). Schaff diz ainda que os credos "emanam da vida interior da igreja, independentemente da ocasião externa... Em um certo sentido pode se dizer que a igreja cristã nunca ficou sem um credo."5
Parece que as formulações doutrinárias já eram comuns no tempo dos apóstolos. O gérmen dos credos está afirmado nos escritos apostólicos. Judas, por exemplo, faz referência direta a algum tipo de formulação existente no seu tempo. Ele fala da "fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (v. 3). Essa fé é o conjunto de verdades reveladas que estavam de alguma forma sistematizadas e eram aceitas pelos crentes de então. No v. 20 Judas fala da edificação dos crentes na fé santíssima, o que pressupõe a existência de uma formulação pré-credal. Em contraste com as doutrinas errôneas ensinadas no seu tempo (1 Tm 1.3; 6.3), Paulo fala a Timóteo (e a Tito) a respeito da "sã doutrina" (1 Tm 1.10; 4.6; 2 Tm 4.3; Tt 2.1), que ele devia ensinar (2 Tm 4.2-3) e pela qual deveria zelar (1 Tm 4.16; 6.1). A pregação da "palavra fiel" deve ser "segundo a doutrina" (Tt 1.9), e a doutrina deve ser "ornada" pelo proceder dos crentes (Tt 2.10).
No período apostólico já havia algumas doutrinas elaboradas que o escritor aos Hebreus chama de "princípios elementares da doutrina de Cristo" (ver Hb 6.1-3). Ele também expressa a sua preocupação com a entrada de "doutrinas várias e estranhas" no seio das igrejas (Hb 13.9), que exigiam a definição da verdadeira doutrina. Portanto, nos tempos do Novo Testamento já se via a grande importância de se crer corretamente, isto é, a importância de permanecer na doutrina ensinada por Cristo (ver 2 Jo 8-11).
Os escritores bíblicos usam outros sinônimos para doutrina nos seus escritos: fé (Gl 1.23; Fp 1.27; Cl 2.7; 1 Tm 1.19-20; Tt 1.13; Judas 3); tradição, significando a verdade passada adiante (1 Co 11.2,23; 15.3; 2 Ts 2.15); padrão das sãs palavras (2 Tm 1.13); bom depósito (1 Tm 6.20; 2 Tm 1.14); a palavra que vos foi evangelizada (1 Pe 1.25). Essas doutrinas já eram elaboradas, embora não exaustivamente e, de alguma forma, confessadas publicamente pelos crentes do Novo Testamento.
Contudo, a essa altura, não se pode falar que havia credos formalmente elaborados na igreja do Novo Testamento, mas a idéia de um credo já estava perfeitamente a caminho. Segundo Bruce Demarest, "Paulo em Rm 10.9-10 esboça três elementos essenciais de uma confissão que salva: crença na divindade de Cristo, sua morte expiatória, e sua ressurreição."6
Mesmo não havendo uma elaboração propositada, podemos perceber os fragmentos de um credo em alguns escritos do Novo Testamento, especialmente os elementos relacionados com a obra redentora de Jesus Cristo:
Antes de tudo vos entreguei o que também recebi:
Que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras,
Que foi sepultado,
Que ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.
E apareceu a Cefas,
E, depois, aos doze.
Depois foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez....
Depois foi visto por Tiago,
E, então, por todos os apóstolos,
E, finalmente, por mim... (1 Co 15.3-8)
Parece-nos que este texto revela algum propósito de catequese ou pregação. Kelly justifica tal possibilidade dizendo que este sumário "dá a essência da mensagem cristã numa forma concentrada."7 (Ver outros exemplos similares em Rm 1.3-5; 8.34; 1 Co 8.6; 1 Tm 3.16; 1 Pe 3.18-22.)
Um texto que fala de uma espécie de credo-confissão está patente em 1 Tm 6.13-14. Provavelmente essa confissão preparava as pessoas para o batismo. Um texto semelhante é 2 Tm 4.1 (ver também Rm 4.24).
Esses exemplos não devem ser considerados credos no sentido usual do termo, mas parecem indicar a presença dos elementos de um credo. Philip Schaff estava absolutamente certo quando afirmou que "num certo sentido, a Igreja Cristã nunca existiu sem um credo."8
As Igrejas Reformadas sempre primaram pela elaboração de credos e confissões. É característica das mesmas serem confessionais. Com base nas afirmações confessionais da Escritura, as Igrejas Reformadas viram a necessidade de possuírem uma identidade teológica. E há algumas razões que tornam necessária a formulação de um credo:
A igreja de Cristo não é simplesmente uma reunião de pessoas que coincidentemente pensam a mesma coisa. Elas devem pensar basicamente as mesmas coisas porque para elas existe um só padrão de referência que é a Santa Escritura. A igreja de Cristo sempre foi confessante, porque a fé do coração deve ser expressa em proposições, em termos lúcidos, de forma que todos possam saber claramente em que a igreja crê.
Um credo deve ser a expressão exterior daquilo que a igreja crê interiormente. Ele é o produto da reflexão da igreja sobre a revelação divina. "Quanto mais rica for a reflexão da igreja, mais pleno e mais profundo torna-se o tom de sua confissão."9 Um credo ou confissão sempre deve expressar o labor da igreja sob a orientação do Espírito Santo.
Todavia, houve uma outra razão para a elaboração dos credos e confissões na história da igreja:
Onde quer que a igreja professe abertamente a sua fé, ela irá encontrar oposição. Quando mais definida em sua teologia, mais oposição a igreja receberá. É importante observar que foi nos períodos de maior confrontação que a igreja mais produziu em termos de credos e confissões. Qual é a razão por que a igreja contemporânea não tem sido perseguida e atacada? É porque ela tem deixado de ser definida teologicamente. Historicamente, todas as vezes em que a igreja enfrentou oposição, ela se definiu. Certamente, a igreja contemporânea haverá de enfrentar discriminação quando tiver definido os seus rumos teológicos de maneira inequívoca. Será que a igreja contemporânea está disposta a pagar esse preço?
Os credos e as confissões mostram que a igreja tem definições a fazer e rumos a seguir. A verdadeira igreja de Cristo tem que possuir um norte teológico a ser seguido; ela não pode permanecer neutra nas questões espirituais, éticas e morais. Ela tem que ser confessional para poder combater os inimigos teológicos. Do contrário, ficará desnorteada.
Uma outra razão que torna necessária a existência de credos e confissões na atualidade é:
Vivemos num tempo muito diferente do período da Reforma, quando as confissões foram formuladas. Havia então muitos inimigos da fé protestante, mas agora a situação é absolutamente diferente. Os protestantes não são tratados da mesma forma, e ninguém os tem atacado como aconteceu no passado. Contudo, essa situação não dispensa a necessidade de credos e confissões, pois é exatamente num tempo como o de hoje, de indefinição teológica, que se faz necessária a afirmação da verdade de forma objetiva. O ambiente teológico atual é o de um pluralismo onde as pessoas fogem de verdades objetivamente afirmadas.
A Escritura tem sido abordada por óticas diferentes, que geralmente são chamadas de cosmovisões. Ela tem sido interpretada por pessoas que possuem cosmovisões muito diversas, que ocasionam entendimentos bastante diferentes dos mesmos textos. A fé reformada é uma tentativa justa e consistente de interpretar a Escritura de acordo com a própria Escritura. Portanto, ao encerrar-se o século XX, as Igrejas Reformadas têm que fazer jus à sua história e reafirmar veementemente a fé que uma vez por todas nos foi entregue, da forma em que está interpretada pelos símbolos reformados de fé.
Uma outra razão que torna absolutamente necessária a afirmação objetiva da nossa fé é:
O subjetivismo de nossa geração obriga a igreja a voltar aos padrões confessionais. Muitos evangélicos estão embarcando num experiencialismo desenfreado, onde os sentimentos têm sido a medida de todas as coisas, assim como no Iluminismo a razão tornou-se a medida de todas as coisas. Muitos ministros têm desprezado a verdade da Escritura e preferido as experiências místicas, que têm se tornado a sua "regra de fé." O resultado disso é que a igreja evangélica no mundo tornou-se uma Babel teológica, onde ninguém consegue falar a mesma língua, porque não existe padrão objetivo de verdade em que se possa confiar.
No cristianismo atual não há paradigmas confiáveis. A ênfase está na subjetividade das opiniões que controlam todo o arcabouço teológico de muitos líderes espirituais, os quais, com muita facilidade e maestria, controlam a mente e os sentimentos de "seus fiéis." É patente a necessidade dos credos nos dias de hoje, para que tenhamos um paradigma confiável baseado na totalidade da Palavra de Deus.
Há mais uma razão a evidenciar a necessidade da reafirmação dos credos e confissões. Trata-se de um problema específico de nossa geração:
A presente geração anda tateando às cegas, sem saber onde apoiar-se. Tem sido ensinado nas escolas e, o que é mais desconcertante, em muitas igrejas da Europa, dos Estados Unidos e em algumas aqui do Brasil, que as religiões não-cristãs são caminhos alternativos para Deus. Jesus não é o único modo de chegar-se a Deus. Alguns cristãos admitem que Jesus é até o melhor, mas não o único. Por causa dessa filosofia religiosa, a verdade que foi pregada até o período pré-moderno não é mais a única. Não existe uma verdade na qual as pessoas possam confiar, porque elas têm sido ensinadas que ninguém possui a verdade, e sim que as verdades dependem do ponto de vista de cada um. Há uma variedade de verdades, dependendo do gosto do freguês. E, como não possuem discernimento espiritual, as pessoas andam desnorteadas.
Este tempo é de grande urgência para a igreja cristã, que pode e deve assumir posições teológicas e ético-morais a fim de poder ser uma bússola para as pessoas desorientadas. O tempo presente exige dos genuínos cristãos uma fé seguramente formulada e confessada, a fim de que seja o único caminho de salvação, um guia seguro para o céu, pois aponta a única verdade que é Jesus, e tudo o que ele disse e fez por pecadores perdidos.
Há uma última razão que torna necessária a reafirmação dos credos e confissões em nossos dias. Talvez esta seja a mais importante de todas, porque tem uma conotação positiva:
Escrevendo à igreja de Filipos, Paulo disse de maneira inequívoca que os irmãos deviam "lutar juntos pela fé evangélica" (Fp 1.27). Essa fé mencionada por Paulo era o conjunto de verdades que os crentes haviam recebido dos apóstolos e que deviam preservar até mesmo ao custo de suas próprias vidas. Esse espírito de união na luta pela fé deveria unir todos os cristãos. Estes é que deveriam preservar a pureza da doutrina. Se os cristãos genuínos não fizerem isto, eles põem a perder todo o seu fundamento teológico.
A mesma idéia teve Judas, provavelmente o irmão do Senhor, quando escreveu aos seus leitores, exortando-os a batalharem "diligentemente pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos" (v. 3). É responsabilidade nossa defender a fé, mas como defendê-la se não a temos afirmada e confessada? A Escritura tem que ser entendida da maneira mais clara possível e este entendimento tem que ser afirmado confessionalmente, a fim de mostrarmos ao mundo aquilo em que cremos, sendo homens e mulheres teologicamente definidos. Além disso, Judas diz que essa batalha tem que ser diligente, mostrando todo o nosso esforço na preservação da pureza da doutrina. Na época em que Judas escreveu, o Novo Testamento ainda não havia sido reunido canônicamente. As verdades eram conhecidas dos crentes de um modo verbal. Só um pouco mais tarde é que as cartas foram colecionadas. Judas, portanto, referia-se aos conceitos doutrinários que os crentes haviam recebido dos apóstolos e pelos quais deveriam batalhar diligentemente. Eles não deviam permitir que a fé fosse deturpada, como alguns costumavam fazer (2 Pe 3.16). A pureza da doutrina é uma questão prioritária e fundamental em todas as épocas, especialmente quando ela se encontra debaixo de tantos ataques.
Não há como preservar a pureza da doutrina de Deus se ela não for devidamente escrita e confessada.
Originalmente os credos foram elaborados para serem úteis à vida da igreja. Eles eram a confissão daquilo que estava no coração dos crentes; serviam para que os crentes se tornassem conhecidos na sociedade como seguidores de Jesus Cristo; e serviam também para conduzir outras pessoas a ele pela influência do seu testemunho.
Mas, poderíamos dizer de forma mais elaborada que:
Sempre houve a necessidade de se confessar aquilo em que se crê (Mt 10.32-33; Rm 10.9-10). Segundo Mt 16.15, Jesus perguntou aos seus discípulos: "Mas vós quem dizeis que eu sou?" Ele queria que os seus discípulos afirmassem sua posição com relação à sua pessoa. Todos nós temos que confessar Jesus, quem ele é, o que ele fez. Talvez a primeira formulação de uma doutrina ou dogma cristão esteja relacionada com a resposta de Pedro: "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo." Obviamente, esta confissão de Pedro foi, posteriormente, expandida e melhor articulada.
A confissão é um elemento essencial da fé. Este princípio fundamental não pode ser negado, segundo a ensino do Novo Testamento. Melanchton, uma das mentes mais brilhantes do tempo da Reforma, disse: "Nenhuma fé é firme se não é mostrada em confissão."10 Não existe uma fé em Cristo que não se expresse em uma formulação doutrinária ou dogmática. "Uma fé sem dogma, sem confissão, está continuamente em perigo de não mais saber o que realmente crê e, portanto, em perigo de cair ao nível de uma mera religiosidade."11
Este é um fato que não pode ser ignorado. Mas qual é a dificuldade, alguém perguntaria. De forma correta, cria-se que as orações deviam ser dirigidas somente a Deus. Se eles estavam orando a Jesus Cristo, eles teriam que começar a elaborar uma formulação doutrinária que justificasse aquela sua atitude de oração. Logo, a questão do relacionamento entre Deus e Jesus Cristo tinha que ser estabelecida. Não havia outra forma de tratar o problema. Algum tempo mais tarde começaram as formulações credais oriundas das controvérsias sobre a doutrina da trindade e dos problemas cristológicos. Obviamente, as elaborações mais sofisticadas foram posteriores, somente nos séculos IV e V, nos primeiros concílios ecumênicos. Não é de se estranhar, portanto, que os primeiros dogmas a serem formulados na igreja cristã tenham sido o da trindade e o das duas naturezas de Cristo. Também não foi acidente que, logo em seguida, aparecessem problemas de antropologia, com as doutrinas do pecado e da graça sendo esclarecidas na igreja ocidental nas lutas que Agostinho teve com Pelágio.
Com freqüência os credos tinham que ser elaborados para explicar melhor a formulação doutrinária já existente na igreja. Em todos os tempos a formulação de doutrinas revelou uma preocupação séria da igreja com algum ponto fundamental da fé. Todas as doutrinas apareceram para explicar problemas de importância fundamental para a vida da igreja, tanto sobre o entendimento como sobre o conteúdo da fé. Era a melhor maneira de educar e catequizar a igreja que estava em franco crescimento a respeito das verdades cristãs mais importantes.
Se considerarmos que tais documentos são formulados cientificamente, então temos que admitir que revelam o resultado de uma experimentação. Neles os teólogos trabalham arduamente para chegarem a uma conclusão bem elaborada que reflita a interpretação correta das Escrituras, após analisarem as várias interpretações disponíveis no decurso da história da igreja e na averiguação das interpretações correntes.
Qual deve ser a fonte última de pesquisas para os credos e confissões cristãos? Obviamente, é a Escritura Sagrada. Ela é a fonte básica para a formulação dos credos, assim como a natureza é a fonte básica para as outras formulações científicas. A Escritura deve ser a fonte de toda pesquisa porque ela é uma revelação singular de Deus.
Uma outra questão surge na mente das pessoas: os credos devem ter como fonte única a Escritura, ou a experiência cristã também deve contribuir para a formulação dos mesmos? Wooley diz que
a experiência de fato lança luz sobre a Bíblia, mas uma ou a outra deve ter a prioridade. Se a Bíblia é apenas um registro da experiência humana, então a questão está resolvida. A fonte básica é a experiência. Mas se as reivindicações da Bíblia devem ser aceitas, ela é um livro que contém um registro singular, totalmente distintivo, da verdade dada por Deus. Em outras palavras, não há nada mais igual a ela. Se isto é verdade, a Bíblia é a fonte definitiva. Neste ponto, a escolha tem que ser feita. O cristão diz que ela tem que ser feita com a assistência de Deus.12
Qual é o significado da Bíblia? O que a Bíblia realmente quer dizer a nós? Os credos e confissões são uma tentativa de responder a estas perguntas de forma sistemática, porque a Bíblia não é um compêndio sistematizado de doutrinas. Quando da formulação de tais documentos, os estudiosos trabalham científicamente para produzir aquilo que crêem ser expressão da verdade de Deus, com base nas informações que possuem. O investigador da Escritura
começa por tentar descobrir o que autor humano tinha em mente quando escreveu, o que ele estava tentando dizer. Mas o investigador não pode parar aí se ele crê que a Bíblia é a revelação, ou mesmo um meio de revelação. O investigador também tenta descobrir o que Deus pretendeu que o texto significasse para o leitor de então, e para o leitor de agora.13
Wooley diz ainda que os estudiosos da Escritura devem usar outras ferramentas que os ajudem na sua interpretação e que, conseqüentemente, ajudem na formulação dos credos e confissões:
Uma das ferramentas usadas na descoberta do significado da Escritura é a história daquilo que as pessoas pensaram sobre ela. A história usa com um propósito didático a evidência do que aconteceu aos homens no passado. A história de como os homens formularam os credos, por que assim o fizeram, qual a utilidade que os credos têm tido na prática, e qual a sua real utilidade, é de extrema importância na avaliação de nossa situação presente.14
Portanto, quando estiverem reafirmando as verdades credais e confessionais, os cristãos deste final de século devem levar em conta a fonte autorizada que é a Escritura e as fontes secundárias de pesquisa, que estão na experiência dos homens verificada na história da igreja.
Muitos cristãos de hoje não aceitam as formulações doutrinárias estabelecidas pelo simples fato de pensarem que são uma imposição das autoridades da igreja sobre eles.
De fato, dentro da Igreja Católica Romana a idéia de "dogma" tem alguma ligação com imposição. Todos os católicos têm que aceitar as formulações infalíveis da igreja15, sem qualquer possibilidade de questionamento ou posterior alteração.
Roma reivindica infalibilidade para todos os pronunciamentos do magistério da igreja. Cristo fundou a igreja e ordenou que ela deveria ser a guardiã infalível e intérprete da verdade... Inspirados pelo Espírito de Deus, os concílios da igreja não podem errar. Justiniano I (morto em 565) considerou os ensinos dos quatro concílios ecumênicos da igreja como Palavra de Deus e seus cânones como leis do império. Gregório, o Grande (morto em 604), colocou os decretos dos primeiros quatro concílios em pé de igualdade com os quatro evangelhos. O catolicismo medieval, na plenitude da sua exuberância, elevou os credos acima da Bíblia... Por esta razão, a perspectiva de Roma é que as antigas formulações dos credos contêm verdades reveladas imediatamente por Deus e, assim, são dotadas de autoridade para todas as épocas.16
Os protestantes têm uma atitude diferente com relação aos credos e confissões. Embora eles considerem o Credo dos Apóstolos e os decretos dos quatro concílios ecumênicos em consonância com a Escritura, esta última é a única regra de fé e prática para a igreja. Os dogmas e as confissões sempre têm que estar sujeitos à Escritura. Devem ser testados à luz da Escritura e sua interpretação deve estar sempre em consonância com a mesma. Quando isto acontece, então pode-se dizer que as doutrinas dos credos e das confissões são uma expressão de um correto entendimento das Escrituras e devem ser aceitas pela igreja.
Os protestantes sempre reconheceram concílios fiéis e concílios infiéis. Portanto, alguns expressaram-se corretamente e outros não, em matéria de fé. É exatamente esse o pensamento da Confissão de Fé de Westminster.
Todos os sínodos e concílios, desde os tempos dos apóstolos, quer gerais quer particulares, podem errar, e muitos têm errado; eles, portanto, não devem constituir regra de fé e prática, mas podem ser usados como auxílio em uma e outra coisa (Confissão de Fé de Westminster, XXXI, 3).
Para que os cristãos aceitem os credos e confissões, estes têm que refletir o pensamento da Escritura e têm que ser julgados pela própria Escritura. Se isto acontecer, os credos nunca serão uma imposição da igreja, mas os crentes terão o dever de aceitá-los.
Um credo ou confissão, pelo menos dentro da teologia reformada, não é um sistema de doutrina absolutamente fechado que não possa ser alterado com o desenvolvimento sério dos estudos sobre uma determinada matéria. Wooley diz que "os credos existem para o propósito de aplicação e deveriam ser frutíferos para experimentação e teste posteriores, e sujeitos a constante mudança e revisão."17
É importante observar que a teologia reformada não é um sistema hermeticamente fechado ou irreformável. Não possuímos um credo sacrossanto, que nenhum concílio possa alterar. A teologia reformada sempre se desenvolveu, desde a Reforma Protestante do Século XVI. Quanto mais os teólogos refletem sobre a revelação divina da Escritura, mais eles podem aprender com ela. A teologia reformada permite a revisão dos credos para que se melhore a formulação das doutrinas.
Um padrão de fé não pode ser mudado sem um exame acuradíssimo das Escrituras. Toda e qualquer alteração tem que possuir uma base escriturística justificável. A idéia de reformar os credos e confissões não é algo simples, nem deve ser tratada levianamente. "A revisão de uma confissão é sempre possível, mas tal revisão é proveitosa somente se a própria igreja estiver num plano espiritual elevado e for capaz de inteligentemente descobrir com precisão, nas Escrituras, as expressões da sua fé."18
Embora a teologia reformada não seja irreformável, por causa da sua solidez ela não tem sido alterada em sua história. As gerações presentes têm que possuir um elo de ligação com as gerações passadas. Esses elos nunca podem ser quebrados. O que cremos hoje tem que refletir a fé dos nossos antepassados. Devemos diferir deles naquilo em que eles não foram absolutamente justos com o ensino geral das Santas Escrituras, mas onde estiveram certos, devemos seguir com eles. O que foi verdade no passado, deve ser verdade para o povo de Deus no presente.
A verdade de Deus conforme revelada na Escritura nunca muda. O entendimento da Escritura é que pode ser melhorado. Nesse sentido, a fé reformada se desenvolve.
Vivemos numa época anti-dogmática e muitos crentes querem que a igreja viva sem um corpo de doutrinas. Eles dizem que somente a Bíblia é necessária. Eles querem saber somente de Jesus Cristo, e não de doutrinas, o que é uma grande insensatez. Como pode haver amor a Cristo e à sua Palavra sem haver amor pela sã doutrina ensinada de maneira inequívoca na Escritura?
Contudo, há algumas razões para esse comportamento da igreja contemporânea:
Uma razão para esse comportamento pode sem depreendida do fato de que desde o período do Iluminismo apareceu dentro da igreja um subjetivismo radical que levou a uma depreciação dos credos. No período pós-iluminista, com Schleiermacher, Kierkegaard e toda a tradição existencialista, creu-se que a realidade de Deus não podia ser objetivamente conceptualizada. A verdade tinha que ser alcançada pela exploração do caráter intrínseco da existência humana. O teólogo católico Karl Rahner insiste que "o conteúdo da fé não é visto como um número vasto e quase incalculável de proposições que, coletiva e diversamente, estão garantidas pela autoridade formal de um Deus que se revela."19 Segundo Rahner, a verdade é subjetiva, não objetiva.
A segunda razão para a depreciação dos credos e confissões pode ser vista na aridez do protestantismo escolástico dos séculos XVII e XVIII, com sua tonalidade racionalista, que enfatizava as formulações confessionais esvaziadas de verdadeira piedade cristã. Essa aridez resultou no aparecimento do Pietismo, que rejeitou quase todas as formulações doutrinárias. Mais recentemente, como resultado da aridez ortodoxa dentro do catolicismo, começou-se a enfatizar a ortopraxia ao invés da ortodoxia. Demarest diz que "os modernos católicos progressistas tais como Schillebeeckx, Dulles and Küng insistem que o que vale não é um credo cristão, mas os atos concretos dos cristãos."20
Por causa da ênfase extremada nos credos e confissões do protestantismo escolástico e da aridez com que ensinavam as doutrinas, sofremos ainda hoje algumas consequências. Todas as igrejas que são confessionais levam sobre si o estigma de "ortodoxia morta." Num certo sentido isto tem sido verdadeiro. Várias igrejas confessionais têm perdido historicamente o gosto pela evangelização, pelo testemunho cristão e pela vibração com o evangelho de Cristo. Por essa razão, o evangelicalismo moderno tem apelado mais para a religião prática e para a experiência individual do que para confissões de fé objetivamente afirmadas.
Esse erro comportamental do passado não é justificativa para abandonar-se os credos. É perfeitamente possível afirmá-los e confessá-los e ainda assim possuir ardor pela evangelização, missões e comunhão pessoal com Deus, pois eles próprios ensinam estas coisas.
Uma terceira razão para a depreciação dos credos e confissões está relacionada com o problema do relativismo cultural. O pós-modernismo foi o grande beneficiado com o relativismo cultural, mas nos seus resultados ele não foi diferente do Iluminismo. Apenas mudou a metodologia. Ele retirou a verdade afirmada objetivamente e colocou a verdade na subjetividade do indivíduo. O pós-modernismo democratizou a verdade, fazendo com que ela fosse propriedade de cada indivíduo, e não uma verdade afirmada objetivamente, como está na Escritura, por exemplo. A cosmovisão individual determina a verdade.
Alguns críticos dizem que "as crenças e formulações do passado são inevitavelmente condicionadas pela cultura da época que as produziu."21 Os credos e confissões são sempre a expressão cultural de um povo, numa determinada época. Portanto, aquilo que foi válido para aquela época, não o é para a nossa presente geração.
Como consequência, alguns pensamentos são vigentes na igreja moderna:
a) Freqüentemente se diz que alguém pode ser um cristão bom e sincero sem ter suas doutrinas formuladas sistematicamente. Isto tem sido o produto de um pietismo que sempre procurou o seu cristianismo na vida prática, sem a crença necessária em dogmas para ser cristão. Alguns ainda pensam que doutrinas são meras palavras, que não têm qualquer aplicação prática.
b) Tem-se dito que as doutrinas são o produto de uma época particular com as suas características próprias, como o tempo da Reforma. Naquela época as doutrinas eram necessárias por causa das controvérsias religiosas. Mas a situação daquele período não mais se repetiu. Ele foi singular.
c) Tem-se dito que as doutrinas mudam quando comparadas com a Bíblia. "Nós temos que ficar com o que não muda." Isso é verdade quando as doutrinas não tem um fundamento correto. Por exemplo: os Reformadores alteraram aquilo que era crido no período medieval. Por quê? Porque algumas doutrinas medievais não expressavam o conteúdo geral das Escrituras. Foi exatamente o princípio da Sola Scriptura que alterou o que estava estabelecido. Mas as doutrinas não são algo que necessariamente se altera. A mutabilidade das mesmas está relacionada com a sua fidelidade ou não à Escritura.
Modernamente tem havido duas atitudes para com os credos e confissões: uma de divinização e a outra de rejeição dos mesmos. Uma atitude sábia está em evitar esses dois extremos.
Classicamente falando há duas posições com respeito aos credos e confissões, expressas em frases latinas: norma normata, que deve ser preferida a norma normans.
A expressão norma normans ("uma regra que regula") reflete a posição católica romana. Ela expressa a idéia de que a autoridade dos antigos credos é absoluta e infalível. Os credos antigos eram considerados Palavra de Deus.
A expressão norma normata ("uma regra que é regulada") reflete a posição protestante. Observe-se que o credo é uma regra, uma norma. Os credos sempre refletiram a consciência doutrinária e religiosa das gerações da igreja cristã. Eles são de uma importância enorme para a igreja contemporânea, pois expressam aquilo que os nossos antigos creram. E tem que haver uma identidade de fé que nos une a todos, cristãos de todas as épocas. Mas temos que observar também que o credo é não somente uma norma, mas uma norma que é regulada. Como o credo é uma formulação humana, ele tem que estar submisso (regulado) à Escritura, a regra infalível e suprema de fé e prática. A Escritura, sim, é norma normans, isto é, ela é divina e absoluta, e tem a finalidade de regular os credos, que são uma autoridade secundária e derivada. Em última análise, os credos e confissões devem sempre ser testados e regulados pela Palavra de Deus.
Os Padrões de Fé de Westminster, por exemplo, não são norma normans, mas norma normata, não uma regra com norma intrínsica, mas uma regra derivada da fé. Eles são um produto humano, totalmente subordinado à Palavra de Deus. A Escritura possui uma autoridade intrínseca, e não a igreja ou os seus credos. Tanto a igreja como os seus padrões de fé devem ser julgados pela norma normans, que é a Escritura.
Vivemos num tempo de indefinição teológica e doutrinária por causa do abandono dos credos e confissões. O retorno aos credos e confissões é absolutamente necessário para que essa indefinição termine. Contudo, a aceitação de proposições confessionais deve levar a uma vida prática, sadia, cheia de amor pela Palavra de Deus e santo temor e reverência pelo seu autor e inspirador.
Essa volta é absolutamente necessária porque precisamos rejeitar a subjetividade daquilo que tem sido ensinado nas universidades e em alguns seminários evangélicos. O retorno aos credos precisa incluir a rejeição do subjetivismo moderno que tem negligenciado a verdade como é revelada objetivamente. Temos que afirmar as verdades de Deus que estão objetivamente reveladas nas Escrituras Sagradas.
Essa volta aos credos deve ser uma resposta à ênfase exclusiva na ortopraxia. Demarest diz que "a única garantia de uma ortopraxia bíblica responsável é uma ortodoxia bíblica autêntica, tal como a fé que temos enraizada nos credos. Não há nenhuma integridade de vida à parte de uma integridade de crença.22
Essa volta aos credos deve ser uma resposta à idéia do relativismo cultural. O que é verdade espiritual uma vez, sempre o será. A verdade não está condicionada a um tempo ou época. A verdade de Deus é para sempre. Aquilo que se considerou verdade numa época e depois caiu, não é expressão da verdade. Por essa razão os credos não são infalíveis. Eles podem ser aperfeiçoados e melhorados.
Nos dias em que vivemos, por causa do baixo nível ético de crentes e de ministros da Palavra que prometem verbalmente fidelidade aos padrões doutrinários mas logo se afastam deles por uma questão de conveniência teológica, precisamos subscrever um conjunto de doutrinas que expressem a nossa fé. Essa atitude significa nadar contra a correnteza. Por causa do pluralismo vigente em nossos dias, as pessoas têm reservas até mesmo quanto à idéia de subscrever uma formulação teológica.
Contudo, esta época é extremamente apropriada para que mostremos a nossa definição teológica, assinando documentos de fidelidade ao que professamos crer. Segue abaixo uma sugestão do que os oficiais e ministros das igrejas confessionais deveriam assinar:
Nós, abaixo assinados, sinceramente e de boa consciência, declaramos que, por esta subscrição, estamos firmemente persuadidos de que todos os pontos contidos em nossos símbolos de fé reformados, elaborados pelos nossos antepassados espirituais, refletem com fidelidade, por sua interpretação, os ensinos da Palavra de Deus.
Prometemos, assim, ensinar com toda a diligência as doutrinas afirmadas em nossos símbolos de fé, sem que as contradigamos direta ou indiretamente, quer por pregação pública ou pelos nossos escritos.
Declaramos, além disso, que não somente rejeitamos os erros que militam contra essas doutrinas, mas estamos dispostos a refutar e a contradizer os ataques à sã doutrina, para que a conservemos pura, e a igreja seja livre de cair em heresia.
A subscrição de padrões doutrinários deveria ser exigida por seminários e concílios da igreja, os subscritores ficando passíveis de ser submetidos ao juízo das autoridades eclesiásticas caso sigam um padrão diferente daquilo que subscreveram. Contudo, uma pessoa não deve ficar para sempre presa ao que assinou, no caso de não mais concordar com o que subscreveu anteriormente. O subscritor tem o direito de ter as suas dificuldades doutrinárias, e pode querer o reexame das doutrinas afirmadas. Uma saída para essa situação está prevista na fórmula de subscrição sugerida:
Se, porventura, tivermos quaisquer dificuldades ou sentimentos diferentes com respeito ao que subscrevemos, prometemos não ensinar sobre eles nem pública nem particularmente, seja por pregação ou por escritos, até que tenhamos primeiro revelado tais dificuldades aos concílios competentes, e sejam essas dificuldades e sentimentos devidamente examinados por eles, estando nós dispostos a aceitar o juízo desses concílios, ficando sob penalidade, em caso de recusa, de sermos suspensos de nosso ofício.23
Creio firmemente que muitos oficiais das igrejas confessionais teriam dificuldade em assinar um documento como o sugerido acima, porque o tempo presente dificulta essa atitude. Infelizmente, a igreja sempre tem se defrontado com a falta de seriedade de alguns de seus ministros ordenados, numa atitude não condizente com a ética cristã. Juram e não cumprem o juramento feito ao tempo da sua ordenação. Como agravante, as dificuldades individuais de ministros e professores de seminários não têm feito com que esses problemas e sentimentos opostos aos padrões confessionais cheguem aos concílios superiores. Eles preferem ignorar os problemas que vêem e fecham os olhos aos padrões doutrinários violados por muitos colegas, em nome do "amor." Em nome desse mesmo "amor de coleguismo," permitem que a verdade de Deus seja sacrificada. É uma pena que as coisas sejam assim.
Todavia, eu conclamo os meus colegas de presbiterato, sejam eles docentes ou regentes, a assumirem uma postura de lealdade àquilo que cremos ser uma exposição fiel das verdades da Escritura Sagrada. Somente assim, haveremos de livrar a igreja que amamos das ameaças teológicas que a rodeiam. Que Deus assim nos ajude!
The article argues for the present relevance of creeds and confessions. After showing the biblical origin and historical development of creedal and confessional statements, Campos emphasizes their great importance for the church at the end of the twentieth century. Then, he deals with the reasons why creeds and confessions are not appreciated by the contemporary church. Such reasons are historical, cultural, philosophic and theological. As a response to this undervaluation of the creeds and confessions, the author stresses their continuing validity and the consequent need for their reappropriation. He admits that creeds and confessions can be perfected, but always in accordance with the norma normans (Scripture), since they are not unchangeable like Roman Catholic dogmas. Additionally, Campos acknowledges that, in order for Christians not to fall in the error of post-modernist subjective truth, they should have creeds and confessions not only as norma normata (a rule that is ruled), but they also should meet the challenge of subscribing to them, so that everyone will know the truths they embrace.
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1 Philip Schaff, The Creeds of Christendom (Grand Rapids: Baker, 1990 ), vol. 1, 3. (Minha tradução).
2 Bruce A. Demarest, "Christendoms Creeds: Their Relevance in the Modern Word," Journal of the Evangelical Theological Society 21 (December 1978), 345.
3 Paul Wooley, "What is a Creed For? Some Answers from History," em Scripture and Confession, ed. John H. Skilton (Phillipsburg, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1973), 96.
4 Schaff, The Creeds of Christendom, 5.
5 Ibid.
6 Demarest, "Christendoms Creeds," 345.
7 J. N. D. Kelly, Early Christian Creeds (New York: Longman, 1972), 17.
8 Philip Schaff, The Creeds of Christendom (New York, 1919), l.5.
9 Philip Hughes, ed. geral, The Encyclopedia of Christianity, "Confessions and Creeds" (Marshalton, Delaware: The National Foundation for Christian Education, 1972), vol. 3, 89.
10 Philip Melanchton, Apology of the Augsburg Confession, IV, 385, em Thedore G. Tappert, ed., The Book of Concord (Philadelphia: Fortress Press, 1959), 166.
11 Bernhard Lohse, A Short History of Christian Doctrine (Philadelphia: Fortress Press, 1989), 10.
12 Wooley, "What is a Creed For?," 97.
13 Ibid.
14 Ibid.
15 Obviamente, nos dias de hoje nem todos os católicos, sejam eles teólogos ou não, aceitam a infalibilidade dos dogmas como foi crido em tempos passados. Otto Karrer enfatizou que "os dogmas da Igreja Católica Romana devem ser entendidos e apreciados com referência ao período do desenvolvimento dos mesmos. Infalibilidade significa que uma certa explicação é apropriada e livre de erro na sua resposta a certas questões condicionadas historicamente" (Lohse, Short History of Christian Doctrine, 13).
16 Demarest, "Christendoms Creeds," 347.
17 Ibid., 97.
18 Hughes, The Encyclopedia of Christianity, "Confessions and Creeds," vol. 3, 90.
19 Karl Rahner, Belief Today (New York, 1967), 71.
20 Demarest, "Christendoms Creeds," 353.
21 Ibid.
22 Ibid.
23 Esta sugestão de fórmula de subscrição é parcialmente retirada daquela seguida pelos ministros da Igreja Cristã Reformada dos Estados Unidos, que está inserida no Psalter Hymnal, 71.