A Hermenêutica da Teologia da Libertação:
Uma Análise de Jesus Cristo Libertador,
de Leonardo Boff

Augustus Nicodemus Lopes*

 

Com a queda do muro de Berlim, a fragmentação da Rússia e a derrocada do comunismo no mundo inteiro, as teologias que de alguma forma estavam associadas ao marxismo caíram em descrédito. A teologia da libertação, em suas variadas formas, não foi exceção. Embora ainda presente em alguns círculos acadêmicos e eclesiásticos, perdeu no Brasil boa parte da influência que dantes exercera, tanto na Igreja Católica quanto entre protestantes. O que justificaria, então, um artigo sobre a teologia da libertação? Ou mais ainda, um artigo que aborda um aspecto dessa teologia, no caso, a cristologia? É que os princípios hermenêuticos que produziram tal cristologia não desapareceram. Continuam presentes e reaparecendo sob diferentes formas.

Meu assunto neste artigo, portanto, é muito mais a hermenêutica e os princípios interpretativos por detrás da teologia da libertação do que propriamente o Cristo libertador social que ela produziu. O ponto de partida não poderia ser outro senão a obra clássica de 1972, escrita por Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador.1 Boff foi sacerdote franciscano (atualmente está fora do sacerdócio católico), recebeu sua formação teológica no Brasil, sua terra natal, e em Munique, na Alemanha. Como professor de teologia em Petrópolis, ele escreveu diversos livros sobre teologia da libertação, muitos dos quais foram traduzidos para o inglês e outros dos principais idiomas modernos. A sua influência no movimento latino-americano da teologia da libertação ficou evidente quando o Papa João Paulo II o penalizou em 1985 com um ano de silêncio por causa do seu livro Igreja, Carisma e Poder. Atualmente, tendo abandonado a batina, o ex-frei Boff continua escrevendo e publicando, embora tenha também abandonado a militância característica de muitos teólogos católicos da libertação. Da teologia da libertação, passou para a teologia da ecologia e ultimamente publica livros de auto-ajuda, embora ainda preserve vestígios da antiga preocupação social e da opção pelos pobres.2 O ex-frei saiu do cenário teológico mas os livros que publicou enquanto teólogo da libertação continuam sendo usados e estudados. Sua influência persiste em muitos quartéis da comunidade evangélica. Esse fato talvez justifique o presente artigo.

Boff ganhou reconhecimento no cenário acadêmico, entre outras coisas, através de seu livro Jesus Cristo Libertador. Por que Boff escreveria uma cristologia da libertação? Primeiro, porque os teólogos da libertação não querem entender sua teologia simplesmente como um outro ramo ou divisão da teologia, mas como uma nova maneira de fazer teologia. Como Kloppenburg o exprime: "A idéia de libertação deveria estar presente em todos os pontos de todas as áreas da teologia e deveria ser um novo princípio de síntese."Portanto, os teólogos da libertação gostam de escrever cristologias, eclesiologias e até hermenêuticas da perspectiva da libertação sócio-política.Segundo, porque no início do movimento, Boff e outros teólogos da libertação entenderam que podiam sustentar a maioria das suas asseverações a partir da figura do Jesus histórico. Juntamente com o Êxodo e o ministério dos profetas do Antigo Testamento, a carreira terrena de Jesus é vista como fundamental para a base bíblica do movimento.

Teólogos da libertação lêem o texto a partir das necessidades da sociedade contemporânea em que vivem. Uma leitura dessa perspectiva destaca os textos que tratam da libertação dos oprimidos. Um bom exemplo é a Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, editada pela Editora Vozes e produzida por estudiosos católicos da teologia da libertação. Segundo está na contracapa, a revista "parte do pressuposto que as dores, utopias e poesias dos pobres são uma mediação hermenêutica decisiva para a leitura da Bíblia em nossas terras." Alguns dos temas abordados pela revista são: "Mundo Negro e Leitura Bíblica" e "A Opção pelos Pobres como Critério de Interpretação," entre outros. Essa leitura das Escrituras, via de regra, denuncia as interpretações tradicionais como sendo uma cortina de fumaça para defender os interesses da classe média masculina, branca, saxônica e americana.

A cristologia de Boff (uma cristologia escrita da perspectiva dos oprimidos, trazendo esperança de libertação) acompanha normalmente os principais postulados da teologia da libertação. O que torna notável o trabalho de Boff entre outras cristologias latino-americanas é, antes de tudo, o seu estilo fácil de ler e a sua linguagem teológica de "pé no chão." Além disso, Boff é mais positivo e otimista quanto à ressurreição de Cristo que outras cristologias da libertação.E, ao contrário de muitos dos seus colegas, ele por vezes critica o uso do marxismo como uma ferramenta de análise social.

Os compromissos hermenêuticos de Boff são explicados e defendidos na primeira parte de Jesus Cristo Libertador. Ali, ele dedica-se a explicar suas convicções e os métodos de interpretação que usa. Existem, evidentemente, várias outras pressuposições que não são abordadas diretamente. A segunda parte da obra trata do Jesus histórico. A ênfase mais no histórico do que no dogmático é vital para a teologia de Boff. As ferramentas que ele usa para redescobrir Jesus são as disciplinas do método histórico-crítico, que também são discutidas na primeira parte. A reflexão de Boff sobre a pessoa de Jesus, que ele denomina o processo cristológico, entra na terceira parte. A última seção tenta relacionar os seus resultados com uma leitura sócio-analítica da sociedade latino-americana.

O propósito deste artigo é entender as pressuposições hermenêuticas de Boff e como elas afetam a sua cristologia. Também objetiva analisar criticamente algumas dessas pressuposições à luz do que entendemos ser uma hermenêutica bíblica, calcada nos fundamentos da Reforma protestante. Uma das limitações desta análise é que não será tentada uma avaliação e crítica dos compromissos filosóficos de Boff. Ao adotar o método crítico-histórico de interpretação do Novo Testamento, Boff basicamente está assumindo alguns elementos da filosofia de Kant. Isto só será mencionado de forma breve ao discutirmos a adoção, por parte de Boff, de uma dicotomia entre fé e razão.

I. Entendendo a interpretação de boff

O enfoque da cristologia de Boff, como também o de outras cristologias latino-americanas, está posto sobre a vida e o ministério de Jesus como pessoa humana. As razões dadas por autores liberacionistas são estas: (1) meditar sobre a vida humana de Jesus, em vez de especular sobre a sua divindade, é mais diretamente pertinente para uma situação de opressão; (2) o contexto do ministério de Jesus na Palestina, ocupada pelos romanos, é adequadamente semelhante ao contexto da América Latina de hoje; (3) a vida humana de Jesus fornece pistas sobre como os latino-americanos podem realizar o seu potencial humano amordaçado.6 Portanto, é crucial para Boff apresentar Jesus como uma figura histórica e concreta.

 

 

A. O Uso do Método Histórico-Crítico

Desde o início de Jesus Cristo Libertador, Boff deixa claro como irá empreender a sua busca do Jesus histórico. Ele irá essencialmente seguir os métodos e resultados da crítica histórica e das várias disciplinas relacionados com a mesma, com respeito aos Evangelhos. O método histórico-crítico é uma leitura do Evangelho que procura ver o texto sagrado como se fosse um texto comum e o submete à análise racional quanto ao seu conteúdo, e literária quanto à sua composição. Como resultado do emprego dessa ferramenta, para Boff, os Evangelhos não se constituem em biografias históricas mas em testemunhos da fé, o fruto da meditação piedosa e subjetiva da comunidade primitiva. Os Evangelhos são uma interpretação teológica dos eventos, ao invés de uma descrição objetiva e desinteressada do Jesus histórico de Nazaré. Juntamente com outros estudiosos histórico-críticos, Boff acredita que os Evangelhos são o produto final de um longo processo de reflexão sobre Jesus e representam a cristalização do dogma primitivo da igreja. Eles contêm muito pouco do Jesus histórico (como ele era e como ele viveu), mas muitas coisas relativas à reação de fé dos seus seguidores. Adotando os pressupostos do liberalismo clássico, Boff afirma que a comunidade primitiva de cristãos tomou grandes liberdades ao defrontar-se com as palavras de Jesus, interpretando-as e modificando-as e também criando novos ditos, sempre no esforço de fazer Cristo e sua mensagem presentes na sua vida (pp. 50-51). Chegaram mesmo a criar interpretações e colocá-las na boca de Jesus (p. 49); as predições de Jesus quanto à sua morte, foram vaticina ex eventu, isto é, foram colocadas na sua boca pelos discípulos, após a sua morte (p. 128).7 A suposição explícita de Boff é que, a fim de se conhecer Jesus, é preciso confrontar criticamente os relatos literários sobre ele, os Evangelhos, usando os métodos da crítica histórica, para peneirá-los em busca do significado original do texto e ir além das interpretações posteriores (ver pp. 46-51).

Severino Croatto, outro conhecido teólogo católico da libertação que adota os pressupostos do método histórico-crítico, mantém o mesmo ceticismo quanto à historicidade (veracidade) dos relatos sobre a saída de Israel do Egito, como contidos no livro de Êxodo. Ele sugere que o relato do Êxodo como o temos na Bíblia, particularmente a vocação de Moisés, as pragas do Egito, a páscoa apressada e a travessia do mar "não são episódios do acontecimento da libertação, mas expressões de seu sentido, como projeto e atuação de Deus ou como memória festiva." Insiste em que não se deve ler os fatos narrados nos textos bíblicos "como se tivessem acontecido na forma em que estão contados."8 Numa postura típica de teólogos liberacionistas, Croatto adere ainda a um conceito de cânon onde a inspiração é entendida como um fenômeno textual apenas, resultado da tentativa da igreja cristã de "fechar" o sentido,e o conceito de revelação é reinterpretado para significar toda manifestação de Deus na história. "A Bíblia é a leitura da fé dos eventos paradigmáticos da história salvífica, a leitura paradigmática de uma história de salvação que ainda não terminou," afirma Croatto.10 Ele afirma ainda que o fenômeno da revelação e sua interpretação é um ciclo que se repete na história da igreja.11 Entretanto, ele deixa sem resposta a questão se uma leitura paradigmática moderna de eventos supostamente pertencentes à história da salvação hoje, deveria ser recebida pela igreja como Escritura.

A concepção das Escrituras por parte de teólogos da libertação que se utilizam do método histórico-crítico é geralmente a mesma: não reconhecem atributos das Escrituras tais como inspiração, inerrância, necessidade, autoridade, perspicuidade e suficiência. Boff não é exceção.12 Para ele, os Evangelhos não são investidos de autoridade em sua forma canônica e nem são suficientes. Como será discutido a seguir, outros elementos tais como análise social e compromisso com a praxis são indispensáveis, segundo Boff, para conhecer a Jesus.13 Essa abordagem histórico-crítica das Escrituras irá influenciar toda a sua obra.

Os críticos em geral têm reconhecido que os teólogos da libertação se utilizam de várias e diferentes fontes de análise e conhecimento. A sua abordagem é mais "eclética." Eles normalmente se utilizam de diferentes métodos, com pequena preocupação quanto a um sistema total coerente. Por exemplo, Boff se utiliza de todo um espectro de abordagens, como se pode observar facilmente na orientação bastante divergente das obras citadas na sua bibliografia. Sem dúvida, ele tenta tirar proveito da erudição disponível. Porém, o seu compromisso com métodos histórico-críticos tem levado os críticos a observarem que ele está usando uma ferramenta desenvolvida na Europa para produzir uma obra que se jacta de ser algo originário da América Latina. Embora o próprio Boff faça uma ressalva (ver pp. 56-7), a literatura predominantemente estrangeira citada na sua bibliografia confirma essa crítica.14  Como um crítico comenta, "ao fim, a pessoa se encontra dentro do mundo intelectual da teologia européia."15 A extrema dependência de Boff de uma metodologia e teologia estrangeiras, e a sua conseqüente falta de originalidade, tem suscitado a crítica de que a sua cristologia não é nativa, sendo antes uma aplicação da moderna cristologia européia a uma situação latino-americana.16 Deste modo, Boff é inconsistente com a sua reivindicação de ter produzido uma cristologia nativa.17 

Essa inconsistência é típica de teólogos liberacionistas que insistem na contextualização da hermenêutica latina mas que defendem suas idéias usando ferramentas trazidas da academia européia. A tese de Croatto, por exemplo, de que cada leitura traz a produção de um novo significado é ardorosamente defendida a partir do estruturalismo de Ferdinand de Saussure (suíço), da filosofia hermenêutica de Paul Ricoeur (francês) e da hermenêutica reader-response de Hans-Georg Gadamer (alemão). O que esses europeus produziram, sendo o resultado de suas próprias leituras, serviria como base para uma hermenêutica latino-americana? Para uma resposta positiva, é preciso admitir que há leituras e sentidos produzidos numa cultura que são válidos para outras, e que não precisam passar por uma releitura – conceito que vai de encontro à tese de Croatto e de outros estudiosos liberacionistas que se utilizam das mesmas fontes.

Boff está consciente de que a busca do Jesus histórico iniciada no século XVII por estudiosos críticos produziu resultados extremamente parcos. O Jesus da história por eles reconstruído não tinha qualquer mensagem que pudesse ser pregada pela igreja cristã. Boff está também consciente de que o método histórico-crítico pode apenas nos provar que havia no século I vários seguidores de Jesus que afirmavam que ele ressuscitou. Não pode provar a ressurreição como fato. Assim, Boff destaca que a crítica histórica é limitada, porque somente chega ao que Mateus, Marcos, Lucas, João e Paulo pensavam acerca de Jesus. Dessa maneira, ela é inteiramente objetiva. Ela não pressupõe fé no investigador e pouco se importa com a realidade que se oculta atrás de cada interpretação (p. 51).18 Para se conhecer Jesus, porém, é necessário ir além do esquema sujeito-objeto da pesquisa científica. Como Jesus é uma pessoa, é necessária uma interação com essa pessoa antes que se possa compreendê-la (p. 37).

Seria de se esperar que Boff, ao criticar o caráter "objetivo" do método histórico-crítico, não dependesse muito do mesmo. No entanto, a sua análise dos Evangelhos é totalmente dependente da crítica da forma e das fontes. Isto cria uma tensão interna na obra de Boff, pois enquanto aceita uma ferramenta que considera objetiva, ele adota uma abordagem hermenêutica de Jesus que é orientada para o leitor e, portanto, inerentemente subjetiva. Isto introduz outra das importantes pressuposições hermenêuticas de Boff, que é a do "círculo hermenêutico," conceito que começou com F. Schleiermacher e recebeu fundamentação teórica do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer.19 

 

 

B. A Influência de Gadamer

A teologia da libertação surgiu como produto da hermenêutica reader-response. Esse tipo de hermenêutica surgiu no final da década de 60 e tornou-se proeminente durante a década de 70. Ela enfatiza a relação recíproca entre o leitor e o texto, como uma reação à nova crítica literária e ao estruturalismo, que ensinaram a autonomia do texto. Seu suporte filosófico vem das obras do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer. Elas são uma reação contra a idéia de que somente o método científico é totalmente objetivo e capaz de chegar à verdade. Em reação, Gadamer enfatizou o papel dos pressupostos para a consciência e a compreensão. As idéias de Gadamer produziram diversos tipos de abordagens dentro dos estudos bíblicos acadêmicos, entre elas as hermenêuticas liberacionistas. São aquelas hermenêuticas que lêem o texto a partir de uma agenda definida, política ou ideológica, via de regra. Os "leitores ideológicos" costumam apelar para os princípios de Gadamer para justificar sua leitura do texto sagrado.

Para entender Boff é preciso entender um pouco os principais conceitos de Gadamer. Primeiro, o conceito de fusão de horizontes. "Horizontes" são os mundos vivos do autor e do intérprete que se fundem quando os dois se encontram no texto. O leitor expande o horizonte do texto ao apropriar-se dele em uma nova situação histórica. O texto, em troca, questiona o leitor a desafiar e expandir as estruturas e pressuposições que trouxe ao texto. Nesse processo surge a fusão dos horizontes. Em resumo, a hermenêutica de Gadamer se move do autor e do texto para uma união entre o texto e o leitor, com raízes no presente em vez do passado.

 

Segundo, rejeição da intenção autorial. O sentido de um texto não é encontrado na pesquisa diacrônica em busca do sentido original e histórico mas através do diálogo com o texto no presente. Portanto, a intenção do autor não é decisiva para se estabelecer o sentido de um texto para um determinado leitor.

 

Terceiro, a importância das pressuposições do leitor. Ao contrário da perspectiva negativa que o racionalismo tinha sobre as pressuposições do leitor na interpretação, Gadamer tem uma abordagem bem apreciativa e até afirma que as pressuposições são a chave para a compreensão de um dado texto.

Como resultado, o sistema interpretativo de Gadamer acaba inexoravelmente no subjetivismo. Gadamer não estabelece qualquer critério para definir se uma interpretação é falsa ou verdadeira. Na verdade, todas são verdadeiras para quem lê. Aqui a relativização da verdade alcança expressão clara. Portanto, seu método é irremediavelmente subjetivo, ou seja, cada nova leitura pode produzir sentidos diferentes e inovativos até para o mesmo leitor, e nenhum deles conflitante com os demais.

A crítica clássica feita a Gadamer vem de E. D. Hirsch, em seu livro Validity in Interpretation ("Validade na Interpretação").20 Hirsch critica Gadamer veementemente por rejeitar a intenção do autor como norma para determinar o sentido do texto. Ele defende que textos são expressões de pessoas individuais reais. Portanto, o sentido dos textos não pode ser dissociado dos seus autores. Hirsh também critica Gadamer por exagerar a influência do contexto do leitor na percepção do sentido do texto. O exagero de Gadamer acaba por transformar o que é apenas uma dificuldade numa impossibilidade. Hirsch também aponta uma falácia da metodologia de Gadamer, que é confundir sentido com significado. O texto só tem um sentido, que é aquele conscientemente pretendido pelo seu autor, e é portanto uma entidade determinativa. Entretanto, o impacto desse sentido nos leitores pode variar de contexto a contexto. É isso que chamamos de significado. Admiradores de Gadamer têm tentado defendê-lo da acusação de subjetivismo e relativismo, mas sem muito sucesso.21 O que prevalece é a opinião generalizada de que seu método é irremediavelmente relativista.22 Os conceitos de Gadamer fazem parte da matriz formadora da cristologia de libertação de Boff, como veremos a seguir.

 

 

C. O Círculo Hermenêutico

Boff abraça a idéia de que não há como escapar ao "círculo hermenêutico." De fato, ele torna esta premissa uma das pressuposições fundamentais da sua hermenêutica. Segundo Boff, os historiadores se aproximam dos seus temas com os olhos da sua época, com os interesses ditados pelo conceito de erudição científica que eles e a sua época possuem. Por mais que tentem, eles nunca podem escapar de si mesmos e chegar ao sujeito (pp. 16-19). O papel do sujeito no processo interpretativo é essencial:

Perguntar: Quem és tu, Jesus de Nazaré? é perguntar por uma Pessoa. Perguntar por uma pessoa é tocar num mistério insondável. Quanto mais conhecido, mais se abre ao conhecimento. Não podemos perguntar por uma pessoa sem nos deixar envolver em sua atmosfera. Assim, definindo a Cristo estamos definindo a nós mesmos. Quanto mais nos conhecemos mais podemos conhecer a Jesus. Ao tentarmos num contexto de América Latina situar nossa posição diante de Jesus, inserimos nessa tarefa todas as nossas preocupações. Destarte ele prolonga sua encarnação para dentro de nossa história e revela uma face nova, especialmente por nós conhecida e amada (p. 45).

Na citação acima podem ser observados os principais elementos ou estágios do círculo hermenêutico de Boff.23 Primeiramente, a pessoa aproxima-se de Jesus da perspectiva da fé e inquire sobre ele. Em segundo lugar, a pessoa é tocada por Jesus e então volta-se para si mesma e para a sua situação. Ela aprende mais sobre si mesma e o seu contexto e torna-se consciente da realidade ao seu redor. Em terceiro lugar, ela insere as preocupações do seu ambiente na sua busca de Jesus, e novamente volta-se para ele. O círculo está fechado. Ou, na colocação de Berryman, as pessoas das comunidades de base "olham para a Bíblia como um espelho para ver a sua própria realidade." Elas entendem a Bíblia em termos da sua experiência e reinterpretam esta experiência em termos dos símbolos bíblicos. A interpretação, assim, se move da experiência para o texto e deste para a experiência. Neste tipo de leitura das Escrituras as pessoas encontram tanto afirmação — naquelas passagens que enfatizam o amor preferencial de Deus para com os pobres — quanto desafio — como no mandamento de Jesus de amar os inimigos.24 

Boff chama isto de "hermenêutica existencial." Segundo o seu entendimento, toda compreensão sempre envolve um sujeito, que é o leitor. É impossível o acesso direto à realidade sem passar por um sujeito, porque é o sujeito concreto, com os seus condicionamentos, possibilidades e limitações específicas, que vai até o objeto. Compreender significa interpretar, sempre e inevitavelmente. Nós sempre vamos ao objeto (no caso, os textos bíblicos) com idéias já concebidas, derivadas do nosso ambiente, educação e da atmosfera cultural que respiramos (p. 51). Ironicamente, Boff parece não estar consciente da influência dos seus próprios ideais de humanidade perfeita quando ele descreve o que pensa ser o Jesus histórico. Como um crítico pondera, parodiando a crítica famosa de Albert Schweitzer ao Jesus histórico reconstruído pelos liberais, Boff vê o seu próprio rosto — ou pelo menos o seu rosto ideal — no fundo de um grande poço, ao representar Jesus como "uma pessoa de extraordinário bom senso, imaginação criativa e originalidade" (pp. 94ss).25 

Outro aspecto importante do círculo hermenêutico de Boff é que o leitor não somente interage com o texto em um nível puramente teórico, ele também interage com o seu contexto social, comprometendo-se com a praxis, que normalmente é orientada para a atividade social. Desse modo, a praxis é somada ao círculo como um dos seus estágios mais importantes, uma vez que é vista como essencial para a compreensão. Assim, para Boff, a hermenêutica não pode ser entendida simplesmente como a arte de compreender textos antigos; ela também significa compreender todas as manifestações da vida e saber como relacioná-las com a mensagem evangélica (p. 54).

A utilização da praxis como chave hermenêutica é defendida igualmente por Croatto. Ele sustenta que entre os diversos eixos semânticos da Bíblia há o tema da liberdade, que se constitui num horizonte de compreensão para uma releitura do Êxodo como conteúdo liberador pelas comunidades eclesiais de base.26 A posição metodológica de Croatto com respeito à reserva-de-sentidos de um texto deveria pressupor que pode haver uma pluralidade de possíveis leituras e interpretações de qualquer texto bíblico. Entretanto, ele privilegia uma leitura feita a partir da situação do pobre, da perspectiva do oprimido.27 Para ele, uma leitura apropriada das Escrituras só é possível a partir da situação do oprimido. Nesse caso, a mensagem da Bíblia se torna inacessível a quem não for pobre? Já que "liberdade" como tema ou eixo semântico da Bíblia tem seu conteúdo determinado pela perspectiva de quem lê, como defende Croatto, não tornaríamos a Bíblia, ao fim, em depositária de mensagens para qualquer ideologia?28 

De acordo com Boff, há vários resultados da adoção consciente de um círculo hermenêutico para a cristologia. Primeiro, todo relato escrito da vida de Jesus, como os Evangelhos canônicos, necessariamente refletirá em parte a vida de seu autor. A partir do exemplo dos autores dos Evangelhos fica claro que não existe algo como uma biografia histórica de Jesus que seja cientificamente clara. O que Mateus escreveu, por exemplo, foi resultado de sua interação com Jesus, de suas próprias pré-concepções e do ambiente em que vivia. A conclusão é que cada um procura responder à pergunta "quem é Jesus" dentro das suas próprias preocupações vitais (pp. 17-19). Segundo, a fim de realmente compreender quem é Jesus, é preciso aproximar-se dele como alguém tocado e atraído por ele. Esse "toque" de Jesus nada tem a ver com o conceito evangélico de um encontro pessoal com Cristo através da pregação do Evangelho ou da leitura das Escrituras. O Jesus de Boff pode ser encontrado fora das Escrituras. Jesus penetrou no subconsciente da nossa cultura ocidental. Ele está sempre presente ali e pode a qualquer momento ser evocado e revivido como uma experiência de fé. Somente dentro deste arcabouço, declara Boff, podemos entender de certa maneira as novas experiências de Cristo que estão ocorrendo entre jovens de hoje (nas comunidades eclesiais de base?), sem a mediação da igreja e das Escrituras. Tais experiências são mediadas pelo substrato da nossa cultura, por meio da qual Jesus prolonga a sua encarnação (pp. 52-3).29 O ensino de Boff, então, é que a interação com Jesus, que conduz ao entendimento dentro do círculo hermenêutico, não depende necessariamente da revelação bíblica.

Embora Boff esteja correto em reconhecer a influência das pré-convicções na interpretação, ele pode ser criticado por ter exagerado o valor da "autoconsciência hermenêutica" como caminho para se livrar do círculo hermenêutico. Tem-se a impressão de que, para Boff, a consciência das próprias pressuposições libera o indivíduo da circularidade inevitável da hermenêutica da teologia da libertação e possibilita um melhor entendimento de Jesus. Uma crítica que geralmente se faz contra a adoção do círculo hermenêutico como fundamental, é que aqueles que se ocupam com a luta social e com a política, pela justiça, ao lado dos marxistas e outros ativistas, não têm nenhum modo de saber se estão agindo de acordo com os ensinos das Escrituras, ou se, antes, estão usando-as para legitimar uma instância política ou ideológica particular.30

Lendo-se a obra de Croatto, fica-se com a nítida impressão de que sua hermenêutica é conscientemente desenvolvida visando legitimar a causa dos pobres e oprimidos. Já que supostamente Deus está engajado na luta em favor dos oprimidos, a Bíblia deve ser lida dessa perspectiva. Apesar de afirmar que o texto é polissêmico (comporta um número ilimitado de sentidos), afirma também que a leitura mais apropriada da Bíblia é aquela feita a partir da situação de opressão e pobreza. Aqui percebe-se uma notável semelhança entre o conceito do "mais-que-sentido-literal" da proposta de Croatto (e das novas hermenêuticas em geral) e as alegorias de Orígenes e dos escolásticos medievais: desprezam o sentido gramático-histórico e valorizam um sentido que está além do texto, o qual é alcançado através do horizonte do leitor (no caso de Filo e Orígenes, o platonismo; no caso de Boff e Croatto, a praxis liberacionista). Tal ênfase, desprezando o sentido histórico e gramatical, acaba por achar sentidos no texto bíblico que absolutamente não faziam parte do que era pretendido pelo autor.31

 

 

D. Descontinuidade entre Modelos Históricos

Boff ensina que, como pessoas limitadas a um período histórico, nunca podemos compreender e captar totalmente a proposta de Deus, nem a totalidade da realidade como tal. Somente através de modelos históricos esta compreensão torna-se possível. Um modelo é um mediador entre a proposta de Deus e a resposta humana, entre natureza e liberdade, subjetividade e objetividade, indivíduo e sociedade. Para Boff, considerando-se que a revelação está sempre em processo, um modelo sempre deve ser confrontado com a realidade, enriquecido, criticado, corrigido e mantido aberto ao crescimento interno (p. 55). As religiões do mundo são articulações históricas dessa proposta-resposta dialética. Desde que ainda não foi obtida uma síntese completa, a revelação está sempre em processo; ela tem de ser continuamente traduzida para novos contextos históricos e sociais (p. 55; ver também pp. 277-8). Deste modo, fica validado um modelo latino-americano de fazer cristologia.

Por trás deste conceito está a suposição de Boff de que a história da salvação é tão extensa quanto o mundo e é a história da auto-comunicação de Deus e da resposta humana à proposta divina (p. 54). O que Boff quer dizer com a "proposta de Deus"? Não é a revelação de Deus na Escritura, mas na história do mundo. Para se responder ao que Deus está propondo dentro de uma determinada cultura, é preciso desenvolver um modelo compatível com aquela cultura, a fim de se entender e responder a Deus. Em termos de modelos religiosos, somente uma cristologia desenvolvida a partir de um contexto de opressão pode habilitar os pobres e os oprimidos a responderem à proposta libertadora de Deus.

As implicações são óbvias. Uma cristologia refletida e vitalmente testada na América Latina precisa ter características próprias; ela deve reler os antigos textos do Novo Testamento com preocupações tomadas do contexto da América Latina (pp. 56-7). A conseqüência da pressuposição acima é que, sendo a cristologia da libertação concebida a partir de um contexto de opressão e dominação que prevalece na América Latina, ela requer um compromisso socio-político específico para romper com tal situação de opressão.32 Ela procura criar um estilo e desenvolver o conteúdo da cristologia de tal maneira que possa destacar as dimensões libertadoras presentes na carreira histórica de Jesus.33 Este seria o único modelo competente para fazer com que se responda à revelação de Deus num contexto latino-americano.

Ao assumir a concepção acima, Boff parece negar implicitamente qualquer continuidade no conhecimento de Deus e na resposta a ele entre diferentes gerações ou culturas separadas no tempo ou geograficamente. Pode-se observar que uma das inferências últimas desta concepção é que fica impossível a comunicação dos conteúdos teológicos de um modelo histórico entre diferentes gerações e culturas. Se a revelação de Deus (proposta) somente pode ser entendida e corretamente respondida dentro dos parâmetros de um determinado contexto (resposta), e se contextos variam e diferem entre si, os conteúdos de um modelo cristológico desenvolvidos em um certo momento da história e dentro de uma certa cultura, não serão comunicados inteligivelmente fora do contexto original onde ele foi produzido. Pode-se argumentar, então, que a cristologia liberacionista do próprio Boff fica isolada de toda a reflexão cristológica anterior e não pode ser julgada a partir de qualquer referencial histórico. Olhando de outra perspectiva, não resta nenhuma base para Boff criticar qualquer outro modelo cristológico. Todavia, uma das características destacadas na abordagem de Boff é a crítica que faz às cristologias tradicionais.

Este conceito pode ser levado um passo adiante. Desde que os indivíduos são diferentes e têm compromissos diferentes, com pressuposições derivadas de diferentes contextos culturais e históricos, também pode-se argumentar que não pode haver comunicação inteligível de um conteúdo teológico entre duas pessoas. A implicação da ênfase na descontinuidade dos modelos históricos é que somente Boff realmente pode entender a sua cristologia da libertação — e ninguém mais.

 

 

E. Dependência da Análise Social

A fim de construir-se um modelo para entender a Cristo, diz Boff, é necessário adotar uma mediação em nossa leitura das Escrituras. O significado original das Escrituras não é mais imediatamente compreensível a nós hoje, por causa da grande distância cultural e lingüística entre nós e a Bíblia. É necessário construir uma ponte, isto é, interpretar, ou, em outras palavras, ter uma mediação hermenêutica. Por meio dessa mediação hermenêutica, é desenvolvido um critério teológico com o qual se pretende ler o texto. O critério adotado por Boff é a análise social da realidade.34 

Boff ensina que toda cristologia da libertação dependerá de análise social e de hermenêutica. A análise social enfoca a realidade a ser mudada e a hermenêutica considera a relevância teológica de tal análise. A análise social é considerada em termos de Jesus Cristo e assim garante o caráter teológico da teoria e da praxis da libertação.35 Ele afirma:

A Cristologia da Libertação pressupõe e depende de uma prática social específica concebida para romper com o contexto existente de dominação e dar aos grupos sociais oprimidos a oportunidade de se libertarem das formas existentes de dominação.36

Em outras obras, Boff menciona a necessidade de "uma leitura analítica sociológica e estrutural da realidade que seja tão científica quanto possível."37 Em Jesus Cristo Libertador fica óbvio que Boff adotou, como outros teólogos da libertação, algumas categorias seletas da tradição analítica marxista. Por outro lado, não seria justo dizer que Boff utiliza o marxismo in totum como um ponto de referência determinante. O seu propósito é tomar qualquer verdade que possa ser encontrada no marxismo e apropriar-se da mesma.38 Muitos críticos duvidam que ele tenha conseguido fazer isto.

Outra inconsistência interna do pensamento de Boff torna-se clara neste momento. Numa parte anterior do seu livro, ele faz a tentativa de descartar o método histórico-crítico por causa do seu suposto caráter científico e da sua conseqüente objetividade. Parece que Boff teve de fazer esta crítica a fim de alcançar um certo grau de consistência interna, desde que a sua hermenêutica é orientada para o leitor (subjetiva). Porém, aqui Boff argumenta em favor de uma ferramenta inteiramente científica de análise social. Essa ferramenta constitui, juntamente com a hermenêutica, a base da sua cristologia. A ferramenta adotada é o marxismo, que vê a si mesmo como uma disciplina científica e objetiva. Além de estar equivocado quanto ao caráter objetivo e cientificamente neutro do marxismo como ferramenta de análise social, Boff aumenta a tensão objetiva-subjetiva inerente ao seu sistema.

 

 

F. O Leitor como Locus do Significado

Não há uma resposta clara à pergunta "qual é o ‘locus’ de significado na cristologia de Boff?" Ou seja, se existe sentido, onde ele se localiza? No texto? No leitor? Por um lado, ao utilizar métodos histórico-críticos para peneirar dos Evangelhos os textos originais que não tinham sido editados, Boff está assumindo implicitamente a pressuposição do método histórico-crítico tradicional, de que, em última instância, o significado está relacionado com a autoria.

Por outro lado, Boff acredita que o significado literal dos textos não pode ser absolutizado, mas meramente entendido como uma apreensão exemplar dentro de um modelo específico. O texto deve estar aberto a outros modelos que captam a realidade de um modo diferente e assim enriquecem a nossa compreensão da revelação de Deus no mundo (p. 55).

Assim, o significado original dos Evangelhos é válido para nós, não como uma verdade universal, mas como um referencial histórico de como a igreja primitiva entendeu Jesus. O texto irá fornecer outros significados válidos quando lido por latino-americanos. Boff sempre insiste em que cada geração, cada cultura e até mesmo cada grupo social, deve entender os textos do Evangelho de maneiras condicionadas pelo seu próprio contexto. Obviamente, ele segue um modelo hermenêutico mais orientado para o leitor e adota o conceito de que o significado está localizado no leitor – conceito central nas hermenêuticas do assim chamado pós-modernismo.

Isto se reflete na sua abordagem dos dogmas, que é basicamente a abordagem de Karl Rahner. Para Rahner, os dogmas são uma fixação verbal e doutrinária das verdades fundamentais do cristianismo para um determinado período de tempo, desenvolvida com o auxílio dos instrumentos de expressão oferecidos por aquele ambiente cultural (p. 197). Conseqüentemente, conclui Boff, se desejamos ser cristãos e ortodoxos não basta simplesmente recitar fórmulas antigas e veneráveis: nós devemos viver o mistério que a fórmula contém. Em outras palavras, o que foi significativo como verdade para gerações passadas, não o é para as presentes.

Para ilustrar o seu conceito de significado, Boff utiliza o ícone de uma vasilha frágil que preserva uma essência preciosa; a essência preciosa pode ser representada de maneira imperfeita com diferentes aparências, que são as nossas fórmulas e dogmas, mas a essência deve ser preservada.

Croatto segue na mesma linha. A tese principal de sua obra Hermenêutica Bíblica é que a Bíblia não deve ser vista como um depósito fixo que já disse tudo — o que realmente importa não é o que ela disse, mas o que ela diz. No ato de escrever sua mensagem, os autores bíblicos desapareceram. Sua morte, entretanto, traz riqueza semântica. A tentativa que fizeram de enclausurar o sentido acaba por abrir a possibilidade de novos sentidos. Croatto chega ao ponto de afirmar que a tarefa do intérprete não é fazer exegese – a tarefa de descobrir o sentido primário do texto – mas eisegese, isto é, entrar no texto com novas questões que produzirão, por sua vez, novos sentidos. Comentando esse aspecto da obra de Croatto, Moisés Silva observa:

Apesar de ninguém estar defendendo que devemos voltar aos tempos da alegorese descontrolada de alguns intérpretes patrísticos e medievais, a busca de um sentido no texto bíblico que vá além do pretendido pelo autor original certamente parece, à primeira vista, jogar fora séculos de progresso hermenêutico.39 

Silva demonstra a fragilidade das hermenêuticas centradas no leitor dizendo que Croatto ficaria profundamente ofendido (e com razão) se esse alguém lesse seu livro e afirmasse que Croatto defende que a melhor hermenêutica é a fundamentalista ou concordista, ou ainda, que seu livro oferece base para uma ética política que justifica pressões imperalistas dos Estados Unidos na América Latina. Tal interpretação do livro de Croatto seria quase um insulto pessoal ao autor, comenta Silva. Croatto poderia dizer que o leitor não entendeu o que ele quis dizer. Poderia até mesmo tentar processar tal intérprete por difamação ou calúnia. Entretanto, estaria sendo incoerente com sua própria tese.40 

 

 

G. Fé e Praxis como Requisitos para a Compreensão

Um aspecto importante das pressuposições de Boff é a prioridade no processo hermenêutico que ele atribui à fé. De acordo com ele,

… não podemos simplesmente falar sobre Jesus como falamos sobre outros objetos. Só podemos falar a partir dele, como quem está tocado pela significação de sua realidade. A ele vamos com aquilo que somos e temos, inseridos dentro de um contexto histórico e social inevitável. Com os nosso olhos vemos a figura de Cristo e relemos os textos sagrados que falam dele e a partir dele (p. 56).

Mais do que outros teólogos da libertação, Boff afirma a primazia da fé na interpretação dos Evangelhos. Assim sendo, ele censura a crítica histórica porque ela não pressupõe a fé no investigador (p. 51). Em uma divergência surpreendente da busca do Jesus histórico empreendida na Europa, ele diz que qualquer cristologia que enfatize o Jesus histórico às custas de um Jesus dogmático é inadequada. O Jesus histórico só pode ser entendido na dimensão da fé, da mesma maneira que a Igreja Primitiva identificou o Jesus histórico físico com o Cristo ressurreto em glória. A história, afirma, sempre vem a nós em uníssono com a fé (pp. 25-6, 89-90).

Aqui Boff parece diferir dos seus colegas da América Latina, que normalmente tomam o contexto social como o ponto de partida. Essa divergência, porém, é apenas superficial. No jargão teológico de Boff, "ser tocado pelo significado da realidade de Jesus" é algo que pode acontecer sem a mediação das Escrituras. É assumir um compromisso ao lado dos pobres e oprimidos, enquanto se reconhece que foi isto o que Jesus fez. Falar tendo Jesus como um ponto de partida não significa conversão e submissão ao seu senhorio, como tradicionalmente se entende; antes, significa falar a partir de um compromisso com a libertação social ou a praxis. Assim, a fé, na teologia de Boff, não é sustentada pelas Escrituras, mas pela praxis. Para citar Berryman:

A firmeza da fé não vem de conceitos particulares — até mesmo aqueles da teologia da libertação ou da própria Bíblia — mas do compromisso com um certo tipo de vida, exemplificada em Jesus Cristo e vivida nos nossos dias por muitos homens e mulheres comuns da América Latina. No compromisso dos seus irmãos e irmãs, os teólogos vêem a sua própria fé fortalecida e validada.41 

Conforme já destacamos, outro aspecto da hermenêutica de Boff é que a correta interpretação dos textos bíblicos vem através da praxis, ou seja, do envolvimento social e político em favor dos oprimidos. Ele diz: "Assumir uma clara posição social em favor dos oprimidos tem exigido de muitos uma verdadeira conversão hermenêutica."42 É somente quando alguém se compromete com o programa de libertação que será capaz de ter conhecimento de Cristo. Boff segue Bultmann na afirmação de que compreensões preliminares provisórias são a maneira pela qual alguém se abre ao texto bíblico.43 Mas, como pondera Goldingay, os teólogos da libertação em geral acrescentam que essa abertura do leitor ao texto não é somente uma questão de mente, mas também de vontade e de ação. O modo como alguém vive influencia inevitavelmente a sua maneira de ler a Bíblia. Qualquer leitura da Escritura ocorre no contexto de algum compromisso.44 Portanto, o compromisso com a libertação funciona como uma condição essencial para entender os Evangelhos. Somente quando alguém se compromete dessa maneira ele será capaz de ler as Escrituras de modo relevante para o homem contemporâneo que vive em uma condição opressiva.45 

O conceito de praxis em Boff é, em muitos aspectos, semelhante à concepção marxista. É o poder humano básico para transformar o ambiente pela atividade criativa, que em grande parte é determinado pelo modo existente de produção econômica. A forma mais criativa de praxis é a "praxis revolucionária," que desafia e transforma a praxis política conservadora das sociedades capitalistas.46 

Volf pondera que, ao colocar a praxis como um pré-requisito essencial para o entendimento, a teologia da libertação propõe inverter a relação tradicional entre teoria e prática. Até recentemente, a teologia colocaria o entendimento antes da praxis. A teologia da libertação coloca a praxis no centro, no qual a reflexão teológica deve começar e para onde ela deve retornar. Essa rotação na metodologia tem as suas raízes em Marx e Hegel.47

Volf destaca que existem duas pressuposições básicas por trás da ênfase de Boff na praxis. Primeiramente, uma aceitação implícita da conclusão da sociologia do conhecimento de que não há tal coisa como o "conhecimento autônomo." O conhecimento está sempre ligado a uma determinada situação de vida. Isto forma a base dos ataques de Boff contra as cristologias dominantes que não estão conscientes da conexão entre teologia e prática.48 Em segundo lugar, uma aceitação implícita do conceito marxista de que a verdade não está no reino das idéias, mas no plano da história.49

Este último ponto é ilustrado pelo conceito de Boff sobre "estrutura crística." Ele fala da "estrutura crística" que existe dentro da realidade humana e foi manifestada de maneira absoluta e exaustiva em Jesus de Nazaré. Essa "estrutura crística" existiu antes do Jesus histórico; ela pré-existe dentro da história da humanidade. Toda vez que um ser humano se abre para Deus e para o outro, ali nós temos o verdadeiro cristianismo e a estrutura crística emerge. Assim, o cristianismo pôde existir antes do cristianismo, de um modo anônimo. Ele recebeu o seu nome com Jesus Cristo. Assim, da mesma maneira que a terra era redonda antes de Magalhães tê-lo demonstrado, o cristianismo existiu antes de Jesus Cristo e alcançou nele a sua revelação mais elevada (pp. 268-75).

Portanto, desde que a verdade existe na história, particularmente na "estrutura crística," a essência do cristianismo, para Boff, é o viver concreto e consistente numa estrutura crística. Este viver deve seguir a Jesus de Nazaré: abertura total a Deus e aos outros. A conclusão inevitável é a seguinte: "Não é o que é cristão e católico que é bom, verdadeiro e justo. Mas o bom, verdadeiro e justo é que é cristão e católico" (p. 272).

II. OS RESULTADOS DA HERMENÊUTICA DE BOFF

Em resumo, Boff propõe que leiamos os Evangelhos tendo os seguintes pontos em mente:

1. O Jesus que nos é apresentado nos Evangelhos não corresponde ao
Jesus que realmente existiu. É apenas o Cristo da fé e da reflexão da
igreja.

2. É preciso ler os Evangelhos com os olhos de latino-americanos
oprimidos e deixar que nossa experiência de opressão nos leve a
Jesus, e dele retornemos à nossa realidade com esperança de
libertação.

3. Precisamos entender Jesus por nós mesmos e elaborar uma cristologia
compatível com nossa geração, com nossa história e nossa situação. A reflexão sobre Cristo feita por gerações anteriores não pode
substituir a nossa própria.

4. Devemos ler as Escrituras com a mente crítica de um analista social
e ver os relatos em termos da luta entre opressores e oprimidos. Para
isso, podemos usar a análise crítica social do marxismo.

 

A figura de Jesus Cristo como libertador social e suas implicações para a igreja latino-americana, conforme expostas por Boff, são resultado dessas convicções acima.

No que se segue, procurarei resumir as principais conclusões de Boff quanto aos pontos cruciais de sua cristologia. Uma análise crítica será oferecida mais ao fim deste artigo.

 

 

A. O Jesus Histórico

Virtualmente todas as cristologias latino-americanas tendem a enfocar o Jesus histórico em contraste com o Cristo da fé. De acordo com elas, é o lado humano de Jesus, e não a reflexão da igreja sobre a sua pessoa e natureza, que inspira e empolga a cristologia da libertação. Boff trata inicialmente do Jesus histórico.

À pergunta "O que Jesus Cristo realmente queria?", Boff responde: Jesus não pregou nem a si mesmo, nem a igreja, mas o reino de Deus. O reino de Deus é a realização de uma utopia fundamental do coração humano, a transfiguração total deste mundo. Ele está livre de tudo aquilo que aliena os seres humanos, livre da dor, do pecado, das divisões e da morte. O que Jesus queria era fazer as pessoas e os seus discípulos entenderem que o conteúdo teológico da expressão "reino de Deus" era muito mais profundo do que eles imaginavam. Exigia conversão das pessoas e uma transformação radical do mundo humano. Essa nova ordem já foi introduzida por ele (pp. 64-7).

De acordo com Boff, Jesus Cristo veio como libertador da condição humana. Na religião judaica do tempo de Jesus, tudo estava prescrito e determinado: primeiro as relações com Deus e depois as relações entre os seres humanos. A consciência sentia-se oprimida por prescrições legais insuportáveis. Jesus levantou um impressionante protesto contra toda essa escravização humana em nome da lei. A sua atitude fundamental foi de liberdade diante da lei. Essa liberdade era para o bem, e não para a libertinagem.

É preciso concordar com Frances Young que uma das decepções com a obra de Boff é que ela tem pouco a dizer que seja realmente novo. O quadro do Jesus histórico que emerge da maneira como ele trata os Evangelhos é, em grande parte, dependente das idéias dos estudiosos alemães pós-bultmannianos, especialmente Bornkamm, que se dedicaram a "redescobrir" o verdadeiro Jesus, busca esta iniciada no século 17, com Reimarus, após o surgimento do racionalismo. Sob este aspecto, Jesus Cristo Libertador tem muitos paralelos com obras tais como Sendo um Cristão, de Hans Küng. De acordo com Young, apesar de sua erudição, o livro carece de coerência interna e de rigor intelectual, e mui otimisticamente apela ao Jesus histórico contra o Jesus do cristianismo estabelecido.

A pesquisa e o relato de Boff sobre as várias técnicas empregadas na busca do Jesus histórico são elucidativos. Não obstante, às vezes o quadro de Jesus que emerge da sua cristologia se baseia somente numa simples citação de textos, e ocasionalmente até mesmo num fundamentalismo baseado puramente na teologia de Lucas.50 

 

 

B. O Cristo da Fé

O significado do Cristo da fé para a América Latina, especialmente para o Brasil, pode ser resumido no que ele chama de "elementos de um cristologia em linguagem secular." Destaco apenas três desses elementos.

 

Cristo é o ponto ômega da evolução, o homo revelatus, e o futuro como presente. Aqui, Boff recorre especialmente a Teilhard de Chardin. Como o homo revelatus, Cristo realizou as aspirações messiânicas do coração humano (pp. 254-6). Este primeiro elemento está sujeito a críticas em vários aspectos. Um deles é que Boff desenha um Jesus que dificilmente acabaria rejeitado e crucificado por seu próprio povo. Seu Jesus é o cumprimento de tudo aquilo por que os seres humanos naturalmente se esforçam. Dessa perspectiva, acabam sendo minimizados os conflitos que Jesus despertou. Para Boff, Jesus não era "contra nada. Ele é a favor do amor, da espontaneidade e da liberdade" (pp. 81-2). Outro aspecto: Boff ignora totalmente a raiz mais profunda dos problemas sociais, que é a corrupção do coração humano. Os seres humanos não são vistos como radicalmente escravizados por forças hostis e pelo seu próprio pecado — e assim necessitando de um libertador distintamente divino com um poder redentor além da capacidade humana.51 

Cristo como conciliação de opostos e ambiente divino. Como tal, Cristo é mediador entre Deus e os seres humanos, não no sentido evangélico tradicional, mas no sentido de realizar a esperança fundamental que as pessoas têm de experimentar o inexperimentável. Ele também representa a conciliação de opostos humanos, criando pela cruz uma nova humanidade, um milieu divin (pp. 256-8). Aqui fica evidente como as pressuposições hermenêuticas de Boff o levaram a esta visão humanística da mediação de Cristo. Ao adotar a crítica da forma e das fontes, Boff conclui que as passagens dos Evangelhos que tratam da expiação e da redenção, bem como as passagens do Novo Testamento que afirmam que Cristo morreu pelos nossos pecados, são interpretações posteriores da comunidade palestina. Elas não têm nenhuma raiz no Jesus histórico. Elas simplesmente refletem a reação de fé da igreja primitiva ao Senhor ressurrecto. O conceito da morte vicária de Cristo é apenas uma interpretação entre outras muitas possíveis interpretações, que não deve ser absolutizada (pp. 146-7). Ao enfatizar a libertação no nível social e estrutural, geralmente em categorias de opressor e oprimido, Boff minimiza a implicação da morte de Cristo para expiar os pecados individuais e pessoais. Pouca ou nenhuma atenção é dada à justificação pessoal e ao perdão de pecados como resultados diretos da morte de Cristo.

Como David Peterson observa, o método de Boff o leva a depreciar o significado de grande parte do material do Novo Testamento a fim de obter a sua interpretação da relevância de Cristo para a cultura latino-americana. Diz Peterson:

Os leitores que permanecem convencidos de que a interpretação dada pelo Novo Testamento sobre a pessoa e obra de Cristo continua normativa para todas as gerações continuarão a buscar os melhores métodos para tornar o Cristo do testemunho apostólico relevante para as pessoas do nosso tempo e de várias culturas.52 

 

Jesus Cristo é o arquétipo da individuação mais perfeita. Baseado na terminologia de Jung, Boff declara que a busca dos seres humanos é alcançar a integração de todos os dinamismos da sua vida consciente, subconsciente e inconsciente, que é o processo de individuação. Cristo é a concretização mais perfeita e completa do Selbst (arquétipo de Deus). Como tal, ele assume um significado transcendental para a humanidade, porque ele abre a possibilidade de uma realização total (pp. 260-2).

Uma vez mais pode-se concordar com Fingers, de que a ênfase humanística na cristologia de Boff se parece com a desacreditada abordagem liberal européia e norte-americana na qual a pessoa humana evolui mui natural e suavemente até Deus, e a história evolui mui inevitavelmente para tornar-se divina.53 Outros críticos consideram o capítulo 10 de Jesus Cristo Libertador, no qual Boff trata da divindade de Cristo e do significado de Calcedônia, como a parte mais insatisfatória do livro (pp. 204-10). Existe um persistente obscurecimento do problema da singularidade de Cristo e mesmo da sua união conosco em nossa humanidade. O problema mais fundamental é provavelmente a suposição de que escatologia e evolução podem ser igualadas.54

III. UMA AVALIAÇÃO DA HERMENÊUTICA DE BOFF a partir de UMA PERSPECTIVA REFORMADA

Até agora temos procurado apontar algumas incoerências e inconsistências internas na hermenêutica de Boff, no decorrer de nossa análise. No que se segue, procuraremos oferecer uma crítica externa da hermenêutica de Boff. Faremos isto partindo do que consideramos uma hermenêutica comprometida com as Escrituras, e com o sistema doutrinário que elas nos ensinam, representado na teologia reformada.

 

 

A. O Compromisso com o Pelagianismo

Para começar, a estrutura do pensamento e da teologia de Boff (que inevitavelmente influenciam sua hermenêutica) é basicamente pelagiana. Pelágio foi condenado por heresia nos primórdios da igreja cristã por ensinar que o homem nasce sem pecado e sem qualquer inclinação pecaminosa inata, e que é essencialmente neutro, podendo conhecer a Deus e praticar o que é reto, sem que necessariamente necessite de uma intervenção divina para isto. A "neutralidade" do homem é pressuposta na obra de Boff, bem como nas obras dos eruditos liberais em todo mundo. No caso de Boff, em particular, o pelagianismo era inevitável, não só por causa do seu background católico romano, mas principalmente por causa da integração do seu pensamento com muito da erudição européia moderna, cuja cosmovisão é distintamente pelagiana

Em sua epistemologia, Boff assume o conceito de "conhecimento inato." De acordo com esse conceito, todos os homens têm noções comuns vagas sobre Deus, sobre si mesmos e sobre a realidade, que formam a base de uma área de concordância para diálogo e interação entre sistemas filosóficos de homens não regenerados e uma visão cristã do mundo. É somente a partir dessa base que alguns dos princípios hermenêuticos de Boff podem operar, especialmente o uso de uma ferramenta crítica como o marxismo.

Da perspectiva do pensamento reformado, Boff evidentemente não levou a sério o ensino das Escrituras acerca da queda do homem e suas conseqüências para a epistemologia. De acordo com as Escrituras, o intelecto do homem (como também a sua vontade e afetos) está hoje em um estado anormal. O homem, como tal, não é "neutro." A razão do homem continua funcionando, mas funciona de forma errada (ver 1 Co 2.14). O homem natural se vê, e ao mundo ao seu redor, através de um conjunto de pressuposições. Entre elas está a convicção de que o juízo último quanto ao que pode ou não pode ser realidade, jaz dentro dele, na sua capacidade de raciocínio. Outra convicção é que sua própria interpretação da realidade é válida para si mesmo; e ainda, que os fatos existem como bruta facta ("fatos brutos"), por si mesmos.55 Acredito que Cornelius Van Til está correto ao afirmar que todos os homens não regenerados interpretam Deus, a realidade e eles mesmos de um modo errado, porque rejeitaram a validade da interpretação de Deus contida nas Escrituras. Qualquer sistema construído pelo homem natural necessariamente trará as marcas destas convicções. Tudo no sistema será filtrado por estas pressuposições. E o marxismo não seria uma exceção.

O marxismo é um bloco indivisível, portanto, cujos elementos não podem ser separados um do outro. Teoricamente, Boff não poderia quebrar o marxismo em pedaços e escolher tudo que julga ser verdade nele, sem correr o risco de adotar categorias anti-cristãs. Exatamente porque não reconhece que o único verdadeiro conhecimento inato que todos os homens têm em comum é o conhecimento de Deus (um conteúdo específico que é suprimido nos corações dos homens caídos, cf. Romanos 1), Boff permanece sem qualquer base para uma confrontação ética direta entre o homem e Deus, e assim, ele também permanece sem um critério pelo qual venha a diferenciar a verdade do que é falso em um sistema como o marxismo.

 

 

B. Cristo sem Escrituras

Como foi mostrado acima, na hermenêutica de Boff a interpretação se move da experiência ao texto. Há uma interação ativa entre o leitor e as Escrituras, que é mediada pela fé e pela praxis. Praxis é o centro donde a compreensão vem e vai. O leitor entende a Bíblia em termos das suas experiências (praxis) e reinterpreta o que experimenta em termos de símbolos bíblicos. Boff também insiste que nós só podemos falar tendo Jesus Cristo como nosso ponto de partida (ver p. 43). Isto significa que, para ele, Jesus Cristo é a sua pressuposição mais fundamental.

Os reformados certamente admitiriam que Boff está correto ao prestar atenção à influência das pressuposições no raciocínio, e ao aceitá-los positivamente em sua própria interpretação. Ele aparenta estar perfeitamente consciente de que não há algo como "linguagem neutra" ou interpretação verdadeiramente objetiva.

A grande diferença, claro, é que no sistema reformado é o Cristo atestado nas Escrituras que se constitui no ponto de partida de toda a pregação,56 enquanto que, na cristologia da libertação, é o Jesus histórico reconstruído através do método histórico-crítico e interpretado à luz do modelo cristológico da teologia da libertação na América Latina. Assim, enquanto Boff enfatiza a praxis, a teologia reformada diz que as Escrituras, em todos os seus atributos (necessidade, autoridade, perspicuidade e suficiência)57 é a pressuposição fundamental.

Poderia ser argumentado que a ênfase de Boff na praxis como uma condição para o conhecimento não é antibíblica. Apoio para a conexão íntima entre conhecer a Deus e fazer a sua vontade pode ser achado nas Escrituras. Só para mencionar um exemplo, Jesus diz em João 7.17: "qualquer que fizer a sua vontade, conhecerá a doutrina, se é de Deus, ou se eu falo de mim" (ver também Cl 1.9; Fp 1.9; Rm 1.18; Jo 3.20-21; 1 Jo 4.8). Porém, tem que ser notado que, em termos bíblicos, a pressuposição para o conhecimento correto é a prática correta (e vice-versa). E como se pode definir a prática correta? Aqui jaz a diferença fundamental entre Boff e os reformados, neste aspecto. Para Boff, uma análise social da situação determinará os parâmetros de praxis, enquanto que no sistema calvinista as Escrituras são o único juiz de toda ação.

 

 

C. Deus Rejeitado como Fonte de Conhecimento

Vejamos agora as pressuposições de Boff sobre conhecimento. Como demonstrado acima, para ele o conhecimento não é autônomo, mas sempre amarrado a uma situação particular da vida. A verdade, também, não reside no reino das idéias, mas no nível da história. Enfatizando este ponto, Boff está criticando a cristologia tradicional que, segundo ele pensa, não vê a conexão entre teologia e prática.

A rejeição da concepção platônica da realidade por parte de Boff é bem-vinda em alguns sentidos. Do ponto de vista bíblico, entretanto, sua consciência da dependência do conhecimento (em contraste com a autonomia do mesmo), não é radical o bastante. Tal conceito simplesmente transforma o conhecimento em uma função da história e da sociedade, e não em algo dependente do conhecimento de Deus. Na hermenêutica de Boff o conhecimento não é autônomo porque está preso à história; do ponto de vista bíblico o conhecimento humano não é autônomo porque depende do conhecimento de Deus. Ou seja, ele é, como designou Van Til, analógico ou adquirido. Este aspecto desaparece na epistemologia de Boff. Fica-se com a clara impressão de que o homem pode conhecer, à parte de Deus. Pode-se conhecer a Jesus através de um compromisso com a libertação social, o que Boff chama de "conversão hermenêutica." O papel de Deus como Criador, e portanto como o fundamento de todo o conhecimento humano, está ausente no tratamento que Boff faz do tema "como podemos conhecer a Jesus."

 

 

D. Separação Radical entre Fé e Razão

O impacto da filosofia de Immanuel Kant no pensamento e na hermenêutica modernos é maior do que podemos perceber à primeira vista. É interessante que o próprio Kant, refletindo sobre a interpretação bíblica, chegou a sugerir o que parece um retorno ao sistema alegórico de interpretação. Fazendo uma distinção entre interpretação autêntica (literal e relacionada com a intenção do autor bíblico) e a interpretação doutrinária (obtida do ponto de vista moral e prático), Kant sustenta que somente a última, por não estar preocupada com o sentido que o autor sacro quis transmitir com suas palavras, é que pode verdadeiramente ser considerada como "o único método evangélico e bíblico de ensinar ao povo a religião universal, verdadeira e interior."58

Kant influenciou os principais responsáveis pela formação das hermenêuticas modernas, como F. Schleiermacher, W. Dilthey, R. Bultmann, para mencionar apenas alguns. Não é sem razão que as hermenêuticas pós-modernas soam tão similares ao sistema alegórico antigo e medieval.59 

O conceito de Boff sobre a relação entre fé e razão é kantiano. Seguindo a distinção de Kant entre númeno e fenômeno, ele diz que conhecimento não pode ser adquirido ou recebido somente pela razão e pela ciência.60 Aqui a "fé" entra. Fé é um modo positivo de se comportar diante das questões mais cruciais da vida humana, do mundo e de Deus. Pela fé, a dimensão do conhecimento que vem somente pela razão científica é transcendido e penetra-se em outro domínio, onde decisões livres são o fator determinante sobre o qual se baseia outro universo de compreensão. Fé e razão científica não são antagônicos; são apenas duas dimensões diferentes dentro do mesmo domínio e não dois modos de conhecer (p. 31) Como Kant, Boff separa fé e razão e as coloca em dois planos distintos, para evitar a colisão entre ambas.

Duas críticas podem ser feitas a esta tentativa. Primeiro, o dualismo númeno-fenômeno, que é a base para o dualismo fé-razão aceito por Boff, não pode ser mantido à luz das Escrituras. O Deus da Bíblia não permanece somente no domínio do númeno – ele intervém e age também dentro do fenômeno. Uma distinção entre fé e razão não deve ser forçada ao ponto de provocar uma separação radical entre ambas. Boff insiste nesta distinção para enfatizar a prioridade da fé na reflexão cristológica. Porém, insistindo neste ponto, Boff está puxando o tapete de debaixo dos próprios pés, pois, ao contrário de Bultmann, ele gostaria de ver uma continuidade entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Esta continuidade é essencial para a sua cristologia, visto que sua reconstrução de Jesus como libertador da condição humana é supostamente derivada do Jesus histórico.

Segundo, ao adotar implicitamente a distinção de Kant entre fé e razão, Boff assume outro postulado da filosofia moderna, a saber, a autonomia que o homem tem de, dentro do domínio do fenomenal, conhecer e entender a realidade à parte de Deus (o que também chega bem perto da concepção católica romana de revelação natural). Isto, claro, vai de encontro ao ponto mais essencial da Escritura, isto é, que Deus é a condição primária para o conhecimento do homem.

Também, estabelecendo esta distinção, Boff permite uma transferência de toda a reflexão sobre a cristologia do Novo Testamento – doutrinas como a encarnação, ressurreição, propiciação e redenção (que Boff considera produtos da fé dos apóstolos) — para o númeno, causando em última análise uma separação entre elas e o Jesus histórico — algo que Boff não desejaria.

 

 

E. Falta de Base Escriturística para a Fé

O que é fé, para Boff? Ele responde, citando Boaventura, que a fé é o poder da fala gaguejante, quando o homem é confrontado com o mistério de Cristo como o futuro da humanidade (p. 31). Na cristologia de Boff, a fé não depende da revelação de Deus (Escrituras), sendo somente uma resposta existencial ao Cristo. Poder-se-ia inquirir como este Cristo pode ser conhecido, à parte das Escrituras? Não há qualquer resposta clara na cristologia de Boff para essa pergunta.

Tem-se a impressão de que para Boff o Cristo exaltado se tornou uma realidade dentro da história (a possibilidade de vitória sobre a morte, alienação, opressão e pecado), realidade esta que pode ser invocada ou reavivada por qualquer um, a qualquer hora, pela fé. Transparece do pensamento de Boff que só há conversão quando alguém se entrega à causa dos pobres e dos oprimidos. A fé acontece quando alguém se conscientiza de que Cristo é o futuro do homem e a esperança de libertação.

Fé, como entendida por Boff, poderia ser descrita como uma "fé cega." Não tem base bíblica nem evidência bíblica para sua fundamentação.61 Além disso, não é considerada como um dom de Deus por meio do qual o homem pode vir a conhecê-lo. Ela nasce da autonomia da razão, que é característica central do sistema de Boff.

 

 

F. Omissão da Obra Iluminadora do Espírito Santo

Boff falha ao admitir implicitamente a "razão em geral," não distinguindo entre a razão do não regenerado e a razão do cristão. Conforme o ensino bíblico, a razão humana está em um estado de anormalidade por causa da queda, e, portanto, não pode ser o juiz da realidade. A razão no homem regenerado tem como seu propósito receber e reinterpretar a revelação que Deus fez de si mesmo nas Escrituras.62 Boff assume que a razão humana natural pode captar a verdade sem o pré-requisito da regeneração. Regeneração e iluminação do Espírito Santo com relação à revelação estão completamente ausentes da epistemologia de Boff.

A crítica que Van Til faz à visão católica romana da razão bem pode ser aplicada a Boff aqui. Embora sustente que a razão está enfraquecida e deve ser complementada para poder chegar a conhecer os mistérios de Deus, o catolicismo romano continua a viver uma tensão entre esta visão e a sua visão da autonomia da razão.63 

ConclusÃO

A cristologia de Boff, bem como a teologia da libertação em geral, não desfruta mais do prestígio acadêmico que gozou em décadas recentes. Entretanto, os pressupostos, métodos e ferramentas empregados continuam a ser usados em outras manifestações teológicas modernas.

Para muitos, o liberalismo teológico se extinguiu. De fato, ele teve seu momento histórico. Mas os pressupostos que motivaram seu surgimento, não somente os filosóficos, mas especialmente os religiosos (o ateísmo, o evolucionismo e o agnosticismo são religiões!) continuam a operar por detrás de movimentos e sistemas teológicos contemporâneos.

Mesmo sendo uma tentativa de reconstruir um Jesus histórico que tivesse cara de latino-americano, a cristologia da libertação empregou as ferramentas críticas nascidas no liberalismo alemão. O retrato do Jesus Cristo libertador dos pobres latinos passou, mas as ferramentas que o criaram continuam em atividade hoje.

 

 

ENGLISH ABSTRACT

This article is an analysis of the hermeneutic of liberation theologian Leonardo Boff. Lopes critically reviews Boff´s most influential work, Jesus Christ Liberator, where his hermeneutical assumptions and method are clearly exposed. According to Lopes, the main hermeneutical assumptions of Boff´s "liberation christology" are: the validity of the historical-critical methods to uncover the historical Jesus, the philosophical hermeneutic of Hans-Georg Gadamer, the use of the hermeneutical circle in interpretation, emphasis on the discontinuity between historical christological models, dependence on social analysis as a hermeneutical key, the reader as locus of meaning, and faith and praxis as necessary for understanding Scripture. Lopes offers a critical evaluation of each of these points, as he exposes and discusses them. Also, similar views defended by Jose Severino Croatto, another catholic liberation theologian, are evaluated. After summarizing Boff´s conclusions about the Jesus of history and the Christ of faith, Lopes points out some theological reservations that Reformed scholars certainly would posit against Boff’s theological assumptions: an implied semi-pelagianism, the idea that Christ can be known outside Scripture, God rejected as the only source of true knowledge, a radical Kantian separation between faith and reason, the concept of faith without the Scriptures and his omission of the work of the Holy Spirit in interpretation and understanding.

 

 

 

NOTAS

1 Leonardo Boff, Jesus Cristo Libertador: Ensaio de Cristologia Crítica Para Nosso Tempo (São Paulo: Vozes, 1972). A pesquisa para este artigo foi feita na sexta edição (1977). Outras obras de Leonardo e Clodovis Boff aqui citadas foram pesquisadas na biblioteca do Seminário Teológico Westminster (Filadélfia), onde os livros de Leonardo e Clodovis Boff disponíveis estão traduzidos para o inglês.

2 Suas duas últimas publicações nessa linha são A Águia e a Galinha – Uma Metáfora da Condição Humana (São Paulo: Vozes, 1997) e O Despertar da Águia – O Diabólico e o Simbólico na Construção da Realidade (São Paulo: Vozes, 1998). Da sua fase ecológica temos Ecologia – Grito da Terra, Grito dos Pobres (São Paulo: Ática, 1996).

3 Bonaventure Kloppenburg, Temptations for the Theology of Liberation, Synthesis Series nº 65 (Chicago, 1974), 13.

4 O livro Hermenêutica Bíblica de J. Severino Croatto, teólogo católico, é um exemplo de uma hermenêutica escrita dessa perspectiva: Hermenêutica Bíblica: Para Uma Teoria da Leitura como Produção de Significado (São Paulo: Paulinas-Sinodal, 1986). O original foi publicado em Buenos Aires: Ediciones La Aurora, 1984.

5 Isso não significa que Boff creia na literalidade da ressurreição de Jesus. Embora faça freqüentes menções à ressurreição de Jesus em Jesus Cristo Libertador, ele não parece acreditar numa ressurreição física e literal de Jesus. Ele insiste que não foi a revivificação de um cadáver mas a transformação radical e a transfiguração da realidade terrestre de Jesus, a concretização do Reino de Deus na vida de Jesus (p. 224), seguindo assim a tendência geral do liberalismo clássico de espiritualizar a ressurreição. Harvey Conn comenta: "Boff não leva em conta o túmulo vazio. Aceita as aparições de Jesus após a morte como sendo trans-subjetivas, isto é, as histórias das aparições testemunham de um impacto que o mistério impôs aos discípulos" (Harvey Conn e Richard Sturz, Teologia da Libertação, Coleção Pensadores Cristãos [São Paulo: Mundo Cristão, 1984], 92).

6 Ver a resenha de Thomas Fingers sobre Jesus Cristo Libertador em Sojourners 11 (Maio 1982), 36-37.

7 Ver Conn e Sturz, Teologia da Libertação, 92.

8 Croatto, Hermenêutica Bíblica, 37-38. Outra obra mais recente na mesma direção é Philip R. Davies, In Search of "Ancient Israel," em Journal for the Study of the Old Testament, Supplement Series 148 (Sheffield: JSOT, 1992).

9 Croatto, Hermenêutica Bíblica, 43.

10 Ibid., 65.

11 Ibid., 65-66.

12 Ver a análise de Conn e Sturz, Teologia da Libertação, 91.

13 Praxis, do grego pra/ssw, significa fazer, agir, praticar ou exercitar um arte, uma ciência ou uma habilidade. Na teologia da libertação, o termo é usado para o engajamento sócio-politico da igreja em favor dos pobres e oprimidos.

14 Apenas como exemplo, nas notas referentes ao capítulo sobre hermenêutica, Boff refere-se a diversas obras sobre o assunto, especialmente a G. Stachel, R. Marle, H. Cazelles, F. Ferré, W. Kasper, R. Bultmann (Glauben und Verstehen), J. Moltmann, L. Wittgenstein (Tractatus Logico-Philosophicus), H. D. Bastian e Hans Gadamer (Truth and Method). Boff parece ter sido influenciado especialmente por Moltmann, Bultmann, Wittgenstein e Gadamer. A influência de Gadamer pode ter sido mais indireta, através do irmão de Boff, Clodovis, que publicou o mais competente tratamento da metodologia teológica escrita por um latino-americano. Nesta obra ele usa extensivamente as idéias de pensadores como Bachelard, Bourdier, Gadamer, Habermas, Ricouer, Piaget, e Foucault, bem como dos principais teólogos modernos (Phillip Berryman, Liberation Theology: Essential Facts about the Revolutionary Movement in Latin America and Beyond [Nova York: Pantheon Books, 1987], 81). Ver ainda Conn e Sturz, Teologia da Libertação, 90.

15 Michael L. Cook, "Jesus from the Other Side of History: Christology in Latin America," Theological Studies 44 (1983), 258-287. Ver p. 269.

16 Ibid., 270. Ver também as críticas de Robert Kress, "Theological Method: Praxis and Liberation," Communio 6 (1979), 132. Defendendo Boff, Ferm responde que tais críticas não se justificam, desde que Boff deixa clara sua discordância de pensadores europeus. "A teologia da libertação não é indivisível, mas rica e variada" (Deane W. Ferm, Third World Liberation Theologies - An Introductory Survey [New York: Orbis Books, 1986] 44). Entretanto, apesar de discordar dos europeus, Boff utiliza-se profusamente do que produziram.

17 Boff nega que a teologia da libertação tenha como mentores Bultmann ou Marx (Leonardo Boff e Clodovis Boff, Liberation Theology: From Confrontation to Dialogue (San Francisco: Harper & Row, 1986), 19-20. Apesar disso, a influência do pensamento desses dois está indiscutivelmente estampada nessa obra de Boff.

18 Apesar de Boff reconhecer a realidade e a influência de compromissos básicos para uma compreensão da pessoa de Jesus, ele parece acreditar ingenuamente que existe neutralidade e objetividade no campo da ciência. Para uma breve discussão do caráter subjetivo do método histórico-crítico, ver Vern S. Poythress, Science and Hermeneutics, Foundations of Contemporary Interpretation, vol.6; ed. Moisés Silva (Grand Rapids: Zondervan, 1988), especialmente pp.18-20.

19 Sua obra clássica é Verdade e Método: Traços Fundamentais de uma Hermenêutica Filosófica (Petrópolis: Vozes, 1997), original alemão 1986.

20 Eric D. Hirsch, Validity in Interpretation (New Haven: Yale University Press, 1967).

21 Ver por exemplo o artigo de Oscar A. Campos, "Gadamer: Subjectivismo y Relativismo en la Hermeneutica," Vox Scripturae 8:1 (1998), 73-93. Sua conclusão de que Gadamer não é subjetivista nem relativista, na minha opinião, não ficou devidamente provada no artigo.

22 Segundo Joel C. Weinsheimer, Gadamer chegou ao ponto de sugerir que a verdade na interpretação é questão de gosto pessoal (Gadamer´s Hermeneutics: A Reading of Truth and Method [New Haven: Yale University Press, 1985], 111).

23 A definição de círculo hermenêutico adotada por Boff segue a conceituação clássica de Juan Luís Segundo, em The Liberation of Theology (Dublin: Gill and MacMillan, 1977), 8.

24 Berryman, Liberation Theology, 60-62.

25 Frances Young, resenha de Jesus Cristo Libertador, em Theology 84 (1981), 57-59.

26 Croatto, Hermenêutica Bíblica, 47ss.

27 Ver J. Severino Croatto, Exodus: A Hermeneutics of Freedom (Maryknoll: Orbis Books, 1981), 14-15 e 81-82.

28 Essa crítica é feita a Croatto por M. Daniel Carroll, "God and His People in the Nations’ History: A Contextualised Reading of Amos 1-2," Tyndalle Bulletin 47/1 (1996), 48-49. Ver também a seção sobre teologia da libertação latino-americana na obra de Anthony Thiselton, New Horizons in Hermeneutics: The Theory and Practice of Transforming Biblical Reading (Grand Rapids: Zondervan, 1992), 313-557, 587-90, 602-19.

29 Esse ponto merece mais atenção do que pode receber neste artigo. Basta notarmos, no momento, que Boff adota o pensamento de que o Cristo cósmico está encarnado na história, sociedade e estrutura humanas e, portanto, está presente em todas as formas de religião (Leonardo Boff, New Evangelization: Good News to the Poor [Nova York: Orbis Books, 1991], 71-72).

30 Esta é a crítica de J. Emmette Weir, em "The Bible and Marx: A Discussion of the Hermeneutics of Liberation Theology," Scottish Journal of Theology 35 (1982), 337-350. Ver p. 347.

31 Para a relação entre a alegorese e as novas hermenêuticas, ver Joseph W. Trigg, Biblical Interpretation, Message of the Fathers of the Church 9 (Wilmington, DE: M. Glazier, 1988), 50-55; John Rogerson et al., The Study and Use of the Bible, The History of Christian Theology 2 (Basingstoke e Grand Rapids: Marshall Pickering e Eerdmans, 1988), 389-91.

32 Ver Leonardo Boff, Jesus Christ Liberator: A Critical Christology for Our Time (Nova York: Orbis Books, 1978), 265. Nessa edição inglesa do livro de Boff foi acrescentado material que não aparece no original português.

33 Ibid., 266.

34 Leonardo Boff e Clodovis Boff, Salvation and Liberation: In search of a Balance between Faith and Politics (Nova York: Orbis Books; Melbourne, Austrália: Dove Communications, 1984), 8-9, também pp. 50-55.

35 Boff, Jesus Cristo Libertador, 272.

36 Ibid., 267.

37 Ver Leonardo Boff, Liberating Grace (Nova York: Orbis Books, 1979), 79.

38 Ver sua apologia veemente em Leonardo Boff e Clodovis Boff, Liberation Theology: From Confrontation to Dialogue (San Francisco: Harper & Row, 1986), 48-49; 65-72.

39 Ver Walter C. Kaiser, Jr. e Moisés Silva, An Introduction to Biblical Hermeneutics: The Search for Meaning (Grand Rapids: Zondervan, 1994), 234.

40 Ibid., 246.

41 Berryman, Liberation Theology, 60-62.

42 Boff, Jesus Christ Liberator, 267. Aqui se percebe nitidamente a influência de Moltmann: "Ler a Bíblia com os olhos do pobre é algo diferente de lê-la com o estômago cheio" (Jürgen Moltmann, The Church in the Power of the Spirit [Londres: SCM Press, 1978], 17).

43 R. Bultmann, Essays Theological and Philosophical (Londres e Nova York: SCM Press e Macmillan, 1955), 234-261. Ver a análise de Anthony Thiselton do ensino de Bultmann sobre pré-conhecimento ou pressupostos em The Two Horizons: New Testament Hermeneutics and Philosophical Description with Special Reference to Heidegger, Bultmann, Gadamer, and Wittgenstein (Grand Rapids: Eerdmans, 1980), 236-239.

44 John Goldingay, "Marx and the Bible: The Hermeneutics of Liberation Theology," Horizons in Biblical Interpretation 4 (1982), 133-161. Ver especialmente pp. 133-4.

45 Steve G. Mackie, "Praxis as the Context for Interpretation: A Study of Latin American Liberation Theology," Journal of Theology of South Africa 24 (1978), 31-45. Ver pp. 40-41.

46 Ibid., 32-33.

47 Miroslav Volf, "Doing and Interpreting: An Examination of the Relationship Between Theory and Practice in Latin America Liberation Theology," Themelios 8:3 (1983), 11-12.

48 Ibid., 13.

49 Ibid., 14.

50 Frances Young, resenha de Jesus Christ Liberator, em Theology 84 (1981), 57-59.

51 Thomas Fingers, resenha de Jesus Christ Liberator, em Sojourners 11 (Maio 1982), 36-37.

52 David Peterson, resenha de Jesus Christ Liberator, em The Reformed Theological Review 39:2 (1980), 49.

53 Ibid.

54 Young, resenha, 57-59.

55 Ver Cornelius Van Til, Doctrine of Scripture (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1967), 13.

56 Confira os argumentos de Cornelius Van Til, "My Credo," em Jerusalem and Athens, ed. E. R. Geehan (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1971), 3.

57 Cornelius Van Til, An Introduction to Systematic Theology (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1974), 133-135.

58 Citado por James M. Robinson, no prefácio da obra de Albert Schweitzer, The Quest of the Historical Jesus (Nova York: Macmillan, 1968), p.xvii.

59 Ver a análise de Moisés Silva, Has the Church Misread the Bible? Foundations of Contemporary Interpretation, vol. 1, ed. Moisés Silva (Grand Rapids: Zondervan: 1987), 111-118.

60 Númenos, na filosofia de Kant, são "as coisas em si mesmas", que não podem ser classificadas de acordo com o conhecimento humano. São as coisas que essencialmente escapam ao conhecimento humano, em contraste com fenômenos, aquelas coisas que são aparentes à consciência humana e objeto da experiência humana. O númeno, entretanto, mesmo não sendo perceptível ao conhecimento e à experiência humana, está por detrás das coisas que aparecem (fenômenos), e é a base da realidade.

61 Ver sobre isso C. Van Til, Christian Theory of Knowledge (Nutley, NJ: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1969), 32.

62 Van Til, An Introduction to Systematic Theology, 24-26.

63 Ibid., 13.