Os Avivamentos Norte-Americanos
Alderi Souza de Matos
A principal matriz do protestantismo norte-americano foi o puritanismo. Os
puritanos, que estavam entre os primeiros colonizadores dos futuros Estados
Unidos, chegaram à Nova Inglaterra a partir de 1620, estabelecendo-se
inicialmente em Massachusetts, e depois em Connecticut. Esses puritanos
calvinistas, que eventualmente criaram a Igreja Congregacional, davam muita
ênfase à experiência religiosa, especialmente à
experiência de conversão. Somente tornavam-se membros plenos das
igrejas aqueles que podiam dar um testemunho público e crível da
sua conversão. Assim, em sua fase inicial o puritanismo foi marcado por
uma grande intensidade religiosa, uma espécie de contínuo
avivamento. Essa característica do puritanismo haveria de influenciar
fortemente as diferentes manifestações do protestantismo
norte-americano.
Com o passar dos anos, as novas gerações perderam a
visão e o fervor religioso dos pioneiros. A crescente prosperidade
econômica e o avanço intelectual resultaram em um progressivo
entorpecimento da vida espiritual. Em meio a esse estado de coisas, muitas
pessoas começaram a orar por uma revitalização das igrejas
e dos seus membros. Era comum os pregadores lamentarem o declínio da
espiritualidade e conclamarem os seus fiéis a orar pelo avivamento. Essas
aspirações começaram a ser atendidas fora da Nova
Inglaterra, nas colônias centrais.
Além dos puritanos, outros calvinistas emigraram para a
América do Norte a partir do século XVII. Os principais grupos
foram os presbiterianos "escoceses-irlandeses" e reformados da Europa
continental. Entre esses grupos, começou um notável avivamento nas
primeiras décadas do século XVIII, especialmente na colônia
de Nova Jersey. O primeiro nome associado a esse avivamento foi o de Theodore J.
Frelinghuysen (1691-1747), um pastor reformado holandês influenciado pelo
movimento pietista. Pouco depois, outro ministro começou a ver
notáveis resultados em conseqüência de suas
pregações, o presbiteriano Gilbert Tennent (1703-1764). Estava
iniciado o que ficou conhecido como o Primeiro Grande Despertamento.
Todavia, o auge do despertamento ocorreu na Nova Inglaterra, que há
décadas vinha orando por essa visitação. Dois nomes ficaram
permanentemente ligados ao evento. O primeiro foi o de Jonathan Edwards
(1703-1758), jovem pastor da Igreja Congregacional de Northampton, em
Massachusetts. Em 1734, enquanto pregava uma série de sermões
sobre a justificação pela fé, surgiu em sua região
um avivamento que nos anos seguintes alastrou-se por toda a Nova Inglaterra.
Além da sua pregação, profundamente bíblica e
comprometida com a soberania de Deus, Edwards deu outra importante
contribuição à causa do avivamento. Em um conjunto de
escritos brilhantes, ele descreveu detalhadamente os fenômenos religiosos
do seu tempo e fez uma série de análises extremamente perspicazes
dos mesmos, destacando seus aspectos positivos e negativos. Dentre essas obras,
destacam-se Fiel Narrativa da Surpreendente Obra de Deus (1737),
Marcas Distintivas de uma Obra do Espírito de Deus (1741) e o
grande clássico Tratado Sobre as Afeições Religiosas
(1746).
O outro importante personagem associado ao Primeiro Grande Despertamento
foi o pregador inglês George Whitefield (1714-1770), que em 1740 fez uma
memorável turnê evangelística através de
várias colônias, encerrando-a na Nova Inglaterra. Durante meses,
Whitefield, um calvinista convicto que inicialmente havia trabalhado com John
Wesley, pregou quase todos os dias a auditórios que chegavam a oito mil
pessoas. Essa campanha produziu um enorme impacto em todas as colônias,
tornando-se o primeiro evento de amplitude "nacional" da história dos
Estados Unidos.
Nem todos os líderes ficaram entusiasmados com o avivamento. Na
própria Nova Inglaterra surgiu um forte reação da parte de
alguns pastores congregacionais, liderados por Charles Chauncy, de Boston, que
deploravam os excessos do movimento, especialmente o emocionalismo e as
manifestações físicas, julgadas grosseiras e eivadas de
fanatismo.
Após o Grande Despertamento, surgiu um dos períodos mais
decisivos da história dos Estados Unidos, que culminou com a
Revolução Americana e a Independência, em 1776. Esse
período foi marcado por um acentuado declínio na atividade
religiosa, uma vez que as pessoas estavam mais interessadas nas candentes
questões políticas da época.
Passado o período da emancipação política,
irrompeu um novo avivamento, que veio a ser muito mais duradouro e influente que
o anterior. O Segundo Grande Despertamento começou por volta de 1800,
novamente entre os presbiterianos, na localidade de Cane Ridge, em Kentucky.
Além de mais vasto e complexo, esse despertamento diferiu do primeiro em
outros aspectos importantes. Se o avivamento anteriror limitou-se essencialmente
aos presbiterianos e congregacionais, este atingiu todas as
denominações, especialmente os batistas e os metodistas, que
tiveram um crescimento vertiginoso e tornaram-se os maiores grupos protestantes
da América do Norte. Outra diferença foi geográfica e
social: enquanto que o primeiro despertamento ocorreu em áreas urbanas
próximas ao litoral, o segundo irrompeu na chamada "fronteira," a
região rural do meio-oeste com sua população móvel e
sua instável organização social.
Uma terceira diferença entre os dois avivamentos diz respeito
à sua teologia. Enquanto que o movimento do século XVIII teve uma
base solidamente calvinista, com sua ênfase na incapacidade humana e na
iniciativa soberana de Deus, o Segundo Despertamento revelou uma
orientação nitidamente arminiana, dando grande destaque ao
potencial de escolha e decisão do ser humano. Essa característica,
que combinava com os ideais de liberdade e iniciativa individual da jovem
nação, encontrou sua expressão mais eloqüente no
avivalista Charles G. Finney (1792-1875). Finney acreditava que o avivamento
podia ser produzido através do uso de técnicas, denominadas "novas
medidas", que incluíam apelos insistentes e carregados de
emoção, aconselhamento pessoal dos decididos e séries
prolongadas de reuniões evangelísticas. Esses elementos até
hoje estão presentes em uma parcela ponderável do evangelicalismo
mundial.
A partir do Segundo Grande Despertamento, o avivalismo tornou-se um
fenômeno bastante generalizado no protestantantismo norte-americano,
especialmente em sua ala evangélica. Esse interesse resultou em uma
curiosa instituição, que perdurou até as primeiras
décadas do século XX – o acampamento avivalístico
("camp meeting"). Tratava-se de grandes concentrações em zonas
rurais, por vezes bastante confusas, em que centenas de pessoas, inclusive
famílias inteiras, hospedavam-se em tendas e ouviam por vários
dias uma série de pregadores avivalistas. Essas reuniões foram
precursoras das grandes concentrações evangelísticas
realizadas desde o final do século XIX até os nossos dias, sob a
liderança de homens como Dwight L. Moody, Billy Sunday e Billy
Graham.
Além do notável crescimento das igrejas, um dos frutos mais
valiosos e duradouros do Segundo Grande Despertamento foi o surgimento de um
grande número de movimentos de natureza religiosa e social, as
"sociedades voluntárias". Essas organizações estavam
voltadas para causas como educação religiosa, abolicionismo,
temperança, distribuição das Escrituras e, acima de tudo,
missões nacionais e estrangeiras. Alguns exemplos marcantes, por ordem
cronológica de fundação, são os seguintes: Junta
Americana de Missões Estrangeiras (1810), Sociedade Bíblica
Americana (1816), União Americana de Escolas Dominicais (1824), Sociedade
Americana de Tratados (1825), Sociedade Americana de Educação
(1826), Sociedade Americana para a Promoção da Temperança
(1826) e Sociedade Americana de Missões Nacionais (1826). O Segundo
Grande Despertamento contribuiu decisivamente para o movimento
missionário do século XIX, que levou a mensagem evangélica
e instituições evangélicas (igrejas, escolas, hospitais) a
todas as regiões da terra, inclusive o Brasil.